domingo, 31 de dezembro de 2017

Brincar na rua pode proteger as crianças de doenças de visão

O seu filho tem problemas de visão? Leve-o para a rua! De forma a combater os efeitos negativos que os aparelhos tecnológicos têm nos olhos, os médicos aconselham as crianças a duas, três horas de luminosidade solar.

As crianças brincam cada vez menos na rua e estão cada vez mais presas a jogos eletrónicos e smartphones, com que se entretêm dentro de casa. A rua esvazia-se de brincadeiras e isso pode ter consequências negativas inesperadas.

Além dos efeitos prejudiciais no sono, parece existir uma relação entre esta tendência e patologias oculares, como a miopia. Se tem vindo a aumentar o número de crianças com necessidade de usar óculos, isso deve-se em grande parte a passarem demasiado tempo expostos a ecrãs e cada vez menos horas fora de casa.

A miopia é um defeito na convergência dos raios luminosos, ou seja, os objetos formam-se à frente da retina em vez de no seu interior. O resultado é a perda de capacidades de visão em profundidade, tornando-se desfocada como uma névoa sem forma.

Daí que, além dos óculos ou lentes de contacto, o tempo passado ao ar livre seja importante. «Passar tempo na rua e absorver a luminosidade solar pode ser a solução para recuperar ou prevenir doenças de visão», diz Annegret Dahlmann-Noor, oftalmologista do Moorfields Eye Hospital em Londres, numa entrevista dada à BBC Health.

O seu filho está cada vez mais viciado em tecnologia e isso está a prejudicar-lhe a visão? O professor Chris Hammond, do King’s College London, diz que a resolução do problema passa por «levar os filhos para o exterior, praticarem algum desporto ou qualquer atividade à luz do dia». Para o britânico «duas, três horas na rua é a fórmula perfeita de afastar a miopia dos olhos das crianças».

O oftalmologista Pedro Pacheco explicou à Noticias Magazine as razões que levam à perda da visão do que está distante «o ser humano foi concebido para viver no ambiente de rua e ver ao longe. Ao utilizar aparelhos de perto e de luz artificial inverte a tendência natural das coisas». Tudo indica que «a miopia é um processo de adaptação da visão humana».

Além do ar livre, Pedro Pacheco referiu que «a alimentação também é importante na saúde dos olhos». Devemos ingerir produtos ricos em ómega 3, vitamina A, C e E, que regeneram a composição ocular.

sábado, 30 de dezembro de 2017

Visita para pessoas cegas ou com baixa visão sobre Teatro e Dança

O Museu Nacional do Teatro e da Dança, em Lisboa, promove no dia 6 de janeiro, pelas 10h30, uma visita para pessoas cegas ou com baixa visão sobre teatro e dança.
Trata-se de uma visita multissensorial, em que se exploram tatilmente 12 objetos, relacionados com diferentes aspetos das artes do palco, e se escutam músicas de bailados e gravações de voz de atores portugueses.
A visita é gratuita, contudo, requer marcação prévia.

Seminário “Literacia Braille no Século XXI”

O Núcleo para o Braille e Meios Complementares de Leitura, coordenado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação, e a Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leria convidam a participar no Seminário de celebração do dia Mundial do Braille, a 4 de janeiro de 2018 (quinta-feira), no auditório da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, em Leiria.

Este seminário, ao reunir a comunidade académica, visa promover a reflexão sobre o ensino/aprendizagem do braille e suas grafias, bem como sobre a sua importância na construção da identidade das pessoas cegas e com baixa visão.

Consulte o programa e efetue a inscrição até ao dia 2 de janeiro.

Fonte: INR

Mergulho adaptado em Gondomar. Há cinco anos a fazer a diferença na vida de jovens adultos com paralisia cerebral

Uma vez por mês, um grupo de utentes da Associação do Porto de Paralisia Cerebral (APPC), em Gondomar, mergulha na piscina da instituição que, com aulas adaptadas, procura dar-lhes mais mobilidade e melhorar a sua qualidade de vida.

Em curso há cinco anos em parceria com o Centro Cultural e Desportivo da Câmara do Porto, o projeto de mergulho adaptado, disse à agência Lusa a coordenadora de voluntariado da APPC Filipa Luz, “surgiu da vontade de criar atividade diferenciadas e aumentar a participação de jovens adultos com paralisia cerebral”.

Mensalmente, na piscina da Villa Urbana, unidade residencial da APPC onde vivem 31 pessoas com paralisia cerebral, participam nas sessões entre cinco e oito utentes de uma associação que tem “desde serviços educativos a serviços para pessoas com deficiência, acompanhando diariamente cerca de 1.500 pessoas”, disse a coordenadora.

E sobre as mudanças que a frequências das aulas permitiu, Filipa Luz destacou a “oportunidade de poderem participar em algo diferente”, frisando que as pessoas “são constituídas pelo número de experiências que conseguem vivenciar ao longo da sua vida” e o que o facto de ter nascido esta escolha “implicou na sua qualidade de vida”.

“Uma vez por mês é a periodicidade possível, não apenas por uma questão de logística do espaço”, mas também para permitir a todos participarem, numa experiência que já chegou a “um alargado número de utentes”.

Mergulhador há 33 anos e instrutor há 20, José Roças lidera a equipa de quatro mergulhadores voluntários que, em sessões de cerca de uma hora, permitem a quem passa o dia, por exemplo, numa cadeira de rodas, ter a sensação de caminhar dentro da piscina.

Equipados com colete, botija de ar comprimido e, sobretudo, muita atenção e dedicação dos mergulhadores, os utentes da APPC, com diferentes níveis de paralisia cerebral, podem evoluir na piscina de diferentes formas, aprendendo, sobretudo a “respirar debaixo de água”.

José Roças explicou (...) que as sessões “consistem em colocar um individuo não adaptado, com o equipamento necessário para a prática do mergulho, a sentir-se imbuído do espírito do mergulho, porque está debaixo de água e a respirar”.

E num grupo diferenciado de utentes, há quem use barbatanas e faça percursos subaquáticos na piscina e outros que, sendo de uma dependência total, têm sempre dois mergulhadores a acompanhá-lo.

“Existe o estigma de que o indivíduo deficiente é um extraterrestre quando, na verdade, consegue fazer coisas que nós, ditos normais, achamos que é um bocadinho perigoso, mas que eles fazem porque se sentem seguros e querem partilhar a vida connosco e ser o mais normais possível”, argumentou o instrutor que do trabalho dos seus alunos disse ser igual ao dos demais, “exigindo tempo e treino”.

Da evolução que acompanhou, disse haver pessoas que “estão nisto há alguns anos e cuja mudança é enorme”, exemplificando com o simples gesto de colocar a máscara de mergulho: “alguns não conseguiam pôr uma máscara de mergulho e hoje não só têm a mascara, mas também conseguem andar debaixo de água e conseguem respirar”.

Para José Roças, a “maior dificuldade é interagir, conseguir que o individuo perceba o que se lhe quer dizer e que consiga dizer se está bem ou se está mal e isto, às vezes, demora meses”.

Do seu trabalho neste projeto de voluntariado disse ser “uma realização pessoal e uma satisfação”, sustentando que o seu “grande objetivo é que tenham a possibilidade de mergulhar desde que o queiram”.

“Estes são um exemplo, pois com mais dificuldade fazem-no e isso dá-me um orgulho e uma satisfação enorme. E com a equipa que tenho conseguimos fazer estas coisas”, acrescentou o instrutor que questionado se havia uma idade limite para a frequência respondeu que desde que “haja capacidades físicas o poderão fazer”.

Fonte: Sapo24 por indicação de Livresco

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A educação inclusiva nas Grandes Opções do Plano para 2018

A Lei n.º 113/2017, de 29 de dezembro, determina as Grandes Opções do Plano para 2018. Da uma análise superficial, retiram-se as seguintes referências relacionadas com a educação inclusiva.

O Governo continuará, em 2018, a intensificar um conjunto de políticas transversais que procuram promover, a curto prazo, uma efetiva igualdade de oportunidades e garantir o exercício pleno de direitos nas áreas da mobilidade, da aprendizagem ao longo da vida, do combate à violência e discriminação e o acesso à saúde:

- Definindo uma estratégia de emprego e trabalho para todos, envolvendo os diferentes atores, que aposte em ações de formação profissional no sistema regular de formação, no aumento da oferta de estágios profissionais em empresas e organizações do setor público e solidário e na implementação de quotas específicas para o emprego de pessoas com deficiência ou incapacidade;

- Apostando numa escola inclusiva de 2.ª geração, que deverá intervir no âmbito da educação especial e da organização dos apoios educativos às crianças e aos jovens que deles necessitem, reforçando a aplicação que Portugal faz do espírito e da letra da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas;

- Promovendo o reforço das acessibilidades ao edificado público, atribuindo uma nova centralidade à ação do Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., na promoção, sensibilização e fiscalização no domínio da adaptação de instalações, edifícios, estabelecimentos, equipamentos públicos e de utilização pública e via pública, com as normas técnicas de acessibilidade;

- Desenvolvendo, em articulação com os municípios, um programa «Territórios Inclusivos», que assegure as acessibilidades físicas e comunicacionais.

Assim, prevê o reforço dos mecanismos de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais, com a adoção das novas orientações nesta matéria, que complementam as medidas orientadas para o aumento da presença dos alunos nas atividades de turma e o reforço da formação de técnicos e docentes neste domínio.

Pretende-se, ainda, prosseguir a implementação do Programa Inclusão para o Conhecimento, dirigido a minorias e a cidadãos com necessidades educativas especiais que frequentam instituições científicas e de ensino superior, universitário e politécnico.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O desporto em cadeira de rodas ainda requer muito “jogo de cintura”

“Olha, é a craque!” Ou, por outro nome, Patrícia Traquina, que já tem à espera, junto da porta do pavilhão, três colegas de equipa – João, Rafael e Nuno. Entre a saída do carro para a cadeira de rodas e a conversa que se vai chutando pelo corredor fora, chegam os outros. Mostra-se uma prótese nova, volta-se ao tema da Raríssimas. Enquanto isso, começam a sair do pequeno armazém junto ao campo as cadeiras de jogo. O treino da APD (Associação Portuguesa de Deficientes) Leiria está prestes a começar.

Hoje, treina-se andebol no Pavilhão Municipal da Maceira, em Leiria. Como a equipa da APD Leiria participa nos dois únicos campeonatos federados de desporto em cadeira de rodas – basquetebol e andebol -, os dois treinos semanais podem nem coincidir. Neste final de ano civil, o andebol é o único campeonato que resta. O basquetebol só volta em 2018. Dos 15 atletas que vestem as cores da APD Leiria, 11 praticam os dois desportos. Só a APD Lisboa tem, também, uma equipa nos dois campeonatos. 

O basquetebol e o andebol em cadeira de rodas são casos em que as federações acolhem as modalidades respetivas, com bons resultados. Mas as dificuldades subsistem na criação de equipas, nas acessibilidades e transportes, bem como na aquisição das suas “chuteiras”: as cadeiras de rodas.

Nem todos precisam de cadeira de rodas no dia-a-dia. Uns usam próteses, outros usam muletas. Mas, antes de entrarem em campo, todos fazem a transferência, como dizem, para a cadeira de jogo. Têm mais rodas (além das laterais, apresentam pequenas rodas à frente e atrás), uma faixa pélvica obrigatória e são desenhadas “à alfaiate”. Cada jogador tem a cadeira à sua medida, ajustada às necessidades. O que também não faltam são as proteções traseira e frontal, ou seja, uma pega em espuma e um aro baixo para evitar choques mais violentos e impedir que a bola fique presa debaixo da cadeira. Não há travões, nem direção assistida.

Em números, uma cadeira de rodas razoável para jogar custa cerca de 3000 euros, sendo depois ajustada para garantir a segurança e uma melhor performance dos atletas. Sabendo que a média dos plantéis anda em torno dos 12 jogadores – e o preço, em lote, baixa –, os valores variam entre os 25.000 e os 30.000 euros para se garantir o equipamento indispensável a um clube.

De volta ao treino, que já começou. Entre os 11 que fazem passe e receção em movimento, temos dois jogadores da seleção nacional de andebol, uma mulher e o júnior dos juniores – Nuno, de dez anos. Nuno, o jogador mais novo dos campeonatos, veste uma camisola de “A Guerra das Estrelas” por gostar das t-shirts, não por causa dos filmes. Tem espinha bífida, mas isso nunca o tirou do desporto. Desde os dois anos que anda na natação, passou pelo futsal e encontrou, este verão, lugar no andebol e no basquetebol – sim, ele é um dos que joga as duas modalidades.

São todos maiores que ele, mas lá vai furando entre os companheiros de equipa. Saiu da primária com presença no quadro de mérito. Agora, a frequentar o 5.º ano, já tirou 92% num teste de Matemática. Não estuda muito. Alimenta os exames de acordo com o que vai apanhando nas aulas mas, como tem de faltar, de vez em quando, por causa da doença, às vezes não corre tão bem, como conta a mãe. Neste dia, está cansado. Acordou cedo para ir a Coimbra, ao hospital.

Ainda se nota, no entanto, a genica do rapaz. Irrequieto e sempre na brincadeira, mesmo quando ainda não havia pneu para a roda direita da sua cadeira, antes do treino começar. No final de novembro, na vitória contra a APD Paredes, vestiu a camisola “9” e estreou-se pela equipa leiriense. Ainda não marcou, mas isso fica para uma próxima.

Uma exposição de entidades e empresas, seguida de um convite para ver a final da Taça de Portugal de andebol em cadeira de rodas, promoveu a chegada de Nuno. A APD Leiria ganhou e, desde aí, a mãe de Nuno viaja entre Mendiga e Maceira, onde treinam, pelo menos uma vez por semana. Os treinos acabam às 23h30 e, para Nuno, deitar por volta da 1h não pode ser prática corrente, a escola ainda está primeiro.

“Jogo de cintura” para contornar as distâncias

Os campeonatos de andebol e basquetebol em cadeira de rodas não se espalham pelo país. Metade das equipas está nos distritos de Porto e Lisboa. Os custos tornam difícil a criação de clubes que se aproximem dos atletas e os incluam. Há apoios das federações, como explicam Augusto Pinto e Joaquim Escada, responsáveis pelo basquetebol e pelo andebol em cadeira de rodas, respetivamente. Oferece-se material desportivo, inscrições, seguros e, no caso do andebol, uma comparticipação financeira entre 500 a 1000 euros aos clubes. O basquetebol tem um “banco técnico” que pretende ajudar os clubes em início de atividade. 

Enquanto não se multiplicam equipas, João Queirós continua a fazer ginástica entre Vila Nova da Barquinha e Maceira para ir treinar. São quase 160 quilómetros, ida e volta, 50 minutos para cada lado. É a equipa mais próxima que o atleta de 31 anos tem. Já jogou mais longe, no tempo em que o Sporting tinha uma equipa experimental e o seu “sportinguismo” o levou em viagens até Lisboa. Está há três anos na APD Leiria, mas o “jogo de cintura”, como apelida, é cada vez maior e já não estava a pensar jogar este ano. “Era para ter deixado de jogar. Há cerca de um ano juntei-me e, portanto, acabo por ter despesas que não tinha em casa dos meus pais”, explica.

A ginástica de João, que cobre todas as deslocações gastando cerca de 15€ a cada treino, tanto permite ir a um dos dois treinos semanais como, por vezes, impede-o de vir a algum treino. “Antigamente vinha aos dois treinos ou só a um, caso não houvesse jogo. Tentava fazer um jogo de cintura. Agora continuo a fazer, mas ainda maior”.

Como João, há casos noutras equipas, como o Sporting/Messines/AMAL que recruta atletas em toda a região do Algarve para treinar em Silves. Ou casos de atletas que ficam sem jogar por falta de transporte, visto que nem todos têm um carro adaptado para se deslocarem.

“A minha fisioterapia foi aqui”

Os constrangimentos são muitos, como explicam (...) dirigentes, atletas e treinadores. Há poucos jovens, poucas mulheres e pouco financiamento para alargar o recrutamento e o apoio aos jogadores. Se olharmos para os dois campeonatos, não chegamos a uma dezena de mulheres e os juniores (sub-22) passam por pouco essa marca.

Patrícia Traquina é a única mulher a vestir a camisola da APD Leiria. Joga há 20 anos, tinha 17 quando chegou a um treino. “A minha fisioterapia foi aqui”, afirma convictamente. No campo ganhou amizades, autoestima, aprendeu a ser mais autónoma e a crescer. Esteve na Áustria, no primeiro torneio da seleção nacional de andebol em cadeira de rodas, uma prova mista em que Portugal só perdeu na final. Ainda alimenta o sonho de ver uma competição feminina criada.

Depois de um dia no centro escolar com crianças do pré-escolar e primeiro ciclo, local de trabalho de Patrícia, vir treinar não é tarefa fácil. Há o gasto financeiro de quem faz 35 quilómetros, a falta de descanso de quem acorda cedo no dia seguinte e as mazelas físicas que custam mais a recuperar. Mas atira o clássico “quem corre por gosto…”.

Aquela a quem chamam “craque” no início do treino foi recebida com 17 anos pelo vice-presidente da associação. Manuel Sousa, também membro-fundador, ainda joga aos 64 anos. É o mais velho da equipa e o que tem mais histórias para contar do tempo em que as acessibilidades eram nulas e o apoio inexistente. É também pela falta desse suporte que está cá. Acolhe os mais novos na equipa e, fora do campo, dá palestras e conta a sua própria história.

A vida de Manuel Sousa mudou no dia em que, num carro com alguns amigos alcoolizados, fica paraplégico. A partir daqui, numa queda a pique, não aceitou bem a reabilitação porque pensou que ia voltar a andar. “Não havia a preparação que existe hoje. Debato-me hoje por isso. Vim para casa revoltado pela maneira que era olhado, pelo ‘coitadinho’”. O refúgio esteve no álcool e nas drogas. Anos mais tarde, passada uma reflexão que o levou a parar e uma “ressaca muito complicada”, construiu uma cadeira artesanal e começou a correr pelas estradas leirienses. “Uns chamavam-me maluco, outros não acreditavam em mim”, recorda. Certo é que correu maratonas, foi ao Japão e Estados Unidos com a bandeira portuguesa às costas e está desde o início – há quase 30 anos -, na equipa da APD Leiria.

Hoje não treina. Andou de um lado para o outro e, todo o dia a tirar e pôr a cadeira no carro, está “estourado”. Continua a ir na mesma, para continuar a angariar mais familiares porque, como diz em jeito de brincadeira: “Já me adoptaram umas quantas famílias”.

Quanto custa uma nova equipa?

Estão prometidas pelo país novas equipas. Há projetos na Figueira da Foz, no Porto, em Guimarães e Viseu. Para já, não passam de ideias montadas, mas sem financiamento, como o caso da equipa da Figueira da Foz, que já tem dez atletas, entre os quais três mulheres, mas faltam os patrocínios. Nuno Pedrosa, que neste momento joga na APD Leiria, é a cabeça deste novo clube que queria entrar nos campeonatos de andebol e basquetebol em cadeira de rodas. Faltam os apoios, os patrocínios e as cadeiras de rodas.

Os orçamentos para uma época nestes desportos não são elevados. Para uma equipa estreante, não seriam precisos mais de 4000 euros para os gastos diários do clube. Mas depois vem o resto. Existem deslocações, seria preciso uma carrinha emprestada ou de uma delegação da APD (delegação essa que não existe na Figueira da Foz). O pavilhão poderia ser cedido e os transportes e alimentação, numa primeira fase, podem ficar por conta dos atletas. Mas, se isto são condições mínimas, o indispensável continua a faltar. Voltamos às cadeiras de rodas e aos valores entre 25.000 e 30.000 euros.

Acrescentam-se as dificuldades de recrutamento de atletas, uma luta na qual as federações dizem apostar. A ideia do presidente da Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência, Mário Lopes, é criar sinergias com o poder local, isto com um orçamento maior. “Se tivéssemos um orçamento diferenciado, podíamos ter uma perspetiva de criação de pólos de desenvolvimento, um por cada distrito, em clubes comprometidos com esta realidade, com o apoio das autarquias e do ensino superior”. Este é o plano que o presidente quer engendrar, mas que as contas não permitem. 

Fonte: Público

Especialistas defendem nova lei para inclusão de deficientes no ensino superior

É uma mudança alargada a que é proposta pelo Grupo de Trabalho para as Necessidades Especiais, nomeado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), para garantir as condições para a inclusão dos alunos com deficiência no ensino superior. A equipa, que inclui especialistas e representantes do setor, propõe a criação de uma lei específica para regular as condições de acolhimento destes estudantes, bem como mudanças no acesso, no financiamento e até na acreditação dos cursos.

A principal alteração proposta no relatório final do grupo de trabalho, que foi tornado público no site do Governo, passa pela criação de uma lei específica que assegure a inclusão dos estudantes com necessidades especiais no ensino superior. Este novo diploma deveria contemplar a regulação das estruturas de acolhimento e acompanhamento destes alunos nas universidades, definindo também as medidas de apoio à frequência do ensino.

As alterações legais devem estender-se ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior para que este diploma passe a consagrar os apoios aos estudantes com necessidades especiais. Os peritos nomeados pelo MCTES defendem ainda que, nessa lei, sejam alterados os requisitos de funcionamento das instituições de ensino superior de modo a garantir que estas criam as condições necessárias de acessibilidade para os alunos.

Relatório com 67 recomendações

O documento vai ao ponto de recomendar que o cumprimento dos planos estratégicos das instituições para a integração dos estudantes com necessidades especiais passe a integrar os parâmetros do processo de avaliação e acreditação dos cursos pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).

Este relatório foi tornado público no final da semana passada e inclui um total de 67 recomendações. No grupo de trabalho – nomeado no início do ano, ainda que a sua constituição só tenha sido formalizada este mês – têm assento representantes do Governo, técnicos e dirigentes das instituições de ensino superior públicas e privadas, elementos das associações académicas e de estudantes e ainda entidades como o Comité Paralímpico de Portugal, a Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social e o Observatório da Deficiência e Direitos Humanos.

As mudanças defendidas no relatório final passam ainda pelo financiamento, com a recomendação de que uma percentagem específica do orçamento do MCTES seja destinada à adoção de medidas que assegurem o acesso das pessoas com necessidades especiais ao ensino superior, e pelas próprias regras de acesso às universidades e politécnicos. Para o grupo de trabalho é necessário criar um estatuto para estudantes com necessidades especiais à semelhança do estatuto do trabalhador-estudante e mudar o concurso nacional de acesso.

Atualmente, o concurso de acesso ao superior contempla um contingente especial para estudantes com deficiência física ou sensorial. É composto por 2% das vagas fixadas para a 1.ª fase ou por duas vagas por curso. Atendendo ao número de lugares disponíveis no ensino superior no início de cada ano letivo — acima dos 50 mil — há cerca de 1000 lugares em cada ano disponíveis para estudantes com deficiência. No último ano letivo, a taxa de ocupação foi de apenas 14%. O grupo de trabalho quer que o contingente especial seja aplicado a todas as fases de ingresso do concurso nacional e concursos especiais e que a respetiva percentagem seja alterada.

O relatório do grupo de trabalho vai agora ser discutido com os parceiros do setor, antes de serem tomadas decisões quanto à forma como podem ser implementadas as várias recomendações que são feitas, fez saber o gabinete de comunicação do ministério.

Fonte: Público

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A cultura da escola vai mudar “porque a economia está a pedir coisas diferentes”



Aos 75 anos, a pedagoga Maria Emília Brederode Santos substituiu, em outubro, o ex-ministro David Justino no cargo de presidente do Conselho Nacional de Educação — um órgão independente, com funções consultivas, constituído por académicos e especialistas, cujo presidente é eleito pela Assembleia da República.




Refere-se aos alunos por "meninos" e defende que tanto por razões de “justiça individual”, como de “justiça social”, se deve apostar num currículo mais amplo, que dê espaço às expressões artísticas, à educação para a cidadania, mas também às novas competências que hoje são pedidas pela economia e que, segundo ela, acabarão por levar a uma mudança da atual cultura escolar.

Porque é que aceitou este desafio nesta altura?
Quando estava relativamente sossegada? Primeiro porque não o estava. Desde que me reformei tenho continuado a trabalhar mais ou menos tanto quanto antes. A diferença é que tenho que trabalhar sobre algumas coisas que normalmente não trabalharia. Mas isso também é bom. Obriga-nos a não ir só por aquilo que já conhecemos e em que estamos interessados. 

Mas pensa que tem algum contributo a dar a este setor tendo em conta a sua experiência?
Sim. Não gosto de me levar muito a sério. Mas penso que tenho uma visão humanista e com algumas preocupações que poderão interessar a um organismo como o Conselho Nacional de Educação (CNE). Primeiro porque penso que sou muito democrática e o CNE é um órgão muito democrático. O principal interesse do CNE é o de ter tantos parceiros da educação aqui representados e com interesses muitas vezes contraditórios. E eu gosto do contraditório. Aliás, um dos primeiros livros que escrevi tinha em epígrafe uma frase, que já não sei de quem era, mas de que gosto muito, que é a seguinte: o adversário é o principal amigo do investigador. Podia dizer-se também do decisor. Uma das minhas intenções é reforçar muito as comissões especializadas, que é onde há mais debate, para se construir senão consensos, pelo menos compromissos e ir mais longe, melhorar as decisões.

No prefácio ao relatório Estado da Educação 2016 que assinou defende que se deve levar às escolas o debate sobre “questões fraturantes”. Considera que a sociedade está disposta a aceitá-lo? Pergunto isto tendo na memória a onda de protestos que suscitou a possibilidade levantada pelo Ministério da Educação de se abordar a Interrupção Voluntária da Gravidez no 2.º ciclo de escolaridade, propósito que foi depois deixado cair. 
Esse é um assunto particularmente delicado, mas penso que há outros temas que interessam aos jovens ou que se pode levá-los a interessar-se e que são menos fraturantes. Por exemplo, a questão das fake news. Sempre defendi a necessidade de uma educação para os media, mas quando eu defendia isso era mais a televisão, os jornais. Hoje é global. Agora toda a gente diz que as fake news sempre existiram. É verdade, mas não desta maneira, como uma prática quase aceite em que até se inventam eufemismos para a palavra “mentira”. Penso que é uma questão de sobrevivência democrática haver uma formação mediática que permita às pessoas saberem defender-se e com o que estão a lidar.

E essa formação continua a estar ausente das escolas?
Depende muito dos professores. O que seria interessante era adotar como perspetiva que as escolas deveriam tratar algumas questões transversais, aquilo que os franceses agora chamam questões vivas, os grandes problemas da atualidade, e sobre as quais os jovens ouvem falar e se poderão interessar mais. A sua abordagem obriga à transversalidade e ao trabalho de colaboração. Podem desenvolver-se mais estas competências dos jovens e criar também uma outra dinâmica nas escolas. 

Em princípio esse é um dos objectivos do novo projeto da flexibilidade curricular que este ano letivo está a ser desenvolvido em 235 escolas. Como é que vê esse projeto?
Ainda não vejo nada porque não conheço. Mas gostava muito que no CNE o acompanhássemos. Gostava de ver como é que as escolas estão a pegar na possibilidade de organizarem o currículo e de terem mais autonomia.

E como é que o CNE poderia fazer isso? No mesmo prefácio ao Estado da Educação defende que o CNE deve ir mais para o terreno, entrar na escola, nas salas de aula…
É uma questão de organizar e de fazer essas idas. Não estou a dizer que se façam investigações de fundo com a preocupação de uma grande representatividade. É mais a aposta de tentar identificar os caminhos que estão a ser seguidos e os problemas que surgem a tempo de serem corrigidos.

Muitas vezes as escolas não são muito recetivas a olhares que vêm de fora.
Nunca tive esse problema enquanto estive Instituto de Inovação Educacional [foi presidente entre 1997 e 2002] onde fazíamos muito esse acompanhamento de escolas. Desde que não haja um olhar fiscalizador, avaliador, penso que não existem problemas. E aqui o objetivo seria ir às escolas para aprender com elas e tentar melhorar em conjunto.

Também nesta perspetiva de proximidade, uma outra actividade em que o CNE se deve envolver é com as escolas que ultrapassam as expetativas. Tentar perceber quais são os caminhos que podem permitir que as escolas tragam de facto um valor acrescentado aos meninos

Os resultados do último PISA [testes internacionais que visam avaliar a literacia dos alunos com 15 anos] mostram que em Portugal o número destas escolas tem vindo a subir.
É curioso porque ao mesmo tempo também somos dos países, na Europa, onde há uma maior correlação entre o peso do meio social de onde se vem e os resultados escolares.

É como se estivéssemos ao mesmo tempo a viver em dois mundos. O que leva aquelas escolas, chamadas “resilientes”, a fazerem a diferença?
Não sei. Mas vou ver. É fantástico para as pessoas da educação que a escola possa fazer a diferença. Por um lado é uma grande responsabilidade, mas por outro lado uma grande motivação. 

No seu seu texto defende o “reforço da intencionalidade educativa junto das crianças dos 0 aos três anos”. Quer isso dizer que deve existir um currículo para crianças tão pequenas?
Tudo isto são assuntos a analisar. Claro que não pode ser confundido com a ideia de um currículo escolar, mas a intencionalidade educativa já existe porque todas as creches têm de ter uma educadora de infância. É mais uma questão de se tomar consciência da importância disso. Porque há muito a tendência de se pensar que dos 0 aos 3 anos o que é preciso é que as crianças estejam bem alimentadas, estejam seguras, bem cuidadas. Mas também é importante conversar com elas, brincar com elas, contar-lhes histórias, ler-lhes poesias e é chamar a atenção para isso sem que se caia no excesso de estimulação. 

Em Portugal há o compromisso de se universalizar o pré-escolar aos três anos de idade até 2020, mas o último Estado da Educação aponta para uma redução da proporção de crianças a frequentar este nível. Tem algumas pistas para explicar o sucedido? 
Não, mas penso que devíamos ir ver, analisar, porque só constatar não chega. O Estado da Educação é um retrato, assim como alerta o Ministério da Educação e a Assembleia da República para determinados problemas, também nos deve alertar a nós próprios para tentar, sempre que possível, perceber o que as coisas significam.

Falando do estado da educação, como é que define hoje a escola em Portugal?
Como uma escola que fez uns avanços extraordinários, pelo menos no que é medido pelos testes internacionais e em certas disciplinas, mas receio que também esteja um pouco cristalizada e tenho pena de que tenha perdido a riqueza curricular. As pessoas, os meninos, são tão diferentes e há quem possa dar o melhor de si de outra maneira que não só na matemática e na língua materna.

Era importante que houvesse uma muito maior variedade de atividades e de aprendizagens. Por [uma questão de] justiça individual, já que toda a gente merece desenvolver-se em vários aspetos, mas também por justiça social, porque enquanto existem meninos cujas famílias valorizam a música e o teatro e os levam a essas atividades, há outros que não têm essa possibilidade. E, já que a escola é a única rede que chega a toda a gente, deveria proporcionar a todos essas aprendizagens e esse contacto com outras realidades.

Considera então que nas escolas existe pouco espaço dado ao conjunto das expressões?
Sim. Há pouco espaço dado às expressões artísticas, à educação para a cidadania, às tais questões transversais de que já falei.

Mas isso não aconteceu sempre?
Não, começou a acontecer quando os testes internacionais começaram a realizar-se. Estes testes foram e são importantes para nos ajudarem a situar e para ver que progredimos mas, como se situam só em certas áreas, também tiveram esse efeito redutor.

Que também foi potenciado pela generalização dos exames?
Penso que sim. Considero que de vez em quando é importante haver exames, mas quando se introduz esta avaliação tem de se ter consciência dos efeitos perversos que por vezes esta tem, como o de valorizar só determinadas áreas que são mais facilmente examinadas.

A função dos exames e da avaliação pode ser múltipla. Mas como pessoa da educação estou mais interessada nas informações que me podem dar para melhorar. Se um menino mostra dificuldades na resolução de um teste o que me interessa é tentar identificar quais são essas dificuldades, e porque é que existem, para poder intervir imediatamente para melhorar.

É então uma adepta das provas de aferição introduzidas pela atual tutela?
Sim, embora as provas de aferição sejam mais para aferir o sistema. E acho que até para os meninos é bom que haja provas, não sei se lhes chamaria de aferição ou outra coisa qualquer. Uma das coisas que a OCDE também recomenda é a intervenção ao primeiro sinal de dificuldade. Como é que nós sabemos quando esse sinal acontece? Tem de ser através de um acompanhamento muito próximo do aluno ou através de qualquer manifestação. Não estou nada contra as provas mas depende da atitude com que são encaradas. Para que é que elas servem?

Intervir ao primeiro sinal de dificuldade não deveria ser o papel do professor, que é quem está mais próximo do aluno? Face aos fracos desempenhos dos alunos também evidenciados pelas provas de aferição pensa que este trabalho está a ser bem feito pelos professores? Têm essa formação?
Sempre que se fala em formação, os professores sentem isso como uma acusação, portanto não queria ir por aí. Mas há uma determinada cultura escolar que ainda perdura, do século XIX, século XX, que é dar a matéria. Isso antes fazia-se para grupos de alunos relativamente homogéneos, mas entretanto a população mudou, já não é uniforme. Terá de haver um repensar da escola no seu todo para fazer evoluir esta cultura da escola para uma cultura algo diferente e penso que isso vai acontecer. Porque a economia está a pedir coisas diferentes.

O que a economia hoje pede são competências diferentes daquelas que este modelo de escola desenvolve. Para além das competências digitais e do inglês língua estrangeira, requer-se hoje os chamados “soft skills”, ser capaz de colaborar, ter espírito de iniciativa. Sem querer que a escola ande a reboque da economia, penso que isso vai condicionar a escola. O que eu gostava é que a escola, para além de desenvolver estas novas competências, também formasse pessoas capazes de decidir o seu destino e de escolher em que tipo de sociedade pretendem viver. 

Qual a avaliação que faz do mandato do ministro da Educação? 
Acho que nestes dois anos muita coisa já foi feita no sentido que gostaria, do tal alargamento do currículo, da maior autonomia das escolas, da vontade de valorizar a aprendizagem e não tanto os resultados. Tem ido nesse sentido, o que eu aprecio.

Fonte: Público

A banalidade do mal e o sabor dos anos que passam

2. Felizmente recuperado das vertigens e falta de equilíbrio que a síndrome vestibular aguda lhe provocou, o ministro Tiago Brandão Rodrigues foi à Chamusca e caiu do cavalo da demagogia. Embalado pelo trote das referências à “metodologia expositiva” (Estado da Educação 2016, CNE, págs. 7, 27 e 28), alegadamente usada em excesso pelos professores, e instado a pronunciar-se sobre a matéria (PÚBLICO, 15.12.17), passou ao galope: “...esses dados dizem respeito ao ano lectivo 2015-2016, cujo início foi ainda da responsabilidade do anterior Governo. Tivemos a oportunidade de, sabendo nós como o estado da educação se apresentava nesse ano lectivo, poder desenvolver novas políticas públicas para dar resposta à estaticidade das salas de aula...”

Estática esteve a leitura do relatório por parte do patusco ministro. É que “esses dados” referem-se a 2012, como está no relatório que Tiago não leu. E a poderem, inquisitoriamente, ser ligados de modo isolado a algum Governo, então seria... ao do PS (Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada).

3. A 19 deste mês, a página institucional da DGAE ofereceu-nos um texto de antologia propagandística sobre as inovações, velhas de décadas, do secretário de Estado João Costa, autor da prosa. Sob a epígrafe “Autonomia, Liderança e Participação”, disse-nos João Costa:

“O insucesso não é, pois, o problema de uma taxa que queremos reduzir, mas sim o problema de qualidade das aprendizagens e de justiça social que precisamos de resolver.”

O engenho ensaísta do secretário de Estado antecipou uma probabilidade inovadora: a taxa pode aumentar mas o insucesso diminuir. É uma questão de reescrever o que entendemos por qualidade das aprendizagens. E a caneta pedagógica é ele que a tem. 

4. A secretária de Estado Alexandra Leitão, em representação do Governo, assumiu o compromisso de negociar com os sindicatos o modelo da recomposição da carreira dos professores, tendo por referência o actual estatuto, por forma a ser possível a recuperação do tempo de serviço. No exercício negocial em curso, o Ministério da Educação divulgou números falsos sobre as correspondentes implicações financeiras, com o óbvio intuito de iludir a opinião pública. Este procedimento é próprio de aldrabões. Apesar de deselegantes, há momentos em que determinadas palavras têm que ser usadas.

Santana Castilho

Fonte: Extrato da crónica publicada no Público

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Viver com Asperger? "Não sou louco, nem freak"

Em um mês, o vídeo em que o menino colombiano de 8 anos explica, na primeira pessoa, como é sofrer da síndrome de Asperger já foi visto por 7,5 milhões de pessoas no Facebook.

"Ter Asperger não é uma doença. Não sou louco, nem freak, nem esquisito. Só que a minha maneira de receber e processar a informação é diferente", conta Federico García Villegas.

De acordo com o El País, que conta a história, além de ajudar a gravar o testemunho, a mãe do menino, Andrea Villegas, gerencia a conta do Facebook "Soy diferente, soy como tu" (Sou diferente, Sou como tu), que serve como rede de apoio para pais com crianças que sofrem de Asperger.

O vídeo surgiu, explica a mãe, porque o rapaz sentia necessidade de explicar a síndrome aos seus coleguinhas de escola

"Sou um menino como qualquer outro, com sonhos e esperanças. Só quero que me conheçam, me entendam e que me ajudem a encaixar na comunidade. Os nossos sentidos são mais aguçados. Eu ouço todos os sons ao mesmo tempo. Por isso, às vezes, fico em choque ou sinto-me sobrecarregado", conta. "Se quiser que eu saiba algo, use palavras. Não entendo muito bem a linguagem não-verbal", pode ouvir-se no vídeo.

A ideia inicial era postar no Facebook e no YouTube para que os 20 colegas da turma de Federico pudessem ver.

A chilena Pamela Zavala, com um marido e três filhos com síndrome de Asperger, viu a gravação e decidiu partilhá-la e foi assim que o vídeo se tornou viral.

Veja o vídeo na página do DN.

Fonte: DN

"Os estudantes não têm a preparação para tirarem partido das novas formas de aprendizagem, nem para enfrentar o mercado de trabalho"

Dedica-se à inovação no ensino há duas décadas. Aos 64 anos, o seu entusiasmo perante o potencial da Inteligência Artificial no contexto da sala de aula surpreenderia muitos jovens estudantes. (...) Vijay Kumar, diretor-adjunto de Aprendizagem Digital do MIT, fala da importância de estimular “bons comportamentos de aprendizagem” numa sociedade que enfrenta o perigo de perder a curiosidade, tal é a profusão de informação disponível à distância de um clique. Grande defensor da educação aberta, antevê que nas salas de aulas do futuro não haverá alunos aborrecidos e que, provavelmente, continuarão a existir manuais escolares, mas não exatamente como os conhecemos. O futuro do ensino, acredita, não pode ser uma mera extensão do presente.
Se um professor do século XIX entrasse numa sala de aulas do século XXI não ficaria em choque, pois não?
Creio que não. Pelo menos, não inteiramente. O mais surpreendente seria o facto de agora conseguir ensinar um grupo muito maior de estudantes ao mesmo tempo, sem sacrificar a qualidade do ensino, graças aos instrumentos trazidos pela tecnologia. O menos surpreendente seria o facto de ele continuar a ser necessário para interagir com os estudantes. O papel do professor mudou, mas não foi eliminado.
Qual deve ser hoje o seu papel?
Os professores devem ser facilitadores da aprendizagem ativa. Uma turma pode estar focada na aprendizagem ativa, fazer experiências e usar tecnologia de visualização interativa, mas se o professor continuar a um canto a debitar matéria e a mostrar powerpoints será um desastre. O professor tem de se tornar mais participante no processo de aprendizagem, juntamente com os alunos.
Quais são as novidades tecnológicas que mais o entusiasmam no contexto da sala de aula?
Seguramente, a Inteligência Artificial (IA) e os big data (informação armazenada digitalmente). A IA permite diferentes graus de personalização, no sentido em que é capaz de detetar o que não foi compreendido, por exemplo, através da análise de dados ou de tutores digitais inteligentes. Assim, torna-se possível gerir a aprendizagem de acordo com os progressos e os erros dos alunos, colocando-os no caminho do sucesso. Com o machine learning e os avanços na IA, temos o potencial de aumentar significativamente a personalização do ensino.
E os big data?
Os big data permitem-nos extrair e analisar o volume tremendo de informação disponibilizado por quem frequenta cursos online e perceber qual a melhor forma de apoiar o estudante autónomo. Cada vez mais a nossa aprendizagem é autónoma, e por isso é importante sabermos quais são as dificuldades dos estudantes autónomos, como procuram ajuda, como formam grupos… Podemos saber isto tudo com a IA e os big data.
A aprendizagem online depende muito da disciplina do aluno. Concorda?
Sim, mas não mais do que a aprendizagem tradicional. Nós, professores, achamos que chegamos à sala de aulas e impomos disciplina, mas não é bem assim. Neste caso, eu não lhe chamaria disciplina, diria antes que o aluno assume uma maior responsabilidade pela sua aprendizagem. Temos de refletir sobre o que queremos dizer quando falamos de aprendizagem online, não estamos a falar de uma palestra de duas horas em vídeo, mas de pequenos vídeos acompanhados de experiências interativas, com testes frequentes, encontros presenciais… Quando falo em aprendizagem online refiro-me a tudo isso.
Por que razão é tão difícil mudar a dinâmica da sala de aula? Já lhe chamou a “inércia do sucesso”…
Ou a inércia do que é entendido como sucesso… As instituições de ensino otimizaram um modelo educativo difícil de abandonar porque no passado deu resultados. O que me parece arriscado e perigoso é o modelo do presente não estar a conduzir ao sucesso. Os estudantes não têm a preparação adequada para tirarem partido das novas formas de aprendizagem que estão a surgir, nem para enfrentar o mercado de trabalho. Todos os domínios da sociedade estão a mudar através da infusão do digital. Basta pensar numa coisa tão simples como os mapas, que se transformaram em milhões de imagens no Google Earth e depois em sistemas inteligentes de GPS nos nossos telemóveis. O conhecimento exigido para ser um membro produtivo da sociedade está a mudar. Este modelo não nos dá a capacidade de sermos flexíveis e ágeis para acomodarmos as novas tecnologias.
Mas a adesão à tecnologia não deveria ser fácil?
Seja qual for a mudança, as pessoas têm de ter a perceção do seu valor. Quando inserimos novas tecnologias na sala de aulas, deve ser óbvio que elas melhoram e tornam mais fácil a experiência dos alunos. E esses resultados têm de ser facilmente atingidos. Temos de perceber de que forma a mudança poderá fazer a diferença. Isso exige tempo e esforço. E deve ser avaliado.
Depreendo que já não faz muito sentido dizer que o atual modelo de ensino é bem-sucedido…
Exatamente. Nós somos o que medimos. Se introduzirmos novas tecnologias na sala de aula e medirmos o que costumávamos medir – a repetição e a memorização –, obviamente vamos dizer que as tecnologias não estão a fazer nenhuma diferença. Mas a tecnologia dá-nos a oportunidade de avaliarmos a forma como medimos o sucesso. Será apenas pela quantidade de matéria do manual escolar que se consegue dar? Ou será através do entendimento dos conceitos? Será apenas pelo número de estudantes graduados? Ou será antes pelo número de estudantes graduados relevantes no mercado de trabalho? O que consideramos um sucesso está a mudar.
A tecnologia também parece fundamental para os nativos digitais serem felizes na escola.
Possivelmente. A felicidade é uma condição interessante. É um conceito muito aberto, mas acredito que o compromisso dos estudantes pode ser maior com o recurso à tecnologia. Os alunos ficam menos propensos a estarem sentados passivamente a receber informação, empenham-se nas atividades e comprometem-se consigo e com os pares. Em vez de dizer felicidade, eu diria que a tecnologia é fundamental para os nativos digitais se empenharem e desfrutarem da aprendizagem.
Os manuais escolares já deviam ter desaparecido das salas de aulas?
Não. Os manuais escolares são uma maneira eficiente de chegar a determinados recursos de aprendizagem, partindo do princípio que os seus autores têm o conhecimento necessário sobre os temas. Nesse sentido, os manuais não deveriam desaparecer. Agora, também é possível fazer a mesma seleção de recursos digitalmente. Se pensarmos no manual escolar enquanto lente que permite olhar para um assunto, então ele não deveria desaparecer.
Até que ponto tem de se mudar o ensino para se preparar a nova geração para um mercado de trabalho profundamente alterado pela tecnologia?
Quando falamos de mercado de trabalho, não estamos só a falar dos empregos que as pessoas devem estar preparadas para assumir, mas também da capacidade de criarem elas próprias empregos. É preciso garantir que os domínios de competência que as instituições de ensino oferecem correspondem às competências exigidas pelo mercado de trabalho. A tecnologia facilita que pessoas com competências e motivações diferentes possam trilhar percursos adequados à carreira que procuram, com base nos conhecimentos que já têm, e consoante as necessidades do mercado.
A revolução tecnológica está a tornar-nos menos disponíveis para aprender porque está tudo a um clique de distância? Serão os estudantes de hoje menos curiosos?
Enfrentamos esse perigo, mas é nossa responsabilidade impedir que isso aconteça. Dizemos permanentemente que conteúdos não são conhecimento e que aprender não é apenas decorar conteúdos, o que está relacionado com a questão da disciplina: o que devemos tentar introduzir são bons comportamentos de aprendizagem. A forma como compilamos a informação, como criamos experiências de aprendizagem, deve ser feita de forma a despertar o compromisso e a curiosidade das pessoas. A avaliação é o Santo Graal da boa aprendizagem, certo? Se a avaliação escolar se focar nos conceitos apreendidos, mitigamos o risco de as pessoas pensarem que o conhecimento é apenas informação a um clique de distância.
Qual o papel da educação no progresso dos países em desenvolvimento?
Se há um segmento da população que pode beneficiar da combinação entre aprendizagem presencial e online são os residentes dos países em vias de desenvolvimento. Falo muitas vezes sobre como o ensino aberto e a tecnologia permitem garantir experiências de ensino de qualidade em grande escala, a custos razoáveis e sem sacrificar a qualidade. Nos países em vias de desenvolvimento isso é essencial porque são necessários recursos humanos qualificados em todos os setores e o modelo educativo tradicional não tem capacidade de resposta.
O que pode a tecnologia fazer pelos 3,7 milhões de crianças deslocadas que não vão à escola?
Lançámos um programa no MIT, o MicroMasters, através do qual as pessoas podem fazer cursos online com a qualidade do MIT e, se passarem nos exames, tornam-se elegíveis para completarem um semestre presencialmente e ficarem com o grau de mestrado. Embora este programa seja para pessoas mais velhas, podemos projetar e ampliar oportunidades semelhantes para alunos mais jovens. Estamos a começar a trabalhar com crianças em campos de refugiados na Jordânia através do programa Jameel World Education Lab. Quando pensamos em pessoas deslocadas, pensamos em crises político-sociais, como o conflito na Síria, mas amanhã pode ser o aquecimento global. As pessoas deslocam-se cada vez mais e as oportunidades educativas devem ir atrás delas para onde quer que vão. E não apenas no sentido geográfico, mas também no sentido de em qualquer lugar onde o estudante esteja em termos de preparação, motivação e objetivos.
Consegue imaginar como será a sala de aulas do futuro?
Será o mundo! [risos] A sala de aulas será onde estivermos, mas também estará desagregada, vamos a um local para ter acesso a vídeos, a outro para nos encontrarmos com pessoas e a mais outro para fazermos atividades… A sala de aulas do futuro talvez não se chame sala de aulas e, tenho esperança, será muito mais entusiasmante. Quando os alunos adormecerem será mesmo porque estão sonolentos e não por a aula ser uma seca! [risos]
Disse, em tempos, que “a parte mais difícil de imaginar o futuro é desimaginar o passado”. O queria dizer?
Quando falamos em aprendizagem online ou à distância, descobrimos que a nossa referência continua a ser a de antigamente: “Como podemos trazer mais alunos para a instituição?”, em vez de “como podemos envolver mais alunos na experiência de aprendizagem?”. O modelo de referência tem de mudar. Se imaginarmos um futuro em que os alunos tem acesso a oportunidades de aprendizagem em qualquer lugar, onde a formação é baseada em necessidades, em que a aprendizagem acontece porque se olha para o ecossistema da aprendizagem, e não apenas para o que acontece antes de se chegar ao mercado de trabalho, então será totalmente diferente. Se continuarmos a imaginar o futuro como uma extensão do presente não estamos a imaginar verdadeiramente um novo futuro.
Fonte: Visão por indicação de Livresco

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Aprendizagens Essenciais

As tendências e políticas curriculares (Vd. OECD, UNESCO; EU, Estudos internacionais como o PISA na s suas várias edições, entre outros) desde o último quartel do século XX vêm recomendando um “emagrecimento curricular” que contrarie a tendência enciclopedista e a deriva aditiva que tendem a criar prescrições excessivamente extensas, acumulativas e muitas vezes irrelevantes, pouco úteis à complexa formação científica, cultural e humanista que se requer hoje dos cidadãos. Por outro lado, a massificação da escolarização por tempos cada vez mais longos recomenda que se eleja como currículo comum, a ser de facto aprendido por todos, mas possibilitando vias de construção variadas que rentabilizem os contextos diversos, aquele corpo de aprendizagens comuns verdadeiramente essenciais para a plena inclusão de todos na sociedade.


Debate-se assim os sentidos de aprendizagens essenciais, sublinhando que não constituem uma diminuição de conhecimento, mas devem antes constituir-se como eixos estruturantes de conceitos, conteúdos , capacidades e processos que aproximem todos de um nível mais aprofundado e mais rico de conhecimento e competências. Essencial aproxima-se assim de estruturante, significativo, indispensável ao campo disciplinar e passível de mobilização e desenvolvimento continuado. A essas aprendizagens essenciais que no seu conjunto configuram o currículo, se dirigirá todo o trabalho de regulação e avaliação, quer interna quer externa, como garante da consecução do percurso curricular essencial por todos.

No modo de gestão do currículo nas escolas e pelos professores, que se deseja cada vez mais autónomo, as opções de trabalho pedagógico-didático, nomeadamente as estratégias de ensino trabalhadas, quer no plano disciplinar quer em espaços integradores, deverão pautar-se por esta “essencialidade “ seletiva dos saberes, que incorporam processos cognitivos e competências de uso, bem como os valores que se associam ao trabalho de aprender. Tal desiderato constitui a via pela qual as aprendizagens curriculares convergem para construir e consolidar características e valores dos aprendentes – crítico, analítico, colaborativo, questionante, capaz de comunicar..- que estão consensualizadas e plasmadas no Perfil dos Alnos no final do Ensino Básico e Secundário (ME 1917)


domingo, 24 de dezembro de 2017

Complexidade e Educação Inclusiva

Comum, comum, é o lugar onde se diz “o mundo está cada vez mais complicado”. E é verdade, apesar de estarmos exaustos de ouvir esta “lapalissada”. O mundo está cada vez mais complexo, é uma evidência. Tudo o que nos rodeia é complexo, com origens e manifestações múltiplas e obviamente com resultados inesperados e incertos. E senão vejamos: quanto mais complexos são os sistemas, maior é a incerteza sobre o seu funcionamento. Quanto mais componentes tiverem, quando mais elementos mobilizarem, maior é a incerteza do seu funcionamento e a sua complexidade. Lembro-me uma vez de ter mandado arranjar o meu carro e depois do conserto disse ao mecânico: “Fez um bom trabalho! O carro está novo!” O mecânico, experimentado e prudente, disse-me: “O seu carro tem, talvez, 6000 peças e eu só substitui 22.” Entendi então que a complexidade — e a inerente incerteza — está relacionada com o número de conexões e de interações que um sistema tem dentro de si.

E nós vivemos num sistema social complexo. Complexo não quer dizer complicado ou difícil, quer dizer etimologicamente “o que é tecido em conjunto”. E toda a nossa realidade atual é tecida em conjunto, isto é, desenvolve-se através de uma rede intricada e interdependente de relações. Nunca foi tão verdade a afirmação que “tudo está ligado a tudo”. E tudo está agora mais ligado a tudo. A erupção das tecnologias digitais aumentou de forma nunca antes vista nas sociedades humanas as possibilidades de ligações entre as pessoas. Ora, quanto mais possibilidades de interconexão, maior a quantidade de informação e maior a incerteza e a complexidade que geram. Toda esta informação realimenta-se dos seus resultados e propaga-se e aumenta em razões exponenciais. Quer dizer que o efeito de um dado conjunto de informações age, ou melhor retroage, sobre essas informações, tornando-as diferentes. Daí que um dos teóricos mais influentes do que convencionou chamar a Teoria da Complexidade, Edgar Morin, tenha afirmado que a Educação do Séc. XXI teria mais a função de religar e articular os conhecimentos do que criar conhecimentos absolutamente novos.

Esta complexidade tem um impacto na compreensão dos processos inclusivos. Não é difícil avaliar a complexidade de qualquer processo de inclusão social. Encontramos comunidades fechadas nos seus princípios, normativas nas suas regras e sobretudo exigentes quanto ao desempenho e comportamento que os aspirantes a seus membros devem ter. Por outro lado, encontramos pessoas que, em muitos momentos da sua vida, não são capazes de corresponder na perfeição aquilo que as comunidades esperam delas. Esta situação é muito visível na escola: as escolas esperam muitas vezes um tipo específico de alunos, com um determinado tipo de capacidades e comportamento. Quando os alunos não se apropriaram e não demonstram o tipo de conhecimentos e comportamento que a escola espera, a inclusão não se passa porque todo o ónus da mudança é colocado sobre o aluno e a escola sente-se ilibada da responsabilidade de mudar. A inclusão é, por isso, um processo complexo porque implica a sempre difícil mudança de modelos de entender a educação por parte do aluno e por parte da escola.

Talvez por esta mudança ser tão difícil e tão penosa, se procura encontrar soluções que aparentemente resolvam a questão através da diminuição da complexidade dos problemas. Por exemplo: se considerarmos muito difícil (vide impossível) proceder às alterações das formas de ensinar, dos objetivos de aprendizagem, dos modelos de avaliação, então a “solução” é diminuirmos a complexidade destas alterações e criarmos modelos de “educação especial”. Ainda recentemente foi publicitada a inauguração de uma estrutura educacional dentro de uma escola regular destinada a alunos com dificuldades onde existiam, além de salas de trabalho, casas de banho e até cozinha. Quer dizer que a construção desta casa, aparentemente até muito bem construída em termos arquitetónicos, procurou diminuir a ansiedade de confrontar os jovens com dificuldades com estruturas, digamos, regulares. Agora eles podem ter aulas à parte, casas de banho só para eles e até comida só para eles.

Não confundamos as coisas: as pessoas com condições de deficiência têm absoluta necessidade para o desenvolvimento das suas capacidades do apoio de técnicos que não sejam só professores. A questão é se acreditamos ou não que esse apoio pode e deve ser potenciado, contextualizado e maximizando o acesso a ambientes inclusivos, diversos e mais desafiadores.

Vivemos em ambientes complexos, ambientes em que os problemas são tecidos em conjunto e onde certamente as possíveis soluções têm igualmente de o ser. A Educação Inclusiva procura dar respostas complexas e que, por este motivo, são sempre aproximativas e não definitivas. São estas as respostas que honestamente, e de forma cidadã, se podem encontrar hoje para as perguntas complexas que a sociedade da complexidade nos coloca. Dar respostas simples a questões complexas soa a insuficiente. Daqui a força conceptual da inclusão como modelo de intervenção que deve recrutar tudo o que de melhor sabemos fazer pelos jovens com dificuldades, aproveitando a riqueza e a complexidade do meio em que eles vivem.

David Rodrigues

Fonte: Público por indicação de Livresco

Conto de Natal – A porta secreta

“– Meu filho! Já viste bem todas as prendas que o Menino Jesus te deixou este ano? Olha, por exemplo, esta aqui…” – indicou António ao pequeno Diogo.
“– Parece uma caixa. E há coisas a abanar lá dentro!”
“– Vamos abrir” – e abriram.
Dentro do embrulho, um tabuleiro de xadrez. Diogo, com uma mão a segurar o inseparável smartphone e a outra a agarrar o novo brinquedo, deixou escapar um breve suspiro de desalento. Nesse momento, o pai decidiu voltar à carga:
“– Sabes, quando eu tinha mais ou menos a tua idade, descobri que nesta casa havia uma passagem secreta. Uma porta escondida…” – e Diogo nem o deixou concluir a frase. Agarrou-se-lhe à perna e reclamou:
“– Onde é? Para onde vai? Leve-me lá!” – sorrindo, António segurou-o pela mão e fez-lhe sinal para se sentar. A “lição de Sissa” iria começar...
“– Olha, isso vais ter de ser tu a descobrir. E a resposta encontra-se dentro deste tabuleiro de xadrez”.
Depois, enquanto retiravam os últimos papéis que escondiam a caixa, o pai foi explicando:
“– Hoje, vamos fazer um duelo. Peças brancas contra as peças negras. Como se fosse uma guerra…”
“– Mas, pai… os homens brancos e os homens negros são inimigos?”
“– Não, meu filho! Hoje, já não são. A cor da nossa pele não interessa para nada. Todavia, há alguns séculos atrás, os homens brancos fizeram escravos muitos homens negros”.
“– Olhe, pai, se eu pudesse mandava pintar as peças. Seriam azuis contra vermelhos!” 
“– E deixa-me adivinhar… tu ficavas sempre com os vermelhos, certo?” – riram em uníssono.
Na verdade, António ficou com as peças negras e Diogo com as brancas (depois de saber quem começava a jogar, o menino nem hesitou na escolha!). Entrementes, o pai disse:
“– De todas as tuas peças, existe uma que tem de ser sempre muito bem protegida: é o rei”. Ao ouvir isto, o menino sentenciou:
“– Então, eu sou o rei! Sou o mais importante”.
Nessa altura, o pai desabafou:
“– Sabes, quando tu nasceste passaste a ser o rei desta casa. Eu e a tua mãe começámos a viver em função de ti” – e Diogo ria-se de orelha a orelha.
Logo a seguir, António esclareceu o valor de cada peça e o modo como se movimentavam:
“– A rainha vale 9 peões. Pode avançar em todas as direcções. A torre vale 5, anda sempre a direito – na horizontal e na vertical. O cavalo vale 3 peões, movimenta-se em “L”. O bispo também vale 3 peões, mas anda e captura na diagonal…” – e por aí fora, sempre com as peças a saltarem no tabuleiro de um lado para o outro, sob o olhar atónito do menino.
Às duas por três, quando já estavam no meio da primeira partida, muito lentamente, o pai foi capturando uma a uma todas as peças do menino. Quando apenas lhe restava em cima da mesa o amedrontado rei, o pai desafiou-o:
“– Vá! Podes jogar”. Diogo, quase a soluçar, atirou:
“– Mas… assim não é justo! Estou sozinho e ninguém me pode defender”.
Sorrindo, o pai devolveu-lhe os peões, perguntando:
“– Estás mais satisfeito?”
“– Sim, mas ainda não tenho as minhas torres, os bispos, os cavalos…”
“– Então, meu filho, qual é a tua peça mais importante?”
“– Todas são importantes, pai!”
“ Olha, há quem diga que foi esta a lição que um indiano chamado Sissa quis ensinar a um rei muito mau. Não sei se é verdade ou mentira, mas há até quem acredite que foi ele que inventou o xadrez. Certo, certo é que esta é uma lição valiosa para todos nós…”
Nessa altura, a mãe chegou à sala. Vinha chamá-los para o jantar. Ao olhá-la, o pai não resistiu e exclamou:
“– Olha, filho, e ainda te faltava a rainha!” – Dona Maria não compreendeu, mas sorriu delicadamente, ao perceber que falavam dela.
Logo depois, já à mesa, o menino voltou à carga. Queria mesmo saber onde se encontrava a tal porta misteriosa. Como se já não bastasse a ansiedade do miúdo, a mãe ainda ajudou à festa:
“– António! Lá andas tu a ensinar coisas perigosas ao nosso filho! Eu já te disse que essa porta é só para os adultos”. Os olhos de Diogo pareciam prontos a saltar para fora das órbitas.
Quando se levantaram os últimos pratos da mesa, foram todos até ao presépio. Debruçados sobre o berço, António perguntou:
“– Diogo, quem é a personagem mais importante do nosso presépio?”
O menino ainda hesitou, mas lembrou-se da lição do xadrez e respondeu:
“– O menino é o nosso rei. Mas sem os pais, os animais, as estrelas, os reis magos… o que seria dele?” – os pais entreolharam-se. A noite de Natal estava quase a findar, mas o mais importante ainda vinha a caminho...
Então, o pai ajoelhou-se junto à manjedoura do Menino e começou a contar-lhe o segredo da porta desconhecida.
“– A tua bisavó Maria era, como sabes, a minha avó. Um dia, quando eu tinha mais ou menos a tua idade, ela disse-me que nesta casa havia uma porta secreta que dava acesso a um mundo maravilhoso. Ora, quando eu ouvi essa história, fiquei de tal modo curioso que passei a noite em claro, sem dormir. Vasculhei cada recanto desta casa, examinei com todo o cuidado todos os lugares, mas a verdade é que não consegui encontrar o mais pequeno sinal da tal porta mágica. Desanimado, deitei-me em cima da cama e chorei como nunca tinha chorado. 
Logo pela manhã, a tua bisavó, uma das pessoas mais inteligentes que conheci em toda a vida, reparou nas minhas olheiras, serviu-me o pequeno-almoço e abraçou-me (nunca esquecerei aqueles abraços). Deitado no seu regaço pude então ouvir esta maravilhosa história: 
“– Seu tontinho… a porta sobre a qual te falei é a porta da sensibilidade. É uma espécie de ferida aberta que apenas algumas pessoas se podem orgulhar de possuir. É um dom”.
“– E para que serve essa ferida, avó?”
“– Essa ferida boa ajuda-te a ver melhor o mundo: a chorar com aqueles que choram, a sofrer com aqueles que sofrem; a ver o que os outros tantas vezes não vêem. Sim, faz doer, mas apenas para te ajudar a compreender…”
Intrigado, voltei à carga:
“– E isso é importante, avó?”
“– Muito, meu netinho! Ajuda-nos a criar um mundo melhor!”
Ao proferir aquelas derradeiras palavras, o pai voltou-se novamente para o filho, fixando-o ternamente, olhos nos olhos:
“– Sabes, meu rei, quando tu nasceste, essa porta de que falava a tua bisavó voltou a abrir-se dentro desta casa. E foi a primeira vez, desde que a tua bisavó morreu – já lá vão mais de 20 anos –, que voltámos a fazer o presépio. Que voltámos a sentir o Natal” – e as lágrimas iluminavam-lhe a face.
Quanto ao menino, bem pequenino como todos os meninos, olhava ternamente os pais, talvez sem compreender muito bem o sentido exacto de todas aquelas palavras – os poemas que, ao longo da vida, nos escapam pelas mãos! 
Talvez um dia, bem lá no futuro, aquele menino recordasse aquelas palavras e decidisse até recontá-las ao seu próprio filho. E talvez dissesse que foi naquela longínqua noite que a porta secreta se abriu, pela primeira vez, mesmo à sua frente. A tal porta secreta que o Natal nos ajuda a recordar e a nunca deixar fechar. Por muito que as pedras afiadas inundem as calçadas por onde vagueamos.
Afinal, apesar de todas as cinzas que acumulamos nas mãos, quando Dezembro ecoa nas ruas e as luzes cintilam dentro de nós, tudo volta a ser possível. É através dessa ferida aberta, da qual brotam as lágrimas que nos lavam por dentro, que chega até nós o sentido do Natal... 

Renato Nunes 
(renato80rd8918@gmail.com)

sábado, 23 de dezembro de 2017

Crianças de Leiria publicam livro para ouvir, sentir e cheirar

Em Leiria, alunos das escolas da Reixida e Famalicão transformaram a lenda do milagre das rosas num livro para invisuais, que até inclui uma flor com cheiro. A edição reúne texto aumentado, braille, pictogramas, imagens táteis e um código para as versões em áudio e língua gestual portuguesa. Destina-se a invisuais, surdos e crianças com incapacidade intelectual, que assim têm acesso à história do Rei D. Dinis e da Rainha Santa Isabel.

A iniciativa é da Associação de Pais das Escolas da Freguesia de Cortes, com o contributo da ilustradora Tânia Lopes e da investigadora Célia Sousa, do Centro de Recursos para a Inclusão Digital do Instituto Politécnico de Leiria.

Desenvolvido ao longo de um ano, o projeto envolveu 96 crianças dos 3 aos 10 anos de idade. Com o lucro das vendas - 1.000 exemplares, a 10 euros cada - a Associação de Pais quer financiar melhoramentos nas escolas da Reixida e Famalicão.

Fonte: TSF por indicação de Livresco