Convinha que a desresponsabilização na política portuguesa não chegasse a este triste ponto: desde que um ministro não seja apanhado a fazer corninhos no Parlamento ou a contar piadas sobre hemofílicos de Évora, ele pode espalhar a sua infinita incompetência por ministérios e secretarias de Estado sem que nada lhe aconteça. Ora, após o homérico desastre que está a ser o início do atual ano letivo, por culpa exclusiva dos serviços do ministério da Educação, somos obrigados a perguntar que mais é preciso acontecer para que Nuno Crato se decida a apresentar o seu pedido de demissão.
Crato ficou em tempos conhecido por um colorido comentário que envolvia a implosão do ministério da Educação, e não se pode dizer que estivesse sozinho nesse desejo. O ministério da 5 de Outubro é um monstro burocrático que engole tudo à sua volta, e cujas preocupações acerca da gestão do exército docente suplantam em muito as preocupações com a qualidade de ensino dos alunos que é suposto servir. Mas por mais que nos unamos a Crato na sua vontade de implosão, a verdade é que em 2014 ele colocou a dinamite no local errado: em vez de implodir o ministério, explodiu com o ano letivo.
Há muitos anos que não se via nada assim, e qualquer cidadão deve questionar-se para que serve um ministério com milhares de funcionários se ele não é sequer capaz de executar a mais básica tarefa para que foi criado: começar as aulas a tempo e horas e atribuir a cada aluno os professores a que ele tem direito. As listas de colocação de professores saíram apenas a 9 de setembro, o que fez com que no começo das aulas milhares de alunos estivessem sem docentes. E nas escolas de ensino artístico a tragédia é completa, com instituições, como os Conservatórios, a garantirem que só em meados de outubro a situação deverá estar normalizada – um mês após a data fixada para início do ano letivo.
Quando se tenta encontrar uma explicação para esta situação, há quem balance entre a incompetência fortuita e a incompetência intencional. Ou seja, uns acham que Nuno Crato pura e simplesmente não sabe o que anda a fazer, outros acham que Nuno Crato sabe o que anda a fazer bem de mais. Tradução: o ministério da Educação estaria a aproveitar estes atrasos inconcebíveis para poupar uns milhões em ordenados de professores. Seja qual for a opção, ela mais do que justificaria que Crato arrumasse os tarecos – e quando se junta a isso o desastre matemático na ordenação dos professores das bolsas de contratação de escola, e as mentiras que o ministro da Educação andou a espalhar pelo Parlamento, só mesmo a narcolepsia de Pedro Passos Coelho pode justificar a permanência de Crato na 5 de Outubro.
Depois de o ministro ter andado 15 dias a assobiar para o ar fingindo não ver um erro matemático básico na ordenação das listas, ele ainda foi para a Assembleia da República jurar que “os professores colocados mantêm-se”, que “eventuais duplicações serão analisadas caso a caso”, que “os alunos não serão prejudicados”. Tudo mentiras, como se viu: as listas anteriores foram simplesmente anuladas e centenas de professores foram descartados após três semanas a dar aulas. Após a asneira ter sido feita, nunca haveria boas soluções para o problema. Mas a cabeça de diretor-geral de administração escolar é demasiado pequena para ser a única a rolar. Nuno Crato deve ser devidamente responsabilizado – é inadmissível ter um governo que exige tanto aos portugueses e tão pouco a si próprio.
João Miguel Tavares
In: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário