As escolas, enquanto organizações complexas, refletem e reproduzem as dinâmicas sociais, sendo atravessadas por múltiplas e diversas culturas. Não são entidades neutras, estáticas ou dissociadas dos contextos em que se inserem. A construção de rankings escolares, sustentada nos resultados dos exames nacionais, oferece uma representação parcial do desempenho dos estudantes, marcadamente cognitiva. Desconsideram-se as múltiplas especificidades sociais, culturais e organizacionais que moldam os contextos de aprendizagem. Os resultados escolares são o produto de uma complexa rede de fatores — internos e externos à escola — e não podem ser atribuídos de forma exclusiva ao desempenho individual dos alunos, dos professores ou da própria escola. Reduzir a educação escolar à performance nos exames significa ignorar o restante trabalho da escola na construção do cidadão, para além de menorizar o mandato democrático que lhe foi socialmente conferido. A escola tem sido, e continua a sê-lo, uma instituição poderosa, que permite à generalidade da população o acesso a bens educativos e culturais que de outra forma não seria possível obter. Em Portugal, na atualidade, as condições socioeconómicas dos alunos ainda constituem um fator determinante no seu desempenho escolar.
Os rankings hierarquizam e comparam o incomparável: mesmo com a introdução de variáveis de contextualização em rankings anteriores, as hierarquias de valor que se consagram mediaticamente constituem apenas remendos, que não disfarçam as profundas diferenças que se observam entre as várias instituições de educação escolar, mais nas públicas do que nas privadas. É legítimo comparar escolas (e agrupamentos de escolas) com morfologias distintas, que divergem significativamente em termos de recursos, contextos sociais e condições de funcionamento? Pode o desempenho nos exames nacionais ser consagrado como a pedra angular deste processo, sem se considerarem os distintos investimentos em que o alegado mérito se suporta?
Mesmo reconhecendo-se as suas limitações, a verdade é que os rankings se rotinizaram, se aperfeiçoaram e, consequentemente, foram erigidos numa espécie de oráculo para as instituições escolares e para as famílias. Nas sociedades profundamente desiguais, este dispositivo encontra terreno fértil para a sua proliferação, até porque seria difícil ao leitor imaginar um mundo competitivo onde o ranqueamento (com base no mérito) não fosse o principal e desejável critério de organização social. Se levássemos este processo ao extremo, como seria uma sociedade onde os rankings determinassem todas as oportunidades? Numa sociedade fortemente regulada pelas mensurações, crianças e jovens seriam medidos e categorizados desde cedo, e o seu futuro académico e profissional seria determinado exclusivamente pela sua posição nos rankings. Tal cenário conduziria à criação de uma elite tecnocrática, onde apenas os melhores alunos seriam premiados nas esferas do poder e da influência. A vida transformar-se-ia numa busca de performance permanente, onde o individualismo se alcandorava como valor supremo. Aqueles que não atingissem os melhores lugares nos rankings (alunos, professores, escolas, agrupamentos) estariam condenados a posições subalternas, sem possibilidade de mobilidade e de reconhecimento sociais. A desigualdade cristalizar-se-ia: as escolas de elite produziriam sempre os vencedores, enquanto as escolas periféricas perpetuariam os perdedores. A criatividade, o sentido crítico, a solidariedade e a cooperação seriam menorizados, pois não se entrosariam na lógica dos rankings, a menos que se caísse na tentação de criar escalas que os mensurassem. O ensino tornar-se-ia ainda mais mecanizado e reprodutivo, podendo, no limite, dispensar os profissionais da educação e substitui-los por alguma plataforma e/ou algoritmo de IA, ou por algum sistema de “educação na sombra”.
Aqui chegados, impõe-se perguntar: em sociedades já profundamente desiguais, por que razão adotar mecanismos (rankings) que tendem a mascarar essas desigualdades, quando a missão fundamental da educação deveria ser precisamente a de as combater?
Leonor Lima Torres
Investigadora do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho
Fonte: JN por indicação de Livresco