(...) As tabelas disponíveis são de 2012, mas marcam uma tendência de aumento da pobreza que vai manter-se até hoje, ao contrário do que garantiu o primeiro-ministro, já este ano, no Parlamento, de que os níveis de pobreza começavam a estabilizar. Quem o diz é Sérgio Aires, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza Europa e director do Observatório de Luta contra a Pobreza de Lisboa.
Essa garantia dada pelo chefe do Governo não convence quem trabalha no terreno esta realidade, enfatiza. Para essas pessoas, “estes números [publicados esta quinta-feira] também não são nenhuma novidade”. Porém são “assustadores”, no sentido em que revelam “o quão estrutural é o problema da pobreza”. E comprovam uma coisa: “O futuro não é luminoso. Quando olhamos para as crianças, pensamos na sociedade que vamos ter daqui para a frente.” São elas as mais expostas.
Em Portugal, em 2012, o risco de pobreza passou a atingir 24,4% das crianças, quando essa proporção era de 21,8% em 2011. Na população total aumentou de 17,9% em 2011 para 18,7% em 2012.
Em sintonia com estes valores, também os relativos à pobreza consistente (que indica quem está simultaneamente em risco de pobreza e em situação de privação material) afetou uma proporção maior de crianças e jovens até aos 18 anos. Em 2013, atingia 15% das crianças e 10,4% da população total. Nesse mesmo ano, uma proporção maior de crianças (29,9%) relativamente à da população total (25%) estava em privação material.
Numa primeira leitura da evolução dos indicadores relativos à pobreza infantil, a professora universitária Maria João Valente Rosa, diretora da Pordata – a base de dados sobre Portugal contemporâneo, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos – lança uma explicação possível para o agravamento da situação das crianças: a diminuição dos apoios às crianças e às famílias, com as reduções das transferências sociais, que tem vindo a registar-se nestes anos de crise. “É uma questão a levantar”, sublinha. Até porque os casais com três ou mais filhos e as famílias monoparentais são os dois grupos mais vulneráveis”, ainda de acordo com as estatísticas relativas a 2012 publicadas esta quinta-feira. “As transferências sociais têm sofrido uma redução muito acentuada. E são muito importantes para aligeirar as situações de risco de pobreza”, salienta a professora universitária. Se não existissem, a taxa de pobreza em Portugal rondaria os 45,4%, quando atualmente ronda os 18%. “Se o Estado não existisse, cerca de metade da população seria pobre” de acordo com estes parâmetros de medição.
No mesmo sentido, para Sérgio Aires, “os números representam um retrocesso enorme no combate à pobreza” e não apenas em Portugal mas em muitos países europeus, sobretudo a Leste. “Perante estes dados, o desafio que está em cima da mesa para os governantes é alterar esta situação do ponto de vista político. A prioridade dos Estados-membros deveria ser ultrapassar esta situação”, sustenta, sobretudo olhando para a evolução recente. As pessoas que vivem num destes três cenários – em risco de pobreza ou em situação de privação material severa ou em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida – constituem o universo das população em risco de pobreza ou exclusão social. Essas características atingiam 25,3% da população em 2010 e em 2012; passaram a atingir 27,4% da população em 2013.
Em Portugal, a insuficiência de recursos da população em risco de pobreza, igualmente referida como taxa de intensidade da pobreza, também aumentou entre a população em geral, e ainda de forma mais visível entre a população infantil. Além disso, registou-se um agravamento considerável do afastamento desses valores em Portugal e dos registados, em média, na União Europeia.
Baixa qualificação escolar
Mas mais do que isto, Maria João Valente Rosa propõe um olhar atento sobre a extrema vulnerabilidade em que fica uma pessoa com baixa qualificação escolar. E considera que com isto, e quando o debate é sobre as apostas na educação, fica provado que “a escolaridade tem retorno do ponto de vista financeiro”. O aumento da escolaridade “pode ser uma boa protecção relativamente ao risco de pobreza”, sublinha a professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Segundo os dados do INE, “o risco de pobreza diminuiu com o aumento do nível de escolaridade completado pelos pais”. Ou seja: era de pouco mais de 4% para filhos de pais com habilitações académicas de nível superior, de pouco mais de 14% para crianças cujos pais concluíram o secundário ou pós-secundário. E finalmente, esse risco disparava para 37,5% no universo de crianças com pais que não tinham completado pelo menos o secundário.
Esta evolução mostra como “a questão da educação é importante”, reforça Maria João Valente Rosa, mas também ajuda a destapar uma realidade e a retirar dela uma ilação: “Se não é o Estado a dar proteção, tem que ser o indivíduo a encontrar alternativas para sair do ciclo de pobreza”.
In: Público
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