sexta-feira, 31 de julho de 2015

Oficina de formação "A Dislexia na sala de aula"

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A Dislexia na sala de aula, no apoio regular e no apoio especializado: como apoiar de forma eficaz os alunos disléxicos mais velhos?

Duração do curso: 25 horas presenciais + 25 horas de trabalho autónomo

Horário: A funcionar nos meses de setembro e outubro de 2015, em horário pós-laboral.

Local: Universidade Católica Portuguesa - Viseu

Público-alvo: Professores, educadores, psicólogos, outros profissionais de educação e pais/encarregados de educação

Inscrição aqui.

Via FB

Quanto mais me bates, menos eu gosto de ti!

As escolas, pública e privada, devem saber conviver lado a lado, sem atropelos nem rasteiras ou favorecimentos inexplicáveis, reconhecendo que há boas e más escolas apoiadas como previsto legalmente, atendendo os públicos que acolhem…

No ano que agora terminou, a escola pública nem sempre foi bem tratada e, na minha opinião, devemos dividir os protagonismos por vários atores, educativos e outros.

A (não) colocação de professores em devido tempo pela Bolsa de Contratação de Escolas, por culpa do algoritmo mal calculado (erro humano, óbvio), foi nefasta para a imagem da escola pública, mas exageradamente explorada por muitos, já que afetou “só” algumas escolas (as que celebraram Contrato de Autonomia e as escolas denominadas Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) e, nessas, “só” alguma(s) turma(s) e “só” alguma(s) disciplina(s). Evidente que foi um erro categórico, indesmentível mas desproporcional à imensa discussão que gerou, enquanto no privado, ao que parece, tudo corria bem. Alguns sindicatos aproveitaram a oportunidade para tirar dividendos políticos, ignorando que estavam a fazer muito mal à escola pública, de que apregoam serem defensores. Por que tratam assim a escola pública?

As notas inflacionadas (discrepância entre as avaliações interna e externa) parece que são privilégio, e até positivo (!), no privado mas negativo no público. Das escolas desalinhadas por cima, foram maioritariamente privadas as que ocuparam os 1.ºs lugares do ranking. Se as escolas públicas onde esta situação possa ocorrer são penalizadas, pelo menos, no resultado final da sua avaliação externa e na redução do crédito horário, o privado é recompensado com maior procura para acesso mais imediato ao superior. O que no público é sancionado, no privado é enaltecido. A quem incomoda a escola pública?

A existência de placas com fibrocimento foi também um dos temas que esteve na agenda mediática, mas apenas tendo como interlocutores as escolas públicas. Apesar do forte investimento realizado na sua substituição, ainda existem escolas cujos telhados são portadores de amianto. Será um assunto preocupante só para a escola pública? O privado não terá que resolver muitas situações iguais ou piores do que esta? Ou estão imunes? É preciso estar sempre a bater na escola pública?

A chamada escola a tempo inteiro, que o privado já conhece há muitos anos, é relativamente recente para os alunos que frequentam as escolas públicas. Enaltecida por todos (muitos pais trocaram o público pelo privado por este motivo) no privado, quando chegou ao público logo se disse que as escolas não são depósitos de crianças/alunos, que estes não tinham tempo de brincar ou estar com os pais… mesmo quando lhes são proporcionadas atividades e aprendizagens que, caso contrário, dificilmente teriam oportunidade de realizar. Neste caso em particular, as opiniões são interessantes de ouvir/ler e divergem hipocritamente, tendo em conta interesses, visões e desatinos inexplicáveis. Quem lucra com isto?

Acontece também que, se a escola pública quer ir além do que curricularmente está estabelecido/programado (explorar outras áreas do saber, transmitir novas aprendizagens…), é de imediato apelidada de fantasiosa ou de se querer meter em áreas que não são as suas; mas se estas inovações foram provenientes do privado, este é de imediato catalogado de empreendedor! Por que fazem mal à escola pública?

“Governo, professores e escolas travam uso de livros escolares usados” era o título chamado à 1.ª página, recentemente, de um grande jornal diário, informando no seu interior que “há professores que marcam falta de material a quem não tem manual novo” e “escolas que chegam a recusar livros só porque não têm o mesmo ISBN, quando o conteúdo é exatamente o mesmo, só mudou a cor da capa ou foi repaginado” (estas serão as denúncias mais frequentes). Os leitores logo pensaram que se estaria a falar de escolas públicas, e estava. Só que, na verdade, custa-me a crer que isto tenha lugar nestas, onde prevalece o humanismo, a tolerância e a compreensão e, em algumas circunstâncias, são os professores e as escolas que encontram mecanismos para suprir a carência do aluno. Talvez tenha a ver com o privado… É preciso insistir em amaldiçoar a escola pública?

O calendário escolar apresentado para o próximo ano também contribuiu para a “tareia“ que a escola pública está a levar. Não percebendo as razões apresentadas pelo ministério da educação para que o ano letivo 2015/16 possa iniciar-se entre 15 e 21 de setembro, alguns sindicatos e responsáveis educacionais nem ficaram admirados (!) com tal alteração (hipótese de o início das aulas ocorrer uma semana mais tarde), argumentando que o ano letivo deve arrancar com todos os professores (!). Não me parece que seja mais uma semana que possibilitará a colocação, mas tenho a certeza de que a escola pública levou mais um murro, mostrando à sociedade que, enquanto o privado está já na sua 2.ª ou 3.ª semana de aulas, o público ainda vai começar. Apesar de tudo, as escolas públicas não precisam de mais de que uma, duas semanas no máximo para se prepararem, tendo em vista o arranque do ano letivo, sendo obrigação de qualquer governo colocar os professores nas escolas, a tempo e horas, o que nunca aconteceu! Será desta? Este governo tem especial obrigação em atingir este objetivo, mas era escusado mexer no calendário escolar da forma como o fez. A quem interessará esta mudança? À escola pública não é, com certeza!

No meio destas injustiças e incompreensões, a escola privada segue o seu caminho utilizando a autoestrada, enquanto a escola pública faz o mesmo itinerário por outras estradas, muitas vezes secundárias, onde existem semáforos, muito trânsito, usando atalhos, tendo acidentes provocados por terceiros, chegando ao seu destino com o objetivo (sucesso dos alunos) cumprido, mas com pilotos (professores) exaustos, e com os alunos mais bem preparados para enfrentar o ensino superior e a vivência/futuro em sociedade. Quando a escola pública tiver direito a uma autoestrada, não será sempre a abrir, mas o trajeto será menos penoso para todos, estando o sucesso garantido, como acontece atualmente, graças, sobretudo, aos excelentes professores que a integram.

Pena a diferença de tratamento, de opinião, de visão de alguns responsáveis educativos perante a mesma realidade, prejudicando quase sempre quem deviam e dizem defender: a escola pública. Esta não pode ficar indiferente ao trato e já vai dizendo, contrariando o provérbio e adaptando-o à realidade: Quanto mais me bates, menos eu gosto de ti!

Filinto Lima

Professor/diretor

Fonte: Público

"Declaração de Lisboa sobre Equidade Educativa, Julho de 2015

Realizou-se na Universidade de Lisboa nos dias 26 a 29 de Julho de 2015, o 8º Inclusive and Supportive Education Congress. Este congresso reuniu mais de 500 participantes de 38 países do mundo com mais de 450 comunicações, conferência plenárias, mesas redondas e reuniões focais. Na sessão de encerramento deste congresso foi aprovada a "Declaração de Lisboa sobre Equidade na Educação".


Nós, os delegados do 8º Congresso de Apoio Educacional Inclusivo, que teve lugar em Lisboa, de 26 a 29 de Julho de 2015, reafirmamos o nosso compromisso em trabalhar cooperativamente para a promoção de sistemas educacionais equitativos, em todo o mundo. Desta forma, apoiamos a declaração de Incheon “Rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todos”, acordada no Fórum Mundial de Educação, em Maio de 2015, declaração esta que estabelece uma agenda política internacional para os próximos 15 anos.

Mais especificamente, comprometemo-nos a enfrentar todas as formas de exclusão e marginalização, disparidades e desigualdades no acesso, participação e resultados da aprendizagem. Desta forma, o nosso objetivo é assegurar que a agenda “Educação para Todos”, das Nações Unidas, seja efetivamente para todos, promovendo o desenvolvimento de uma educação inclusiva.

Acreditamos que os caminhos a percorrer em direção às escolas inclusivas podem ser justificados em diferentes níveis. Primeiro, existe uma justificação educacional: a ambição das escolas inclusivas de educar todas as crianças conjuntamente significa que estas escolas devem desenvolver formas de ensino que respondam às diferenças individuais e, assim, beneficiem todas as crianças, rejeitando a classificação dos alunos em “normais” e “especiais”. Em segundo, há uma justificação social: as escolas inclusivas são capazes de mudar atitudes face à diferença, ao educarem todas as crianças conjuntamente e, desta forma, constroem a base para uma sociedade acolhedora, participativa, justa e não-discriminatória. Em terceiro lugar, há uma justificação económica: é, evidentemente, menos dispendioso estabelecer e manter escolas que eduquem conjuntamente todas as crianças, em lugar de estabelecer um sistema complexo de diferentes tipos de escolas especializadas em diferentes grupos de crianças.

Todos estes aspetos implicam mudanças significativas nas atitudes e práticas a todos os níveis dos sistemas educativos. Consequentemente, o sucesso destas reformas dependerá de uma vontade coletiva para as fazer acontecer. Nós, delegados reunidos em Lisboa, apelamos a todos os responsáveis de políticas educacionais, que tomem medidas concretas, de forma a encorajar a participação e o sucesso na educação, a providenciar apoio inclusivo à aprendizagem, a respeitar e valorizar as diferenças e promover comunidades abertas, onde a aprendizagem com sucesso seja possível para todas as nossas crianças e jovens.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Regulamento da Medida de Qualificação de Pessoas com Deficiência e Incapacidade

O Despacho n.º 8376-B/2015 define o regime de acesso aos apoios concedidos pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P. (IEFP, I. P.) no âmbito da qualificação das pessoas com deficiência e incapacidade, designadamente para o desenvolvimento de ações de formação inicial e contínua, ao abrigo da Medida de Qualificação de Pessoas com Deficiência e Incapacidade, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º do Decreto- -Lei n.º 290/2009, de 12 de outubro, alterado pela Lei n.º 24/2011, de 16 de junho, e pelos Decretos -Leis n.os 131/2013, de 11 de setembro, e 108/2015, de 17 de junho.

Constituem objetivos da presente medida, a promoção de ações que visem a aquisição e o desenvolvimento de competências profissionais orientadas para o exercício de uma atividade no mercado de trabalho, tendo em vista potenciar a empregabilidade das pessoas com deficiência e incapacidade, dotando -as de competências ajustadas que promovam o ingresso, reingresso ou permanência no mundo laboral.

No âmbito da presente medida são apoiadas as ações de:
a) Formação profissional inicial;
b) Formação profissional contínua.

São destinatárias das ações previstas na alínea a) [Formação profissional inicial] as pessoas com deficiência e incapacidade que, tendo a idade mínima legal para prestar trabalho, pretendam ingressar, reingressar ou manter-se no mercado de trabalho e não possuam uma certificação escolar e profissional compatível com o exercício de uma profissão ou ocupação de um posto de trabalho, ou tendo já desenvolvido uma atividade profissional, se encontrem em situação de desemprego, inscritas nos centros de emprego e centros de emprego e formação profissional e pretendam aumentar as suas qualificações noutras áreas profissionais facilitadoras do seu (re)ingresso rápido e sustentado no mercado de trabalho e que cumpram os seguintes requisitos: 
a) A escolaridade obrigatória, nos termos previstos na Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto; 
b) A escolaridade obrigatória ao abrigo das disposições transitórias da Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, podendo, a título excecional, abranger candidatos menores de 18 anos, desde que os estabelecimentos de ensino nos quais os mesmos se encontrem inscritos comprovem a incapacidade para a frequência do mesmo.

Podem ainda ser destinatários da formação inicial pessoas com deficiência adquirida que necessitem de uma nova qualificação ou de reforço das suas competências profissionais, incluindo nas situações decorrentes de agravamento do seu estado, salvo se a respetiva responsabilidade estiver cometida a outra entidade por força de legislação especial, nomeadamente no âmbito do regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais. 

São destinatários das ações previstas na alínea b) [Formação profissional contínua] as pessoas com deficiência e incapacidade, empregadas ou desempregadas, que pretendam melhorar as respetivas qualificações, visando a manutenção do emprego, a progressão na carreira, ou o (re)ingresso no mercado de trabalho, ajustando ou aumentando as suas qualificações, de acordo com as suas necessidades, das empresas e do mercado de trabalho.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Coerência - Dicionário de Valores

Ser coerente será apenas ser congruente, estabelecer concordância entre ideias e fatos? No contexto escolar, talvez a coerência assuma a forma de fidelidade a princípios… Porém, em nome da verdade (palavra rara nos Projetos Político-Pedagógico - PPP - das escolas), diz-se que valores abundantes no discurso pedagógico raramente se traduzem em atitudes, talvez por não serem passíveis de concretização no contexto de uma sala de aula. Por exemplo: se o professor tem dever de obediência hierárquica, se não é autónomo, como poderá educar em autonomia? Ninguém dá aquilo que não possui. Se a autonomia é algo que se exerce em relação a outrem e o professor está sozinho na sala de aula, como poderá ensinar autonomia? O professor não ensina aquilo que diz; o professor transmite aquilo que é. 

A mudança das instituições processa-se a partir da transformação das pessoas que as compõem e mantêm. Se o professor pretende despertar sentimentos de respeito ou de responsabilidade nos seus alunos, precisa de colocar esses sentimentos nas suas atitudes. Porque ficar entre o discurso da mediocridade e a linguagem do génio, porque ficar no meio-termo? Albert Schweitzer foi coerente: abandonou o conforto da cidade, foi selva adentro e consumou ideais.

Julio Cortázar escreveu que uma ponte só é verdadeiramente uma ponte quando alguém a atravessa. Tão importante como escutar uma palestra ou ler um livro é escutar-se, escutar a si próprio, verificar a coerência entre o ato e a teoria. E saber fundamentar aquilo que se faz, assumindo compromissos. A teoria converte-se em ação quando assumida em situações reais. Precisamos de menos visionários e de mais coerência praxiológica. Dizia Kurt Lewin: “teoria sem prática é viajar no vazio, prática sem teoria é viajar no escuro”. Sabemos que a pedagogia age numa fronteira ténue entre intenção e gesto, motivo pelo qual não deveremos preocupar-nos apenas com grades curriculares – estejamos atentos aos modos de trabalho, que deverão considerar o ambiente social em que o aluno vive.

“A escola é apenas um momento da Educação; a casa e a praça são os verdadeiros estabelecimentos pedagógicos”, dizia-nos Johann Heinrich Pestalozzi. Não nos esqueçamos da necessidade de harmonizar valores do projeto escolar com os valores do projeto familiar (mesmo que ninguém o tenha escrito…). 

Se nos lares e nas ruas escasseiam a tranquilidade e a reflexão, como pretender que os nossos alunos se mantenham quietos e calados? Se há professores que se atropelam ao falar e sussurram ao pé do ouvido do colega do lado, como poderão exigir dos seus alunos o levantar a mão para solicitar a sua vez de falar? Essa postura de cidadania básica não é comum no decurso de reuniões de professores... E a incoerência pode gerar situações de embaraço: Ô professora, faça o favor de jogar o chiclete fora. Nós somos proibidos de mascar!

A velha história é contada assim: Aquele barco a remos fazia a travessia de um rio. Num dos remos tinha escrita a palavra “acreditar”; no outro, a palavra “agir”. O barqueiro explicou o porquê. Usou o remo no qual estava escrito “acreditar” e o barco começou a dar voltas, sem sair do mesmo lugar. Depois, usou o remo em que estava escrito “agir” e o barco girou em sentido oposto, sem ir adiante. Quando usou os dois remos, num mesmo movimento, o barco navegou até a outra margem. Não “remou contra a maré” ou “ao sabor da corrente”. Uniu duas margens pelo impulso da escolha que lhe imprimiu um rumo coerente.

José Pacheco

Fonte: Educare

Educação leva 96% das verbas para a descentralização

A educação vai receber a quase totalidade dos 70 milhões de euros anuais que, a partir de setembro, começam a ser transferidos para as autarquias através dos contratos de descentralização de competências. Os 15 municípios, que integram o projeto-piloto de criação das chamadas "escolas municipais", vão receber mais de 67 milhões de euros por ano, o que corresponde a 96% do total transferido para o programa de descentralização. Do valor que cabe à educação, 43,5 milhões de euros são para pagar salários do pessoal não docente. 

No entanto, são 34 as autarquias que aceitaram assumir mais responsabilidades nas áreas da saúde e cultura, além da educação, até 2019. Mas para estas áreas - saúde e cultura -, o valor transferido será residual, cerca de três milhões de euros. 

É com os 67 milhões que as autarquias pretendem pagar os salários a todo o pessoal não docente e passar a gerir e fazer a manutenção dos edifícios escolares. Podem ainda criar disciplinas opcionais, que se adequem ao contexto regional, ou gerir até 25% do currículo dos alunos de todos os anos escolares, e também aprovar o número de turmas e horários. 

Matosinhos é a autarquia que vai receber a maior fatia do dinheiro (quase 13 milhões de euros). O município do Crato, onde funciona apenas uma escola, é aquele onde chegará menos verbas. 

As verbas correspondem "exatamente ao mesmo valor que o Estado Central gastava no exercício daquela competência", garantiu (...) o ministro Miguel Poiares Maduro, que explica que "não existe aumento da despesa" com este processo. 

Quase dois anos depois de negociações entre os municípios e o Governo, os contratos foram assinados na semana passada e publicados, ontem, em Diário da República.

Em Março, o Executivo chegou a acordo com 13 autarquias, mas entretanto o número subiu para 15 municípios de todas as cores políticas, ainda que nove sejam câmaras do PSD ou da coligação. 

Entre as três áreas que fazem parte do processo de descentralização, a educação é a que conta com um maior número de autarquias e é neste sector que mais responsabilidades vão ser transferidas. 

Nas 15 autarquias que entraram no projeto-piloto, que vai arrancar em pleno em setembro, estudam mais de 113 mil alunos do pré-escolar ao secundário (cerca de 10% do total de estudantes da escola pública), que estão distribuídos por mais de cinco mil turmas (10% do total de turmas).

Câmaras não vão avançar com disciplinas de oferta local 
O contrato das "escolas municipais" permite que as autarquias criem disciplinas opcionais que se adequem ao contexto regional. São as chamadas disciplinas de oferta local, que podem ser criadas para qualquer ano escolar. 

No entanto, as autarquias não vão avançar, para já, com a criação destas disciplinas, não devendo existir grandes alterações aos currículos dos alunos que frequentam estas escolas. O Diário Económico contactou mais de metade das câmaras que vão avançar no projecto-piloto e a resposta foi unânime: "Em setembro não vamos avançar com nenhuma disciplina de oferta local". Isto porque "é necessário consolidar primeiro o processo da descentralização" para depois "consultar os pais e as escolas" para decidir se avançam, ou não, com alguma disciplina de oferta local, explicaram os mesmos autarcas. 

O Governo impôs ainda como "regra de ouro" a melhoria dos resultados escolares. Ou seja, as escolas que vão fazer parte do projeto-piloto estão impedidas de aumentar a taxa de abandono precoce, a taxa de retenção (chumbos) ou de descer as médias nos exames nacionais. Estes resultados vão sendo monitorizados e, caso não cumpram mais de dois destes critérios, o Governo pode rescindir o contrato com o município.

Fonte: Diário Económico por indicação de Livresco

Um concurso cruel, um ministério podre

Escrevo imediatamente após o encerramento do concurso de colocação de professores, designado por Bolsa de Contratação de Escola, roleta russa absurda que ditou o caos do início do ano escolar transacto, com milhares de alunos sem aulas por mais de um mês.

A evidente subjetividade dos critérios da edição deste ano (onde é possível a formatação de lugares por medida) dará uma cascata de ultrapassagens injustas de uns candidatos por outos, numa autêntica corrida de sobrevivência, marcada pela incompetência de um ministério podre.

Para um exíguo número de vagas, estamos em presença, uma vez mais, de uma lista de critérios imbecis, com que se pretende mascarar o único indicador sensato que poderia trazer um mínimo de seriedade e exequibilidade ao processo: a graduação profissional dos candidatos.

Para um exíguo número de vagas, antecipa-se um monumental número de reclamações, que terão por corolário um previsível atraso na colocação de professores, embora de menor dimensão relativamente ao que se verificou no ano passado. 

Num inaceitável prazo de quatro dias úteis (22 a 27 de julho, com um sábado e domingo de permeio), as escolas foram literalmente inundadas com pedidos de declarações de comprovação de dados, que os candidatos deveriam inserir na plataforma informática, através da qual concorriam.

É impossível conceber um quadro de respostas corretas para os parâmetros com que os candidatos foram confrontados. Quem foi prudente perante a constância das dúvidas (caso, por exemplo, da formação contínua creditada) e não arriscou vir a ser confrontado com “falsas declarações”, prejudicando-se, poderá ser ultrapassado por outros, mais ligeiros na interpretação dos dados.

Como resolver a impossibilidade (real) de comprovação atempada de circunstâncias (cargos e realizações), declaradas de boa-fé, há uma dezena de anos?

O exercício do cargo de diretor de turma foi ponderado de modo diferente em escolas diferentes.

Face à ausência de um quadro inequívoco de referência, a interpretação do que devia ser considerado “outras formações relevantes”, para cada grupo de recrutamento, tornou-se uma charada.

A desproporcionalidade entre funções exercidas é evidente (vale mais ser “coordenador”, por um dia, de um projeto inserido no Plano Anual de Atividades, que “colaborador” ou “participante” em vários, por toda a vida).

Uma “experiência” em projeto TEIP poderá valer uma colocação em 2015-16.

Este concurso, de complexidade inaudita, foi um escaparate de crueldade burocrática, que sujeitou milhares de cidadãos a processos tresloucados. O surreal esclarecimento prestado pela Direção-Geral da Administração Escolar, sob a forma de “Aviso”, escassas horas antes do respetivo encerramento, depois de assistir passivamente à confusão instalada, prova-o para a posteridade.

Ao defender a BCE, com as repercussões que ela tem na vida dos professores que não têm influências ou cartão partidário, Nuno Crato devia responder ao que nunca respondeu:

- No contexto presente, com uma procura esmagadoramente superior à oferta, que instrumentos, em sede de BCE, garantem a contratação dos mais habilitados e experientes e a equidade no acesso ao emprego público, que a Constituição protege?

- Que dados concretos, que não impressões subjetivas, que disfuncionalidades objetivas aponta ao sistema, quando se contrataram os professores com base numa lista nacional, ordenada segundo a graduação profissional?

Mas este é tão-só um epifenómeno de uma estratégia política de degradação socioeconómica programada de uma classe profissional, demasiado numerosa e heterogénea para se unir eficazmente, com salários definitivamente reduzidos, progressão na carreira ad eternum suspensa e, agora, sob o cutelo contínuo da “mobilidade especial” e da “municipalização”. Insidiosamente, a conflitualidade e a sobrevivência impuseram-se como modus vivendi predominante nas escolas. O objetivo de muitos, ante a pressão psicológica e emocional a que estão sujeitos (recorde-se, a propósito, um recente estudo de investigadores do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, onde é referido que metade dos professores portugueses sofre de stress, ansiedade e exaustão), é manter o salário a troco de subserviência hierárquica pouco digna.

Quando Nuno Crato puxou pela cabeça para ver como implodiria o ministério que sempre criticou, tinha duas soluções: ou motivava os professores, dignificando-os, ou proletarizava-os, balcanizando-os. Escolheu a segunda opção, a mais fácil, a que já vinha de trás. Precarizou-os, fiscalizou-os e limpou-os da última réstia de autoridade, dizendo, cinicamente, que lhes dava autonomia acrescida. Não implodiu a casa que hoje comanda. Apodreceu-a.

Santana Castilho

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Fonte: Público

terça-feira, 28 de julho de 2015

DA RETÓRICA DA AUTONOMIA DAS ESCOLAS E DA INCLUSÃO

Num intervalo dos trabalhos do 8th Inclusive and Supportive Education Congresso de 2015 realizado em Lisboa, “Equity and Inclusion in Education”, e para o qual a Comissão Organizadora teve a gentileza de convidar a intervir sobre “Avanços e Reformas necessárias nas Políticas”, alguns colegas vieram falar da sua inquietação com algo que partilho e que creio já ter aqui referido há algum tempo.
As escolas, depois de um processo de decisão e análise interna propõem, através de uma plataforma, há sempre mais uma plataforma, aos Serviços do MEC o número de turmas a constituir. Neste processo está igualmente previsto o pedido de redução do número de alunos por turma devido à existência de alunos com necessidades educativas especiais. O processo é acompanhado por informação sobre estes alunos.
Os Serviços analisam e decidem acolher, ou não, a proposta da escola. Assim, são identificados os “redutores”, os alunos que permitem reduzir a turma e os “inibidores”, os que apesar dos seus problemas não permitem a redução do efectivo de turma.
Nem sei bem por onde começar.
Apesar da retórica da autonomia e como é evidente o MEC não confia nas escolas, nos seus órgãos e nos professores. Assim sendo, são os Serviços que analisam e decidem sobre o número de turmas e o seu efetivo. Elucidativo.
Neste processo, lá longe da escola alguém decide se um aluno é “redutor” ou “inibidor” para que a escola possa reduzir o número de alunos por turma de acordo com a legislação que nem sequer é sempre cumprida como as escolas bem sabem.
Este processo, para além do atropelo à autonomia das escolas ainda me parece grave na medida em que uma decisão desta natureza é tomada de um forma administrativa e longe da realidade, dos seus contornos e especificidades que não cabem, evidentemente, num processo administrativo. Uma nota ainda para a linguagem, os “redutores e os “inibidores”.
Por isso tantas vezes falo de como verdadeiramente o MEC recusa a autonomia das escolas e entende a inclusão como um processo de natureza administrativa.
Lembram-se certamente de que, creio, em setembro de 2013, Nuno Crato ter afirmado numa entrevista televisiva que os alunos com necessidades educativas especiais “estão integrados na turma mas na verdade não estão. Naturalmente o que acontece naquele caso concreto é que aqueles alunos pertencem à turma mas dadas as suas necessidades eles não convivem com os alunos daquela turma. Portanto é muito mais uma questão administrativa do que outra”.
Não Senhor Ministro, a qualidade da educação de todos os alunos, incluindo, evidentemente, os alunos com necessidades educativas especiais ou em situação de vulnerabilidade ou fragilidade não é uma questão administrativa que se decida burocraticamente lá longe da vida deles, dos professores e das famílias. É uma questão de direitos e competência.

José Morgado

segunda-feira, 27 de julho de 2015

OS FILHOS NÃO SÃO PROPRIEDADE NOSSA

Os pais educam – e mandam. Os filhos obedecem. Mas este modelo hierárquico não é a forma mais acertada de exercer a parentalidade, defende a terapeuta familiar Shefali Tsabary. A família tem de crescer em conjunto.

Diz que disciplinar por reação é preguiçoso, assim como punir os filhos por nos desafiarem. Por outro lado, insta os pais a estabelecerem limites e a não permitirem que sejam quebrados. Como se consegue este equilíbrio?
_Disciplina não tem nada que ver com reatividade. Quando os pais reagem, estão eles próprios fora de controlo, guiados pela irracionalidade. Esta é a forma preguiçosa de se fazer as coisas, a disciplina convertida em puro castigo vingativo, que não ensina a ser uma pessoa autodisciplinada. Já um limite requer respeito, nada de explosões de fúria que desconsideram um filho. Temos de saber respeitar primeiro se queremos ser respeitados e isto é algo que uma criança aprende por osmose – ela vai escolhendo os seus limites pela forma como a família funciona em todas as suas conexões. Se nos faltar ao respeito, não vamos nós ser ainda piores e esmagar-lhe a autoestima. Simplesmente não reagimos, nalgumas situações talvez até possamos afastar-nos, mas sem nunca nos distanciarmos emocionalmente. A abordagem consciente à disciplina depende da nossa capacidade de exercermos uma presença real com os nossos filhos.

De que modo se cria uma criança para ser simultaneamente bem-educada e verdadeira consigo mesma?
_Sermos verdadeiros connosco é sermos bem-educados. As crianças portam-se mal se são inverdadeiras consigo – quando as forçamos a algo que queremos que sejam, projetando nelas os nossos desejos. Mau comportamento é sinal de que alguém não se sente valorizado, merecedor e profundamente ligado. Resulta de não nos sentirmos bem connosco, que é uma coisa que os pais estão sempre a infligir às crianças: fazem-nas sentir mal por pormenores sem importância, como entornar o leite, e elas interiorizam isso em coisas maiores, acabando por assumir um comportamento que as afasta de quem realmente são. Além de que uma criança ser fiel a si mesma é completamente diferente de ser narcisista. Promover a autenticidade não é cultivar o narcisismo.

Sintonizarmo-nos com um filho exige grande capacidade de autoconfronto. É isto o mais difícil na parentalidade consciente? Pelo que revela de mim no processo?
_O autoconfronto é a chave de uma parentalidade efetiva e pode ser incrivelmente doloroso. Faz-nos olhar para as nossas carências pessoais, responsáveis pelo desejo de controlar e moldar os filhos à nossa imagem em vez de os apoiarmos em serem autênticos. O nosso comportamento descontrolado não faz nada para acalmar e centrar uma criança, antes lhe reforça a reatividade: se formos firmes, pacientes, gentis e calmos a lidar com a petulância, o efeito é diferente de quando um pai fica ansioso face às situações, intimidado pelo filho, e reage a quente. É um caso de centramento vs. drama na cabeça. À medida que sentimos as emoções desenrolarem-se, precisamos de ter a coragem de parar para refletir antes de filtrar a resposta que nos vai permitir evoluir como pessoas e ajudar os nossos filhos a evoluírem também. É esta a melhor forma de ajudá-los a crescerem fiéis a si mesmos…

Apoiando-nos no facto de o crescimento deles espelhar a nossa (i)maturidade?
_Claro. Enfrentar os nossos pontos fracos sé meio caminho andado para lhes mostrarmos como se dá o desenvolvimento pessoal. As crianças não necessitam de ser postas na linha para estarem em conformidade com os pressupostos que temos de como as coisas devem ser. Apenas precisam que as apoiemos sem impor juízos nem interpretações ao seu comportamento, no sentido de desenvolverem o seu próprio potencial. Quanto mais aperfeiçoarmos esta aptidão de encarar a vida como ela é, sem rotularmos de bom ou mau o que sucede, mais os filhos podem fazer birras sem nos provocarem e mais nós podemos
corrigir-lhes o comportamento sem despejarmos neles ressentimentos, culpas, medos ou desconfianças residuais nossas.

O que é preciso para sermos pais totalmente presentes?
_Tem tudo que ver com estarmos conscientes de nós próprios, do nosso ambiente, das nossas crianças. Essa consciência permite-nos encarar as pessoas e as situações como são, não como gostaríamos que fossem, e então abandonar o controlo inerente a uma abordagem hierárquica entre pais e filhos. É importante separar quem somos da pessoa única que é cada filho: só assim saberemos criá-los respeitando as suas necessidades, em lugar de tentarmos acomodá-los às nossas. Na hora de disciplinar, tem de ser a consciência a mostrar-nos como devemos agir para incentivar o espírito dos miúdos, sem diminuí-los por querermos impor-lhes a visão que temos para eles. Os filhos pagam um preço muito alto quando julgamos serem propriedade nossa.

É uma viagem interminável, esta da parentalidade?
_Dado que nunca cheguei ao fim do caminho – se é que existe algum – não faço ideia. E não estou a ser facciosa, apenas a ir ao cerne da questão: a parentalidade tem a ver com este momento que vivemos agora, não com projeções futuras. Não sei o que a minha filha fará com a sua vida, no que se tornará. Os adultos gostam de perguntar: «O que queres ser quando fores grande?» E alguns miúdos até sabem cedo o que responder, mas a maioria muda de interesses enquanto cresce – hoje futebolista, amanhã modelo, depois de amanhã piloto de aviões. O meu objetivo é ajudar a minha filha a aproximar-se da vida com o coração, mantendo-se verdadeira à pessoa que vai descobrindo ser. O resto resolve-se por si, com presença e consciência, cada novo momento erguido sobre o anterior.

Como facilitar a aprendizagem das crianças – e a nossa como pais daí decorrente?
_Em primeiro lugar, os pais não devem correr a salvar uma criança – a menos que haja perigo, obviamente. Deixem-na aprender com as consequências, como fazemos em adultos. Se estiverem atrasadas e perderem a sessão de cinema ou o autocarro para a escola, aprenderão a não se atrasar da próxima vez. Deem-lhes alguma margem para errar. Acima de tudo, permitam-lhe aprender com a relação de causa e efeito, sem confundir consequência com castigo puro e duro. Trata-se aqui de permitir situações que a ensinem e de nos mantermos afastados, nada de «eu avisei-te» ou «bem te disse que isso ia acontecer». Os miúdos são espertos. Aprendem se não estivermos constantemente a pregar-lhes sermões.

A criança perfeita existe? Ou a família perfeita?
_Existe alguém perfeito no mundo? Se fizéssemos tudo perfeito seria um aborrecimento, lá se iam os desafios, a aprendizagem, a excitação… No Sermão da Montanha, quando Jesus diz «sê perfeito», a expressão refere-se a maturidade, não à perfeição. Tem tudo que ver com crescimento – a ênfase em sermos gentis, carinhosos, capazes de perdoar, e não em sermos críticos, juízes ou moralistas. O segredo é ligarmo-nos aos outros a partir do coração e apreciar essa união. É isso que a maturidade nos traz, em vez de reagirmos aos outros com dramatismo.

Por que razão «bons miúdos» se tornam adolescentes rebeldes?
_Crianças obedientes são consideradas bons miúdos, mas obediência não é o mesmo que ser-se autodisciplinado: quando na adolescência o sentido de liberdade e individualidade vem ao de cima, sublimado por hormonas furiosas, é provável que queiram impor-se, sobretudo se foram reprimidos durante anos. Se mais uma vez tentarmos esmagar a sua expressão mais autêntica, cuidado! Precisamos de redefinir a ideia de bom miúdo. A meu ver, são as crianças honestas consigo, que não abdicam da sua verdade para nos agradar a qualquer custo. Assumem os seus sonhos e esperanças, os seus interesses, os seus dons. Um filho entra na nossa vida para nos ajudar a ter noção do quanto ainda nos falta crescer. A nós cabe-nos a tarefa de ajudá-lo a encontrar dentro de si a força emocional para se tornar autónomo e resiliente.

Quais são os erros mais comuns que cometemos enquanto pais?
_Pedimos-lhes que sejam sempre excelentes porque isso nos faz sentir especiais. Se gostamos de basquetebol, eles devem não só adorar a modalidade, mas ser estrelas. Se somos médicos, então irão seguir as nossas pisadas. O filme Billy Elliot é o exemplo perfeito de um rapaz que adorava dançar – estava-lhe no sangue, nos genes – e tinha um pai empenhado em cortar-lhe as asas por não entender o dom do filho. Mais do que permitir, devemos encorajar as nossas crianças a lutar pela própria felicidade, não pela nossa. E dar-lhes tempo de florescerem ao seu ritmo, sem as pressionarmos. A ênfase que pomos em terem as notas máximas, em serem as melhores em tudo, faz que aprendam que quem elas são, tal como são, não chega. E é importante aliviá-las das nossas expetativas para que possam alcançar outras surgidas do seu próprio centro.

O que é que as crianças mais querem/apreciam que o dinheiro não pode comprar?
_Querem sentir-se ligadas a nós, saber que serão sempre aceites independentemente do que fizerem. Querem saber que as amamos exatamente como são, que as abraçamos sem querer mudar nada nelas. Querem sentir-se bem por dentro, bem com elas. Sentir-se autorizadas a seguir os seus próprios interesses e amizades, e ver-nos rejubilar com a sua singularidade. Querem saber que nunca terão necessidade de ser perdoadas porque no nosso coração as apoiamos sempre, mesmo quando entram em becos sem saída ou cometem erros graves. Elas sabem que somos uma equipa. Aconteça o que acontecer, estamos cá uns para os outros.

Fonte: Notícias Magazine por indicação de Livresco

Liberdade falaciosa

Há 35 anos, quando foi aprovado o diploma que regula os contratos de associação do Ministério da Educação com escolas privadas, Portugal vivia um ciclo de acentuado crescimento demográfico e as escolas sobrelotadas não tinham capacidade de resposta. A oferta de turmas de ensino cooperativo ou privado, financiadas por verbas públicas, dava resposta à falta de alternativas e cumpria uma função social. Alargava o acesso, assegurava a universalidade, tinha um papel a cumprir nos espaços deixados em branco pela rede pública.

No próximo ano letivo, irão abrir 656 turmas com contrato de associação nos 5.º, 7.º e 10.º anos, um número idêntico ao de anos anteriores. Apesar de sucessivos estudos que apontam a necessidade de racionalizar esta rede. Apesar de só um quinto destas escolas ficar a mais de 15 quilómetros das alternativas públicas. Apesar de, em muitos concelhos rurais, as escolas públicas estarem hoje a esvaziar-se e com dificuldade em assegurar a diversidade de cursos, enquanto ao lado abrem turmas de ensino cooperativo com meia dúzia de almas.

Este é um tema carregado de contradições. Diferentes avaliações do Tribunal de Contas, do Governo e de investigadores universitários não permitem sequer uma conclusão consensual sobre os custos de formação das turmas com contrato de associação, comparativamente com as públicas. E nas alterações que fez ao regime de financiamento destas escolas, o Governo eliminou o critério original de apoiar estabelecimentos onde o público não conseguia dar resposta, passando a privilegiar a liberdade de escolha.

O último estudo de reorganização da rede encomendado pelo Governo propôs encerramentos tímidos, mas que seriam suficientes para originar uma poupança de 13 milhões de euros. Pouco? Foi precisamente quanto perdeu, entre 2011 e 2014, a Ação Social Escolar. Mas se fosse mais longe, como recomendam outras análises independentes, o Ministério da Educação pouparia o suficiente para cobrir os cortes feitos na educação especial, nos cursos profissionais e nas atividades extracurriculares (AEC).

Essas escolas cumpriram, durante décadas, um serviço público relevante? Com certeza. Por isso mesmo, cabe ao Estado apoiar a sua reconversão, ajudando-as a ter um papel que as torne verdadeiramente alternativas - nomeadamente, reorientando-as para o ensino profissional. O que não faz sentido é que haja desperdícios num tempo de recursos escassos. A liberdade de escolha é uma falácia quando se abdica de investir, em primeiro lugar, na rede que é de todos. E que, tendo qualidade, só deixará de fora quem realmente não quiser o ensino público.

Inês Cardoso

Fonte: JN por indicação de Livresco

domingo, 26 de julho de 2015

Mãe de criança com deficiência cria blogue para tentar ensinar o valor da inclusão

Uma mãe com uma filha deficiente criou um blogue onde, pela partilha do dia-a-dia da criança, tenta passar o valor da inclusão a uma sociedade que não foi ensinada para a diferença.

Pelo caminho, Ana Rebelo, autora do blogue e mãe da Maria, quer também criar o Dia da Inclusão, um sonho que pretende ser o colmatar de uma lacuna nacional e europeia, já que existe apenas o Dia da Pessoa com Deficiência, com "um lado de tristeza", em vez de se criar "uma ótima energia positiva, que é a inclusão".

O blogue chama-se "A mãe da Maria" (http://www.amaedamaria.com/) porque é assim que esta mãe é conhecida, apelidada desta forma desde há 15 anos, depois do nascimento da filha mais velha, que nasceu com uma cromossomopatia rara, única no mundo, e a quem os médicos deram 48 horas de vida quando nasceu.

Segundo explicou à Lusa Ana Rebelo, a ideia de criar um projeto pensado e direcionado para as crianças com deficiência já tem alguns anos, mas só recentemente conseguiu ganhar forma, depois de algumas conversas com uma amiga que também tem um filho com deficiência e que percebeu que isso era um entrave para as empresas às quais se candidatava a um emprego.

"Aí acho que espoletou completamente e pensei que estava na hora de fazer alguma coisa porque as pessoas têm um desconhecimento completo desta realidade, da realidade das famílias com crianças deficientes", adiantou.

Para Ana Rebelo, esta dificuldade na integração das crianças com deficiência resume-se a um facto: "Nós não fomos ensinados para esta realidade da diferença, não fomos ensinados a incluir".

Contou que foi mãe da Maria com 25 anos e que nessa altura sentiu revolta pelo facto de as pessoas não perceberem e não aceitarem uma realidade "tão simples".

"Nós não sabemos porque não fomos ensinados e a ideia da criação do blogue é porque a Maria é um caso de inspiração, é um caso de sucesso de inclusão, é uma criança híper, mega divertida, muito carinhosa e costumo arriscar dizer que, dos meus três filhos, é a mais feliz porque está sempre feliz, para ela não há problemas", adiantou.

Da felicidade da Maria e da sua determinação em superar dificuldades, surge então o blogue, ativo desde 17 de junho, como forma de comunicar o valor da inclusão, tendo por inspiração o dia-a-dia da Maria, contando como é que ela vive, quem são os seus amigos, colegas, a escola que frequenta.

"Para puxar o tema da inclusão social para a ordem do dia, mas desmistificar completamente porque eu acho que uma criança deficiente em Portugal é considerada doente e não é", justificou Ana Rebelo, acrescentando que pretende também que as pessoas que visitam o blogue percebam a diferença entre inclusão e integração.

Entretanto, desenvolveu uma campanha, que se chama "Ativar a Inclusão" e está disponível tanto no blogue como na rede social Facebook (A mãe da Maria), através da criação de seis pequenos vídeos que pretendem passar uma ideia muito simples: "Todos somos diferentes, todos somos iguais".

"Esta campanha está a ter algum sucesso e está com uma energia muito positiva e está a conseguir chamar a atenção das pessoas para este tema", disse Ana Rebelo, apontando que, só num mês, a página de Facebook tem já mais de 6.300 seguidores.

A par e passo, tenta viver o dia-a-dia como a filha Maria, ao segundo, ao mesmo tempo que lida com a preocupação do futuro e do dia em que ela e o marido não estejam presentes para cuidar da filha.

"Isto acontece porque a sociedade não está minimamente preparada e não há soluções para miúdos mais crescidos a não ser institucionalizá-los e isso é uma coisa que não faz muito sentido", rematou.

Fonte: DNotícias por indicação de Livresco

A professora descontrolada

Os factos são conhecidos: uma professora foi condenada pelo tribunal a seis anos de prisão efetiva por maus tratos infligidos a 19 alunos de seis anos, durante o ano letivo de 2012/13, numa escola do 1.º ciclo da Amadora.

Os castigos incluíam carolos, bofetadas e pancadas com pau de vassoura na cabeça dos alunos; e as humilhações compreendiam insultos e ameaças várias, desde alcunhas agressivas a intimidações constrangedoras dos direitos das crianças.

Ao ler estes relatos, recuei 60 anos e recordei as escolas primárias de Sintra, onde passei a minha infância. Nesse tempo, os castigos físicos eram a regra, por vezes com grande violência. Um professor da época espancava os alunos e pedia opinião à turma sobre o tipo de castigo a infligir; uma regente escolar, responsável por uma turma de meninas até à terceira classe, usava todos os dias o insulto “sua burra fêmea” (ao ouvir estes relatos de amigas minhas, nunca compreendi o pleonasmo). Os pais incentivavam ou pelo menos admitiam como certos estes castigos: na minha sala de aula, a mãe de um colega mandou o filho entregar uma régua muito grossa para castigos exemplares, curiosamente foi esse aluno a primeira vítima da zanga da professora.

Com o 25 de Abril, os castigos começaram a ser condenados, embora só tenham sido proibidos em 2002. Nos dias de hoje, acontecimentos semelhantes ao da escola da Amadora devem ser muito raros e só temos de louvar o caminho percorrido na defesa dos direitos dos mais novos.

No entanto, o caso desta professora descontrolada merece uma reflexão. O que mais me impressiona na situação é a falta de soluções para o problema, que deveriam surgir dos pais, da direção da escola em causa e do Ministério da Educação (ME). Uma professora nestas condições deveria ter sido de imediato afastada da sala de aula, por denúncia dos encarregados de educação e por decisão de quem manda na escola. Nada disso se passou e a professora esteve muito tempo a bater e a humilhar os alunos que, por serem muito novos, não tinham capacidade de se opor (nada disto se teria passado numa turma de adolescentes).

Nada pode justificar o descontrolo da professora, mas é provável que estivesse a viver uma crise pessoal. Separada do marido e com um filho adolescente, é natural que vivesse com mais ansiedade as situações de indisciplina ou de dificuldades de aprendizagem, sem que a escola e o ME tivessem organizado o apoio necessário. Os pais, agora tantas vezes protagonistas de críticas aos docentes, reagiram tarde de mais. O ME, mais uma vez, não reagiu a tempo, porque a sanção externa do tribunal deveria ter sido precedida de um apoio e de medidas correctivas imediatas no espaço escolar.

Mais uma vez foi evidente a falta de preparação dos professores para lidar com a indisciplina e com as dificuldades de aprendizagem, temas que, num estudo recente, 60% dos professores disseram não ter sido tratado na formação inicial, sem que ninguém do ME se mostre preocupado com o assunto.

Em derradeira análise, a pena parece excessiva. A justiça quis dar o exemplo e mostrar uma decisão dissuasora, mas o problema está, como sempre, na dinâmica da sala de aula, esse espaço misterioso onde cada vez mais é preciso ajudar e intervir.

Só a melhoria da comunicação na comunidade educativa, ao fazer circular a informação entre alunos, pais e professores, poderá impedir situações semelhantes.

Daniel Sampaio

Fonte: Público por indicação de Livresco

“Estamos a criar crianças totós, de uma imaturidade inacreditável”

Carlos Neto é professor e investigador na Faculdade de Motricidade Humana (FMH), em Lisboa. Trabalha com crianças há mais de quarenta anos e há uma coisa que o preocupa: o sedentarismo, a falta de autonomia dada pelos pais às crianças e a ausência de tempo para elas brincarem livremente, correndo riscos e tendo aventuras. É um problema que tem de ser combatido, diz. Porque a ausência de risco na infância e o facto de se dar “tudo pronto” aos filhos, cada vez mais superprotegidos pelos pais, acaba por colocá-los em perigo. Soluções? Uma delas passa por “deixar de usar a linguagem terrorista de dizer não a tudo: não subas, olha que cais, não vás por aí…”.

Há dez anos já se falava no sedentarismo das crianças portuguesas. Lembro-me que dizia que uma criança saudável é aquela que traz os joelhos esfolados. Como estamos hoje?
Há dez anos nós falávamos que as crianças tinham agendas, hoje digo que têm super-agendas! Há dez anos eu dizia que as crianças saudáveis eram as que tinham os joelhos esfolados. Hoje, acho que os joelhos já não estão esfolados, mas a cabeça destas crianças já começa a estar esfolada, por não terem tempo nem condições para brincar livremente. Brincar não é só jogar com brinquedos, brincar é o corpo estar em confronto com a natureza, em confronto com o risco e com o imprevisível, com a aventura.

As crianças brincam porque procuram aquilo que é difícil, a superação, a imprevisibilidade, aquilo que é o gozo, o prazer. E, portanto, as crianças que eu apelido de crianças “totós”, são hoje definidas como crianças superprotegidas, crianças que não têm tempo suficiente para brincar e crianças que não têm tempo nem espaço para exprimir o que são os seus desejos. E o primeiro desejo de uma criança é o dispêndio de energia, é brincar livre e com os outros, mesmo que muitas vezes em confronto. Porque o confronto é uma forma preciosa de aprendizagem na vida humana. E nós estamos a retirá-los de tudo isso. Estamos a dar tudo pronto e não estamos a confrontá-los com nada. E isso terá muitas consequências.

Estamos a falar de que idades?
Estamos a falar de crianças entre os 3 e os 12 anos. Significa que aumentou de facto esta taxa de sedentarismo, eu diria mesmo de analfabetismo motor, estamos a falar de iliteracia motora. Trabalho há 48 anos com crianças e sei avaliar o que se passou. As crianças têm menos capacidade de coordenação, menos capacidade de perceção espacial, têm de facto menor prazer de utilizar o corpo em esforço, têm uma dificuldade de jogo em grupo, de ter possibilidades de ter aqueles jogos que fazem parte da idade. Ao mesmo tempo, institucionalizou-se muito a escola. Nós hoje temos as crianças sentadas durante muito tempo, não há uma política efetiva adequada de recreios escolares. Os recreios são organizados muitas vezes em função de um modelo de trabalho, ou de um modelo de funcionamento pedagógico, que tem a ver mais com as aprendizagens pedagógicas obrigatórias ou consideradas úteis, e muito menos com as atividades do corpo em movimento. E, por isso, há alguns trabalhos de investigação que temos vindo a fazer, onde tentamos mostrar a correlação entre o tempo que as crianças têm de recreio, a qualidade de atividade que fazem no recreio e a capacidade de aprendizagem na sala de aula.

A que conclusões já chegaram?
Uma delas é que as crianças que são mais ativas no recreio, e que têm mais socialização, têm na sala de aula mais capacidade de atenção e de concentração. Isto tem a ver com uma tendência que está a acontecer em quase todo o mundo, de restringir o tempo de recreio para ter mais tempo na sala de aula. O que nós concluímos é que o tempo de recreio é absolutamente fundamental para a saúde mental e para a saúde física da criança. O recreio escolar é o último reduto que a criança tem durante a semana para brincar livremente. E, de facto, verificamos esta relação muito clara entre ser ativo no recreio e estar concentrado dentro da sala de aula.

Isto vem ao encontro de algumas investigações que têm sido feitas nos Estados Unidos, que relacionam o ser ativo com o desenvolvimento do cérebro e com o desenvolvimento neurológico. E, de facto, demonstra-se claramente que as crianças mais ativas têm mais capacidade de aprendizagem e mais capacidade de concentração. E têm, a médio e a longo prazo, mais capacidade de terem sucesso, mais autoestima e maior capacidade de autoregulação.

Esta questão dos recreios e do tempo que as crianças têm de passar sentadas na sala de aula está de alguma forma relacionada com o aumento dos diagnósticos de casos de hiperatividade? Muitos destes casos podem ocorrer porque as crianças não despendem a energia física que é suposto despenderem?
Os currículos hoje estão a ser demasiado exigentes quanto ao número de horas em que as crianças têm de estar sentadas. Devemos ter um plano para tornar a sala de aula mais ativa. Acabamos de fazer um programa com o Ministério da Educação, o Fit Escola, que é uma plataforma que tem como objetivo ajudar os pais, os alunos e os professores a tornarem as crianças um pouco mais ativas. E uma das ideias base é esta: se mudássemos a configuração das mesas e das cadeiras da sala de aula — estando as crianças a adquirir conhecimentos fundamentais, mas estando a fazê-lo de forma ativa –, não aprenderiam melhor?

Há aqui um fator muito importante que tem a ver com a maneira como os adultos, professores ou pais, estão neste momento a controlar as energias das crianças. Numa grande parte dos casos essa energia é natural, mas é considerada hoje como doença ou inapropriada. É inaceitável que 220 mil crianças estejam medicadas em Portugal. Isto não pode acontecer. Tem de haver um maior esclarecimento para verificar efetivamente se aquelas crianças merecem ser medicadas porque são de facto hiperativas ou têm défice de atenção. Mas acredito que uma grande parte dessas crianças não necessita de ser medicada.

Há crianças de 11 anos que entram às 8h15 e saem as 13h15 com apenas dois recreios de 15 minutos neste espaço de tempo, em que as aulas são sempre de 90 minutos. Nem um adulto trabalha tanto tempo seguido…
Pois não. Isso é contra natura, não tem a ver com as culturas de infância. Temos de ter um maior equilíbrio entre o que é uma estimulação organizada e uma estimulação ocasional, ou seja, entre o que é tempo livre, tempo de jogo livre, e o que é tempo de organização académica.

Brincar não é perder tempo, no seu entender…
Não. E por uma razão. Todos os estudos têm vindo a demonstrar que na infância, até aos 10/12 anos de idade, é absolutamente essencial brincar para desenvolver a capacidade adaptativa, quer do ponto de vista biológico quer do ponto de vista social. E hoje não é isso que estamos a fazer. Estamos a dar tudo pronto, tudo feito, e não estamos a confrontar as crianças com problemas que elas têm de resolver. Sejam eles confrontos com a natureza – que deixaram de existir – sejam eles confrontos com os outros.

Por exemplo, a luta, a corrida e perseguição, são comportamentos ancestrais que as crianças têm de viver na infância e que são essenciais para o crescimento. A apropriação do território, a noção de lugar, o medir forças de uma forma saudável, o brincar a lutar. Hoje observamos comportamentos na escola, quer por parte dos pais quer por parte dos educadores, que não são corretos. Porque quando veem duas crianças agarradas vão logo separá-las — e elas muitas vezes estão a brincar à luta, e brincar à luta é saudável. É um indicador de vida saudável das crianças. Como correr atrás de alguém, ou ser perseguido. Brincar é civilizar o corpo.

Eu não tenho nada contra os exames, nem contra as metas escolares. Agora, os exames e as metas curriculares não podem impedir que não se faça uma reflexão daquilo que a criança necessita para crescer de forma saudável. E, de facto, esta relação entre tempo sentado e tempo ativo precisa de uma maior reflexão no sistema educativo, sob pena de termos gravíssimos problemas de saúde pública a curto e a médio prazo. Nós vamos pagar muito caro o facto de não termos esse equilíbrio entre estimulação organizada e informal. E quanto mais descemos na infância pior.

Os adultos, tanto pais como educadores, têm também “culpa” nesta matéria?
Não pode haver uma linguagem terrorista, que é própria dos adultos, que impede as crianças de viverem certo tipo de situações de risco. Quer isto dizer que a linguagem e as proibições que vêm das bocas dos adultos, o não sistemático e persecutório, não permitir que as crianças tenham certo tipo de experiências que incluem níveis de risco maiores, só estão a conduzir a um analfabetismo motor e social.

Que tipo de “nãos”?
O “não subas”, o “olha que cais”, “não vás para ali”, “tem cuidado”, “não trepes à árvore”. Impedem as crianças de terem estas experiências, que são próprias da idade. Instalaram-se medos nas cabeças dos adultos. Medos das crianças serem autónomas. Nós nascemos para sermos autónomos e para termos, ao longo do processo de desenvolvimento, maior autonomia e maior independência. Basta ver como é que as crianças hoje vivem a cidade, como as cidades estão preparadas para as crianças. Nós estamos a cometer o erro de querer obter sucessos rapidamente, de querer que as crianças cresçam rapidamente, de que estejam todos incluídos nos rankings, mas estamos pouco preocupados com as suas culturas próprias. Não se está a ver o ator, não se está a ver o aluno. Na escola o que deveria emergir era o aluno e a criança, o que emerge é o professor e a burocracia.

As crianças andam pouco na rua? Têm pouca autonomia?
Dou um exemplo, os percursos escola-casa. Hoje, a maioria das crianças faz estes trajetos de carro, quando há 30 anos o faziam a pé. Hoje, as crianças têm uma vivência do território de forma visual e não de forma corporal. Quer dizer que as aventuras e as brincadeiras, em contacto com a natureza, desapareceram.

As novas tecnologias passaram a ter um lugar privilegiado no quotidiano da criança. Eu não tenho nada contra as novas tecnologias, mas tem de haver bom senso e um critério de saber gerir bem o tempo e o espaço destas novas tecnologias, em relação àquilo que são as necessidades biológicas do corpo.

Mas eventualmente elas vão andar sozinhas na rua… Quando chegar esse dia vão estar menos preparadas?
São crianças menos preparadas, mais imaturas, com maior dificuldade de resolução de problemas, porque têm menos autonomia, têm menos capacidade de resolução de problemas. Num país como este, que passou uma austeridade tão violenta, onde se fala tanto em empreendedorismo, como é que queremos que as nossas crianças sejam empreendedoras se estamos a retirar-lhes todas as possibilidades de elas aprenderem a fazer isso?

A construção de uma cultura empreendedora faz-se quando se dão possibilidades para que a criança possa brincar. Se nós retiramos aquilo que é a identidade da criança, que é brincar de forma livre, com um nível de margem de risco muito superior àquela que os adultos têm, elas com certeza que não vão ter condições de serem verdadeiramente autónomas nem de terem uma socialização suficientemente matura. Há uma relação muito grande entre a qualidade e a quantidade do brincar na infância e na adolescência e a passagem para a vida adulta.

Como assim?
Digamos que um corpo que não é feliz na infância é um um corpo que vai pagar muito caro no futuro. Se olharmos para outras culturas de infância — nos países que estão em desenvolvimento e nos países pobres — podemos ver que pode haver fome e problemas de sobrevivência extrema, pode haver até violência extrema, mas as crianças têm alguma liberdade de ação e têm muitas vezes uma capacidade de resolução de problemas, de resiliência, muito interessantes. Coisa que não acontece nos países muito desenvolvidos, onde há uma superproteção às crianças.

Fizemos um estudo recente aqui na Faculdade de Motricidade Humana sobre a independência e a mobilidade da criança. Em 16 países Portugal aparece em décimo lugar. Temos um índice de mobilidade muito abaixo dos países do norte da Europa. Quer isto dizer que o nível de autonomia e de independência de mobilidade está a ser um problema muito sério nas culturas de infância do nosso país. Um país que tem um território muito apropriado para que as crianças possam viver o espaço exterior. Temos um bom clima, um nível de segurança que é dos melhores da Europa, temos uma natureza e uma cultura interessantíssimas e estamos a desperdiçar essa possibilidade. As crianças já não contactam com a natureza, já não saem à rua, desapareceram e muitas vezes, o tempo que restava à criança para poder fazer isto tudo está restringido.

Falando agora dos mais pequeninos, das crianças a partir dos 3 anos. O que tem observado em relação à motricidade destas crianças?
Temos hoje crianças de 3 anos que ao fim de dez minutos de brincadeira livre dizem que estão cansadas, temos crianças de 5 e 6 anos que não sabem saltar ao pé-coxinho. Temos crianças com 7 anos que não sabem saltar à corda, temos crianças de 8 anos que não sabem atar os sapatos. As coisas mais elementares, quer do ponto de vista motor, quer do ponto de vista de motricidade grosseira, quer da motricidade fina, tiveram um atraso significativo. Claro que há exceções, claro que há crianças notáveis na sua apreensão e na sua coordenação motora global, mas se observarmos estatisticamente crianças do nosso tempo e crianças de há 30 anos, há uma diferença muito substancial.

Mas o que se pode fazer concretamente?
Se as crianças não brincam é porque os pais também não têm tempo para elas. Temos de fazer um grande plano de salvação nacional no que respeita à formação parental. Os pais têm que ter mais informações e mais formação sobre a importância de a criança ser fisicamente ativa. E livre.

Mas os pais podem pensar: o meu filho anda no ténis, e no futebol e na natação, pratica muito desporto…
Isso não resolve nada. Nem uma boa alimentação, nem exercício físico apenas resolvem o problema da iliteracia motora ou do excesso de gordura. A questão é multifactorial.

Tem de se olhar para a alimentação, com certeza, temos de olhar para a atividade motora e física e lúdica, mas temos de encontrar soluções no espaço construído que facilitem a possibilidade de as crianças virem para o exterior e terem contacto com a natureza e terem tempo para brincar. E por isso tem de haver flexibilidade de horários de trabalho, tem que haver políticas de maior acordo entre o tempo de trabalho da família e da escola, de modo a que haja mais qualidade de vida.

Por isso é importante saber que é tão importante a criança estar no recreio a brincar, como estar dentro da sala de aula. E isto não foi cuidado. Ainda para mais numa altura em que a criança em casa não brinca. E a criança ao pé de casa também não brinca. E não tem condições nem de acessibilidade, nem tempo, para frequentar os espaços de jardins públicos e os espaços de jogo.

Chegámos aos parques infantis. O que existe em Portugal é adequado às crianças?
Noventa por cento dos nossos parques infantis são equipados com sintéticos. Essas empresas, que vendem esses materiais para Portugal, são oriundas de países onde esse material não é vendido. Só vendem em Portugal. Porque os parques infantis em Portugal são escolhidos por catálogo, não são feitos com os atores, que são as crianças, não há projetos educativos para fazer o espaço de jogo, não há participação. Há um dispêndio financeiro enormíssimo do erário público, que não serve para nada. Eu, se tivesse de ter uma estratégia para os espaços de jogo para crianças em Portugal, começava por desequipar tudo. E montava tudo de novo.

Como é que deviam ser esses parques infantis?
Deviam ter uma lógica participativa da comunidade e dar mais soluções “selvagens” do que dinâmicas pré-formatadas, quer nos equipamentos quer nos espaços. O tartan é mais perigoso do que as aparas de madeira, ou a brita ou a relva. A qualidade do envolvimento tem sempre a ver com as possibilidades de ação das crianças. E quanto melhor essa qualidade, em termos de risco e de valor lúdico, melhor será a capacidade de resposta das crianças a uma estimulação que as faz crescer, que as torna mais autónomas.

Mas se calhar os pais quando ouvem falar de risco ficam assustados…
As crianças têm uma grande capacidade de autocontrolo.

Os pais têm de perder o medo?
É claro que esse é um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento motor, ao desenvolvimento percetivo, ao desenvolvimento da atividade lúdica: o comportamento dos pais. A Academia Norte-Americana de Pediatria fez um apelo a todos os pediatras para que, nas consultas com os pais, os convidassem a brincar mais com os filhos e a saírem mais à rua. Isto é, brincar mais em casa e “go out and play”.

Se a Organização Mundial de Saúde considerar que o sedentarismo é uma doença, temos um problema mais sério que a obesidade. Temos de ter um plano de emergência para que as crianças tenham o que merecem em determinada idade. E a maneira como se está a fazer este controlo das energias, a falta de tempo que os pais têm, os medos que se instalaram na cabeça dos pais e a forma como o planeamento urbano é feito, significa que temos aqui todos os condimentos para termos uma infância que está a crescer com problemas muito complicados, do ponto de vista do conhecimento e do uso do seu corpo.

As crianças que vivem nos meios menos urbanos ainda são privilegiadas no que diz respeito à independência e à autonomia?
Ainda estávamos convencidos de que haveria alguma diferença, quando analisávamos a questão entre estrato socioeconómico ou relações entre cidade, vila e aldeia. Já tudo mudou. Formatou-se o estilo de vida, independentemente se é cidade ou é aldeia. O ecrã alterou muito significativamente a vida das crianças e dos pais. Passou-se da trotinete ao tablet de uma forma rapidíssima e não há equilíbrio. E o que está em causa neste momento é que nem a atividade desportiva que as crianças fazem em clubes, nem a educação física escolar, nem o desporto escolar — que são muito importantes — são suficientes para acabar com o sedentarismo que existe.

As crianças têm de voltar a ter a possibilidade de terem amigos e de serem mais ativas. E para isso tem de haver políticas muito corajosas para a infância. Os adultos andam de bicicleta, os idosos passeiam na rua, os jovens adolescentes vão tendo soluções, agora as crianças têm de brincar porque é a única alternativa que elas têm. Têm de brincar em casa e os pais têm de brincar com elas, brincar ao pé de casa e os pais têm de dar autonomia, brincar na cidade e tem que haver políticas de planeamento urbano capazes de também oferecerem condições apropriadas aos bebés, às crianças que estão a aprender a andar, às crianças que têm 5, 6, 7, 8 anos. Tem de haver equipamentos e espaços adequados que permitam mais margem de risco, mais margem de perigo. Há uma relação muito direta entre risco e segurança. Quanto mais risco, mais segurança e quanto mais risco, menos acidentes. Enquanto isto não for visto nesta perspetiva, vamos ter mais acidentes, porque há menos risco e por isso há menos segurança.

Pode exemplificar?
O exemplo é simples, eu costumo dá-lo de uma forma muito regular. As crianças têm de subir mais às árvores e os pais não têm de ter medo por isso. Porque hoje as crianças sobem, mas já não descem. O medo que se instalou na cabeça dos pais transmite-se muito facilmente para as crianças. Um pai inseguro faz do seu próprio filho uma criança insegura, vulnerável, que tem medo de arriscar.

Há 30, 40 anos, era perfeitamente natural vermos duas crianças a brincar à luta. Hoje, parece que é um crime brincar à luta, parece que é um crime brincar aos polícias e ladrões, parece que é um crime fazer uma descoberta, ou saltar um muro, ou fazer equilíbrio em cima de um muro. Instalou-se um medo quase que sobrenatural, de haver perigos de morte de rapto de violação. Há um exagero na maneira como se instalaram essas dinâmicas psicológicas nos adultos. Temos de combater isso.

Se um dia houver esse confronto com o risco as crianças vão estar menos preparadas para reagir?
Exatamente. E para se prepararem e para se adaptarem e para serem empreendedoras. Ouvimos todos os políticos a falarem que Portugal precisa de empreendedores. A nossa cultura foi desde sempre uma cultura lúdica, de procurar o desconhecido, de procurar o incerto, o imprevisível. A cultura portuguesa, na sua história, é sinónimo de aventura. E esse bem precioso que tínhamos na nossa cultura está em desaparecimento, o que eu lamento muito. E se esse erro trágico se faz na infância, ele é um duplo erro. Não só para o empreendedorismo, mas para a saúde pública, para a capacidade de aprendizagem escolar, para a capacidade de harmonia familiar, no fundo para ter uma vida feliz e com qualidade.

Que conselho dá aos pais das crianças em Portugal?
Os pais têm de abrir as suas cabeças, libertar os seus medos, darem mais oportunidades às crianças para elas terem uma vida mais saudável, mais ativa, com uma exploração do espaço natural e do espaço construído que faça mais sentido.

Com que idade uma criança deveria ou poderia estar habilitada a ir de casa para a escola a pé?
A partir da segunda fase do primeiro ciclo, do terceiro ano, as crianças já têm condições psicológicas, físicas e sociais para poderem ir a pé para a escola. Há crianças que vivem a cem metros da escola e vão de carro. Há pais que vão levar a criança com 8 anos, muitas vezes, ao colo, ao professor na sala de aula. Não há praticamente autonomia.

Como se pode admitir que haja crianças que durante um dia não fazem um esforço correspondente a uma hora de trabalho? Esse sedentarismo tem consequências nefastas a todos os níveis. A verdadeira troika que precisa de ser reabilitada é a relação entre a qualidade de vida da família, a qualidade de vida da criança e o território. Estas três componentes têm de ser articuladas. Porque não flexibilizamos os horários de trabalho?

Eu, na Austrália, vejo pais que começam a trabalhar às oito da manhã e saem às quatro da tarde, em jornada contínua. E depois vai tudo para os parques, tudo vai brincar e jogar, com uma cultura recreativa fantástica. Mas não é só a Austrália. Nos países nórdicos, que têm um clima muito mais austero, as crianças andam na rua faça chuva faça sol, faça neve. Em Portugal, cai um pingo e a criança é posta numa estrutura interior. Vou repetir: temos de aprender e ensinar as nossas crianças a serem capazes de lutar contra a adversidade e nós temos uma cultura ultra protetora, superprotetora.

E essa cultura vai colocá-los em risco.
Em risco. A cultura superprotetora põe as crianças em risco. O nível de maturidade cognitiva vai evoluindo, e à medida que vai evoluindo – e por isso a criança aos 7 anos tem capacidade de aprender a ler, a escrever e a contar, que são linguagens abstratas – ela tem de brincar muito.

A ciência demonstra que, no ciclo da vida humana, o pico maior, onde há mais dispêndio de energia, é entre os cinco e os oito anos. Temos de ter muito respeito por isso. Não podemos confundir tudo e achar que essas energias são anormais. São naturais e por isso temos de olhar para as energias das crianças como energias naturais e não patológicas. Há cinco, seis anos, falava num crescimento atroz de crianças “totós” e eu acho que hoje em dia esse grau de imaturidade está a atingir níveis com proporções inacreditáveis. Porque as crianças estão mesmo vulneráveis e imaturas, porque nunca foram colocadas perante nenhum risco que as fizesse crescer.

Podemos ter muito amor aos nossos filhos, muita amizade pelos nossos filhos, mas o melhor amor que podemos ter por eles é dar-lhes autonomia. Eu aprendi isto com um grande mestre, João dos Santos, o maior pedopsiquiatra português. E ele ensinou-me, há muitos anos, que educar é um vai e vem entre dar proximidade para dar segurança e dar distanciamento para dar autonomia. Quando eu tenho uma criança que tem condições para ter autonomia, eu devo dar-lhe autonomia. Quando ela tiver necessidade de ter proximidade, eu dou-lhe afeto. E o que está a acontecer é que nós, adultos, estamos a criar uma patologia obsessiva de querer proteger tanto os nossos filhos e ao mesmo tempo criar-lhes uma exigência de que sejam génios. Isto é um paradoxo e é uma contradição absoluta. Eu não consigo entender como é possível termos chegado a isto.

Fonte: Observador por indicação de Livresco

sábado, 25 de julho de 2015

Alguns efeitos da Portaria n.º 210-C/2015

O documento "Lançamento do Ano Letivo 2015/2016" (LAL) apresenta algumas indicações relativas à aplicação da recente Portaria n.º 210-C/2015 destinada aos alunos com necessidades educativas especiais com 15 ou mais anos qe beneficiem da medida educativa de currículo específico individual (CEI).

Assim, o CEI é uma medida educativa que pressupõe alterações significativas no currículo comum, podendo as mesmas traduzir-se na introdução, substituição e ou eliminação de objetivos e conteúdos, em função do nível de funcionalidade da criança ou do jovem, atendendo ao previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, na sua redação atual.

O CEI pode ser implementado ao longo do percurso educativo do aluno, dentro da escolaridade obrigatória. Atendendo ao estipulado no artigo 5.º da Portaria n.º 210-C/2015, de 10 de julho, que regula o ensino de alunos com 15 ou mais anos de idade, em processo de transição para a vida pós-escolar, três anos antes da idade limite da escolaridade obrigatória, o CEI inclui obrigatoriamente um Plano Individual de transição (PIT). 

O PIT é um conjunto coordenado e interligado de atividades delineadas para cada aluno, visando garantir a oportunidade, o acesso e o apoio à transição da escola para as atividades pós-escolares, e deve ser elaborado em colaboração com os pais ou encarregados de educação e representantes das organizações da comunidade que vão ser implicados na vida e no percurso do aluno. 

A Portaria n.º 210-C/2015, de 10 de julho, apresenta a matriz curricular orientadora para os alunos com CEI, com 15 ou mais anos de idade. As componentes do currículo são a Formação Académica, cujos objetivos são definidos pela Unidade Orgânica [Agrupamento/Escola] tendo por base os currículos nacionais, e as Atividades de Promoção da Capacitação, que incluem conteúdos conducentes à autonomia pessoal e social do aluno, desenvolvendo atividades centradas no contexto de vida, na comunicação e na organização do processo de transição para a vida pós-escolar.

Quanto ao processo de matrícula, os alunos abrangidos pela Portaria n.º 210-C/2015, de 10 de julho, devem frequentar a turma que melhor se adequa às suas necessidades e capacidades, não podendo ser rejeitada a sua inscrição ou matrícula em função da natureza do percurso curricular ou formativo da turma. Este ponto é esclarecedor quanto à possibilidade dos alunos com CEI poderem frequentar qualquer modalidade educativa, como, por exemplo, um curso profissional ou um curso vocacional.


Relativamente à modalidade de avaliação destes alunos, existe um hiato normativo. Numa nota prévia, convém salientar que passam a existir alunos a frequentar o ensino básico ao abrigo da Portaria n.º 210-C/2015, de 10 de julho, devido à conjugação da idade com o nível escolar em que se encontram. Para estes alunos, a avaliação expressa-se numa menção qualitativa de Muito Bom, Bom, Suficiente e Insuficienteacompanhada de uma apreciação descritiva sobre a evolução (cf. n.º 10 do art.º 8.º do Despacho normativo n.º 13/2014).

Por analogia e leitura extensiva e, ainda, pelo facto da Portaria n.º 210-C/2015 poder aplicar-se simultaneamente a alunos que frequentam o ensino básico e o ensino secundário, parece-me de todo pertinente que se aplique aos alunos com CEI no ensino secundário as mesmas determinações que se aplicam aos alunos do ensino básico. Ou seja, a avaliação dos alunos com CEI no ensino secundário deve expressar-se numa menção qualitativa de Muito Bom, Bom, Suficiente e Insuficienteacompanhada de uma apreciação descritiva sobre a evolução.