sexta-feira, 30 de setembro de 2022

O estudo intercalado melhora a capacidade de resolução de problemas

A prática de recuperação alternada — testar conhecimentos sobre diferentes tópicos de modo intercalado — aumenta a memória e a capacidade de resolver problemas. É esta a conclusão de um estudo publicado na revista Nature em novembro de 2021. Conduzido por Joshua Samani e Steven Pan, dos departamentos de Física e Astronomia e de Psicologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, esta investigação reforça a ideia de que estudar tópicos de forma alternada melhora a aprendizagem.

Os autores testaram 286 alunos universitários numa disciplina de Física durante oito semanas, utilizando os materiais de estudo comuns. Depois de cada aula, era habitual os alunos receberem nove problemas para fazer em casa, agrupados por tópico, em bloco (A-A-A-B-B-B-C-C-C). Na investigação, durante as primeiras quatro semanas metade dos alunos continuou a receber os problemas em bloco, enquanto a outra metade passou a recebê-los de forma alternada (A-B-C-A-B-C-A-B-C). Nas seguintes quatro semanas, inverteu-se o exercício, para evitar prejudicar um grupo de alunos, caso a aprendizagem com problemas em bloco diferisse daquela com problemas alternados.

Para medir os efeitos da prática intercalada após cada período de quatro semanas, Samani e Pan entregaram testes-surpresa aos alunos, de modo a minimizar efeitos que pudessem contaminar os resultados. Estes testes incluíam três problemas mais difíceis do que os incluídos nos habituais trabalhos de casa. Dois deles requeriam a integração de conceitos e procedimentos de tópicos diferentes, e o terceiro implicava a aplicação de um dos tópicos estudados a um novo cenário.

Os resultados obtidos indicaram que o desempenho dos alunos nos trabalhos de casa piorou quando receberam os problemas intercalados. Os próprios alunos reconheciam a dificuldade acrescida quando resolviam os problemas intercalados, que após a conclusão classificavam como «mais difíceis». No mesmo sentido, os participantes também consideraram ter aprendido menos após resolverem problemas intercalados.

No entanto, nos testes-surpresa, os alunos que resolveram problemas intercalados tiveram um desempenho muito superior ao dos colegas que receberam problemas em bloco: a mediana dos resultados no primeiro teste foi 50% mais elevada para os problemas intercalados do que para os problemas em bloco; no segundo teste, esta melhoria foi de 125%.

Analisando os resultados nos dois tipos de problemas presentes no teste-surpresa, os investigadores verificaram que os alunos que resolveram exercícios intercalados revelaram ter memorizado mais eficazmente as fórmulas necessárias para resolver os problemas no teste e deram respostas 100% corretas mais frequentemente do que os alunos que receberam problemas em blocos.

É de referir que nos exames intermédios (a meio do semestre) da disciplina todos os alunos tiveram resultados semelhantes. Porém, questionários realizados após os exames indicaram que a maioria dos alunos fez um estudo prévio intenso; além disso, os testes-surpresa poderão ter funcionado como uma excelente oportunidade de aprendizagem, contribuindo para a homogeneidade dos resultados.

Em resumo, os alunos que receberam problemas de forma intercalada tiveram pior desempenho enquanto os resolviam, sentiram mais dificuldades e subestimaram a sua aprendizagem, ao contrário dos alunos que resolveram os problemas em bloco. Este padrão inverteu-se quando os alunos fizeram testes-surpresa: os que tinham resolvido problemas intercalados tiveram melhor desempenho e conseguiram aplicar os conhecimentos a novos cenários e integrar conceitos e procedimentos de diferentes tópicos.

Estes resultados podem ser explicados por diferentes teorias. Em primeiro lugar, segundo um estudo de 2021 liderado por Alice Latimier, a prática intercalada implica a prática espaçada que, como já vimos noutros artigos, aumenta a aprendizagem. Outra teoria, apresentada em 2012 por dois grupos de investigadores, assume que a prática intercalada leva os alunos a inferir as características abstratas dos vários tipos de problemas em vez de se focarem nas suas características superficiais. Deste modo, conseguem identificar as categorias de problemas no teste melhor do que os alunos que praticaram os problemas em bloco.

Outra possível explicação, apresentada por John Dunlosky e outros investigadores em 2013, prende-se com o facto de a prática intercalada proporcionar aos alunos a oportunidade de compararem os diferentes tipos de problemas. Isto permite-lhes compreender as semelhanças e relações entre eles, o que potencialmente aumenta a capacidade de integrar conceitos para resolver exercícios que requeiram a combinação de vários tipos de problemas. Por fim, segundo um trabalho de 2011 de Elizabeth e Robert Bjork, o facto de os problemas intercalados serem mais difíceis de resolver pode tornar-se uma «dificuldade desejável», que leva os alunos a formar mais conexões entre os materiais. Esta explicação esclarece também por que motivos os alunos tiveram piores resultados nos trabalhos de casa intercalados e sentiram que aprenderam menos.

É de referir que estas explicações para os benefícios da prática intercalada não são mutuamente exclusivas. Todas podem contribuir para os benefícios observados. De qualquer modo, a conclusão deste estudo é que uma pequena alteração na forma como os trabalhos de casa são apresentados aos alunos pode melhorar a aprendizagem, não só em termos de memorização mas também de resolução de problemas.

Ludmila Nunes

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Comissão Europeia une esforços com pessoas com deficiência para salvaguardar os seus direitos

No âmbito da sua Estratégia para os Direitos das Pessoas com Deficiência e na sequência da apresentação do pacote para o emprego das pessoas com deficiência, a Comissão Europeia inicia uma campanha de sensibilização intitulada «Juntos pelos Direitos», a fim de garantir que as pessoas com deficiência gozem de direitos e oportunidades iguais.

O pacote para o emprego das pessoas com deficiência, anunciado pela Comissão, visa aumentar a taxa de emprego das pessoas com deficiência e garantir a acessibilidade no local de trabalho.

No dia 28 de setembro de 2022, das 14:00 às 15:00 CET (hora da Europa Central), terá lugar um evento virtual de lançamento da campanha «Juntos pelos Direitos». A comissária Helena Dalli apresentará o evento com a participação de Ioannis Vardakastanis, Presidente do Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência. O evento é organizado para os porta-vozes da deficiência e apoiantes da campanha, estendendo-se o convite aos jornalistas. Para participar no evento, registe-se aqui.

A comissária europeia responsável pela Igualdade, Helena Dalli, afirmou:

«Todas as pessoas devem viver uma vida sem discriminação e usufruir dos seus direitos numa União da Igualdade. Todos temos um papel a desempenhar neste esforço. A campanha Juntos pelos Direitos visa unir esforços com as pessoas com deficiência para promover e defender os seus direitos. Mas o seu sucesso depende da colaboração de todos os países da UE. A título prioritário, apelamos às autoridades nacionais para que estabeleçam metas de aumento da taxa de emprego das pessoas com deficiência.»

Nada sobre nós sem nós

A campanha «Juntos pelos Direitos» foi desenvolvida em consulta com as pessoas com deficiência e em prol das mesmas. Aumentará a sensibilização para os direitos das pessoas com deficiência até junho de 2023, em parceria com cidadãos da UE com diferentes deficiências. Estes «defensores» são ativistas inspiradores no domínio da igualdade. Ninguém está em melhor posição para nos dizer como construir uma União da Igualdade.

Cerca de 87 milhões de pessoas na UE vivem com alguma forma de deficiência. Apesar de alguns progressos, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar obstáculos diários e discriminação que as impedem de participar plenamente na sociedade. A situação é mais desafiante para as pessoas com deficiência que são mulheres, vivem em instituições, são oriundas de minorias ou têm antecedentes como refugiados.

Fonte: Recebido por correio eletrónico

domingo, 25 de setembro de 2022

Do lado de dentro da escola

No início de mais um ano letivo, é sempre possível identificar problemas, uns mais conjunturais, outros mais sistémicos, estando a questão da falta de professores omnipresente nos media. Muito se tem dito sobre isso, em Portugal e noutros países, admitindo-se que é um problema transversal a outras profissões.

E se, no início de um ano letivo, há algo de novo, gostaria de salientar neste texto aspetos que dizem respeito ao lado de dentro das escolas, sobretudo a vida que se observa em cada organização escolar, por mais técnica ou mesmo burocrática que possa ser em termos de administração e gestão.

Tudo começa com a complexidade da escola ou do agrupamento de escolas, numa simbiose de unidades com tipologias distintas, ofertas educativas diferenciadas e projetos pedagógicos específicos. Falar da escola é, assim, um exercício difícil, já que a diversidade organizacional, curricular e pedagógica se sobrepõe a um padrão escolar.

Apesar dos problemas, as escolas, seja no início do ano, dos semestres ou dos períodos letivos, seja ao longo do ano, vivem a intensidade quer do planeamento, na liderança de topo e nas lideranças intermédias, quer da planificação, ao nível dos conselhos de turma ou de outros modos de organização dos alunos.

No dia marcado para o início das aulas, há muito trabalho que já foi realizado, contabilizando-se, também, inúmeras reuniões, intensamente participadas. Quer dizer, assim, que há imenso trabalho realizado nas escolas que não é incluído em horário algum e sem o qual se perderia o hábito de “vestir a camisola”.

Há documentos estruturantes que foram objeto de análise, com destaque para o Projeto Educativo, para o Plano Anual de Atividades e para o Regulamento Interno, sendo ainda acrescentados o Projeto de Educação para a Cidadania, o Plano de Inovação, ainda em fase de apropriação pelas escolas, e o Plano de Autoavaliação.

Discutiu-se, de igual modo, a articulação curricular vertical e horizontal, flexibilizou-se o currículo e arquitetaram-se medidas de apoio pedagógico e medidas de educação inclusiva (universais, seletivas, adicionais).

Além disso, foram objeto de análise, sobretudo nos departamentos e/ou conselhos de turma, as aprendizagens essenciais, o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e os critérios de avaliação das aprendizagens, tal como se vive intensamente, de modo transversal à sociedade, a transformação digital da educação, cuja caracterização transporta a escola e as salas de aula para novas formas de organização, incluindo alterações significativas nos modos de ensinar e aprender. É uma revolução pedagógica silenciosa que está em curso, para cuja aceleração a pandemia contribuiu bastante.

As escolas vivem de forma específica os seus projetos, acrescentando-lhes uma mais-valia que apenas é compreendida se devidamente valorizada a participação de docentes, alunos, assistentes, encarregados de educação, outros elementos da comunidade e profissionais que fazem parte de equipas qualificadas, com capacidade de intervenção nas mais diversas ações das escolas, por exemplo, no ensino profissional, em que as parcerias estabelecidas são fundamentais para uma aprendizagem profissional em contexto, nos apoios pedagógicos, que envolvem medidas muito diversas, reforçadas na pós-pandemia, de modo a responder à perda de aprendizagens, e na educação inclusiva.

Por conseguinte, a inclusão representa, sem dúvida alguma, a identidade das escolas através de projetos multidisciplinares, realizados por vários profissionais, em que não está em causa a competição dos resultados académicos, mas a personalização da aprendizagem e a promoção de uma cidadania direcionada para os problemas globais e respetivas respostas contextualizadas.

Não é sem sentido que a educação inclusiva e a equidade constituem, hoje em dia, a trave-mestra das políticas educativas transnacionais, largamente divulgadas pela ONU e pela UNESCO, entre outras organizações, reforçando a ideia de que a qualidade das escolas não depende tanto dos resultados académicos, por mais que sejam valorizados a nível internacional, caso da OCDE, por intermédio do teste PISA, mas sobretudo dos resultados sociais, em que aprender a viver juntos é um dos saberes focados no Relatório Delors.

Com efeito, a questão mais central para as escolas não é a de saber quão eficientes são, mas quão inclusivas se tornam pelas suas práticas de educação e formação, pois uma escola é construída pelas ideias e pelas ações de todos aqueles que fazem parte da comunidade educativa, por mais distanciamento que manifestem em determinados momentos.

No início de mais um ano letivo, muitas escolas estão a preparar-se para a avaliação externa, no âmbito do 3.º ciclo, iniciado em 2018 e suspenso por um período de tempo alargado na pandemia, e reatado em outubro de 2021, num processo em que a autoavaliação assume um lugar preponderante, porque sem avaliação interna não pode haver avaliação externa que tenha uma dimensão formativa. Para umas, é a continuidade de outras experiências de avaliação externa, para outras, incluindo escolas privadas, é o início de atividade totalmente nova e desafiante.

Apesar de tantos problemas, as escolas continuam na sua ação de educação e formação, desempenhando um papel fundamental no desenho de futuros, nos quais as crianças e os jovens viverão como adultos, não se esquecendo, decerto, dessa torrente de vida que faz de cada escola um lugar privilegiado de pertença pessoal e social.

José Augusto Pacheco

Fonte: Público por indicação de Livresco

sábado, 24 de setembro de 2022

Pais de crianças com necessidades especiais queixam-se de não aplicação da lei

 

O regime jurídico da Educação Inclusiva em Portugal, aprovado em 2018, traçou uma nova direção na realidade dos milhares de crianças e jovens com Necessidades Educativas Especiais. Quase quatro anos depois, há pais que consideram que a lei não é aplicada.
Com uma pandemia a deixar marcas irreparáveis, existem encarregados de educação revoltados por os filhos terem passado de ano sem entenderem muito bem como. Acusam as escolas de usar as crianças como meras estatísticas.

Fonte: RTP por indicação de Livresco, com vídeo

Educação Especial: uma gota no oceano da Educação

No início de um novo ano letivo, somos confrontados com números enormes: milhares de alunos sem professor, milhares de professores em falta nas escolas. Porém, é para um número mais pequeno que queria hoje chamar a atenção dos leitores, o número dramático de alunos que frequentam atualmente as escolas de educação especial e que se arriscam de um dia para o outro a ficar de fora do sistema educativo que as deveria acolher e acompanhar. Estamos a falar de 470 alunos, em escolas que os Governos têm vindo a asfixiar aos poucos, mantendo os subsídios que remontam a 2008.

Para quem não acompanhe de perto esta realidade, convém clarificar.

As escolas de ensino especial são estabelecimentos de ensino privado que recebem alunos com necessidades de acesso ao currículo especialmente severas e que necessitam de apoios que a escola pública não está em condições de assegurar. Estes apoios traduzem-se num espaço escolar totalmente dedicado a si, uma equipa multidisciplinar de docentes e técnicos e toda uma estrutura escolar especializada. São alunos maioritariamente oriundos de famílias de baixos recursos, que não conseguem mobilizar os recursos adicionais necessários para o acompanhamento do percurso escolar fortemente adaptado.

A Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Práticas na área das necessidades educativas especiais, assinada por mais de 300 delegados à Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais que se realizou naquela cidade espanhola a 10 de junho de 1994, foi subscrita por Portugal. É um documento que estabelece princípios fundamentais de políticas educativas baseadas numa ideia de educação inclusiva, fomentando a capacitação das escolas para atender todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais.

Ao longo das quase três décadas que nos distanciam daquele tempo, Portugal deveria e poderia ter feito mais e melhor nesta área específica. A agenda da educação inclusiva foi uma bandeira política de sucessivos Governos, mas nunca foi uma agenda verdadeiramente central, a que fossem alocados os recursos necessários. Isto teve um resultado perverso. Por um lado, não foram criadas as condições necessárias para que todos pudessem frequentar o ensino geral e, por outro lado, algumas ofertas especiais que dão resposta aos casos mais graves sofreram um desinvestimento brutal. Está à vista o resultado, com o que resta dos estabelecimentos de educação especial à beira de desaparecer por completo. Fica a sensação, porventura injusta, de que a agenda da educação inclusiva tem servido mais para ocultar as necessidades das crianças do que para atender a cada uma na sua especificidade.

No caso dos colégios de educação especial, frequentados por alunos encaminhados pelo Ministério da Educação que não encontram apoio nas escolas de ensino geral, o apoio financeiro foi minguando, ano após ano. Em 2008, a sua existência foi inclusivamente posta em causa pelo Governo da altura, que acabou a eito com a educação especial – Decreto-Lei n.º 3/2008 –, tendo obrigado o Partido que suportava o Governo a chamar o diploma ao Parlamento e a reverter algumas das medidas que haviam sido decididas pelo Executivo, nomeadamente a extinção dos colégios de educação especial.

Recorde-se que, à época, o Governo tinha uma maioria absoluta e que o partido político que suportava essa maioria no Parlamento foi determinante para reverter a direção política errada que estava a ser seguida. Salvaram os deputados alguns cacos de uma peça partida, mas o golpe foi demasiado violento para que esse segmento educativo voltasse alguma vez a recuperar.

Os mais céticos dirão que se trata de uma gota de água: 470 crianças e jovens, num universo de 1,3 milhões de alunos em Portugal. Porém, é responsabilidade do Estado garantir a plena integração de todos os cidadãos e atender de modo particular aos mais frágeis.

Na já mencionada Declaração de Salamanca constata-se que os governos são instados a “adotar como matéria de lei ou como política o princípio da educação inclusiva, admitindo todas as crianças nas escolas regulares, a não ser que haja razões que obriguem a proceder de outro modo” (negrito meu).

Ora os estabelecimentos de educação especial privados, que trazem a resposta educativa que a escola pública não está em condições de assegurar, recebem do Estado uma verba anual por aluno inferior ao custo de educação de um aluno sem dificuldades numa escola pública estatal. Turmas com menos alunos, mas com mais profissionais na sala; mais docentes, psicólogos e outros técnicos com formação específica.

O número mágico que permitiria dar a estas crianças a esperança da Educação (e quantas não perseveram e vencem por causa da educação e atenção que recebem nestes estabelecimentos de ensino?) é um milhão e quinhentos mil euros! O que corresponde a 0,019% (leu bem, zero vírgula zero dezanove por cento) do orçamento da Educação em Portugal, que é de cerca de oito mil milhões de euros. Uma pequena gota de água no oceano da Educação para Todos. Um milhão e meio de euros que fariam toda, mas toda a diferença, para a vida e o futuro destas cerca de quatro centenas de crianças.

Para terminar, desafio o leitor a uma consulta e a uma ação. A consulta é aos valores dos custos de funcionamento dos gabinetes ministeriais em 2020 (a tendência é que atualmente sejam superiores). A ação é de que assine a petição pública para defesa da educação especial. Junte a sua ação à nossa. Para que o Governo, com a concordância dos partidos com assento parlamentar, permita que a gota que falta se possa juntar ao oceano de recursos que deveria existir numa Educação para Todos. Há sinais positivos vindos do Ministério da Educação, cumpre-nos dar-lhe o respaldo que possa ser necessário junto dos restantes ministérios.

João Muñoz de Oliveira

Vice-Presidente da AEEP — Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo

Fonte: Observador por indicação de Livresco

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A leitura enquanto obstáculo à matemática

Há alguns anos, quando integrei o conselho diretivo de uma escola básica nos Estados Unidos da América, os professores descreveram um fenómeno incomum que observaram em aula. Por vezes, quando as crianças não conseguiam resolver os problemas de matemática sozinhas, os professores experimentavam ler os anunciados em voz alta, e assim elas conseguiam resolvê-los. Era evidente que aqueles alunos conseguiam fazer as contas. Só não conseguiam entender as palavras.

Mais tarde, durante a pesquisa para um livro sobre alfabetização, fui observar o ensino da leitura numa sala de primeiro ano, mas aquele tempo de aula era afinal dedicado à matemática. Decidi assistir mesmo assim, e percebi que as dificuldades na compreensão oral, e não só na compreensão escrita, podem interferir com a habilidade dos alunos para a matemática.

Enquanto a professora se reunia com um pequeno grupo, os outros alunos trabalhavam de modo independente em aparelhos digitais, com auriculares que lhes permitiam ouvir as instruções dos problemas a resolver. Deste modo, e apesar de terem dificuldades na leitura, a professora terá pensado que seriam capazes de compreender o que era suposto fazerem. No entanto, como percebi ao percorrer a sala, a realidade não era essa. Um menino ouviu o enunciado «acrescenta oito a três», mas só depois de eu lhe ter explicado percebeu que acrescentar significa somar. Outro menino tinha à frente uma sequência de números que ia do 80 ao 90, e ouviu a pergunta «que número é anterior a 84?». Depois de o ter visto clicar no 85, no 86 e ainda no 87, percebi que não compreendia o termo anterior. Assim que o elucidei, assinalou de imediato a resposta certa.

Vi outros alunos do primeiro ano a resolver problemas com enunciados como «arredonda 119 à dezena mais próxima» ou «calcula a área do triângulo em metros quadrados». Dei por mim a pensar se estas crianças saberão o significado de palavras como arredondar, área e metros quadrados.

O plano curricular do ensino básico americano assenta na noção de que todo o conhecimento importante pertence ao domínio da leitura ou da matemática, e todos os testes padronizados reforçam essa ideia. Esta perspetiva tem um problema sobre o qual já escrevi no passado: uma visão demasiado redutora de tudo o que a leitura implica. Para que os alunos consigam compreender o que leem, têm de adquirir algum vocabulário que só se encontra no contacto com estudos sociais, ciência ou artes — disciplinas que têm sido marginalizadas ou até interrompidas para libertar tempo para a leitura e a matemática.

Por outro lado, a leitura não é de todo independente da matemática. Se não formos capazes de ler um problema de matemática, não o conseguimos resolver. E mesmo que sejamos capazes de o ler, ou tenhamos alguém que no-lo leia em voz alta, se nos faltar vocabulário essencial à sua compreensão, também ficamos na mesma.

Outros investigadores identificaram este problema. Num artigo publicado no The74, Lynne Munson, que dirigiu a criação de um programa chamado Matemática Eureka e que é mãe de uma criança disléxica, explicou recentemente de que modo a dislexia afeta o desempenho matemático. Após ter recebido uma carta onde um aluno disléxico do sexto ano se queixava de que a linguagem usada no Matemática Eureka era difícil de ler e compreender, Munson e os colegas alteraram o programa para usar palavras mais simples e frases mais curtas, evitando a verbosidade sempre que possível.

Para tornar a matemática acessível a todos, defende Munson, as escolas devem seguir programas que respeitem a necessidade de os alunos compreenderem os problemas que têm de resolver. A autora aconselha os professores a planear as aulas de matemática tendo em conta alguns princípios. Eis alguns exemplos: deixar muito espaço em branco nos manuais e nas fichas, escolher tipografia que seja fácil de ler e ensinar de forma intencional «palavras que parecem difíceis mas que são necessárias para a construção de um léxico matemático». Esta explicação deve incluir termos como acrescentar, somar e total. Até anterior, no caso de alguns alunos.

Um estudo recente com alunos não nativos do inglês veio mostrar outro ângulo deste problema, e o que fazer para o combater. Olhando para o universo de alunos entre os 5 e os 17 anos, os que aprendem inglês como língua estrangeira são o grupo que mais tem crescido, contabilizando perto de cinco milhões. No seu conjunto, estes alunos obtêm resultados inferiores aos nativos de língua inglesa nas provas globais de matemática. Estes investigadores trabalharam com uma professora que ensinava língua inglesa a alunos do terceiro ano com dificuldades de aprendizagem a matemática. Concentraram-se em problemas com enunciados escritos, uma área difícil para os alunos por causa do vocabulário desconhecido. A professora recebeu indicações para dar exemplos de conceitos matemáticos, mas também para definir algumas palavras e usá-las no seu contexto, pedindo aos alunos que debatessem o problema e que o reescrevessem no quadro com uma frase que começasse com «A pergunta é…».

Os investigadores tinham classificado os problemas em quatro níveis de dificuldade com base nos conceitos e na terminologia matemática utilizada. Os alunos começaram todos no primeiro nível, mas passados cerca de 20 minutos de aula, já todos tinham chegado ao nível três ou ao nível quatro. Uma avaliação posterior mostrou que o conhecimento que adquiriram não se perdeu. É certo que o estudo foi limitado, incluindo apenas num professor e nove alunos, divididos em grupos de três. Mas não deveria ser preciso um estudo em larga escala para nos convencer como é importante garantir que os alunos conseguem ler e interpretar os problemas que queremos que resolvam.

Este estudo realçou uma abordagem que poderá ser útil no ensino da matemática: pedir aos alunos que escrevem sobre a matéria que estão a aprender. Os investigadores referiram que os alunos que fizeram comentários como: «Gostei que o professor nos explicasse as coisas passo a passo, com palavras, e que pudéssemos falar sobre matemática com escrita.» Já o professor apreciou passar pelas «etapas fundamentais da leitura e da escrita para resolver problemas de linguagem».

Em termos latos, os estudos demonstram que pedir aos alunos que escrevam sobre a conteúdo a reter, não só na matemática mas em disciplinas de humanidades ou ciências, favorece a aprendizagem. No entanto, isto não significa que escrever qualquer coisa relacionada com a matemática seja útil. Por exemplo, pedir aos alunos que escrevam um «diário da matemática», onde anotem as suas ideias e experiências com esta disciplina, pode não funcionar para aqueles que veem na escrita uma tarefa demasiado complexa.

Uma abordagem que funciona para muitos alunos é usar indicações escritas certeiras encaixadas no conteúdo matemático a aprender, começando logo ao nível das frases para aliviar a elevada carga cognitiva que a escrita requer. Por exemplo, se o conteúdo for a relação entre frações e decimais, podemos dar aos alunos a frase as frações são como decimais e pedir-lhes que a transformem em enunciados que utilizem os termos porque, mas e portanto.

Os alunos podem criar frases como:
  • As frações são como decimais porque são ambas partes de um todo.
  • As frações são como decimais, mas escrevem-se de forma diferente.
  • As frações são como decimais, portanto são intercambiáveis.
Exercícios deste género, se forem feitos com cuidado, reforçam vocabulário e conceitos matemáticos fundamentais enquanto familiarizam os alunos com sintaxe mais complexa, que raramente ocorre na oralidade. Por exemplo, depois de se sentirem à vontade com a utilização do mas, podem tentar fazer construções mais sofisticadas com apesar de: Apesar de serem como decimais, as frações… (Estes exemplos foram retirados de um livro do qual sou coautora: The Writing Revolution: Advancing Thinking Through Writing in All Subjects and Grades. Não tenho interesses financeiros no livro nem na organização The Writing Revolution.)

Como ilustra o episódio que desrevi no início deste artigo, não são só os alunos disléxicos ou que estão a aprender inglês como segunda língua que tiram partido de esclarecimentos sobre a linguagem usada em matemática. Dado que apenas 34% dos alunos do oitavo ano obtiveram uma classificação boa ou muito boa nos exames nacionais, e que a percentagem desce para 15% nos casos de crianças com pais sem educação superior, é óbvio que temos de eliminar o máximo de obstáculos que conseguirmos. E garantir que as crianças conseguem ler e interpretar os problemas matemáticos não devia ser assim tão complexo.


Esta publicação tem por base um artigo publicado pela Forbes.com.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Burocracia a mais, menos horas para projetos pedagógicos. A escola vista por três gerações de professores

"Sinto que a escola passou a ser menos focada no trabalho pedagógico, passando a estar demasiado centrada no trabalho burocrático". "Estou muito insatisfeita com o sistema, não só do ponto de vista remuneratório, mas também pela falta de dignidade que a carreira docente passou a ter". "Tudo tem corrido tranquilamente".

Três frases, três professoras e cada uma com uma visão diferente, talvez complementar no caso das duas primeiras respostas, do que é ser docente em Portugal atualmente agora que se inicia o ano letivo 2022/23.

Apesar de confiantes quanto ao novo período escolar, Catarina Batista, Cristina Domingues e Natércia Gouveia apontam as falhas e as dificuldades que dificultam a evolução do ensino em Portugal.

A mais nova das três docentes é Catarina Batista (27 anos), é de Setúbal e dá aulas há cerca de três anos. Ainda em início de carreira, a professora admite que até ao momento não atravessou adversidades na profissão e que tudo tem corrido "tranquilamente" - uma perspetiva que contrasta com a de Natércia Gouveia e Cristina Domingues, que em tantos anos de carreira já presenciaram alguns dos problemas que há muitos anos caracterizam a profissão. Mas já aí vamos.

Neste ano letivo, Catarina vai ter a responsabilidade de ensinar crianças do segundo ano de escolaridade, depois de ter iniciado a sua carreira numa época marcada pela pandemia, em que as aulas online passaram a ser rotina e as máscaras dificultaram o ensino presencial. "Foi um grande desafio, mas no final correu tudo bem e o mais importante é que os alunos conseguiram aprender", diz.

No Colégio das Faias, onde dá aulas, espera que este ano seja diferente e mais otimista tendo em conta a nova realidade, para que se consigam consolidar algumas matérias que possam ter ficado para trás. "É preciso dar um passo para trás, para depois se dar dois para a frente. Vai ser um ano de atingir objetivos", admite.

Catarina admite que o uso de máscara durante o período de pandemia na sala de aula dificultou a aprendizagem dos alunos, verificando a necessidade de terapia da fala em alguns casos específicos. "Isto envolve também a nível da escrita. Se eles não conseguem entender bem os sons, também vão ter dificuldade a escrever e a ler", explica.

Cristina Domingues, 47 anos, é natural de Pampilhosa da Serra e dá aulas de inglês há 25 anos. Atualmente na Covilhã, desde pequena que soube que queria ser professora, inspirando-se na mãe que foi professora primária: "O gosto pela profissão a juntar ao gosto pelas línguas estrangeiras levou a uma escolha natural que foi ser professora."

Depois de 25 anos nas escolas, a admiração pela sua profissão continua a mesma, sendo os alunos a principal motivação para continuar a dar aulas. No entanto, admite que existem vários fatores que têm tornado a vida de docente "menos agradável".

"Sinto que a escola mudou e passou a ser menos focada no trabalho pedagógico, passando a estar demasiado centrada no trabalho burocrático. A parte administrativa que temos de fazer acaba por tirar-nos um tempo precioso para aquilo que é de facto o trabalho pedagógico, e que devia ser a tarefa central dos professores", defende.

Para Cristina Domingues a carga burocrática das escolas tem sido um grave problema para os docentes: "Quando iniciei a minha carreira tinha tempo para ser criativa e para pesquisar atividades novas a desenvolver com os estudantes. Havia mais tempo para trabalhar em articulação com os colegas e atualmente sentimo-nos esmagados pela burocracia".

"As nossas horas livres são passadas a trabalhar para a escola e existe falta de tempo para o trabalho pedagógico. Há um grande desrespeito pelo nosso tempo de descanso e o tempo para a família", sublinha.

Desde que começou a sua carreira, diz que hoje as diferenças são "abismais", tanto nos alunos como no ensino em si. "Os alunos de hoje são radicalmente diferentes dos que quando comecei a dar aulas. Têm interesses distintos e até a forma como comunicam se alterou. Vejo diferenças também na escola que temos hoje, que é uma escola muito tecnológica".

Natércia Gouveia, 59 anos, dá aulas de história há 35 anos a jovens entre o 7.º e o 12.º ano na Escola Secundaria D. João II, em Setúbal.

Neste ano letivo, a professora acredita que todos terão de se adaptar à nova realidade, depois de dois anos de ensino fortemente condicionado pela pandemia.

Para Natércia, ser professor é "muito gratificante do ponto de vista humano", porém, considera que a carreira é tem muitos problemas, entre eles o ponto de vista monetário que é "pouco vantajoso". "Os alunos são o que me faz estar no ensino, mas estou muito insatisfeita com o sistema, não só do ponto de vista remuneratório, mas também pela falta de dignidade que a carreira docente passou a ter", resume.

Natércia Gouveia considera uma "violência" a excessiva carga horária que não permite aos professores terem tempo livre. "Levamos para casa não só os trabalhos para corrigir e a preparação de aulas, como também os problemas. Não dá para abstrair do que acontece na escola", justifica.

Aliás, a professora defende que a escola "acaba por ser muitas vezes um depósito de crianças", dado que muitos pais têm dois trabalhos e pouco tempo livre para conseguirem estar com os filhos, cabendo aos professores muitas responsabilidades.

No caso da colocação de professores, a docente destaca a instabilidade do processo e defende uma reforma do ensino em Portugal, uma vez que muitos dos docentes passam a maior parte da sua carreira à procura de "um lugar ao sol" para conseguirem pertencer aos quadros da profissão.

Resumidamente, estes são "os desafios diários que fazem parte da profissão", lamenta Natércia.

Um "desalento" no futuro

Tanto Cristina como Natércia consideram que ser professor atualmente é sinónimo de uma carreira sem perspetivas e pouco atrativa devido ao salário, excesso de carga horária e horas extraordinárias e difícil processo de colocação de professores.

"Não há dinheiro que pague a falta de condições que se sente atualmente. É preciso adequar as estratégias às realidades", expõe Natércia.

Já Cristina, revela um profundo "desalento": "O tempo passa e continuo a ver a profissão não reconhecida. Tem que haver no discurso político uma valorização dos professores. É necessário ainda haver respeito pelas situações de doença, pela proximidade à residência e é indispensável rever o regime de concursos e torná-lo mais claro no geral. Se a carreira for mais atrativa, certamente que se irá resolver a falta de professores", conclui.

Fonte: DN por indicação de Livresco

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Uma escola nova a cada ano letivo

No início de mais um ano letivo, muitos professores preparam-se para o regresso às aulas e, para muitos, será também a chegada a uma escola nova. Este fenómeno da rotação de professores e consequente instabilidade é comum no Sistema de Ensino português. Considerando o período entre 2007 e 2018, em média, por agrupamento de escolas públicas, a percentagem de professores novos em cada ano letivo flutuou entre os 20% e os 30%. No ano letivo 2017/18, em 90% dos agrupamentos, mais de 20% dos professores eram novos nestes mesmos agrupamentos. Esta rotação é mais prevalente entre os professores contratados, tendo picos para os professores de quadro nos anos de concurso interno, ou seja, quando os professores de quadro podem concorrer a outras escolas. O sistema tem uma enorme dança de cadeiras e estes números espelham bem a instabilidade para escolas e professores.

Esta rotação não é indiferente para os resultados das escolas. Apesar de não haver uma medição do impacto que tal pode ter nas aprendizagens no caso português, noutros Sistemas de Ensino, como o inglês ou americano, foi possível mostrar que a excessiva rotação de professores tem um impacto negativo sobre os resultados dos alunos. Tal resulta essencialmente da perda de professores que estavam mais habituados a lecionar no contexto específico de cada escola.

Mas esta rotação não é igual para todas escolas, sendo que são aquelas que estão enquadradas em meios socioecónomicos mais desfavorecidos que veem uma maior mudança dos seus professores de um ano letivo para outro. Senão vejamos, se medirmos a composição social da escola através da percentagem de mães que têm Ensino Superior, podemos verificar que esta está correlacionada com o nível de rotação do corpo docente. Entre 2007 e 2018, nas 10% de escolas com maior concentração de mães com o Ensino Superior, em média, em cada ano, a percentagem de novos professores é de 22%. No sentido contrário, as 10% de escolas com menor concentração de mães com o Ensino Superior teve uma rotação média no mesmo período de 27%. Contudo, quando nos focamos nos anos em que existiu concurso interno de professores, ou seja, anos em que os professores de quadro de escola puderam mudar de agrupamento, esta diferença entre os dois tipos de escola aumenta - 27% vs. 37%. Encontramos diferenciais semelhantes na rotatividade de professores, quando comparamos escolas considerando com maior ou menor concentração de alunos com Ação Social Escolar ou onde a média dos resultados dos alunos nas provas de final de ciclo é mais alta ou mais baixa. Ou seja, a rotatividade não é igual em todas as escolas, sinalizando que os professores têm poucos incentivos para permanecer em escolas de contextos menos favoráveis ao desenvolvimento das aprendizagens.

É hoje claro nos estudos quantitativos dos determinantes do sucesso escolar dos alunos que, apesar da enorme condicionante dos fatores familiares, é o professor que, dentro da escola, mais pesa nos resultados destes alunos. Neste sentido, devemos interrogar-nos que incentivos existem hoje para que os professores desejem permanecer em escolas com contextos sociais mais desfavoráveis. A verdade é que estes incentivos pouco existem. Em termos pecuniários, de salário, de estabilidade ou progressão na carreira, as características da escola onde se leciona não tem qualquer influencia. Igualmente, quando falamos da indução de novos professores, ou seja, na capacidade de integrar os professores quando mudam de escola, devemos interrogar-nos se esta indução existe verdadeiramente em muitas escolas. Em particular, em contextos mais difíceis falta uma integração e acompanhamento feito em proximidade entre os professores mais antigos e aqueles que estão a chegar à escola e que possa dar os incentivos e o apoio necessário a quem chega pela primeira vez.

Num momento em que discutimos a revisão do modelo de recrutamento de professores, estes mecanismos de incentivo e de apoio devem ser ponderados e criados por forma a que no início de cada ano letivo as escolas enfrentem um corpo docente mais estável, sobretudo naquelas onde esta estabilidade é ainda mais necessária.

Pedro Freitas

Fonte: DN

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Quem quer ser professor?

Novo ano escolar, problemas velhos: quase 60 mil alunos ainda estão sem professor a pelo menos uma disciplina. E este défice repetente pode até agravar-se quando se sabe que, até final da década, farão falta 34 mil professores para satisfazer as necessidades das escolas públicas. Trata-se de uma população envelhecida - com uma média de idades acima dos 50 - que, lentamente, tem abandonado a carreira, após uma vida profissional muitas vezes em situação de amarga e angustiante precaridade. Antecipo, porém, que a minha declaração de rendimentos, para efeitos de IRS, inclui a pensão de uma professora reformada, razão pela qual me sinto autorizado a afiançar, citando o saudoso Jô Soares, que "o material escolar mais barato que existe na praça é o professor".

Já lá vai o tempo dos mestres, gente com palavra autorizada, muitas vezes para além dos limites da sala de aulas. Os pais confiavam neles, a sociedade valorizava-os e respeitava-os. A própria palavra mestre, que significava um grau superior de conhecimento e sabedoria para poder transmiti-los a outros, foi-se desvalorizando, a ponto de hoje preferirmos substituí-la no jargão académico por outras palavras como professor, docente ou pedagogo. Todas elas para pouparmos no uso de uma palavra prestigiosa e benquista de outro tempo, cheia de beleza etimológica, mas que cedeu à deterioração pública arrastada pelos profissionais da educação.

Ser professor deixou de ser atrativo. Depois de um tempo em que os salários e o estatuto social de um professor eram comparáveis aos de um capitão do exército, hoje não vão além de sargento ou até mesmo furriel. Isto, para além da instabilidade que os espera em início de carreira, quando a procura de colocação os condena ao nomadismo, calcorreando o país, com a casa às costas.

Em quase cinco décadas de democracia, é difícil descortinar um ano que não tenha conhecido instabilidade nas escolas, em particular no começo de cada ano letivo. Entre governos, partidos, sindicatos e outras corporações, se algo tem sido prejudicial é o ziguezague das diferentes políticas, mais tentadas a impor um modelo ou agenda próprios que orientar a atividade educativa durante largos períodos de tempo, muito mais dilatados que os ciclos eleitorais. E, entretanto, a "instrução pública" continua doente, reproduz desigualdades sociais, assimetrias regionais. A decisão, agora, de reduzir o centralismo do Ministério da Educação e transferir para as escolas competências na contratação de professores, parece vir na direção certa. Mas é no regateio desta e doutras mercearias que andamos há anos, um biombo de interesses que secundarizam o essencial: a importância decisiva da educação para o futuro do país. Porque não há ferramenta mais eficaz para garantir a cidadania e a mobilidade social, reduzir as desigualdades e fermentar competitividade na economia.

É urgente um pacto nacional pela educação. Uma reforma não tem de estar sujeita a mudanças drásticas, embora deva acompanhar a evolução social e tecnológica. Um grande acordo na área educativa, que envolva todos os parceiros, deveria garantir estabilidade e ter em conta que as famílias e o contexto socioeconómico são elementos essenciais do sistema. Mas é indispensável resgatar o ânimo e o orgulho dos professores, cada vez com mais responsabilidades e menos estímulos, num tempo em que a função do Estado é também assegurar-lhes mais formação, treino, experiência e metodologia adequados. Sem esquecer, claro, a exigência de contrapartidas em avaliação. "A verdadeira generosidade que temos para com o futuro está em dar tudo ao presente" - palavra de um mestre. Um pacto nacional pela educação tem de valorizar a função docente e aqueles a quem, durante muitas horas do dia, confiamos os nossos filhos.

Afonso Camões

Fonte: DN

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Semana Europeia da Mobilidade 2022

A Semana Europeia da Mobilidade 2022, 21.ª edição, realiza-se entre 16 e 22 de setembro, com o tema central "Melhores ligações".

Esta iniciativa constitui uma oportunidade para testar novas formas de mobilidade, fazer o balanço dos desafios atuais da mobilidade e consciencializar para a necessidade da implementação de uma mobilidade mais sustentável assente sobretudo na mudança de comportamentos e de atitudes face à mobilidade ativa.

A Semana Europeia da Mobilidade assenta numa parceria entre redes de autoridades locais e especialistas em mobilidade e comunicação, coordenadores nacionais (representantes de Ministérios e Agências Nacionais) e a Comissão Europeia.

Em Portugal, esta iniciativa é coordenada pela Agência Portuguesa do Ambiente.


Fonte: DGE

domingo, 18 de setembro de 2022

O resultado escolar do seu filho depende (e muito) dos pais

As competências que as crianças e adolescentes levam para dentro da sala de aula importam tanto como aquilo que lhes é ensinado na escola. O potencial do seu filho pode e deve ser desenvolvido em casa, com ações simples do dia-a-dia, e a atitude com que ele chegar à porta da sala terá impacto direto nos seus resultados escolares. Uma parte do sucesso do seu filho vai depender de si, mãe e pai.

Então, como é que o pode ajudar? (1) Importando-se com o percurso, (2) Promovendo competências fundamentais para o sucesso e (3) Olhando para a escola e professores como aliados.

Importe-se com o percurso

Mostre que valoriza a escola e a aprendizagem. Como mãe ou pai, o seu envolvimento é fundamental para o empenho do seu filho na escola. Reforce, sempre que possível, a relação entre o sucesso escolar e a realização pessoal e profissional. No dia-a-dia, vá transmitindo o valor que atribui à aprendizagem, reforçando-o quando o vê curioso ou interessado num determinado assunto, quando se esforça ou quando tem um bom resultado. Pergunte-lhe, todos os dias, como correu a escola, o que está a aprender, as dificuldades que encontrou, as atividades com os amigos. Ouça-o com atenção e interesse. Não precisa de saber ajudá-lo a fazer os trabalhos de casa, só precisa de lhe mostrar que se importa.

Mostre-se disponível. Conheça o seu filho. Lembre-se que conversar com ele é uma das melhores formas de o fazer. De vez em quando, fique a sós com cada um dos seus filhos. Estabeleça rotinas que promovam a comunicação (ex. às refeições, antes de deitar ou quando os vai buscar). Identifique os fatores que o impedem de comunicar (exemplo: chego tarde a casa; ele está sempre fechado no quarto; todos os dias tem atividades) e elimine os que forem possíveis.

Ajude-o a não desistir. Valorize as qualidades do seu filho, aprecie os seus esforços e transmita-lhe a confiança que pode/consegue ultrapassar os problemas com que se depara. Que, com esforço e dedicação, tudo é possível. Ajude-o a definir um plano de melhoria, acompanhe os progressos e não permita que se desvie do compromisso. Se os resultados estão aquém das suas expectativas, nunca lhe diga que tem o ano perdido ou que já não vai conseguir ter positiva. Em vez disso, mostre-lhe que acredita que, se ele quiser, é capaz de melhorar o seu resultado.

Elogie o esforço, mais do que o resultado. Ter sucesso na escola não se limita a ter boas notas. Mostre ao seu filho que o que espera dele não é a perfeição, mas que dê sempre o seu melhor. Mostre-lhe que aprecia o seu trabalho e reconhece o seu esforço e deixe-o falhar de vez em quando. Não entre numa corrida louca atrás da nota plena. Se quiser que o seu filho goste genuinamente de aprender, promover a curiosidade intelectual, a responsabilidade, o foco, o trabalho por objetivos, a resiliência, é mais eficaz do que colar autocolantes verdes no bibe, trocar notas altas por euros ou lutar por um lugar no quadro de honra. Refira-se com entusiasmo às suas conquistas.

Promova competências fundamentais para o sucesso

Promova hábitos saudáveis. Garanta que o seu filho está pronto para aprender. O sono é importante para a aprendizagem e consolidação da memória. Certifique-se de que dorme o suficiente todas as noites. Uma hora extra de sono será, provavelmente, mais valiosa do que uma hora extra de estudo. Defina uma hora (idealmente 60 minutos antes de ir para a cama) para desligar todos os aparelhos eletrónicos.

Promova a sua responsabilidade. Defina regras e exija o seu cumprimento. Isso vai preparar o seu filho para se adaptar a contextos mais alargados, como é o caso da escola ou, mais tarde, dos locais de trabalho. Defina as regras de forma clara, de modo que ele saiba, sem dúvidas ou ambiguidades, o que deve/pode fazer, em que circunstâncias e com que limites. Deixe claras as consequências do seu não cumprimento. Mantenha as regras num número razoável, evitando torná-las tão difíceis de cumprir como de verificar.

Promova o foco. Providencie um lugar de estudo calmo, bem iluminado e longe de distrações (televisão, telemóvel, etc.). Ajude o seu filho a definir um horário. Garanta tempos de silêncio em sua casa. Enquanto o seu filho estuda, evite interrupções e certifique-se que a restante família faz o mesmo. Incentive-o a colocar um aviso na porta, nos períodos de concentração.

Incentive a leitura. Dizem os estudos sobre a matéria que ter hábitos de leitura é um preditor de sucesso escolar. O interesse pela leitura pode e deve ser estimulado desde cedo. Leve o seu filho a livrarias ou bibliotecas. Lembre-se sempre que o modelo que os pais oferecem é importante. Os filhos estarão mais motivados para a leitura se os pais lerem frequentemente e revelarem o seu interesse por esta atividade. Não desista desta estimulação.

Transforme a escola e os professores em aliados

Mantenha-se próximo da escola e dos professores. Conheça o professor ou diretor de turma do seu filho logo no início do ano. Faça perguntas. Acompanhe os progressos e dificuldades. Se alguma coisa o preocupa sobre a aprendizagem ou comportamento do seu filho, pergunte ao professor sobre o assunto e peça o seu conselho. Preserve o mais possível a relação aluno-professor. Não desvalorize as queixas do seu filho, mas evite sempre fazer comentários desagradáveis sobre os professores ou a escola à sua frente. Quando se justificar, deixe o professor saber que aprecia e respeita o seu trabalho. A gratidão é importante.

Seja muito exigente. Exija sempre o máximo. Não a nota máxima, mas o esforço máximo.

Mantenha a perspetiva a longo prazo. A educação, como a parentalidade, são investimentos para a vida. Não espere que a mudança aconteça de um dia para o outro, mas faça planos otimistas.

Ame o filho que tem e não o que gostava de ter. É esse que precisa do seu apoio para se transformar no melhor aluno que puder ser.

Andreia Jaqueta Ferreira

Fonte: Público por indicação de Livresco

sábado, 17 de setembro de 2022

Pais de alunos com necessidades especiais exigem soluções em manifestação no parlamento: "Não é favor, é direito"

Cerca de 30 pais manifestaram-se esta quarta-feira diante da Assembleia da República, em Lisboa, para exigir a revisão da lei sobre a educação inclusiva das crianças com necessidades especiais, além de pedirem mais apoios às famílias.

O protesto foi convocado pelo Movimento para uma Inclusão Efetiva, tendo o porta-voz do grupo, Lourenço Santos, sido recebido pelo grupo parlamentar do Chega e conversado com deputados do PSD, PCP e Bloco de Esquerda, além do contacto prévio com a Iniciativa Liberal. “O acolhimento é sempre bom, esbarra é na ideologia do Governo. Fico com a sensação de que a deficiência é para ser eliminada, ainda por cima numa maioria absoluta”, atirou.

Em declarações à Lusa, o representante 7 acompanhado pela mulher, Cristina, e pelo filho, Pedro, de sete anos – assumiu já ter pedido para ser recebido pelo ministro da Educação, João Costa, e lamentou que este tema seja repartido ainda com a pasta da Segurança Social. Por outro lado, referiu que “as crianças com necessidades especiais têm custos acrescidos em relação às outras crianças”, defendendo a premência de se reforçarem os apoios.

“Temos a Secretaria de Estado da Inclusão e esse é o ponto de partida para criar um mecanismo automático em que a partir do momento que a criança é sinalizada lhe é atribuído tudo aquilo que é dela e dos pais por direito. Pode parecer complicado, mas é seguramente muito mais simples do que os pais terem de andar atrás do Estado para receber os poucos apoios que existem”, salientou.

A segurar um cartaz onde se lia a mensagem “Não é favor, é direito”, Ana e Sérgio Pessoa viajaram desde Évora para reivindicar soluções para os problemas destes pais ao nível educativo. Pais de uma menina de 11 anos com autismo severo e epilepsia, lamentaram que a filha esteja sem qualquer acompanhamento desde que as aulas do ensino regular acabaram no início de junho, estando entregue durante as férias ao cuidado das avós.

“Ela está ao sabor do regime escolar normal, em que está quase três meses e meio sem acompanhamento. Está dependente das avós - que já não vão tendo idade para isso e, felizmente, ainda as temos. Quando as deixarmos de ter, vamos ter de deixar de trabalhar ou começamos a colocar baixas, porque é a única forma de viver com uma criança com essa necessidade. Não há apoios, não há vontade e o poder político não se interessa”, criticaram.

Paralelamente, Sérgio Pessoa indicou ainda um défice de formação nos profissionais, recordando um episódio que envolveu a sua filha durante uma crise epilética, no qual uma auxiliar colocou uma colher de pau na boca da criança: “Não há formação suficiente. Lá conseguimos que este agrupamento recebesse uma formação de como haveria de lidar com este tipo de crises e que não é de todo colocar uma colher de pau na boca de uma criança”.

Por sua vez, Flora Rodrigues apelou a uma maior equidade no tratamento das crianças e a um reforço dos recursos humanos, lançando o mote para a “criação de uma comissão mista com professores e encarregado de educação para a averiguação do cumprimento da legislação que rege o ensino inclusivo”, conforme se lia no cartaz que trazia debaixo do braço.

“O decreto-lei 54/2018 é um decreto subjetivo: num agrupamento cumprem de uma forma, noutro agrupamento cumprem doutra e, portanto, não há equidade. Também se esqueceram de disponibilizar recursos humanos para que fosse cumprido, o que deixa as nossas crianças ao abandono e pressiona os pais para não lutarem pelos seus direitos. É urgente que seja revisto”, disse, reivindicando uma “legislação concreta, clara e que não promova a subjetividade”.

Proveniente da zona de Sintra, esta mãe de um menino de 10 anos com autismo e uma síndrome raro exigiu respostas às queixas apresentadas a várias entidades, nomeadamente Provedor de Justiça e Procuradoria-Geral da República, e deixou um aviso: “Não somos cidadãos de segunda. Qualquer um de nós pode estar sujeito um dia a ter uma deficiência; a deficiência não é um apanágio do meu filho ou de outras pessoas com deficiência”.

Já de Corroios, na Margem Sul do Tejo, viajou Mónica Calado para denunciar a existência de “corporativismo” dos estabelecimentos de ensino, salientando que há uma “grande pressão das escolas para retirarem conteúdos letivos aos alunos” e remetê-los a centros de apoio à aprendizagem. Nesse sentido, avisou que se está a formar “uma geração de pessoas com deficiência que serão subsidiodependentes” num futuro próximo.

“Por falta de recursos, metem esses meninos todos numa sala onde acabam por estar segregados. Não são cumpridos os 60% que estão salvaguardados na lei para estar em sala de aula com acompanhamento quando é necessário. Existe esta tendência para retirar os conteúdos, pois é mais fácil eles terem uns meninos de anos diferentes, mas todos a fazerem a mesma coisa, como pintura ou bolos. E os conteúdos não são dados”, sentenciou.

Fonte: CNN Portugal por indicação de Livresco

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Os professores primeiro

Para os idealistas, como eu, o progresso da escola é indissociável de uma profissionalização crescente dos professores. Sejamos lúcidos o suficiente para saber que esse paradigma e os seus corolários, em termos de estatuto, de ganhos, de nível de formação, de atitude reflexiva, de empoderamento, de mobilização coletiva, de liderança e gestão de estabelecimentos, de promoção de um pensamento crítico (e criativo), estão longe de obter unanimidade, mesmo entre aqueles a quem o “statu quo” não satisfaz.

Philippe Perrenoud

Temos de voltar a este tópico. Ao primeiro de todos os ofícios, aos professores, luz do mundo e salvação da humanidade. À urgência revalorização da profissão docente. Depois de se ter difundido massivamente a ideia de que os professores “estavam sentados à lareira” do conforto e não se importavam com o destino dos seus alunos. Porque mesmo que alguns estivessem “sentados” nunca se poderia generalizar este labéu. Porque sem professores não há futuro. Porque os professores são a pedra angular de todas as profissões. Porque sem uma escola que faça aprender todos os alunos estaremos a coartar a liberdade de ser em todo o potencial do ser humano. E a criar as condições de uma “guerra civil” de todos contra todos. Estamos onde estamos como resultado de políticas que podiam estar cheias de boas intenções, mas que nos conduziram ao inferno. Da competição injusta entre pares; da desvinculação profissional; da fuga da escola; do alheamento, tédio e esgotamento.

É certo que, em situação normal, teríamos de escrever os alunos primeiro, porque sem alunos não há escola nem seriam precisos professores. As famílias primeiro, porque são axiológica e normativamente as primeiras responsáveis pela educação das jovens gerações. Mas a maioria dos alunos precisa de professores que ativem a vontade de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e a conviver. E sem estas aprendizagens vitais as escolas seriam apenas um espaço de guarda e um entediante recreio. E não creio que alunos queiram um recreio permanente.

Temos, por isso, de inverter o caminho que nos conduziu até aqui. Vejo sete caminhos urgentes em três categorias que se organizam pelos níveis macro, meso e micro do sistema educativo:

1. Considerar as escolas sobretudo como “locus de produção” e reinvenção, espaços de liberdade e criação e os professores como seus autores decisivos e centrais. Mas para que “este sonho” se torne desejado e concretizado é preciso uma política que aposte no reforço estrutural da profissionalização dos professores nos contextos de trabalho (não entrando aqui na discussão do recente normativo dos créditos para exercer provisoriamente a docência) e abdique da tirania da desconfiança e do controlo, incentivando o pensamento divergente, a capacidade de procurar as respostas adequadas às pessoas e aos contextos. E perceba que o erro faz parte de uma contínua aprendizagem e desenvolvimento organizacional e profissional.

2. Rever os mecanismos de avaliação e progressão na carreira docente. Sendo as quotas de acesso ao 5.º e 7.º escalão uma medida administrativa, economicista e injusta e que institui uma lei da selva nefasta para o desenvolvimento profissional, é fundamental rever este dispositivo e encontrar formas congruentes de reconhecimento e promoção. Segundo os dados oficiais divulgados em agosto de 2022, somente 50% de docentes em condições de acesso ao 5.º escalão e 33% em condições de acesso ao 7.º escalão terão condições de êxito. O que quer dizer que a maioria dos professores continua a marcar passo no mesmo escalão da carreira.

3. Revalorizar (e reinventar) a profissão. Estas duas ações implicam uma revisão da carreira docente, um efetivo aumento da remuneração (que pode passar pela revisão das quotas, e uma melhoria das condições de trabalho (espaços, tempos, horários e recursos mobilizáveis para a ação pedagógica). Passa também, a nível organizacional, pela criação de condições para um trabalho mais colaborativo e interativo que ajude a enfrentar os problemas e os dilemas de uma profissão de alta complexidade. Uma profissão que se tem de entender como um serviço promotor da aprendizagem de todos os alunos, sobretudo dos que não querem aprender ou dos que têm dificuldade em interiorizar o currículo prescrito.

4. Incrementar a liberdade individual e colegial de empoderamento a partir do conhecimento. A escola é uma das sedes vitais de transmissão e construção dos múltiplos saberes. Mas terá de ser um conhecimento sensível, universal e local, atento às pessoas e às suas “zonas de desenvolvimento próximo”. Interessa-nos um conhecimento que ilumine e emancipe, que democratize as oportunidades de realização pessoal e social. Não nos interessa um conhecimento excludente e aristocrático que não está ao serviço da igualdade e da inclusão.

5. Pugnar para que a escola seja uma agência de desenvolvimento local. Para que faça parte de uma rede de comunicação, de construção de laços e reconhecimento. Lugar cognição e emoção. De convivialidade e desenvolvimento. De territorialização da educação. E esta linha de ação precisa de lideranças visionárias, distribuídas, servidoras e transformacionais.

6. Dinamizar a vida interna das escolas através de uma maior clarificação da missão e da visão de modo que sejam o mais possível partilhadas, maior articulação entre os diversos órgãos, incremento da comunicação e do diálogo entre todos os agentes educativos, construção efetiva de uma comunidade educativa atenta à diversidade onde todos têm vez e voz.

7. Last no least, como aqui já escrevi, precisamos de uma outra Lei orgânica do Ministério da Educação para que os serviços possam estar, de facto, ao serviço das escolas e dos professores. A atual lei já não serve (penso, aliás, que nunca serviu). Precisamos de um ordenamento mais articulado e integrado em que exista uma unidade estratégica da ação. E nem seria precisa uma grande alteração. Poderiam manter-se quase todas as direções-gerais existentes mas funcionando sob um outro paradigma de organização e ação (revendo necessariamente o estatuto do IAVE e ANQEP), como aprendi com a Lei Orgânica do ME de 1993 (Decreto-Lei n.° 133/93) e o exercício de funções de diretor-geral.

Em síntese, precisamos de colocar os professores e as escolas na primeira linha da ação política e social. Precisamos de uma reorganização da administração educativa que coloque efetivamente ao serviço das escolas e dos professores. Precisamos de ver e sentir as vantagens da liberdade de organizar outros cenários de aprendizagem e avaliação. Porque só deste modo servir os alunos e as famílias.

José Matias Alves

Fonte: Público

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

MOOC da European Schoolnet - Codeweek Bootcamp

O MOOC da European Schoolnet Codeweek Bootcamp (campo de treino) (Bootcamp) foi criado no âmbito da iniciativa Code Week e pretende, de um modo muito prático fornecer aos docentes da Educação Pré-Escolar e dos ensinos básico e secundário ideias práticas, ferramentas e recursos para os ajudar a trazer a codificação e o pensamento computacional para a sala de aula. Através dele os professores ficarão capacitados para sensibilizar para a diversidade e a inclusão na codificação e serão capazes de explorar as potencialidades da inteligência artificial na educação.

Este MOOC tem início a 10 de outubro, é disponibilizado em inglês, e é composto por quatro módulos temáticos. Os professores participantes nesta formação online serão convidados a conhecer a iniciativa Codeweek da UE e as oportunidades que esta pode oferecer. Poderão ainda estabelecer contacto com pares com os mesmos interesses e tornar-se parte de uma comunidade que fomenta a colaboração, o trabalho de equipa e o intercâmbio de boas práticas e estimula a discussão e a reflexão.


Assista ao vídeo promocional.

Consulte o infográfico deste MOOC.

Fonte: DGE

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Sobre um/os colégio(s) de Educação Especial

Assumo-me como suspeita neste tema. Absolutamente suspeita.

O meu percurso profissional iniciou-se num Colégio de Educação Especial. Já lá vão quase 20 anos. Espaço que moldou o princípio da minha profissão e que me levou a descobrir o conceito Necessidades Educativas Especiais. Mas acima de tudo, uma forma de relação com a escola com a qual me revejo totalmente — a compreensão em vez da mera punição, o ouvir e conhecer ao invés de rotular e enumerar.

O Colégio Eduardo Claparède foi o palco de muitas aprendizagens, mas principalmente de muitos desafios. Foi, e é, um espaço privilegiado para compreender a diferença e a possibilidade de criar um lugar de transição para alunos com comportamentos severos e limitativos que dificultam o funcionamento em várias valências do seu dia-a-dia. Vamos ser diretos: a escola tem de ser para todos, mas continua a não haver omeletes sem ovos e a mudança de mentalidades, por muita legislação que se construa, demora. E neste impasse, percebemos imediatamente quem são bodes expiatórios.

Posso enumerar, facilmente, ao longo destes anos frases-chave que denunciam o verdadeiro entendimento “dos meninos especiais na escola”: “Mas ele tem o quê? Mas ele vai estar na turma com os outros? E quem lhe vai dar a aula? É para lhe dar testes mais fáceis, não é? Mas eu vou ficar aqui sozinha com ele?”. E a lista está só no início. Era assim há 20 anos e, embora evidentes mudanças, estas frases ainda permanecem. E permanecem mais ainda quando a burocracia e metas apertam o currículo. Os “outros” deixam de contar.

Sei que este é um assunto sensível a todos os defensores acérrimos da (palavra já gasta) Inclusão. Mas além de me assumir como suspeita neste assunto, assumo-me primeiramente como intransigente em relação à quão óbvia deve ser a concepção desta palavra. A “Inclusão” não pode ser questão. Mas vamos trocá-la por diversidade. Na diversidade não existe “uma sociedade superior” que deseje incluir alguém.

Os Colégios de Educação Especial desempenham um papel fundamental. Fundamental porque assumem na sua essência um princípio de aceitação de todos (diversidade) porque muitos dos jovens, e com conhecimento de causa falo, que não encontraram o seu lugar numa escola regular conseguiram-no encontrar neste espaço. Um espaço onde é respeitado e onde consegue encontrar uma abordagem mais individual pensada para o aluno e não sob a custódia de um currículo; onde existe tempo e lugar para compreender os comportamentos; compreender as problemáticas e estar dotado de um corpo de docentes, psicólogos e terapeutas que trabalham diariamente para o mesmo objetivo; um local onde as reuniões são um espaço sem grelhas, sem trabalho burocrático onde o centro e as principais preocupações são: Como chegar até este aluno? Como conseguir que corresponda ao que a sociedade lhe exige? Um espaço que não é escravo de um currículo, mas sim de um princípio primordial — criar uma relação afetiva, uma auto-regulação que permita ao aluno um novo caminho. Este é o verdadeiro projeto e trabalho dos colégios de educação de especial e o verdadeiro projeto do Colégio Eduardo Claparède.

Creio que todos os intervenientes educativos pais, terapeutas, profissionais da saúde, professores, escolas e Ministério da Educação reconhecem o seu valor e o seu papel na sociedade. Creio também que compreendem a mais-valia destas instituições cujo encerramento não ajuda a promover um trabalho pedagógico e terapêutico basilar junto de muitas crianças e jovens.

Não creio que a defesa da coabitação destas instituições possa ser considerada um “ataque” à “inclusão”, pelo contrário, estas devem ser encaradas como um espaço complementar para que este conceito possa fazer parte da “nossa memória muscular”.

Maria Joana Almeida

Fonte: Público