quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Almoçar sem ver e sem necessidade de ser visto


Empresa que elege os produtos do ano e associação de cegos assinam protocolo para criar o selo de qualidade em 'braille' numa refeição de olhos vendados. O ideal seria que os rótulos em escrita 'braille' viessem do fabricante.
Bebi o vinho do vizinho do lado. Penso que a sopa era de tomate. Acabei por comer as costeletas de borrego com a mão e engoli a hortelã que enfeitava a sobremesa, um bolo de coco com gelado, acho! Percalços de quem está habituado a ver e que, ontem, almoçou com os olhos vendados. Uma forma da Peres & Partners e da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) selarem uma parceria que vai permitir que 42 produtos, seleccionados pelo consumidor em 2009, tenham um selo em braille.
O objectivo do "almoço às escuras" foi mostrar como é difícil a um cego executar as coisas mais simples do dia-a-dia se não tiver outro tipo de informação além da visual. E o "passo de gigante" que pode ser os produtos terem os rótulos em braille, como definiu Ana Sofia Antunes, secretária-geral da ACAPO, a Lei n.º 33/2008. Esta obriga à rotulagem para cegos e um acompanhante nas cadeias de supermercados com mais de cinco lojas e que tenham mais de 300 m2 de área. Um sistema que entrou em vigor no dia 22 de Janeiro deste ano e que as empresas cumprem, mas, em alguns casos, com sistemas deficientes, denúncia Ana Sofia. A direcção da ACAPO defende que a lei deve ser revista e tentam sensibilizar os fabricantes para rotularem os produtos em braille na origem.
Com o protocolo ontem assinado, o Produto do Ano também vai ter um selo em braille, iniciando-se, agora, a campanha de sensibilização junto das empresa fornecedoras dos produtos eleitos.
O Produto do Ano é uma iniciativa da Peres & Partners, que vai na quinta edição, e, este ano, distinguiu 42 produtos em oito categorias: alimentação e bebidas; higiene e cuidado pessoal; higiene doméstica e manutenção do lar; parafarmácia e utilidades para o lar. Durante um ano têm o direito a usar o selo de Produto do Ano, informação que tem estado inacessível aos cegos.
Voltando ao "almoço às escuras", Ana Sofia Antunes era a única com a experiência de um invisual, embora tenha alguma visão, e guiou os comensais, nomeadamente António Peres, presidente da Peres & Partners, José Serôdio, do Instituto Nacional da Reabilitação, e de José Fontoura, da Deco.
O tacto, o cheiro, o sabor e os sons adquirem um significado acrescido quando falta a visão. E curioso é que também acaba por ter um efeito secundário. O almoço torna-se mais informal e não se sente necessidade de fazer "conversa de circunstância". Ana Sofia concorda e tenta justificar com a necessidade que os visuais têm em prender a atenção do outro, em falar "olho no olho".

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