quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Escola está a ficar "perigosamente discriminatória" para crianças com NEE

A Federação Nacional de Professores (Fenprof) considera que a escola pública está a ficar "perigosamente discriminatória para os alunos com necessidades educativas especiais" (NEE). O alerta foi feito na sequência de um levantamento levado a cabo por aquela organização sindical em 204 escolas (cerca de 25% da totalidade do universo escolar) e que revelou insuficiência de apoios e “indícios de segregação”.

Na conferência de imprensa realizada nesta quarta-feira, a direção da Fenprof indicou que há dezenas de escolas onde o número de crianças com NEE aumentou, enquanto o de professores disponíveis para lhes dar apoio se manteve ou diminuiu. E apontou como exemplo a escola das Olaias, em Lisboa, em que o número de alunos com NEE subiu de 98 para 108 e o de professores baixou de oito para sete.

A coordenadora da Fenprof responsável pela Educação Especial, Ana Simões, apontou outro problema detetado. Referiu que, apesar de o Ministério da Educação e Ciência ter definido como norma que cada professor deveria ter a seu cargo entre 12 a 17 alunos, existem muitas escolas onde aquele rácio é largamente ultrapassado.

"Há escolas com 31 alunos para apenas um professor – isso significa que terão direito a menos de meia hora de apoio semanal", alertou, explicando que cada professor tem, no limite, 22 horas semanais de aulas.

Há ainda turmas que não tiveram direito à redução de alunos, tal como definido na legislação: "Na Escola Pedro Nunes, em Lisboa, há 65 alunos com NEE e nenhuma turma com redução", disse Ana Simões, selecionando este exemplo de uma lista de 47 estabelecimentos de ensino de todo o país onde a situação, segundo diz, é semelhante.

Outro dos problemas enunciados num documento enviado para as redacções é o subfinanciamento dos Centros de Recursos para a Inclusão, que tem vindo a ser denunciado, bem como a diminuição do número de alunos apoiados por aquelas estruturas. Aponta como "paradigmático" o caso do Agrupamento de Escolas Anselmo Andrade, em Almada, em que o CRI "viu o financiamento baixar, este ano, de 25.767,80 euros para 7957,15 euros (redução de quase 70%)". "Também aí, das 16 crianças propostas para apoio, apenas 10 viram o financiamento aprovado", aponta.

Segundo Mário Nogueira, durante o trabalho de campo foram encontradas "situações preocupantes de segregação" e em que os autores do estudo ficaram com a sensação de alguns destes alunos serem "atirados para armazéns”.

“Este levantamento, porém, não conta tudo sobre a realidade nas escolas. Silêncios de pais e medos de professores permitem perceber que há muito mais do que o que hoje é aqui referido. Não se fala das salas sobrelotadas das unidades; nem dos assistentes operacionais que acompanham alunos com deficiências graves e que alguns foram colocados através dos CEI (Contratos Emprego e Inserção), não tendo qualquer preparação para o trabalho que desenvolvem; também não refere soluções de recurso, como a constituição de turmas de Percursos Curriculares Alternativos (PCA) que são autênticos guetos dentro da escola…”, exemplifica a Fenprof num documento enviado para as redacções, em que promete fazer um estudo mais aprofundado sobre o tema.


"Relativamente ao número de professores de Educação Especial em funções, não houve nenhuma redução, tendo havido, também de 2014-2015 para 2015-2016, um aumento do número de docentes, e tendo-se verificado ainda a inclusão de mais professores nos quadros", afirmou na altura o MEC, em comunicado enviado para as redacções.

Para Mário Nogueira, "o ministério mente descaradamente". A Fenprof indica que em 2008 havia sete mil professores para quase 50 mil alunos com NEE e hoje são cinco mil docentes para cerca de 70 mil alunos, ou seja, "o número de alunos aumentou cerca de 50%, mas o número de professores reduziu cerca de 25%".

Mário Nogueira diz, ainda, que as verbas inscritas no Orçamento de Estado para a Educação Especial baixaram 53 milhões de euros entre 2011 e 2015.

Fonte: Público

Hino à Língua Gestual

A minha língua, está aqui
Aqui, na minha mão.

Na minha mão aberta
Na minha mão fechada.
Nos gestos da minha mão.
Nos dedos da minha mão.
Nos meus lábios,
No meu olhar,
No meu gesticular.
No gesto largo
Curto e apertado
Rápido e demorado
Ondulado como as ondas do mar.
Gesto longo, apressado
Lento e demorado
Assim chego
Onde quero chegar.

Com os dedos da minha mão
E com a ajuda do meu olhar
O gesto diz
O que tenho para dizer.
Chego onde quero chegar.

Ninguém me ouve,
Mas todos me vêem.

E nos meus dedos
Em movimentos rendilhados
Polegar alargado
Apontador bem levantado
Uns encolhidos
Outros dobrados.
Em movimentos repetidos
Com os dedos a rodar

Assim faço as letras do abecedário.
Letra a letra
Até o alfabeto terminar.

Ninguém me ouve.
E em silêncio
Ninguém me impede de conversar.
Com olhos amigos
Em mim fixados 
Com convicção, comunico
E com energia digo
O que tenho para dizer.
Ninguém me impede
De minha opinião ter.
Com os lábios apertados
Para a frente alongados
Ou para dentro recolhidos
Assim ando eu…

Em silêncio!

Mudo!...

Neste mundo a comunicar
Também a cantar e a dançar
E nas minhas orações
Sem palavras, a rezar!

Manuel Miranda

(Hino - Uma proposta)       

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Alunos com aulas em casa chumbam de ano

Os pais foram surpreendidos no primeiro dia de aulas com a informação de que os filhos, que tinham tido avaliação positiva, figuravam na escola pública como repetentes.

"Matriculei em junho a minha filha na sede de Agrupamento de Escola no 2.º ano do 1.º ciclo e a matrícula foi aceite. No primeiro dia de aulas, fui alertada por uma amiga que a menina continuava no 1.º ano. Foi um choque", conta uma das mães que não quis identificar-se. Os outros pais, reunidos ontem de manhã em Monsanto na paragem de autocarro aguardando pelo transporte escolar, também não quiseram dar a cara por receio de represálias.

Fonte: JN

Na educação especial "só" foram cortados os salários dos professores, garante MEC

No orçamento do Ministério da Educação de 2011, aprovado antes do atual Governo entrar em funções, estavam destinados para a educação especial 234 milhões de euros. Em 2015, no orçamento do Ministério da Educação e Ciência (MEC) esta verba desceu para 175 milhões. Apesar deste corte de quase 59 milhões de euros, o MEC negou nesta segunda-feira que tenha efetuado cortes neste setor.

“Nesta legislatura, o Ministério da Educação e Ciência nunca reduziu o orçamento destinado à educação especial. Antes pelo contrário, este orçamento foi reforçado em diversos momentos”, afirma-se numa nota enviada à comunicação social, na sequência de uma notícia do Jornal de Notícias sobre estes cortes. Em resposta (...), o gabinete de comunicação do MEC indicou que “as reduções orçamentais são relativas às reduções salariais transversais a toda a função pública”, acrescentando que estas “não afetam o financiamento de recursos para a educação especial”.

Uma consulta aos orçamentos por ações do MEC permite constatar que, entre 2011 e 2012, houve um corte de 11,7% na verba atribuída à educação especial e que entre 2013 e 2014 se registou mais uma redução de 6,6%. Entre 2012 e 2013 houve um aumento de 5,7% e de 2014 para 2015 um acréscimo de 0,1%.

Na nota enviada à comunicação social, o MEC acrescenta, por outro lado, que “em 2014-2015, o orçamento dos Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) foi reforçado em 2 milhões de euros – correspondentes a um aumento de 20% do montante global de financiamento destinado aos CRI –, e em 2015/2016 esse montante recebeu ainda um ligeiro incremento”. Os CRI, que também recebem financiamento da Segurança Social, garantem grande parte do apoio especializado aos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) que frequentam as escolas públicas.

Nos orçamentos do MEC para 2014 e 2015 as verbas que lhes foram destinadas não estão discriminadas. Em agosto, o Governo anunciou que em 2015/2016 lhes será atribuída uma verba de 10,48 milhões de euros. Mas na semana passada, as organizações que representam os CRI ameaçaram suspender os apoios que prestam aos alunos com NEE – no ano passado apoiaram cerca de 17 mil – por considerarem não ter condições para tal. 

“Ter um psicólogo para 78 alunos [de agrupamentos de escolas diferentes] ou um aluno com meia hora por semana de terapia da fala ou de fisioterapia é sério? Não é”, comentou na altura (...) o vice-presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social, Rogério Cação.

Atualmente, em vez de frequentarem escolas de ensino especial, os alunos com Necessidades Educativas Especiais estão no ensino regular, onde lhes são garantidos apoios especializados nas áreas da psicologia, terapia da fala, fisioterapia, entre outros. Segundo dados da Direção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência o número de técnicos dos agrupamentos de escolas que prestam estes apoios diminuiu de 1362 para 963 entre 2013/2014 e 2014/2015, mas o total de profissionais disponibilizados pelos CRI às escolas aumentou de 1769 para 2236, tento também subido de 540 para 573 o total de agrupamentos abrangidos por este apoio. Também o número de alunos acompanhados pelos profissionais dos CRI quase duplicou entre 2012/2013 e o ano letivo passado, passando de 8940 para 16.876.

Mais de 70 mil com NEE

Por outro lado, o número de docentes de educação especial também aumentou de 5415 em 2010/2011 para 5760 no ano lectivo passado. Este reforço é sublinhado pelo MEC na nota enviada nesta segunda-feira, na qual, no entanto, não se faz qualquer referência à subida de 73,5% no número de alunos identificados com NEE registada nesse mesmo período. Segundo a DGEEC, passaram de 45.395 para 78.763.

A maior parte destes alunos não necessita do tipo de apoios pelos CRI. As medidas educativas mais frequentam são as do “apoio pedagógico personalizado” e “adequações no processo de avaliação”. Para cerca de 14 mil tinham sido aplicados, no ano letivo passado, os chamados currículos específicos individuais, que é a medida adotada para os casos mais severos, onde se substitui as competências definidas por cada nível de educação para os adotar às características e necessidades dos alunos, que também estão dispensados da realização dos exames finais.

A Federação Nacional de Professores (Fenprof) prometeu para quarta-feira a divulgação dos resultados de um levantamento que fez junto das escolas sobre a situação dos alunos com NEE. “Infelizmente, o resultado é deveras preocupante e confirma uma situação muito negativa e de desrespeito por crianças, jovens e famílias que deveriam merecer uma atenção redobrada e um esforço maior de toda a sociedade”, adiantou a Fenprof num comunicado divulgado nesta segunda-feira, onde lembra ainda que “só de 2013 para 2014, a Segurança Social cortou o subsídio de Educação Especial a quase 7000 alunos”.

Fonte: Público

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Alunos especiais sofrem cortes de 30 milhões

Os sindicatos dizem que o corte nesta área para 2015 é de 30 milhões (a verba em 2014 foi de 198 232 208 euros), à custa de corte nos recursos humanos e nos subsídios que são pagos aos pais para terem acesso a terapias e outras respostas que a escola pública não dá.

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) nega, mas não avança quaisquer números.

Fonte: Notícia desenvolvida no JN, por indicação de Livresco

AIA transforma escola em centro para crianças e jovens autistas

A Associação para a Inclusão e Apoio ao Austista (AIA) inaugurou ontem, em Palmeira, um Centro de Atividades Ocupacionais (CAO) para apoio a portadores deste distúrbio neurológico. Investimento de 210 mil euros, o equipamento só começará a funcionar quando a Segurança Social aprovar um acordo de cooperação com aquela associação.

Instalado no edifício da antiga escola primária do Assento, o CAO é, segundo a presidente da direção da AIA, Ana Paula Leite, mais uma etapa do percurso iniciado há dez anos por um grupo de pais que tiveram “a utopia de preparar o futuro dos filhos” portadores de distúrbios do autismo.

Os dirigentes da AIA querem abrir as portas do CAO logo que tenham resposta da Segurança Social à proposta de acordo de cooperação, lembrando Ana Paula Leite, na cerimónia de inauguração, que “os pais decidiram fazer aquilo que era obrigação do Estado”. (...)

A AIA oferece atualmente respostas ao nível da intervenção precoce, terapia da fala, terapia ocupacional e psicologia a 45 crianças e jovens com distúrbio do autismo.

O CAO da AIA vem preencher uma lacuna num distrito onde, segundo Ana Paula Leite, “não existe nenhuma associação especificamente direccionada para a problemática do autismo e mesmo as associações vocacionadas para a multideficiência não dispõem de vagas”, explicando que a nova valência funcionará como “rectaguarda de apoio” aos pais. (...)

Fonte: Extrato da notícia do Correio o Minho por indicação de Livresco

domingo, 27 de setembro de 2015

Crianças mais sedentárias e com menos liberdade para brincar

Um estudo sobre mobilidade infantil em 16 países concluiu que Portugal está na cauda da tabela, o que tem consequências graves para o aproveitamento escolar e, sobretudo, para a saúde pública, alerta o coordenador do estudo português, Carlos Neto.

"Estamos numa situação caótica. As nossas crianças estão fechadas, amarradas, em casa, não têm liberdade de ação, não vão a pé para a escola, não brincam na rua. Estamos a viver uma situação insustentável, o que designo por sedentarismo infantil", disse Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.

O estudo português – “Independência de Mobilidade das Crianças” – data de 2012, mas só em Agosto foi publicado, integrado num estudo internacional pelo instituto britânico Policy Studies Institute, denominado “Independent Mobility: An International Comparison”.

O estudo português concluiu que há alterações necessárias de políticas públicas, "mais ousadas", pensadas para as crianças para inverter a atual situação: políticas que permitam aos mais novos brincar e desfrutar do espaço exterior, que permitam uma maior harmonização entre a vida familiar, escolar e em comunidade, e políticas urbanas que incluam uma planificação "mais amiga" das crianças e as encare como parte integrante e participante da sociedade.

"Não temos cidades preparadas para as crianças. Não há qualquer convite à atividade física (…). Temos as crianças muito sentadas e pouco ativas. Precisamos de uma verdadeira revolução na forma como podemos tornar as crianças mais ativas e com mais saúde, física e mental", disse Carlos Neto.

O coordenador do estudo defende que em Portugal as crianças têm cada vez menos liberdade para serem crianças e fazerem coisas necessárias ao seu crescimento como correr, nadar, dançar, subir às árvores. Afirma que se estão a criar crianças "imaturas e sedentárias" e que as consequências se vão pagar a médio e longo prazo.

"Não é só a obesidade, são também as doenças cardiovasculares, as relacionadas com o foro emocional e afetivo, e, acima de tudo, com uma socialização difícil. Temos que mudar a escola, o estilo de vida das famílias. (...) Estamos convencidos que isto tem consequências no sucesso escolar e no grau de felicidade das crianças, porque vão ter dificuldades de adaptação na vida adulta", disse.

O professor da Faculdade de Motricidade Humana recordou que "estudos demonstram que crianças mais ativas e com maior socialização no recreio aprendem mais dentro da sala de aula, têm mais sucesso escolar".

Um dos aspetos estudados neste trabalho, o trajeto casa-escola, mostra que apenas 35% das crianças com 8 ou 9 anos vão a pé para a escola e que nesta faixa etária nenhuma vai de bicicleta. As que são levadas de carro são a grande maioria (56%). "Aqui vai tudo de carro para a escola. As crianças visualizam o espaço físico pelo vidro do automóvel. Estamos a criar uma situação desesperada. Valia a pena por isto em discussão em campanha eleitoral", defendeu Carlos Neto.

Só por volta dos 12 anos a grande maioria das crianças portugueses inquiridas neste estudo (80%) teve permissão para ir sozinha para a escola, ou atravessar sozinha estradas municipais. Só aos 15 anos a maior parte tem autorização para andar sozinha de transportes públicas ou para circular de bicicleta sem supervisão em estradas principais.

O estudo demonstra também que as diferenças entre litoral e interior são cada vez mais esbatidas e que ao nível do sedentarismo os comportamentos são os mesmos.

Os 16 países que integraram este estudo foram, e por ordem de classificação em termos de mobilidade independente das suas crianças, a Finlândia, a Alemanha, a Noruega, a Suécia, o Japão, a Dinamarca, a Inglaterra, França, Israel, Sri Lanka, Brasil, Irlanda, Austrália, Portugal e Itália (empatados em 14.º lugar) e África do Sul.

"O estudo português realizou-se em seis áreas diferentes de Portugal que se consideram ser representativas de cinco tipologias territoriais distintas: centro da cidade (centro de Lisboa); urbano (Matosinhos e Linda-a-Velha); suburbano (Brandoa), pequena cidade (Silves) e rural (Redondo). Nesta investigação participaram 16 escolas e 1099 crianças e respetivos encarregados de educação. [...] questionários foram aplicados a crianças e jovens do 3.º ao 10.º ano de escolaridade, com idades entre os 8 e os 15 anos", explica a ficha técnica do estudo.

Fonte: Público

Os avós foram esquecidos

Nos divórcios litigiosos, a decisão dos tribunais sobre a regulação das responsabilidades parentais costuma ser bem difícil.

Costumo dizer que todas as crianças deveriam ter sempre um pai e uma mãe, disponíveis para o amor firme, essencial ao seu desenvolvimento. Não se pode educar bem sem afeto, sedimentado numa relação íntima e prolongada que caracteriza as famílias saudáveis. E só se educa com êxito se conseguirmos, através de um relacionamento permanente ao longo do desenvolvimento, traçar limites ao que os filhos nos pedem, tendo sempre em atenção que concordar com tudo acabará, no futuro, por se tornar uma espécie de maus tratos (pelo poder excessivo que uma criança terá na família, ao tornar-se um ser omnipotente).

Infelizmente, o divórcio é uma dura realidade dos dias de hoje. A partir da segunda metade do século XX, a instabilidade é uma das características da relação conjugal, por isso muitas crianças e adolescentes dos nossos tempos se veem perante a rutura do casamento dos seus pais. Para além da perda que significa o fim de uma família unida, muitas vezes serão confrontados com decisões cruciais para o seu futuro, sobretudo quando estiver em causa com quem irão viver e como será repartido o tempo com os dois progenitores.

Quem contacta com esta realidade conhece histórias terríveis. Durante anos, um dos progenitores (com mais frequência o pai) pode ser privado de conviver com os seus filhos, sem que as acusações de que foi alvo, por parte do ex-cônjuge, tenham sido provadas. Noutras situações, uma decisão pouco fundamentada (ou não cumprida) de guarda partilhada envolve as crianças num conflito sem fim, que se arrasta nos tribunais durante muito tempo. A decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais deveria ser conseguida pelo diálogo entre os pais, com recurso à mediação familiar quando necessário, de modo a preservar os filhos da contenda, que muitas vezes não é mais do que um jogo relacional sem fim entre duas pessoas que outrora se amaram.

No meu livro O Tribunal É o Réu, chamo a atenção para um facto, tornado indesmentível pela investigação de muitos anos: o conflito mantido entre os pais é o principal fator responsável pelas perturbações físicas e psicológicas que ocorrem nas crianças, nas situações de divórcio litigioso. Infelizmente, os tribunais de família contribuem, por demora na decisão ou por sentenças mal fundamentadas, para a manutenção ou mesmo agravamento desse conflito, com as consequências negativas para os filhos.

Foi por certo baseado nesta realidade que se introduziram recentes alterações na legislação destas matérias. As mudanças na organização familiar, a grande percentagem de incumprimentos, os sucessivos recursos para tribunais superiores e, sobretudo, a noção de que as crianças são as principais lesadas, determinaram mudanças na lei. Destaco, como positivas, o reconhecimento dado aos padrastos e madrastas, embora essa avaliação seja por vezes bem difícil. Não quero deixar de assinalar, contudo, a minha discordância com o facto de os avós terem sido relegados para uma espécie de segundo plano. A verdade é que os avós são, na maioria dos casos, a garantia da estabilidade emocional das crianças na situação de divórcio, ao assegurarem a continuidade de um espaço emocional, na família ameaçada de ruptura.

Sem dúvida que os avós foram um pouco esquecidos, o que é de lamentar.

Daniel Sampaio

Fonte: Público

sábado, 26 de setembro de 2015

Alguns dados de política educativa sobre a educação especial

O Relatório anual do Observatório de Políticas de Educação e Desenvolvimento Menos Estado Social, uma Escola mais Desigual - 2015, coordenador por Ana Benavente e Paulo Peixoto, aborda, superficialmente, a temática da educação especial e dos alunos com necessidades educativas especiais. 

Destaca, apenas, que, entre dezembro de 2013 e dezembro de 2014, 38% das crianças com necessidades educativas especiais perdeu apoios, dados da Segurança Social. Em 2014, a verba definida no Orçamento do Ministério da Educação para a educação especial sofreu um corte de 6,6%, traduzindo-se em menos 17 milhões de euros num ano. Em 2015, esta situação não é diversa e o ano letivo traduzirá, no seu decurso, essas realidades. (cf. p. 19)

Observatório de educação alerta para "tempos perigosos" em Portugal

O Observatório de Políticas de Educação e Desenvolvimento concluiu que os exames nacionais potenciam a competição individual entre estudantes e fazem com que as escolas vivam numa espécie de campeonato nacional, apenas preocupadas em preparar alunos para as provas.

Com o nome Menos Estado Social, uma Escola mais Desigual - 2015, o documento do observatório faz um balanço dos últimos quatro anos de políticas de educação e formação e foi coordenado por Ana Benavente, ex-secretária de Estado socialista da Educação e investigadora da Universidade Lusófona, e Paulo Peixoto, da Universidade de Coimbra. O observatório resulta de uma parceria entre dois centros de investigação daquelas duas universidades.

"Nas escolas vive-se em função dos exames, preparando as crianças e os jovens para questões padronizadas e uniformes", lê-se no documento, onde se considera que aquelas provas “são a modalidade mais pobre de avaliação", quando existem outras modalidades, como trabalhos individuais e de grupo ou projetos, que são capazes de avaliar conhecimentos, criatividade, cooperação, sentido prático e muitas outras competências decisivas para a formação dos mais novos.

O documento alerta para os "tempos perigosos" que se vivem em Portugal, em que o problema parece estar apenas nos alunos: "a sociedade portuguesa vai bem, a Escola vai ainda melhor, os meninos e as meninas é que têm problemas: das hiperatividades aos mais diversos síndromes (défice de atenção, disto e daquilo), apontam-se os 'defeitos' dos mais novos, ignorando os contextos de vidas institucionalizadas e de escolas que lhes exigem passividade e aprendizagens em nada adequadas às suas necessidades e às suas idades.".

Sobre as mudanças nos currículos, criticam a sobrevalorização da matemática e do português, com carga horária reforçada, em detrimento de áreas de projeto e de formação pessoal e social que educam para a cidadania.

"Isto é inaceitável e redutor", acusam, lamentando o "desequilíbrio do currículo, na perspetiva de uma formação integral básica e obrigatória", em que são necessárias as áreas das expressões e da formação cívica.

Criticam ainda a municipalização das escolas, que já levou à celebração de contratos com 15 autarquias. Uma das principais críticas prende-se com o facto de a delegação de competências "abranger não só os domínios tradicionais da intervenção municipal, como também e, principalmente, áreas e matérias claramente pedagógicas e curriculares”.

Fonte: Público

As creches são mais caras do que as universidades?

As creches destinam-se a crianças entre os três meses e os três anos. Como não existe uma rede pública que assegure este serviço, os pais podem recorrer a colégios privados, a Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPPS) ou a amas. No primeiro caso, as propinas mensais são em regra superiores a 300 euros. 

Nas creches a funcionar nas IPPS as mensalidades são determinadas em função do rendimento do agregado familiar, o mesmo se passando com as amas. Quando têm acordos de cooperação com a Segurança Social, os pagamentos por mês são determinados com base em seis escalões de rendimento per capita, indexados à remuneração mínima mensal garantida (salário mínimo nacional), que atualmente é de 505 euros.

No primeiro escalão, estão abrangidas as famílias que têm um rendimento per capita que não vai além dos 30% do salário mínimo. Neste caso pagam 76 euros mensais pela frequência das creches ou amas. No 6.º escalão, o de maiores rendimentos, esta verba pode chegar quase aos 200 euros. Nesta chamada “resposta social” existe um problema crónico de escassez de lugares.

Atualmente o Estado só é obrigado a garantir oferta pública gratuita a partir dos cinco anos de idade, no que se chama educação pré-escolar. Em julho passado, o Governo aprovou um diploma com vista a garantir a frequência da pré-escolar desde os 4 anos, a partir do ano letivo 2016/2017. 

No ensino superior público o valor da propina está indexado à taxa média de inflação do ano anterior. Atualmente a propina máxima anual neste nível de ensino é de 1066 euros.

Fonte: Extrato de notícia do Público

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

QUEM MANDA NA SALA DE AULA?

Pais que querem interferir na forma como as notas são dadas, como a sala de aula é gerida ou como a matéria é dada. Professores com menor autoridade, com mais alunos por turma e com níveis elevados de stress diário. O resultado? A escola transformada no campo de batalha da culpabilização, onde se trocam acusações e ameaças. A solução? Ver a educação como um trabalho de equipa. E compreender que o elemento mais importante desta equação – o aluno – está entalado entre os dois lados da barricada.

A professora Anabela Silva sente que passa cada vez mais tempo na escola, enterrada em chatices e burocracias, mas foi fora da sala de aula que ouviu uma conversa que a deixou de rastos. Na fila de uma caixa de supermercado, uma jovem fazia queixas à mãe sobre uma professora que lhe tinha atribuído uma avaliação negativa. «Ela não deu a matéria e pô-la no teste», indignava-se a menina. A mãe, reagindo de imediato e não vendo razões para questionar a filha, respondeu bruscamente, como uma fêmea que protege a cria. «Se essa vaca voltar a fazer o mesmo, eu vou lá e f***-** as trombas», assegurou-lhe com violência, triunfante na exibição do seu instinto maternal.

Esta docente de 51 anos, professora de Biologia e de Ciências numa escola de Vila Nova de Gaia, conhece bem o clima de guerra vivido entre pais e professores dentro dos portões da escola e não ficou particularmente surpreendida com a declaração de intenções da mãe. Anabela Silva diz que nos últimos anos existe uma exigência acrescida por parte dos pais em tudo o que diz respeito à educação dos filhos. E não está sozinha. Muitos professores queixam-se de pais e encarregados de educação que fazem pressão para que uma nota seja alterada, para que o apontamento de uma falta seja eliminado da caderneta, para que uma matéria não seja dada de uma determinada maneira, para que as perguntas de um certo teste sejam reveladas antes do tempo. Como se, de alguma forma, quisessem assumir o comando da sala de aula. E que, em certa medida, a escola está transformada numa selva, Anabela Silva também já sabia. Mas aquilo que realmente a chocou na cena do supermercado foi perceber que a agressividade dos pais não termina dentro da escola, onde pode ser travada por professores e auxiliares e membros da direção.

A naturalidade daquela demonstração de desrespeito e de falta de consideração é sintoma de uma alteração maior e de fundo na sociedade, como explica o psicólogo José Morgado, professor no departamento de Psicologia da Educação no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). «Houve uma mudança na perceção das figuras de autoridade. Na minha geração, o professor era uma delas (tal como o polícia) – bastava que entrasse na sala de aula para que sentíssemos respeito –, e perdeu-a. Agora a função não é por si só reguladora. Isto é um problema novo. Como vai o professor exercer a sua autoridade? Não será certamente por decreto, como diz o Ministério da Educação», considera o psicólogo.

Os professores não são os únicos a ver a sua autoridade diminuída e é precisamente aqui que a situação se complica. Como explica José Morgado, houve uma erosão equivalente da autoridade associada aos progenitores, que têm menos tempo para educar os filhos, fruto das exigências da vida moderna e dos horários de trabalho. Neste cenário, a quem cabe, então, a educação dos miúdos? «A divisão tradicional de que a família educava e a escola instruía está a esbater-se de forma acelerada. Neste momento, a escola sente necessidade de educar a criança em questões relacionadas com o comportamento, que pertenciam à esfera da família. Os pais, que têm cada vez mais dificuldade em impor regras, confiam em que serão os professores a fazê-lo na escola. Ao mesmo tempo, os professores ficam aflitos porque os miúdos já não trazem regras de casa.»

E é com este círculo vicioso que se explica a cultura educativa atual em Portugal. «Tudo se baseia na culpabilização», diz o psicólogo. Quando as coisas não correm bem, a família entende que a escola não está a fazer o papel que deve fazer. Do outro lado, os professores dizem que há algo de errado com os pais. Uma troca de acusações que não ajuda ninguém. «Responsabilidade terão os dois. A culpa não interessa.» José Morgado é claro na hora de identificar quem sai verdadeiramente prejudicado neste conflito. Apanhadas no meio de uma guerra em seu nome, as crianças são muitas vezes utilizadas como joguetes. E recorre à figura do cavaleiro português que ficou entalado na porta do Castelo dos Mouros, tentando travar o avanço destes durante o Cerco de Lisboa no século xii, para descrever a situação destas crianças e jovens. «Os miúdos são o Martim Moniz da escola.»

A psicóloga Cristina Valente, autora do livro Coaching para Pais, fala na questão da confiança em falta. «Os pais e os professores são uma equipa. Nenhuma equipa do mundo trabalha se não existir confiança. Como se constrói essa confiança? Com respeito e comunicação. Mas é aqui que os problemas começam. Os pais não comunicam com a escola porque não têm tempo. A escola não comunica porque os pais não vão lá e temem aquilo que os professores vão dizer.»

Portanto, na questão de saber quem manda na sala de aula, talvez o verbo mandar não seja o mais indicado. A sala de aula é o espaço por excelência do professor, mas não há forma de deixar os pais do lado de lá. Para que este conflito seja resolvido, as duas partes terão de dialogar e compreender que são, de facto, uma equipa em que quem tem realmente de ganhar são os alunos, as crianças, os adolescentes.

Anabela Sousa está farta de ser chamada à escola do filho mais velho para ouvir queixas da professora relativamente ao mau comportamento de Duarte, 8 anos. «A escola diz que a gente não educa os nossos filhos e que eles são mal-educados», lamenta esta esteticista de 31 anos, a voz cheia de revolta e de indignação. Sente-se atacada e defende-se. «Os pais realmente andam ocupados e trabalham, mas eu faço questão de jantar com os meus filhos todas as noites», diz. «Mesmo assim, ela [a professora] continua a insistir que o Duarte é problemático ou que não interage com as outras crianças como devia.» Anabela ouve regularmente dizer que o filho «desestabiliza a aula», que «não acata as regras do adulto», que «é problemático», que «desencadeia conflitos». Se não forem tomadas providências, Duarte acabará por «incendiar as salas de aula e bater nos professores», avisou uma vez a professora. Mas quando Anabela Sousa chega a casa, não encontra a criança descrita pela escola. «Ele é amigo das irmãs, ajuda-me muito, tem boas notas. Como é que pode ter tão bom aproveitamento e ser o selvagem que elas [as professoras] pintam? Os relatórios dos psicólogos e dos médicos dizem que ele é uma criança normal. Bem sei que os miúdos podem não se comportar da mesma forma em casa e na escola, mas ele não é um selvagem e fazem-me acreditar que sim», diz esta mãe, simultaneamente confusa e triste.

Anabela já tentou conversar com o filho, explicar-lhe que ele tinha de se portar melhor. Chegou mesmo a castigá-lo. Agora arrepende-se de o ter feito. «Ainda o faço acreditar que ele é mau», diz, acusando a culpa que sente e assumindo-se incapaz de resolver a situação. «Ele diz-me: “Ó mãe, eu não sei como é que me hei-de portar bem.” Eu já desisti. Se ele faz uma asneirola, castigo-o – é o meu dever. Mas como acho que ele não é a pessoa que a professora diz que é, ignoro. Como tem bom aproveitamento, deixo andar.» Esta mãe, que afirma recusar «fazer do filho saco de boxe», defende que cabe à professora domar a indisciplina. «Eu digo-lhe a ela para o castigar na escola. Ela não pode estar sempre a incomodar-me e a pedir-me para ser eu a impor as regras que ela quer. Digo-lhe: “Você é que é a dona da aula, tome as providências e saiba gerir os seus alunos.”»

Para Anabela só há uma explicação possível para o que está a acontecer com o filho. Duarte está a ser perseguido, diz, convicta. Foi tomado de ponta. No ano anterior, a mãe apercebeu-se de que o filho estaria a ser vítima de bullying e fez queixa à escola, que, na sua opinião, «não tomou as providências suficientes» para controlar a situação. Uma vez que o pai dos filhos é agente da PSP, esta mãe decidiu fazer queixa à polícia, que se dirigiu à escola, onde terá sido mal recebida. «Entrámos em guerra», diz Anabela Sousa. Uma guerra que, acredita, dura até agora, com a alegada perseguição do filho por parte da professora. «Isto na minha cabeça deve-se ao facto de eu me ter imposto», afirma. Anabela Sousa ponderou mudar o filho para outro estabelecimento de ensino, mas desistiu da ideia, temendo nova vingança da professora, que seria obrigada a preencher um relatório de transferência.

«Eu já vi que ela é má. Vai dizer que ele é o maior delinquente do mundo e o meu filho será massacrado vá para que escola for.» Por isso, decidiu «ignorar e deixar passar», adotando a estratégia de «aguentar o massacre» até ao fim do 4.º ano, altura em que Duarte mudará obrigatoriamente de professora. E até lá procura apetrechar o filho com as ferramentas necessárias para a sobrevivência. «Se ele faltar ao respeito à professora, eu tenho de intervir, mas quando são lutas entre colegas… É normal baterem-se. Ele já levou muito. Eu digo-lhe: “Não provoques ninguém, mas se te baterem, bates também, se te chamarem nomes, chamas também.” A professora diz-me que isto é instigar a violência. E eu pergunto-lhe: “Quer que o meu filho seja o quê? Quer que dê a outra face, como Cristo?”»

O caso de Anabela e Duarte pode em parte ser explicado pela dificuldade que os pais sentem em impor regras aos filhos ficando, quando o fazem, com sentimentos de culpa e com o receio de estarem a prejudicar a relação. Como explica José Morgado, muitos pais precisam de ajuda em áreas de orientação educativa de forma a perceberem como podem regular aquilo que os filhos podem ou não fazer. «Muitos pais perguntam-me: “Mas estou tão pouco tempo com o meu filho, vou estragar esse tempo ralhando com ele?”» É precisamente isso que devem fazer, responde-lhes o psicólogo. «Tem de ser. É necessário que o pai se sinta forte e apoiado e que alguém lhe confirme que aquele é um bom serviço que está a fazer ao filho», continua, deixando uma sugestão para os presentes de Natal: «Ofereça às crianças um saquinho de nãos.»

Cristina Valente pensa que, de uma forma geral, quando há um problema na escola, os pais «se demitem da sua parte do trabalho», não compreendendo que «são responsáveis por praticamente tudo aquilo que acontece na vida de uma criança ou de um adolescente, que, se não tiver estrutura em casa, vai criar problemas na escola». Para a psicóloga, quando os pais se demitem de tentar resolver os problemas, perdem razão de queixa. «Se um pai tiver razão para duvidar da competência de um professor, tem de defender o seu ponto de vista até ao limite daquilo que está no seu controlo. Em última instância, pode fazer queixa ao Ministério da Educação. Se conseguir resolver a situação, fantástico. Se não conseguir, em último caso, o aluno poderá ter de mudar mesmo de escola», defende Cristina Valente, mostrando que existem muitas ferramentas através das quais os pais podem agir e que justificar a inação com medo de represálias serve apenas uma estratégia de desresponsabilização.

Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), defende que o trabalho coletivo dos pais, envolvidos nas associações de pais, é uma dessas ferramentas. «Temos uma intervenção e uma ação pedagógica para estudar as causas dos problemas. Falamos com a direção da escola, com o diretor de turma, ouvimos o jovem e tentamos fazer um diagnóstico.» Mas nem todas as escolas se relacionam bem com as estruturas de representação dos pais. «Para algumas somos demasiado proativos, incomodamos», critica, chamando a atenção para o risco acrescido que implica essa falta de trabalho de equipa: «Quando os pais decidem agir cada um por si pode ser pior porque nem sempre atuam junto dos órgãos educativos com o respeito institucional devido.»

Por vezes, o diagnóstico feito pelas associações de pais põe os seus representantes do lado dos professores. Jorge Ascenção diz que já se sentiu obrigado a travar situações extremas em que os pais acreditaram excessivamente nos filhos e, para os defender, quiseram deslocar-se à escola para ameaçar um professor. «Quando isso acontece, dizemos: “Olha que isso não é o melhor para o teu filho.”» Nessas situações, Jorge Ascenção, que diz estar do lado dos alunos em primeiro lugar, não vê qualquer problema em assumir: «Já estive muitas vezes na linha da frente a defender professores contra pais.»

Nessa linha de defesa dos docentes está, quase sempre, Paula Moreira. Esta secretária de administração de 50 anos já procurou um professor da filha para questionar uma avaliação. Mas, contrariamente àquilo que é normal, quis saber junto do docente se não seria preferível reprovar a aluna, para que ela «acordasse». O professor explicou-lhe que isso não seria necessário e não deu uma nota negativa à filha de Paula, que aceitou a decisão: «Não quero questionar as notas da minha filha. Os professores agora só reprovam mesmo as situações mais dramáticas», diz.

Paula Moreira tem uma postura vincada no que diz respeito à forma como interage com a escola: «Os pais devem interferir o menos possível, sem fundamentalismos, naturalmente, mas, no geral, acho que os professores é que sabem a dinâmica da escola, eles é que trabalham com os alunos. Os pais devem acompanhar a situação, mas geri-la com bom senso. Se houver situações mais graves, resolvem-se com diálogo», diz. Mesmo quando a filha lhe apresenta uma queixa, Paula procura avaliar a situação e, se perceber que não houve injustiça da parte do professor, tenta explicar
à filha as possíveis razões da atitude do docente.

Mas, pelo menos na escola da filha, tem consciência de ser um caso raro. «Vejo que os pais são muito radicais e viram-se contra os professores, que ficam melindrados. Nas reuniões, há pais que são muito ríspidos no tom de voz que usam e nas críticas que fazem», continua, criticando a discussão de assuntos particulares à frente de todos nas reuniões de encarregados de educação. «Cria-se um ambiente em que os professores se sentem humilhados e atingidos.»

No lado oposto da barricada estão alguns dos pais que Luísa Vasconcelos (nome fictício) teve de enfrentar até à reforma antecipada, há dois anos. Numa escola do centro de Lisboa, tradicionalmente frequentada por crianças e jovens de classe média alta ou alta, não eram tanto as questões de indisciplina que tiravam o sossego a esta professora de Educação Visual. «Os meus alunos eram todos filhos de médicos, advogados, empresários, ministros… Os pais achavam que os filhos eram todos muito talentosos e geniais», diz, acrescentando que a tolerância ao insucesso nestas famílias é muito reduzida e contando vários episódios que o ilustram.

Apesar de resistir à insistência de um pai para que lhe cedesse o seu contacto telefónico pessoal, Luísa Vasconcelos não conseguiu escapar a uma conversa abusadora. O pai em questão contornou a resistência da professora ligando para o filho enquanto este se encontrava na sala de aula e pedindo-lhe que passasse o telemóvel à docente. Luísa Vasconcelos atendeu e do outro lado da linha ouviu um pai, advogado, recorrer aos mais variados argumentos para convencê-la a revelar as perguntas que constariam do teste de avaliação do filho, no dia seguinte, determinante para que este transitasse de ano. Luísa recusou.

Noutra ocasião, intrigada com a melhoria significativa dos trabalhos de uma aluna a quem tinha atribuído a classificação negativa de 2, descobriu que a rapariga mantinha duas capas-portfólio na escola para poder levar uma para casa e que a caligrafia dos trabalhos não correspondia à da jovem. Ao confrontá-la, acabou por perceber que o pai da menina, arquiteto, se ocupava a fazer os trabalhos de casa pela filha. A mãe, encarregada de educação, foi chamada à escola e pediu, envergonhadamente, desculpa à professora. «Já viu o que é uma filha de um arquiteto ter 2 a Educação Visual?», desabafou na altura a mãe, comprometida.

Ao ouvir o relato da história do arquiteto que fazia os trabalhos de casa da filha, Cristina Valente não hesita: «Os pais hoje são muito narcísicos. O que estava em causa nessa situação era a imagem do sucesso do pai.» Casos em que os pais fazem as tarefas dos filhos são «criminosos», considera a psicóloga, assim como todo o tipo de interferência parental no sentido de pressionar um professor a alterar uma avaliação. «Acho absurdo quando os pais interferem na questão da avaliação dos filhos. Estão a borrar a pintura toda, a desautorizar os professores e a escola», que devem, na sua opinião, «manter sempre uma posição segura e firme».

Mesmo em casos de possível injustiça na avaliação, Cristina Valente tem uma posição pouco ortodoxa, desafiando os pais a não se intrometerem. «É melhor dar ferramentas aos filhos para que eles tentem resolver a situação – questionando, por exemplo – do que resolver o problema por eles. Porque assim não os ensinam a lidar com as injustiças que enfrentarão pela vida fora.» A psicóloga defende uma abordagem que tenha em vista o longo prazo e que olhe para as várias componentes que vão formar o sucesso da criança, nomeadamente as competências sociais e pessoais. Competências que não se reduzem à capacidade de ter boas notas. «Os pais têm muito medo do futuro e com base nisso querem artilhar os filhos com aquilo que acham que garante o sucesso. As ferramentas mais visíveis são as boas notas, mas não é por aí e os pais têm de perceber isso», diz Cristina Valente.

No que respeita à avaliação, os pais mais «reclamantes são, geralmente, os mais escolarizados», diz José Morgado. Porque são aqueles que mais reconhecem a importância da educação no seu percurso de vida. Num cenário educativo de «obsessão com rankings e exames», há uma pressão acrescida junto das famílias para que os filhos tenham bons resultados. Nos casos em que os pais agem de forma intimidatória junto dos professores, estes geralmente recorrem ao argumento de autoridade, são eles os guardiões das notas, explica o psicólogo. «Ora, este discurso de poder não ajuda. É uma luta de galos» Tanto por parte dos pais, quando usam o estatuto social ou a violência como forma de intimidação, como dos professores quando, de forma irredutível, não abdicam da sua autoridade na avaliação, recusando o diálogo.

Para o psicólogo, a solução passa por tornar transparentes os critérios de avaliação logo desde o início do ano. «A escola, sem abdicar da competência nesta matéria, devia informar os pais relativamente ao peso dos testes, do comportamento e da participação na nota final», diz, deixando ainda uma sugestão aos pais: «Comportamento gera comportamento. Se um pai abordar um professor de forma mais cordata, o professor terá mais disponibilidade para explicar a decisão.»

Diana Ferreira (nome fictício), professora de Educação Visual numa escola da zona do Porto, já se viu barricada dentro de uma sala de aula enquanto lá fora um encarregado de educação a ameaçava e já teve de enfrentar pais descontentes que não admitiam que uma falta disciplinar manchasse a caderneta do filho. Todas estas situações desgastaram-na emocionalmente, deixando-a de «pé atrás» quando tem de falar com encarregados de educação. Mas, por vezes, há surpresas. Enquanto diretora de turma foi obrigada, em determinado momento, a confrontar os pais de um menino que tinha proferido um palavrão na aula de Inglês e que tinha escondido a caderneta onde a docente da disciplina apontara essa falta de comportamento. Diana Ferreira relatou aos pais o sucedido, mas estes recusaram, de forma algo agressiva, acreditar na descrição da diretora de turma, que foi forçada a mostrar o registo da professora de Inglês. Nesse momento, os olhos da mãe da criança encheram-se de lágrimas e a mulher ficou em silêncio durante alguns minutos. Depois, enfrentou a professora e agradeceu-lhe. «Se não me tivesse mostrado isto, eu nunca saberia aquilo de que o meu filho era capaz de fazer», disse, envergonhada e em choque, mas grata.

Por vezes, mesmo em situações em que os pais confiam plenamente na inocência dos filhos – num mecanismo conhecido por autoestima parental, como explica José Morgado, em que o pai pensa que o filho «é mais bonito e inteligente do que o filho do vizinho» – há espaço para aprendizagem, para assumir o erro e para trabalhar em equipa. Nessas situações, todos ficam a ganhar: pais, professores e crianças.

OS CONSELHOS PARA OS PAIS:
_Aborde o professor e a escola de forma não intimidatória, procurando antes dialogar e compreender;
_Experimente deixar o seu filho resolver sozinho questões de injustiça com professores para que ele se habitue a desenvolver autonomia. Mostre-lhe de que forma ele pode questionar uma decisão ou uma nota de forma educada;
_Nunca faça os trabalhos de casa pelo seu filho;
_Não tenha medo de dizer não, de impor regras, de se chatear com o seu filho, mesmo que tenha de o fazer nas poucas horas que passam juntos. Regular o comportamento da criança será uma vantagem no longo prazo;
_Vá à escola, conheça as regras, mostre preocupação e interesse pela educação do filho e pela vida escolar.

OS CONSELHOS PARA OS PROFESSORES E PARA A ESCOLA:
_Procure desenvolver competências de gestão de conflitos para conseguir detetar que algo incomoda o aluno, prevenindo situações de indisciplina ou mau comportamento;
_Defina os critérios de avaliação desde o primeiro dia de aulas e deixe-os bem claro junto dos pais para que estes possam compreender melhor as avaliações dos filhos;
_Não abdique da assertividade e da autoridade. Tenha confiança nas suas decisões e mostre isso aos encarregados de educação, sem recorrer a uma postura arrogante mas promovendo o diálogo e a conciliação;
_Procure trabalhar em conjunto com os pais, informando-os de tudo aquilo que acontece na escola.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Foi à escola exigir telemóvel da filha e acabou condenada em tribunal

"Quero o telemóvel da minha filha senão parto esta merda toda". Foi nestes termos que uma funcionária hospitalar se dirigiu à professora que havia confiscado o telefone à filha quando este tocou na sala de aula. O caso passou-se na Escola EB2/3 Frei Caetano Brandão, em Braga, em 2013 e o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou agora a condenação inicial da progenitora.

Considerada uma pessoa habitualmente calma e educada, a mãe da aluna foi condenada, pelos crimes de coação e injúria agravadas, a prestar 210 horas de trabalho comunitário, a que se soma uma indemnização de 1500 euros à professora e uma multa de 420 euros.

A arguida alegou que “apenas barafustou de uma forma tipicamente minhota”, e que os palavrões tinham como único objetivo conseguir a devolução do aparelho. "Embora lamentável a atuação da arguida não se tra­duziu no emprego de meios de violência ou cariz extremos, como armas", argumentou a sua advogada, que resumiu o episódio a um certo "rubor emotivo, tão celta, tão típico das pessoas do Norte, que tantas vezes berram e berram, mas nenhum mal querem fazer".

A verdade é que foi preciso chamar a polícia para que a progenitora abandonasse a escola, enquanto a docente, assustada, se refugiava na sala de professores. "A filha da puta não sabe do que sou capaz; vai-se arrepender de se ter metido comigo", gritava a mãe, gesticulando e batendo com as mãos uma na outra. "Aqui o telemóvel já, caralho, ou vai ver já o que lhe acontece e não sabes o que sou capaz!". O alarido juntou gente. Quando a conduziram à saída ficou junto ao portão, à espera da professora. Ainda sem o telefone, que tinha sido guardado por um auxiliar que já não se encontrava no recinto escolar. Acabou por ser acompanhada a casa por dois funcionários da escola depois de chegar a PSP, e a filha foi penalizada com três dias de suspensão.

Na sentença de primeira instância, proferida este Verão, os juízes lamentam que “atitudes destas contribuam para a crise de autoridade em contexto escolar que grassa nos estabelecimentos de ensino, impedindo a boa formação escolar e cívica dos educandos”.

A circunstância de os insultos terem sido presenciados por funcionários, professores e alunos, designadamente pela filha da arguida e demais comunidade escolar causou à professora em causa “forte vexame e humilhação”, observam. “Ficou afetada na sua dignidade e honra, enquanto cidadã e professora, sentindo-se denegrida”, prosseguem. “Sentiu insegurança e medo, temendo, nomeadamente, pela sua integridade física”. O facto de a vítima das intimidações ter sido uma docente foi considerado especialmente censurável.

Com um salário de 600 euros e uma renda quase metade disso, a funcionária hospitalar contestou, sem sucesso, a multa e a indemnização. “A arguida e a filha vão comer o quê durante meses?”, perguntou a advogada aos juízes.

Fonte: Público

"Autismo - Inclusão - Trabalho 2015"

A Federação Portuguesa de Autismo divulga o evento "Autismo - Inclusão - Trabalho 2015", que se irá realizar no dia 16 de Outubro.
Mais informações em: www.fpda.pt

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Regulamento da avaliação dos alunos do ensino básico

O Despacho normativo n.º 17-A/2015, de 22 de setembro, vem regulamentar a avaliação e a certificação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades desenvolvidas pelos alunos do ensino básico, bem como os seus efeitos, e as medidas de promoção do sucesso escolar que podem ser adotadas no acompanhamento e desenvolvimento dos alunos, sem prejuízo de outras que o agrupamento de escolas ou escola não agrupada, doravante designados por escola, defina no âmbito da sua autonomia. 

Destacam-se, de seguida, alguns aspetos relativos aos alunos com necessidades educativas especiais e à intervenção do docente de educação especial.

Intervêm no processo de avaliação, designadamente, o professor; o aluno; o conselho de docentes, no 1.º ciclo, ou o conselho de turma, nos 2.º e 3.º ciclos; o diretor e o conselho pedagógico da escola; o encarregado de educação; o docente de educação especial e outros profissionais que acompanhem o desenvolvimento do processo educativo do aluno; a administração educativa.

A informação resultante da avaliação sumativa dos alunos do ensino básico abrangidos pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, nas disciplinas e áreas disciplinares específicas, expressa-se numa menção qualitativa de Muito Bom, Bom, Suficiente e Insuficiente, acompanhada de uma apreciação descritiva sobre a evolução do aluno. Estes alunos estão dispensados da realização de provas finais de ciclo.

Os alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente realizam as provas finais de ciclo e as provas de equivalência à frequência previstas para os restantes examinandos, podendo, no entanto, usufruir de condições especiais de realização de provas, ao abrigo da legislação em vigor.

Os certificados dos alunos abrangidos pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, deverão conter comprovação das capacidades adquiridas e desenvolvidas pelo aluno nas disciplinas e áreas disciplinares específicas, no decurso do seu Plano Individual de Transição (PIT). 

Um aluno que revele capacidade de aprendizagem excecional e um adequado grau de maturidade, a par do desenvolvimento das capacidades previstas para o ciclo que frequenta, poderá progredir mais rapidamente no ensino básico, beneficiando de uma das seguintes hipóteses ou de ambas: Concluir o 1.º ciclo com 9 anos de idade, completados até 31 de dezembro do ano respetivo, podendo completar o 1.º ciclo em três anos; Transitar de ano de escolaridade antes do final do ano letivo, uma única vez, ao longo dos 2.º e 3.º ciclos. 

Os casos especiais de progressão dependem de deliberação do conselho pedagógico, sob proposta do professor titular de turma ou do conselho de turma, depois de obtidos a concordância do encarregado de educação do aluno e os pareceres do docente de educação especial ou do psicólogo. 

Normalidade ou anormalidade domada?

A imagem que perdura neste início de ano letivo é de “normalidade”. Pelo menos, como tal se vai falando na comunicação social, na ausência dos escândalos que marcaram o ano passado. Em plena campanha eleitoral, a Educação parece ser um grande tabu, protegida por um qualquer acordo entre os protagonistas, de referir pouco, de aprofundar ainda menos.

Domados, os professores regressaram aos seus postos, tristes, desmotivados e descrentes. Será normal que um professor possa ser contratado por uma escola, sem submissão a um concurso, quando a lei fundamental diz “que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” (artº 47, nº 2 da CRP)?

Será normal que um professor, acabado de sair da escola de formação, ocupe um posto de trabalho numa escola, quando outro, do mesmo grupo de recrutamento, com dezenas de anos de contratos consecutivos com o ministério da Educação, fica no desemprego?

Será normal que a um professor com 30 anos de serviço num quadro de escola seja recusado um lugar em benefício de um colega recém-vinculado, em pleno período probatório, ou seja, sem sequer ter ainda um vínculo confirmado?

Será normal termos acabado de assistir a dezenas de casos de professores que, tendo um lugar de quadro e tendo concorrido para se aproximarem da residência, foram miseravelmente ludibriados, sem reação adequada por parte dos sindicatos, por, afinal, a “vaga” para que concorreram não existir? 

O Tribunal de Justiça da União Europeia tomou há dias uma decisão que visa impedir que, no espaço comunitário, se ultrapassem 48 horas de trabalho semanal. Diz a decisão que as deslocações de casa para o local de trabalho, sempre que esse local seja variável, passam a contar para o cômputo final a considerar no horário. Ora parece-me bem que os sindicatos estejam atentos ao precedente estabelecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e inquiram, junto dos tribunais nacionais, se a norma se aplica aos professores itinerantes, cujos locais de trabalho são vários.

Será normal que os professores portugueses estejam coagidos a semanas de trabalho com duração superior às 48 horas, que o Tribunal de Justiça da União Europeia definiu como linha vermelha? Exagero meu? Então façamos um exercício, que está longe de configurar as situações mais desfavoráveis.

Tomemos por referência uma distribuição “simpática” de serviço, nada extrema, (há muito pior) de um hipotético professor com 6 turmas, 25 alunos por turma e 3 níveis de ensino (7º, 8º e 9º anos). Tomemos ainda por referência as 13 semanas que estão estabelecidas no calendário escolar oficial, como duração do 1º período letivo de 2015-16. Continuemos em cenários que pequem por defeito: as turmas do mesmo nível são exatamente homogéneas, não necessitando de aulas diferentes, e o professor tem os mesmos alunos duas vezes por semana. Então, este professor terá que preparar 6 aulas diferentes em cada semana. Se pensarmos numa hora de trabalho para preparar cada lição (o que é mais que razoável), estaremos a falar de 6 horas por semana. Nas 13 do período, resultarão 78 horas.

O nosso hipotético professor vai fazer 2 testes a cada turma. Nas 13 semanas letivas fará 12 testes. Voltemos a considerar apenas uma hora para conceber cada teste (concebê-lo propriamente, desenhar a grelha de classificação e digitar tudo requer mais tempo). Claro está que os testes têm que ser corrigidos. Se o nosso professor cobaia for razoavelmente experiente e despachado, vamos dar-lhe meia hora para corrigir cada um dos 300 testes. Feitas as contas, transitam para a soma final 162 horas.

O que se aprende tem que ser “apreendido”. Os exercícios de aplicação e de pesquisa são necessários. Então agora, com a “orientação para os resultados” com que o assediam em permanência, o nosso professor não pode prescindir dos trabalhos de casa e de outros tipos de práticas. Imaginemos que apenas pede um trabalho em cada semana e que vê cada um deles nuns simples 5 minutos. Então teremos de contabilizar mais 162 horas e meia, relativas a todo o período.

Se este professor reservar 2 escassas horas por semana para cuidar da sua formação contínua e actualização científica, são mais 26 que devemos somar no fim.

Acrescentemos, finalmente, as horas de aulas e as denominadas horas de componente não letiva “de estabelecimento”. São mais 318 horas e meia. Somemos tudo e dividamos pelas 13 semanas, para ver o número de horas que o professor trabalhou em cada semana: 57 horas!

Além disto, há atividades extracurriculares, visitas de estudo, conversas com alunos e pais, reuniões que não caem dentro das horas não letivas de estabelecimento e, em anos de exames, pelo menos, algumas aulas suplementares.

Santana Castilho

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Fonte: Público

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Associações recusam "pactuar com escola inclusiva de faz-de-conta"

As organizações que representam os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) poderão decidir esta quarta-feira suspender o apoio a milhares de crianças com necessidades educativas especiais (NEE) que frequentam as escolas do país. “Não podemos pactuar com este Governo na promoção de uma “escola inclusiva de faz-de-conta” que é o que existe neste momento", justifica Rogério Cação, vice-presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social (Fenacerci).

Com a chamada escola inclusiva, os alunos que antes frequentavam o ensino especial passaram a estar integrados no ensino regular, recebendo apoio especializado – nas áreas da psicologia, terapia da fala, fisioterapia, entre outros – de técnicos dos CRI, centros que são geridos pelos próprios agrupamentos de escolas ou por organizações como as CERCI (Cooperativas para a Educação e Reabilitação dos Cidadãos Inadaptados).

A relação com os governos nunca foi fácil. Os protestos contra o alegado subfinanciamento dos CRI e contra os critérios utilizados para a seleção das crianças que têm direito a apoios e aos tipos de apoio a conceder (“em que a última palavra não é técnica, mas administrativa, do MEC” protesta Rogério Cação) não são novos.

Mas, “este ano”, diz o vice-presidente da Fenacerci, “a situação é de rutura”. Segundo afirma, “a gota de água" foi o Ministério da Educação e Ciência (MEC) "ter ignorado as recomendações que resultaram de uma avaliação externa promovida pelo próprio Governo sobre os CRI e todas as decisões tomadas na última reunião da comissão de que fazem parte, para além de representantes do ministério, os dirigentes da Fenacerci, a Federação Portuguesa de Autismo, a Federação Portuguesa da Paralisia Cerebral, a UNICRISANO e a Humanitas”.

“No início deste mês – demasiado tarde, de novo – soubemos o resultado das candidaturas e concluímos que a situação é inaceitável”, disse, frisando que há uma semana que aquelas organizações aguardam por um pedido de audiência ao MEC, para discutir o assunto.

“Ter um psicólogo para 78 alunos (de agrupamentos de escolas diferentes) ou um aluno com meia hora por semana de terapia da fala ou de fisioterapia é sério? Não é. Mas é o resultado da política absurda da página de Excel, em que de um lado se põe o número de crianças com necessidades de apoio especial (que tem vindo a crescer) e do outro o montante de verbas disponíveis, que não aumenta de forma proporcional”, disse nesta terça-feira Rogério Cação (...).

O facto de o MEC não ter em conta a necessidade dos chamados apoios indiretos, aos professores do ensino regular que lidam com estas crianças e às suas famílias e os tempos de deslocação dos técnicos entre escolas e agrupamentos de escolas são outras críticas das organizações, que nesta quarta-feira reúnem em Lisboa para decidir as medidas a tomar. 

Em resposta (...), o MEC sublinha que "os alunos com NEE não constituem um grupo homogéneo, não exigindo todos eles a mesma quantidade e o mesmo tipo de recursos humanos especializados" e refere que "a decisão sobre a frequência e a intensidade dos apoios educativos e terapêuticos tem em conta o caso concreto e é definido, nos termos da lei, no respetivo Programa Educativo Individual, elaborado pelos serviços especializados da escola com a participação dos pais ou encarregados de educação".

O número de crianças apoiadas pelos CRI subiu de 8940 em 2012/2013 para 16.876 no ano letivo passado. O MEC nota que "preparou todos os procedimentos para garantir os apoios identificados para os alunos com NEE", mas não especifica qual o aumento do montante destinado ao financiamento. Neste aspeto, sublinha apenas "que ele contempla deslocações e que para este ano letivo foi reforçado o valor para esse efeito".

O apoio mais especializado não é dado a todas as crianças com NEE que frequentam o ensino regular. Estas são muito mais: 78.763, segundo dados divulgados recentemente divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência. Também neste caso tem havido protestos. O presidente da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, David Rodrigues, queixa-se de que o número de professores estabilizou nos 5760, apesar de o número de alunos com NEE ter aumentado 73,5% em cinco anos. 

Na mesma linha, um estudo encomendado pelo Parlamento Europeu e realizado pelo Observatório da Deficiência e dos Direitos Humanos (ODDH) concluiu que Portugal tem feito progressos na proteção dos direitos das crianças com deficiência, mas que a implementação da legislação mantém-se problemática, principalmente na área da Educação, onde continuam a faltar os recursos adequados.

Fonte: Público

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Bem-vindo ao novo ano letivo!

(...) Se a transição do ensino secundário para o ensino superior é exigente para todos os alunos, imagine-se para aqueles que têm necessidades educativas especiais.

Até ao final da escolaridade obrigatória, o decreto-lei 03/2008 regula um conjunto de apoios e ajustamentos para garantir a igualdade de oportunidades aos alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente. As medidas previstas, que não comprometem a progressão académica do aluno nem o seu acesso a níveis superiores de ensino, vão desde o apoio pedagógico personalizado, às adequações no processo de avaliação e às adequações curriculares individuais. Em complementaridade, cada ano letivo, o Júri Nacional de Exames delibera um conjunto de orientações para aplicação de condições especiais na realização de provas e exames do ensino básico ao secundário para estes alunos.

As medidas adotadas, na frequência e na prestação de provas e exames do ensino básico e secundário, permitem que cada vez mais alunos com necessidades educativas especiais ingressem no ensino superior. A legislação define como alunos com necessidades educativas especiais aqueles que têm “limitações significativas ao nível da atividade e da participação, num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caráter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social”. Perante esta definição, na qual saliento os conceitos “permanente” e “continuado”, não deixa de ser surpreendente que, uma vez no ensino superior, não exista legislação nacional que garanta a igualdade de oportunidades a estes alunos. Chegados a este território desconhecido e assustador, os alunos com necessidades educativas especiais ficam à mercê de regulamentos e estatutos específicos, quando existem, de serviços/pessoas de referência para o acolhimento de alunos com necessidades especiais, quando existem, e, de um modo geral, da boa vontade de alguém, quando existe.

Com o objetivo de informar e apoiar estes alunos, o Grupo de Trabalho para Apoio a Estudantes com Deficiência no Ensino Superior (GTAEDES) detalha no seu website os apoios existentes (ou não existentes) em instituições de ensino de Norte a Sul do país e ilhas, incluindo o serviço ou pessoa de contacto, a existência regulamento ou estatuto específico e a possibilidade de ajustamentos no processo ensino aprendizagem.

Ainda que a maioria dos estatutos e regulamentos existentes apenas contemplem alunos com deficiência visual, auditiva, dificuldades na mobilidade e dificuldades de aprendizagem específicas, tenho encontrado boas intenções na realização de ajustamentos a alunos com outras necessidades especiais de caráter permanente, nomeadamente, perturbações psicóticas e perturbações do espectro do autismo. Porém, a escassez de recursos, de disponibilidade e de conhecimento continua a manter muitos alunos com potencial e direitos longe das cerimónias de entrega de diplomas. 

Sandra Pinho

Psicóloga Clínica, CADIn

Fonte: Público

domingo, 20 de setembro de 2015

Os computadores não salvam a Educação

Foram 31 os países e economias analisados pela OCDE e a conclusão pode ser surpreendente: “Em nenhum dos casos onde a maioria dos alunos usa a Internet na escola de forma frequente se registou uma melhoria do desempenho”. Pelo menos olhando para os testes internacionais do PISA, que medem a literacia em leitura, matemática e científica e são realizados de três em três anos por meio milhão de estudantes de 15 anos.

O relatório “Students, Computers and Learning: Making The Connection”, divulgado terça-feira, não pretende ser de todo um manifesto antitecnologia nos estabelecimentos de ensino. Mas diz claramente que o investimento em laptops, tablets e quadros interativos não é suficiente, por si só, para provocar melhorias. E alerta mesmo para as consequências negativas que o uso excessivo das tecnologias pode ter, já que ficou demonstrado que alunos que usam computadores na escola com muita frequência têm piores notas do que os colegas que recorrem a estes equipamentos de forma moderada.

“Regra geral, podemos dizer que a relação entre o recurso a computadores no ensino e o desempenho dos alunos se pode traduzir numa curva com o formato de uma montanha: o uso limitado pode ser melhor do que a interdição total, mas níveis de utilização acima da média da OCDE estão associados a resultados significativamente piores”, lê-se no documento.

GERAÇÃO 'CORTA E COLA'

“A introdução da tecnologia das escolas levantou demasiadas falsas esperanças”, comentou no início da semana o diretor da OCDE para a Educação, Andreas Schleicher, citado pela BBC online, lembrando que alguns dos países com melhores desempenho nos testes internacionais de literacia têm sido “muito cautelosos no uso da tecnologia dentro da sala de aula”. “Se calhar, a tecnologia está a funcionar como uma distração e leva a que os estudantes estejam a limitar-se cada vez mais a usar o ‘corta e cola’ de respostas ‘pré-fabricadas’ que encontram na Internet”, acrescentou Andreas Schleicher.

Explicações à parte, o facto é que alguns dos países/economias que mais ‘brilham’ no PISA são dos que relatam menos recurso a computadores, como é o caso da Coreia do Sul e de Xangai. Ambos ocupam os últimos lugares deste ranking (68% e 75% dos alunos, respetivamente, dizem não usar o computador na sala de aula num dia normal de escola) e ambos apresentam das melhores prestações nos testes do PISA.

ESCOLAS PORTUGUESES RECORDISTAS EM COMPUTADORES

Já em Portugal, cujos alunos se colocaram na média da OCDE em termos de literacia matemática no último teste internacional (2012), a percentagem de não utilização de computadores é bem mais baixa: 41%.

O reforço tecnológico do parque escolar foi uma das marcas dos governos de José Sócrates e os resultados estão à vista: 98% dos alunos de 15 anos dizem ter acesso a computador na escola, um dos valores mais altos em toda a OCDE, cuja média está nos 92%.

Quando questionados sobre os hábitos de utilização da Internet nos estabelecimentos de ensino volta a verificar-se um desencontro semelhante: Coreia do Sul, Xangai, Hong Kong, Japão e ainda Polónia, que teve honras de destaque no último PISA pela evolução registada, são os países com médias diárias mais baixas. Mas são também os que apresentam dos melhores desempenhos nos testes internacionais.

Em Portugal, a média diária de utilização de Internet na escola é de 24 minutos, muito semelhante aos 25 minutos da média da OCDE.

No extremo oposto estão sete países com a utilização mais intensiva, sendo que em “três registaram-se declínios significativos” no desempenho em leitura – Austrália, Nova Zelândia e Suécia – e noutros três (Espanha, Noruega e Dinamarca) “estagnaram”, lembrou Andreas Schleicher.

Por isso, frisa o responsável, não basta ter computadores nas escolas. Falta saber integrá-los. “As escolas têm de encontrar uma forma mais eficaz de integrar a tecnologia no sistema de ensino e de aprendizagem para dotar os professores de um ambiente de trabalho que promova uma pedagogia do século XXI e dotar as crianças das competências do século XXI de que elas precisam para ter sucesso no mundo de amanhã”, sublinha.

Fonte: Expresso por indicação de Livresco

sábado, 19 de setembro de 2015

Crianças, educação e autonomia

Estamos a iniciar mais um ano letivo, desejo que corra o melhor possível para alunos, professores e pais. Também por esta razão gostava de partilhar convosco algumas notas relativas a uma matéria que julgo importante: a autonomia das crianças.

De acordo com um estudo realizado pelo Policy Studies Institute que comparou os estilos de vida de crianças e adolescentes entre os 7 e os 15 anos verificou-se que em Portugal se encontra um dos mais baixos níveis de autonomia assumida por crianças e adolescentes no que respeita à mobilidade. O estudo foi desenvolvido em Portugal sob a coordenação do professor Carlos Neto.

De facto, a autonomia de crianças e adolescentes, em termos mais gerais não apenas no aspeto da mobilidade, é uma questão de enorme relevo que muitas vezes abordo com profissionais, pais e encarregados de educação e que envolve múltiplos aspectos da vida dos mais novos.

Ainda não há muito tempo me solicitaram colaboração para um trabalho na imprensa que questionava “Quando devem (ou podem) as crianças deslocar-se sós para a escola?”

Trata-se, evidentemente, de uma pergunta sem respostas definitivas pois envolve inúmeras variáveis, o contexto social e geográfico ou a maturidade da própria criança por exemplo, mas tem subjacente a mais vasta e importante ideia da autonomia das crianças e a forma como a promovemos ... ou não.

De há muito que a propósito de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros "...queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade, “saber cuidar de si”.

Na verdade, o que se pretende num processo educativo, envolvendo quer os aspetos escolares quer outro tipo de atividades, será a construção de pessoas que sabem tomar conta de si próprias da forma adequada à idade e à função ou atividade que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo a conhecida ideia de "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".

A investigação e a experiência sugerem que crianças pouco autónomas são mais inseguras, menos tolerantes, menos empreendedoras com potenciais repercussões negativas no seu comportamento adulto.

Parece-me, pois, fundamental que adotemos comportamentos que favoreçam a autonomia de crianças e jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais atuais, com as alterações na vida das comunidades, questões de segurança por exemplo, estamos a educar as nossas crianças de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, o espaço exterior, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia e devem estar presentes, tanto quanto possível com regularidade, na vida de crianças e adolescentes.

É neste contexto que pode ser colocada e decidida a questão que referi como exemplo, a deslocação autónoma das crianças para a escola.

Por outro lado, muitas crianças são permanentemente bombardeadas com saberes e atividades a que se atribui importância, nem sempre comprovada, para o seu desenvolvimento e para o seu futuro. Ao mesmo tempo, apesar dessas actividades e das competências adquiridas, continuam pouco autónomas, pouco envolvidas nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que não lhes dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazem ou não fazem. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão” de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.

Mais um exemplo para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões com regularidade, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá “não” a uma oferta de um qualquer produto ou a um convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer “não” do que dizer “sim” aos companheiros da mesma idade. Também numa sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.

Só crianças autónomas, autodeterminadas, autorreguladas, serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar. Este entendimento sublinha a importância de que em todos os processos de educação, logo de muito pequeno, em casa, na escola ou noutra qualquer actividade, se estimule a autonomia das crianças.

Todos beneficiariam, os mais novos e os mais velhos.

No entanto, creio que esta visão está menos presente do seria desejável e possível em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar.

José Morgado

Fonte: Público