terça-feira, 30 de junho de 2015

ESTRATÉGIAS E MODELOS DE AVALIAÇÃO UTILIZADOS PELOS CENTROS DE RECURSOS TIC NO ACONSELHAMENTO DE PRODUTOS DE APOIO PARA ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS

Em 2007, o Ministério da Educação criou uma rede de 25 Centros de Recursos TIC para a Educação Especial (CRTIC). Estes centros, entre outras missões,são responsáveis pela avaliação de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) tendo em vista a implementação dos produtos de apoio (PA)na intervenção educativa junto dos mesmos. É neste contexto que surge o estudo cujos principais resultados apresentamos neste artigo e que teve por finalidade compreender as práticas atualmente em curso nos CRTIC,nomeadamente no que respeita às estratégias e aos modelos aplicados nas avaliações dos alunos com NEE, para efeitos de aconselhamento de PA. O estudo realizado assentou num paradigma plurimetodológico, tendo-se analisado dados obtidos através da aplicação de um inquérito por questionário à totalidade dos centros, bem como os seus relatórios de atividade e alguns inquéritos por entrevista. Sustentada pelas práticas descritas e analisadas,conceptualizámos e prototipámos uma proposta de uma plataforma de apoio,designada por "Rede NEE", que contempla estratégias que poderão facilitar a monitorização dos produtos de apoio atribuídos.


Artigo da autoria de Simone da Fonte Ferreira e Ana Margarida Almeida, publicado na Revista Portuguesa de Educação (ISSN 0871-9187), uma publicação semestral do Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação da Universidade do Minho.

O artigo pode ser consultado aqui.

Designação de docentes para a função de professor bibliotecário

A Portaria n.º 192-A/2015 estabelece: 

a) As regras de designação de docentes para a função de professor bibliotecário nos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas, assim como o modo de designação de docentes que constituem a equipa da biblioteca escolar; 

b) As regras concursais aplicáveis às situações em que se verifique a inexistência, no agrupamento de escolas e escolas não agrupadas, de docentes a serem designados para as funções de professor bibliotecário; 

c) As regras de designação de docentes para a função de coordenador interconcelhio para as bibliotecas escolares.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Emprego na deficiência: Todos somos válidos

Apenas 10 por cento dos cidadãos com deficiência, inscritos no centro de emprego, conseguem arranjar trabalho. (...) Filomena, João e Luís: exemplos raros de trabalhadores na realidade desadaptada que é Portugal.


Pessoal não docente também é gente

É verdade que a vida das escolas é dada pelos alunos e pelos professores, duas componentes essenciais; mas não é menos verdade que o pessoal não docente (assistentes técnicos e operacionais, técnicos, psicólogos…) é uma peça muito importante na engrenagem educativa.

A aposta em dotar as escolas destes excelentes profissionais deve merecer a atenção dos nossos governantes, tendo em vista o próximo ano letivo.

A Presidência do Conselho de Ministros e ministérios das Finanças e da Educação e Ciência fizeram publicar a Portaria n.º 29/2015, de 12 de fevereiro, que pouco mais fez que atualizar a “terminologia das categorias profissionais dos trabalhadores a quem se destina a presente portaria e que integram, na organização educativa, o corpo de pessoal não docente.” Não resolveu o problema da falta de funcionários nas escolas e da sua qualidade, nem o constrangimento que é a sua proveniência dos centros de emprego…

Contudo, julga o governo que dotar os recreios escolares de militares das Forças Armadas na reserva, para vigiar os recreios, soluciona a questão da segurança no seu interior. Resolve, eventualmente, outra do ministério da Defesa, mas criará enorme imbróglio a estes militares e às escolas.

Em primeiro lugar, porque se trata de uma medida avulsa, desgarrada, nascida do nada; os diretores nunca pediram nem viram necessidade em contar com o apoio destes profissionais, mais-valia em outras situações de caráter social e humanitário, por exemplo; em segundo lugar, porque são profissionais habituados a lidar em contextos muito diferentes dos escolares, compostos por um público com quem não tratam habitualmente (faria sentido submetê-los a formação nesta fase da sua vida? não ficaria mais caro ao Estado?); por último, desempenhariam funções equivalentes às de assistente operacional (nome técnico dado aos antigos “contínuos”), passando a existir uma confusão contratual destes profissionais.

Percebe-se que esta medida, destinada a reagir a algum problema existente noutra área do governo que não o da Educação, tenta querer fazer esquecer a real necessidade com que lutam as escolas: falta de AO, tanto em termos quantitativos como qualificativos. Atualmente as escolas têm cada vez menos destes profissionais, não só necessários para vigilância/acompanhamento de alunos nos recreios, como para os mais variados setores que os atuais estabelecimentos de ensino apresentam. São os desempregados provenientes dos institutos de emprego e formação profissional, através de contratos de emprego inserção, que ajudam a colmatar esta lacuna, merecedora da atenção de todos nós e, também, de quem decide.

Espanta-me que a tutela não se debruce sobre este importante assunto (em qualquer área, e não só na Educação), para se aperceber de que ficaria mais barato abrir concurso para estes profissionais, colocando na escola funcionários de carreira em qualidade e quantidade, do que estar a pagar o subsídio de desemprego (valor variável, pois depende do vencimento que auferiram no passado), a bolsa, os subsídios de transporte e alimentação (cerca de 170 euros mês), seguro… Os AO pouco mais ganham do que o salário mínimo nacional, infelizmente. Porque não fazem as contas?

A luta dos sindicatos afetos a estes profissionais também não os valoriza muito, pois quase passa despercebida, tal como o desprezo com que são tratados superiormente, em termos de carreira, julgando-os menores. Aquando das greves, muitas escolas fecham mais facilmente por causa da adesão dos AO, do que dos professores. Embora em patamares diferentes, devem ser olhados com a mesma dignidade de todos os que trabalham numa instituição educativa.

O ministério da Defesa que trate dos seus assuntos sem recorrer a estratégias de outras áreas de governo aplicando programas nunca desejados, já agora, se quer bem à Educação, peça ao ministério das Finanças que cuide melhor das escolas ajudando a dotá-las de efetivos técnicos da educação de que os AO, os psicólogos e outros são exemplo. O sucesso e a diminuição do abandono escolar passam, também, por eles.

Filinto Lima

Professor/Director

Fonte: Público

domingo, 28 de junho de 2015

O bom aluno

A primeira tarefa do dia não é a mais óbvia. A ordem é para desarrumar a sala de aula, arrastar as carteiras para junto das paredes e dos armários e deixar espaço livre ao meio para que os alunos possam sentar-se ou deitar-se no chão, a escolha é deles, e escreverem em pequenas folhas de papel todas as palavras que associam ao mar. “Podia mandá-los um a um ao quadro, escrever e apontar, mas assim é mais dinâmico”, explica a professora do 3º ano. Dispostos em círculo, os 19 alunos, de meias ou apenas de crocs nos pés, vão escrevendo as palavras, para a seguir as agruparem em nomes, adjetivos, verbos. 

Da sala de aula para a sala dos professores, é um curto caminho feito por um corredor silencioso. Lá dentro, está apenas o diretor, 43 anos, ténis All Star vermelhos e camisa de xadrez por fora das calças. Chegou há um ano à escola, frequentada por 200 alunos. Oferece o café possível, explicando que “café bom numa sala de professores é algo que não existe”. E fala dos planos que tem para o próximo ano letivo, quando o novo currículo nacional do ensino básico entrar em vigor e todas as escolas terão de dedicar parte do tempo, pode ser um período ou um ano inteiro, a ensinar de uma nova maneira. 

Nesse tempo, não haverá uma hora para aprender Matemática, outra para a língua, outra para Ciências da Natureza. Os conhecimentos serão passados e trabalhados de forma integrada. E os estudantes trabalharão em grupo, em projetos que terão de envolver vários professores. “Caberá a eles — docentes e também alunos, determinam as orientações — decidir que fenómeno ou tópico vão trabalhar”, explica. E atira um exemplo. “Chocolate. Há um mundo inteiro dentro de uma barra de chocolate e inúmeras coisas que podem ser estudadas. A produção, os transportes, o marketing, a educação para a saúde.” 

Na sala do 3º ano, há já alguns anos que o método é experimentado pela professora. Na altura de aprender o espaço e as medidas, os alunos trocaram os manuais e cadernos de exercícios por réguas e foram para fora medir o recreio. Traçaram marcas e lançaram frisbees e bolas para ver quem atirava mais longe. “É uma forma de combinar a Educação Física com a Matemática.” Às quintas-feiras cozinhavam cupcakes, aprendiam vocabulário novo e treinavam conversões, de quilos para gramas, de quartos de litro para mililitros.“É assim que se deve aprender, porque é assim na vida real”, defende a professora. 

São os últimos dias de mais um ano letivo e nas escolas não se sente ansiedade, stresse ou nervosismo. Os alunos não têm de se preocupar em estudar para os exames nacionais, porque não os há, pelo menos até chegarem ao final do liceu. Os professores não estão preocupados com escalas de vigilância e assoberbados em correções de testes. Dentro de pouco tempo, começarão a gozar a primeira de 16 semanas de férias. E o ano nem sequer foi particularmente duro nem para uns nem para outros, já que, dizem as estatísticas, são dos que menos tempo passam em aulas em toda a Europa. 

No final, pasme-se, os resultados acabam por ser muito positivos. Tão positivos que há anos que geram a admiração e uma ponta de inveja dos outros países, alguns bem mais ricos e poderosos. 

Por estas linhas, o leitor já se deve ter apercebido que esta não é uma reportagem sobre o sistema educativo português. Mas também não é uma ficção. Está a quilómetros de ambos. Esta história passa-se num país a 3500 km de distância de Lisboa, com 5,5 milhões de habitantes, sem ouro nem petróleo, e que em três décadas conseguiu passar de uma economia essencialmente rural para um país tecnologicamente avançado e uma referência na área da Educação. A tal ponto que gerou uma espécie de turismo educativo, com delegações internacionais e jornalistas — o Expresso fê-lo agora — a visitarem o país. Por isso, seja bem-vindo à Finlândia. Escolha uma cadeira. A aula vai começar. 

Lição nº 1: ninguém é melhor do que o outro 
As perguntas no enunciado são simples. Como é que os finlandeses fazem? A que se deve o sucesso dos alunos que, ano após ano, se destacam nos resultados dos testes internacionais? As respostas também. O problema é, digamos, copiá-las. Agora que surgiram notícias sobre a próxima grande reforma que o país está a preparar — a Finlândia vai acabar com o ensino por disciplinas, chegaram a escrever alguns jornais estrangeiros —, o mundo inteiro voltou a olhar para o Norte da Europa. Já lá vamos. Porque a história do milagre finlandês começa antes, nos anos 70, quando o país decidiu que devia apostar tudo na Educação. Foi ponto assente então e continua a sê-lo desde então. 

Esta é a primeira lição: a Educação não é arma de arremesso político nem objeto de guerras partidárias. Depois de dez anos em vigor, os novos currículos nacionais para o básico e o secundário foram alvo de discussão e de debate entre autoridades centrais e locais, escolas, professores e especialistas, aprovados pelo anterior Governo, para serem aplicados em 2016 já pelo novo executivo de centro-direita, que resultou das eleições do passado mês de abril. 

“Nós não somos ricos, não tempos petróleo. Os finlandeses acreditam que a Educação é a única forma de subir na vida. Tem sido essa a ferramenta para terem uma vida melhor e por isso é tão valorizada”, explica Pasi Silander, responsável pelo projeto E-Campus para a cidade de Helsínquia e que prevê, além da digitalização do ensino nas secundárias da capital, o desenvolvimento da aprendizagem por fenómenos em alternativa ao modelo clássico por disciplinas individuais. O modelo está já a ser testado em todos as escolas de Helsínquia que, pelo segundo ano, tiveram de definir o ensino dado no 5º período (o último antes das férias) segundo esta orientação. 

“Também ajuda o facto de a sociedade ser muito homogénea, de as pessoas serem parecidas” e de partilharem uma convicção: todas as pessoas são iguais, devem ser tratadas da mesma forma e ter direito às mesmas oportunidades, independentemente da origem étnica, riqueza ou local onde vivem. 

Equidade e igualdade são pois marcas impressas no ADN do sistema educativo finlandês. E são levadas a um ponto tal que há quem critique a escola por se preocupar muito com quem está a ficar para trás e pouco com quem é capaz de ir mais além. Os testes internacionais do PISA (a maior avaliação realizada na área da educação, conduzida trianualmente pela OCDE e que catapultou a educação finlandesa para o top mundial) mostram precisamente que há pouca variação de resultados entre alunos e entre escolas. E que a Finlândia é um dos países onde os resultados dos alunos de 15 anos menos dependem das condições socioeconómicas das famílias. 

Não havendo fórmulas matemáticas que o demonstrem, é possível atirar hipóteses plausíveis. Como o facto de todas as escolas públicas, e quase todas o são na Finlândia, terem equipas de assistência ao estudante. É uma espécie de força de intervenção, que atua aos primeiros sinais de alarme, composta pelo diretor, um enfermeiro, um psicólogo, um assistente social, um orientador escolar e um professor do ensino especial. Nem todos os estabelecimentos do país têm uma equipa tão completa, mas todos os alunos têm direito a encontrar-se com estes especialistas numa base semanal. 

As equipas de assistência ao estudante reúnem-se para discutir e identificar possíveis problemas com os alunos, sejam eles de comportamento, dificuldades de aprendizagem, suspeitas de bullying, etc, e decidir a melhor forma de os resolver. A ideia é simples: dar todo o apoio adicional que for preciso, antes que o problema se torne maior. E diga-se que não estamos a falar de uma pequena equipa para uma imensidão de alunos. Aqui, não há mega-agrupamentos como em Portugal, já que o número médio de estudantes por estabelecimento de ensino secundário, por exemplo, é de 250. A estratégia parece resultar. Não é verdade que não há chumbos na Finlândia. Mas também não é mentira que isso só aconteceu a 3,8% dos alunos de 15 anos, de acordo com a última edição do PISA, de 2012. 

Este é um dos contrastes mais evidentes quando se põe em paralelo o sistema de ensino português. À mesma pergunta — alguma vez chumbou no seu percurso escolar até ao momento? — não foram 3,8% mas 34,3% os alunos a dizerem que sim. A média na OCDE ronda os 12%. 

Perguntemos, então, a um português residente em Helsínquia, com quatro filhos no sistema de ensino, o que valoriza mais na Educação daquele país: “A qualidade e o facto de se preocuparem com os alunos. Há um endereço de e-mail para os pais e escolas comunicarem. Têm um psicólogo. Se um miúdo precisar de um tratamento dentário é garantido”, exemplifica André Capitão. “E também há a noção de que as crianças precisam de tempo para brincarem e que não têm de começar logo a aprender a ler e a escrever.” Na verdade, o 1º ano da escola começa na Finlândia aos sete e o chamado pré-escolar aos seis. 

Se os recursos são invejáveis, os custos não o são menos. Todo o ensino, desde o pré-escolar até ao universitário, é gratuito, incluindo as refeições. Durante a escolaridade obrigatória (que é apenas de nove anos, apesar de a maioria dos jovens continuar a estudar, e não de 12 como em Portugal) os pais também não têm de pagar nem transportes nem os manuais escolares. 

Por esta altura, o leitor poderá pensar que a Finlândia gastará rios de dinheiro para suportar um sistema destes. Mas o que os números mostram (relativos a 2011) é que há países a gastar bastante mais, como é o caso dos Estados Unidos ou da Suécia, e que têm apresentado piores resultados nos testes internacionais. Fazendo a comparação com Portugal, se um aluno da primária custa 8 mil dólares por ano na Finlândia, por cá o Estado despende 5800, lê-se no último relatório Education at a Glance (os valores estão já ajustados ao poder de comprar em cada país para tornar a comparação mais realista). Mas no caso do secundário, a diferença é bem menor (9800 dólares contra 8700). Na verdade, os valores não se afastam das médias da OCDE e da União Europeia, o que levanta a questão da eficácia com que o dinheiro é usado. 

Professor: uma carreira concorrida e prestigiada 
Saiamos da escola primária de Kotinummi, nos arredores de Helsínquia, e entremos numa outra sala de aula, na secundária de Kallio, agora no centro da capital. Não há toque de entrada e à hora marcada para o início da aula já se veem os alunos a trabalhar em grupos, todos virados para os computadores onde fazem os seus trabalhos. O ambiente é o mais informal que se possa imaginar. Há bonés na cabeça, telemóveis na mão e Niina Vänttä, a professora de Ciências Sociais que se apresenta sem manuais nem livros de ponto, mas apenas com um portátil debaixo de braço e que todos os estudantes tratam pelo nome próprio — o que se repete, aliás, de escola para escola. 

Falta de consideração? Muito longe disso. Os alunos são os primeiros a reconhecer: “Os professores aqui são vistos como superautoridades, que todos respeitam. Se dizem para nos calarmos, nós calamo-nos. Claro que há uns melhores do que outros, mas todos estão muito bem preparados e ajudam-nos”, descreve Anna Tavaila, 19 anos. 

À qualidade dos professores, Anna e as colegas de grupo somam outras razões que levaram o país a distinguir-se na Educação. “O ensino secundário não é obrigatório e todos estamos aqui porque queremos aprender. Os nossos pais e os nossos professores sempre nos disseram como a Educação é importante. Somos um país pequeno, mas que conseguiu resultados. Que tem orgulho na sua Educação e que quer mostrar isso ao mundo.” 

No seu caso particular e de todos os finalistas do secundário há uma motivação adicional. Pela primeira vez vão fazer exames nacionais. Para concluir o 12º ano e que também serão tidos em conta na admissão ao ensino superior. 

Se quiserem estudar para ser professores, por exemplo, sabem, que a competição é feroz. Ao contrário do que acontece por essa Europa fora, ser-se professor na Finlândia é altamente popular entre os jovens: o número de candidatos aos cursos de formação de professores tem aumentado nos últimos anos e apenas 10% dos que querem dar aulas no ensino básico conseguem entrar numa das oito universidades que têm estes cursos. Se em Portugal é difícil ser-se médico, na Finlândia, é difícil ser-se professor. 

“É uma carreira prestigiada. Temos boas condições, bastantes férias e temos muita autonomia no nosso trabalho. Fazemos o nosso planeamento e definimos os nossos métodos de ensino”, explica Niina Vänttä. 

Fique ainda a saber que um professor generalista do ensino básico (do 1º ao 6º ano há normalmente um docente e entre o 7º e o 9º é que estão divididos por disciplinas), ganhava em 2013 quase quatro mil euros. Um colega do secundário (10º ao 12º) recebia um pouco mais do que esse valor. Antes de pensar que gostaria de ser professor na Finlândia, não se esqueça de fazer contas ao custo de vida. Helsínquia, por exemplo, é uma das cidades mais caras do mundo. Olhando para as remunerações médias dos profissionais habilitados com um mestrado (formação mínima obrigatória para se dar aulas) no país, os professores finlandeses recebem abaixo. Comparando com os colegas europeus pode dizer-se que é uma profissão razoavelmente remunerada. 

Quanto à colocação de professores, pense na forma como funciona em Portugal, com um concurso nacional que envolve dezenas de milhares de candidatos, colocados centralmente pelo Ministério da Educação através de uma lista única e concursos de escola intrincados capazes de paralisar um arranque normal de ano letivo. E agora pense num sistema bem mais simples, em que os diretores das escolas anunciam as vagas que têm e escolhem os docentes que querem. É assim na Finlândia. “Um diretor pode querer um professor muito bom em novas tecnologias ou alguém que domine uma nova pedagogia. Eles é que sabem o que precisam”, justifica Niina Vänttä. 

A escola do século XXI 
A aula continua a decorrer, mas não é Niina quem dá as ordens, apresenta a matéria ou perde tempo a mandar calar os alunos. Tal como nas outras secundárias da capital, o último período de aulas foi dedicado aos trabalhos em grupo. Em conjunto com o colega de Matemática, a professora de Ciências Sociais definiu um conjunto de exercícios que os estudantes teriam de realizar ao longo de sete semanas. “A ideia é não ser o professor a ensinar tudo. Dividi-os em grupos de cinco e são eles que têm de procurar as respostas. Uma vez por semana reunimo-nos e temos uma aula tradicional.” 

Os alunos dizem que gostam, que é “mais fácil compreender assim a matéria, do que só de ouvido”, que são treinados a ser “mais independentes”, a ir “à procura de respostas”, descrevem Kerttu, Tanja, Anna, do grupo de raparigas que já concluiu todas as tarefas. Apontando para os monitores, explicam como foram respondendo a perguntas sobre a evolução dos salários e escrevendo textos a propósito da inflação, colocando-os depois no Google Drive, de forma a que professora e alunos conseguissem visualizar sempre os documentos e as correções. 

É assim que estão à beira de completar mais duas das 75 cadeiras que têm de fazer no secundário, ao ritmo que entenderem (o ensino está desenhado para três anos, mas há quem se adiante e faça em pouco mais de dois e os que precisem de quatro). Mais de metade dos módulos são obrigatórios, mas os restantes são eles que escolhem. “Podemos decidir o que queremos estudar e isso é muito bom”, aponta Olli-Pekka, 18 anos. 

No próximo ano, já com o novo currículo nacional em vigor, a integração irá mais longe, com os professores de Ciências Sociais, Inglês, Música e Artes a juntarem-se para dar parte das suas cadeiras, de forma integrada, através do módulo Café Musical. Cada grupo terá de criar uma ideia de negócio em torno de um café, pô-lo a funcionar, preocupando-se com todos os detalhes, desde a decoração à programação cultural. As receitas reverterão para os alunos. 

“A sociedade mudou muito e os estudantes precisam de competências diferentes para quando forem trabalhar. No mundo real não existe a Matemática, a Biologia, a Química... Não existem disciplinas escolares, mas fenómenos complexos, aos quais não podemos dar resposta como se se fossem perguntas de escolha múltipla. Durante anos, essa foi uma boa forma de ensinar. Agora precisamos de algo diferente, de forma a garantir que estamos a formar estudantes com essas novas competências”, argumenta Pasi Silander, satisfeito com as experiências que têm sido feitas nas escolas de Helsínquia. “Ao princípio todos diziam: nem pensar que os professores do secundário vão conseguir articular-se e trabalhar juntos. Agora estão a fazê-lo.”

Na primária de Siltamäki, com 240 alunos e 17 professores, é visível o espírito de colaboração entre todos e o orgulho de trabalhar numa escola que está muito à frente na forma como utiliza as novas tecnologias ao serviço da educação. Por todo o lado veem-se computadores, tablets e quadros inteligentes, há uma sala stresse free, onde a música que sai dos altifalantes faz lembrar o som ambiente de um spa. E que contrasta com outra ali perto, onde miúdos do 3º ano manuseiam freneticamente o rato para movimentar e colocar blocos na versão educativa do Minecraft, um sucesso de vendas no mundo dos jogos para PC. 

Parece um intervalo, mas é na verdade mais um tempo de estudo no horário normal. “Sim, também dou aulas tradicionais”, esclarece Tomi Tolonem, cabelo rapado, barba comprida e ar de motard ou vocalista de banda de heavy metal. Adepto da nova tendência conhecida como ‘gamificação’ (o termo deriva da palavra inglesa game — jogo) aplicada à Educação, Tomi acredita que é possível criar novos contextos para o ensino, muitos apelativos para os alunos, mas também com utilidade e resultados concretos. 

A ideia é mudar a forma como se ensina, recorrendo à estrutura narrativa e aos mecanismos inerentes aos jogos: as aulas são transformadas em missões, os exercícios em desafios. “Primeiro contei-lhes a história da ilha em que estão presos. Depois vou lançando os desafios e para os superarem têm de trabalhar em conjunto, erguerem abrigos, por exemplo”, explica Tomi. A última ordem foi para construírem o maior número de formas geométricas que conhecessem, recorrendo aos blocos do Minecraft. A hora é de aprender Geometria. 

Com tanta experimentação e margem de manobra das autoridades locais e escolas (a educação está completamente municipalizada), sem exames e sem inspeções às escolas, surge a dúvida: quem controla a qualidade do sistema e que os alunos estão de facto a aprender? “Confiamos nos nossos professores, porque sabemos que estão altamente preparados. Não acreditamos que temos de fazer como os Estados Unidos em que estão sempre a medir os resultados”, responde Pasi. 

De resto, e apesar de todas as adaptações locais sobre a forma de lá chegar, há uma espécie de ‘bíblia’ onde está escrito tudo aquilo que os alunos têm de saber no final dos diferentes níveis do ensino e que são os currículos nacionais do básico e do secundário, sublinha o responsável do ECampus de Helsínquia. E os professores têm de o seguir à risca. 

Neste momento, os leitores mais familiarizados com a gíria educativa estarão a pensar que, afinal, na Finlândia também existem as metas curriculares, aprovadas pelo atual ministro da Educação, Nuno Crato, e que tanta polémica estão a gerar, por serem, aparentemente, demasiado prescritivas e pormenorizadas. 

Só que um olhar mais atento para os documentos revela as especificidades de cada sistema. Não sabemos se a capacidade de síntese dos finlandeses é uma das suas qualidades ou se o excesso de palavreado é um dos nossos defeitos. Os factos são estes: enquanto na Finlândia se conseguiu escrever em 10 páginas tudo o que os alunos precisam de saber fazer a Matemática do 1º ao 9º ano, por cá foi preciso um documento com mais de 80, a que se juntam 30 do programa. A proporção repete-se nas outras disciplinas. 

Uma nova Nokia? 
Durante anos, a Nokia e a Educação foram os dois grandes motivos de orgulho nacional deste pequeno país. O declínio da primeira, entretanto parcialmente comprada pelo Microsoft, abandonando a produção de telemóveis, depois de ter sido durante anos nº 1 mundial, foi mais do que uma profunda machada na economia da Finlândia. 

Abalada a confiança, restou a Educação, com o país a ocupar desde 2000 os primeiros lugares nos testes PISA, realizados por meio milhão de alunos de 15 anos, de 64 países/regiões da OCDE e parceiros que testam a sua literacia a Matemática, Ciências e Leitura. Acontece que em 2014 soou o alarme. Os resultados dos testes feitos dois anos antes mostravam ao mundo que a Finlândia tinha sido ultrapassada no topo do ranking por vários países asiáticos e mesmo alguns europeus, particularmente na competência Matemática. 

Jouni Välijärvi, diretor do Instituto Nacional para a Investigação na Educação, admite a deceção: “Sim, é preocupante. O declínio começou em 2009 e continuou em 2012. Ainda assim continuamos com bons resultados e estamos no top da Europa. Penso que uma das razões tem a ver com uma diminuição do empenho dos alunos, particularmente em relação à leitura. As escolas competem cada vez mais com a internet e outros serviços digitais de cada vez maior qualidade e diversidade. Isto também ajuda a explicar por que razão os rapazes estão cada vez mais atrás das raparigas, incluindo a Matemática.” 

Nem tudo são diferenças entre Portugal e Finlândia e, tal como cá, a crise parece falar mais alto. Não há finlandês que não esteja preocupado com os cortes que se avizinham no próximo Orçamento do Estado, ainda mais quando a Economia teima em não arrancar. E a Educação ressente-se. Também lá como cá fecham-se escolas e cortam-se meios. “As escolas e os professores têm cada vez menos recursos para o desenvolvimento pedagógico a nível local. O investimento na formação profissional está a diminuir. Isto é uma ameaça para o desenvolvimento e inovação num sistema educativo de qualidade”, alerta Jouni Välijärvi. 

A aula já vai longa e acaba por aqui. Para grande parte dos alunos portugueses, o tempo agora é de estudar para os exames.

Texto publicado na revista E de 30 de maio de 2015

Fonte Expresso

“Em regra, numa família tranquila não há filhos irrequietos!”

Nesta época do ano algumas famílias respiram de alívio. São as famílias com filhos considerados hiperativos. Pelo menos durante algum tempo – o tempo das férias grandes que já foram bem maiores – descansam dos recados, dos avisos e das reuniões na escola que quase invariavelmente vão dar ao que parece óbvio a todos: há que fazer alguma coisa para acalmar aquela criança.

"Há professores que se esforçam até ao limite dos limites para conseguirem uma inserção do desviante seja de que tipo for, o sítio onde ele fica sentado, a proximidade do professor, o tipo de interesses que ele mostra, como é que se pode ir ao encontro dos interesses… Depois há outros professores ou outras circunstâncias em que [aquilo] se procura é ‘se eu me visse livre destas pessoas era o ideal.’ Começa por se chamar os pais, falar com os pais, ‘o seu filho é insuportável. Veja lá se o levam a algum lado. Veja lá se lhe dão umas pastilhas’…”

Emílio Eduardo Salgueiro fala baixo e devagar. Calculo que é neste tom que se dirige aos pais e aos filhos que chegam ao seu consultório. Os filhos, diz, vêm porque são considerados “insuportáveis” e também porque têm mau rendimento escolar: “os maus comportamentos com bom rendimento são absorvidos [pelo professor]”. Os pais chegam à consulta “zangados”: “Em regra [as pessoas] vêm muito zangadas com a escola. Com a escola. Não é tanto com o professor A, B ou C. É com a escola. E vêm zangadas com o filho.”

Mas voltemos às “pastilhas”. Num discurso em que as pausas e as repetições não são neutras retoricamente falando, Emílio Eduardo Salgueiro repete a expressão “umas pastilhas”. Era inevitável falarmos delas ou mais propriamente daquilo que “as pastilhas” representam: a medicação das crianças com problemas de comportamento. “Essa é uma das soluções procuradas e mais populares hoje em dia (…) porque há uma medicação que é eficaz numa percentagem elevada, 60 a 65% dos alunos grandes irrequietos acalmam.” Apesar do valor expressivo destas percentagens Emílio Eduardo Salgueiro não considera esta solução uma boa solução: “É eficaz na acalmia mas em regra eles não aprendem melhor porque os processos de aprendizagem não estão diretamente ligados ao comportamento. Mas como não incomodam, ficamos com o problema adiado…”

Ao falarmos de medicação e do recurso ao enquadramento legislativo que permite a estas e a outras crianças fazer a sua vida escolar com níveis de exigência diferentes era quase obrigatório abordarmos as questões do diagnóstico: “Fiz um trabalho em que comparei três escolas de três áreas e havia escolas em que era frequentíssimo o diagnóstico hiperativo e escolas onde era raro o diagnóstico hiperativo. Mais do que isso: em cada escola havia turmas em que havia uma percentagem apreciável [de diagnóstico hiperativo] e turmas em que não havia. Chegou-se à conclusão que havia um efeito região, efeito bairro e efeito professor”.

E por fim chegamos à pergunta que atravessa todas as conversas, discussões e angústias sobre hiperatividade – porquê? Para Emílio Eduardo Salgueiro “não são só as crianças que se tornaram irrequietas. A sociedade está irrequieta. Portanto as famílias também estão irrequietas. Mas não dão por isso. Só dão por isso no outro que é o filho.”

E assim chegamos ao título desta entrevista – “Em regra não há filho irrequieto numa família tranquila.” E aqui acabam as transcrições porque para concordar, discordar e sobretudo perceber estas e outras afirmações de Emílio Eduardo Salgueiro o vídeo desta entrevista é fundamental.

Fonte: Observador com vídeo

As visitas às escolas

1. Havia um ministro de Salazar que aparecia de repente nos hospitais. Os jornais da época noticiavam: “Ontem de manhã, sem aviso prévio, o Ministro da Saúde e Assistência visitou o hospital…, tendo sido recebido pela administração e representantes do corpo clínico. A imprensa, só convocada naquele momento, viu o governante interessar-se pelo funcionamento do hospital e assistiu a uma breve troca de impressões com a direcção do hospital…”

Na minha juventude, sempre achei interessantes estas visitas-surpresa, em contraste com as reuniões programadas, para as quais os doentes eram lavados e arranjados e até vasos de plantas eram colocados nos trajectos a percorrer pelo ministro, recebido pelos dirigentes do hospital em poses de altos dignitários do regime… mesmo por aqueles que, em surdina, se confessavam da oposição. Na altura, achava que estas visitas de surpresa tinham algo de inspecção policial, mas hoje admito que os meus olhos de então viam polícia em toda a parte…

Vem tudo isto a propósito das visitas às escolas que realizo nos tempos de hoje. Programadas com todo o cuidado e com antecedência considerável, são momentos de partilha que muito aprecio. As minhas intensas atividades na faculdade e no hospital deixam-me, neste momento, pouco tempo livre para estas visitas, por isso seleciono o pedido e programo tudo muito bem, sem esquecer o pedido de transporte, sempre que as deslocações implicam maiores distâncias.

Procuro falar com alunos, professores e pais, por vezes troco algumas palavras com os funcionários, quase sempre afastados destas ações de formação. Informo-me sobre projetos inovadores na escola e questiono alguns sobre o clima escolar, não esquecendo a forma como todos estão a lidar sobre o grande problema do momento, o combate à indisciplina. Fico, julgo eu, com uma impressão global sobre o funcionamento daquele estabelecimento de ensino e com uma ideia razoável sobre os relacionamentos interpessoais, que constituem o meu principal centro de interesse.

Numa visita recente, tudo parecia ter corrido bem: presença de professores e alunos, a Associação de Pais a organizar um lanche e a dar a sua opinião, edifício remodelado e agora com excelentes condições, debate muito participado. No entanto, uma mãe sussurrou-me, enquanto me pedia um autógrafo no meu recente O Tribunal É o Réu: “Sabe, Professor, é uma pena o discurso de algumas professoras não condizer nada com a sua prática… aquela senhora de amarelo, tão bem falante, passa as aulas a insultar os alunos…” Não a deixei prosseguir, tinha tudo corrido tão bem, sugeri que discutisse com a Associação de Pais e fizessem uma proposta… mas no regresso fiquei a pensar no ministro de Salazar, quem sabe se também tudo se disfarça quando vou a uma escola? A verdade é que a mudança só ocorrerá com linguagem clara e práticas transparentes. (...)

Daniel Sampaio

Fonte: Público

Por que é que o país da école maternelle é tão “confortável para se ter filhos”?

Portugal tem o mais baixo índice de fecundidade. A França, que nos anos 1990 tinha visto o número de filhos por mulher baixar, tem hoje o mais alto. De que forma pode o país da école maternelle inspirar Portugal a resolver um dos seus problemas mais estruturais?

Solen Bodilis trabalha em part-time — 80% do horário normal, “o que também significa 80% do salário e 80% das férias”, mas é uma forma de ter as quarta-feiras livres para estar mais tempo com os quatro filhos. A geóloga de 45 anos fez uma escolha bem mais comum em França do que em Portugal: um terço das francesas trabalha a tempo parcial. Nascida na Bretanha, é casada com António Pires da Cruz, um engenheiro mecânico português de 44 anos. Vivem em Rueil-Malmaison, cidade tranquila de 80 mil habitantes, na margem esquerda do Rio Sena, a poucos quilómetros de Paris.

Ao fim da tarde, o centro é invadido por mães e pais com carrinhos de bebé e crianças a andar de bicicleta. Na montra de uma pastelaria, cheia de bolos de cores garridas, há um letreiro que convida a comprar um doce para oferecer no Dia das Mães, que aqui se assinala no último domingo de maio. Estamos em França, o país com o maior índice de fecundidade da União Europeia. Portugal está no outro extremo: é o menos fértil.

Com uma média de dois filhos por mulher, que se tem mantido estável, a França consegue estar na confortável situação demográfica de ter “a substituição das gerações garantida”, nota Claude Martin, responsável pela cadeira de Proteção Social na Escola de Altos Estudos em Saúde Pública, em Rennes, e diretor do Centro de Investigação da Ação Política na Europa, que tem sede na Universidade de Rennes 1.

Desde o início da década de 30 do século passado que as políticas de família francesas se baseiam na promoção da natalidade, explica Claude Martin. Mesmo assim, ao longo dos anos de 1970, o país ainda assistiu, como outros europeus, a uma quebra, “com a generalização dos métodos contracetivos e da ideia de que havia que concentrar energias num número menor de crianças”. Em 1995, o índice de fecundidade atingiu os valores mais baixos: 1,65 filhos por mulher. Depois, algo mudou. E muito: “A recuperação assumiu estes números: de 760 mil nascimentos em 1995, para 808 mil, em 2000, e 833 mil, em 2010.”

França seguiu, portanto, o sentido inverso de Portugal que, em 2013, o último ano para o qual há dados, apresentava um índice de fecundidade de 1,21. O que explica a retoma francesa? Essa é a pergunta difícil, diz Claude Martin. Mas foi essa que fomos fazer a famílias e especialistas no assunto. E mais esta: de que forma pode a França inspirar Portugal a resolver um dos seus problemas mais estruturais?

Mais tempo com os filhos

Regresso a Solen Bodilis e António Pires da Cruz, em Rueil-Malmaison. Com a família a crescer, o casal trocou um apartamento de 70 metros quadrados, no centro, por uma bem mais espaçosa moradia alugada, com um jardim nas traseiras e um balouço. Recebem-nos com Tiago, 16 anos, Anna, 15, Aël, 9, e Sara, 5 — todos frequentam escolas públicas. Há uns anos chegaram a ter em casa uma ama, que partilhavam com outra família para que os 1400 euros que ela ganhava não pesassem tanto no orçamento familiar. O Estado ajudava a pagar parte dos encargos sociais da funcionária (Segurança Social, seguros, etc...) e parte do salário dela era deduzível nos impostos.

Solen trabalha numa empresa em Paris, a “40 minutos de comboio se tudo corre bem”, e António faz investigação na área de motores automóveis, num instituto semi-público, a poucos minutos de bicicleta. Organizaram-se com outras famílias para que cada dia da semana seja uma diferente a levar de carro os miúdos mais velhos ao Lycée International de Saint Germain en Laye — todas têm carros onde cabem seis ou sete crianças. Só Aël e Sara não precisam desta boleia, a escola delas é perto de casa.

Esta organização informal entre famílias é comum em França. Outro exemplo: em várias cidades veem-se sinais de “Pédibus” nas ruas — são uma espécie de sinal de trânsito, colocado nos passeios, onde a uma hora pré-determinada as crianças se juntam com a certeza de que há um pai ou uma mãe que levará todos para a escola, a pé, em segurança. Lê-se num desses sinais que assim se evita o caos (“e a poluição”) dos carros parados junto aos portões das escolas à hora das entradas e das saídas.

Foi quando Aël nasceu que Solen decidiu trabalhar menos horas por semana. “É um direito em França”, sublinha. Os empregadores não podem recusar, têm de manter o posto de trabalho de quem quer gozar o chamado “complément de libre choix d’activité” (em 96% dos casos mulheres) e o trabalhador pode reduzir o horário, ou até cessar totalmente a actividade, até ao terceiro ano de vida do filho.

A Caisse Nationale des Allocations Familiales (Caf) — o braço familiar da Segurança Social francesa — encarrega-se de pagar ao trabalhador o dito “complément”, uma espécie compensação para minimizar a redução ou a perda de salário.

“Eu recebia 100 e tal euros por mês e foi assim até aos 3 anos da Aël”, conta Solen. “Depois fiquei sem receber algum tempo, mas mantive o part-time. Depois, voltei a receber após o nascimento da Sara, outra vez até aos 3 anos.” Com alguma polémica à mistura, a lei mudou no ano passado e as regras e duração do “complément” encurtaram, mas isso já não afecta Solen.

Findo o período legal desta licença, o empregador pode dizer que não quer que o trabalhador continue a part-time. “Mas isso não aconteceu comigo”, continua. E não acontece com muitas outras mulheres de profissões mais qualificadas que, diz, mesmo estando a 70% ou 80%, acabam por fazer quase o mesmo trabalho que fariam com um horário completo. Às quartas-feiras, quando não vai trabalhar, a geóloga mantém muitas vezes o computador de casa ligado.

No ano passado, 480 mil famílias optaram, após a licença de maternidade, por reduzir ou parar a sua atividade e receberem o “complément”.

Pagar o preço de ser mãe

Esta medida tem alguma consequência negativa na carreira das mulheres? “Tudo tem uma consequência negativa na carreira das mulheres. Há grandes diferenças salariais em França e uma mulher nunca tem a mesma confiança dos empregadores, porque eles sabem que pode engravidar, pode sair para tomar conta dos filhos...”, diz Solen, encolhendo os ombros.

Mas é uma ajuda entre muitas outras que o Estado francês proporciona a quem tem crianças, sublinha logo de seguida. “A França é um país confortável para se ter filhos. Até hoje tem promovido a natalidade, através de políticas sociais agressivas, tanto dos governos de esquerda como de direita. Não sei se as pessoas têm mais filhos porque têm mais facilidades, mas é um facto que quando os têm as coisas são fáceis”, acrescenta António.

Outros exemplos dados por António para ilustrar por que é “mais fácil” ter filhos aqui do que nos Estados Unidos, onde chegou a viver e onde os dois filhos mais velhos nasceram, ou em Portugal: “empresas com horários flexíveis, compatíveis com os horários escolares”; “reduções sistemáticas” nos transportes públicos a partir dos três filhos; “dedução de impostos (equivalente IRS português) bastante consequente quando se têm quatro filhos”; um leque vasto de actividades desportivas e culturais, dos municípios e associações; o abono de família, que é de “600 euros, no nosso caso” — mas vai deixar de ser, em breve, com os cortes anunciados.

Para além disso, os serviços de guarda das crianças mais pequenas são vários e subsidiados. As amas, por exemplo, são muito populares. Segundo o Observatório Nacional da Pequena Infância, têm capacidade para receber 950 mil miúdos. É a maior oferta para menores de 3 anos que há no país.

Existem ainda amas que podem ser contratadas directamente para trabalhar em casa das famílias. E as despesas com elas podem ser deduzidas nos impostos, como fez a família Pires no passado.

“École maternelle”

A segunda grande oferta é a das creches, que funcionam em média dez horas e meia por dia, de acordo com o Observatório Nacional, a “preços acessíveis”, na avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no seu relatório Doing Better for Families (2011).

Quando as crianças fazem dois anos e meio, algumas (100 mil, em 2013) já têm vaga nas “école maternelle”, instituição pública de que os franceses muito se orgulham, criada ainda no século XIX, e de frequência gratuita. E mais de 95% das crianças entre os 3 anos e a entrada na primária estão na “école”. “A política de família em França está essencialmente organizada em torno dos serviços de cuidados à infância, com o papel crucial da ‘école maternelle’”, diz Claude Martin.

Os “centre de loisir” são outra figura importante. “A escola acaba às 15h45 e, depois disso, os miúdos podem ir para casa, se os pais os puderem guardar, ou continuam com atividades sob a responsabilidade de animadores, que dependem da municipalidade, e que os ocupam com animações, ateliers, etc.”, explica Carlos Pereira, pai de três filhos, diretor do semanário LusoJornal.

“Estas estruturas guardam as crianças de manhã, antes da escola abrir, e à tarde, depois da escola fechar. Guardam também durante as férias escolares. Se não fosse este sistema de acolhimento na escola, não era possível os pais continuarem a trabalhar ou então teriam menos filhos”, explica o jornalista que vive em Saint-Denis, onde integra o Conselho Consultivo da “Petite enfance” — um organismo criado no ano passado na autarquia onde se debatem desde as regras de acesso às creches, aos horários.

Tanto as amas, como as creches, as cantinas escolares, os “centre de loisir” são pagos pelos pais em função dos seus rendimentos. O sistema é complexo e as políticas de preços do que são os serviços municipais variam conforme as autarquias, diz Pedro Vaz, um lusodescendente, pai de duas filhas, uma à beira de fazer nove e outra perto dos 12, fundador da Agora Plus, uma firma que desenvolveu um software que faz, para 120 câmaras francesas, a gestão dos serviços para a “pequena infância”.

Por exemplo, há municípios onde o preço mínimo por refeição não vai além dos 50 cêntimos, para os mais pobres. Há outros que optam por não cobrar a quem mais precisa. A família Pires, por exemplo, paga em média 5,5 euros por refeição/criança. A família Caria, com quem falaremos à frente, paga 2,80.

Já para suportar a despesa com amas e creches há a comparticipação da Caf — também definida em função dos rendimentos e composição familiar, a nível nacional — sendo que algumas autarquias disponibilizam ainda apoios extra. António Pires da Cruz diz algo com piada: “O quociente familiar está sempre presente na nossa vida.” Como assim? “Todos os anos vamos à câmara, com a folha dos impostos, dizemos quantos filhos temos, que salários, e eles fazem os cálculos e dizem quanto vamos pagar pela cantina, a creche, o ATL.”

Por tudo isto, diz a OCDE que a França se sai bem “em várias dimensões relacionadas com o balanço entre vida profissional e família”. Anália Torres, socióloga no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, sublinha o “investimento brutal” em serviços deguarda de crianças que tem sido feito em França. “O trabalho é muito importante e é essencial que seja possível conciliá-lo com os filhos”, prossegue. “Não é nas sociedades onde as mulheres trabalham menos que se tem mais filhos.”

Os franceses são dos que mais gastam, em percentagem do PIB, em prestações, serviços e benefícios fiscais especificamente destinados às famílias. A média da OCDE era em 2011 (os últimos dados disponibilizados pela organização na sua base de dados sobre apoio às famílias) de 2,55%, em Portugal de 1,4% e em França de 3,6%.

Olhando para a educação pré-escolar, outro indicador valorizado pela OCDE, a França é também dos que mais dinheiro público canaliza para o sector: 0,71% do PIB contra uma média na OCDE de 0,6% e, em Portugal, de 0,39%.

O OCDE só faz um reparo na sua avaliação: a França devia tomar mais medidas para promover uma maior partilha entre homens e mulheres, nomeadamente das licenças parentais. Ainda assim, delegações de todo o mundo, nomeadamente coreanos e japoneses preocupados com o declínio demográfico, viajam até aqui em busca do mistério da fertilidade do país.

Resta saber o impacto da reforma das prestações familiares recentemente aprovada, com entrada em vigor em Julho, e que tem sido vista, por alguns, como um golpe na internacionalmente elogiada política natalista de França. O Governo garante que os apoios diminuirão sobretudo para os mais abastados e até aumentarão para alguns dos mais pobres. A família Pires é das que já estão a contar com os cortes.

Ter filhos no desemprego

Samuel, 4 anos, Romane, 9, e Tiago, 11, tomam o pequeno-almoço na cozinha, a ver os desenhos animados na televisão, depois sobem ao 1.º andar e lavam os dentes, calçam-se, acabam de se vestir. Fazem tudo com calma. José, o pai, engenheiro de telecomunicações, nascido na Covilhã, a viver em França desde criança, ajuda o mais pequeno. Às 8h40 descem à garagem, entram no Clio branco, arrancam para a escola. Estamos agora com a família Caria, em Forges les Bans, uma antiga vila termal, com menos de 4000 habitantes, a 40 quilómetros de Paris.

Em poucos minutos, José e os filhos chegam à escola — um vigilante, homem muito alto e encorpado, coloca-se no meio da estrada e manda parar os carros para que as crianças que chegam a pé possam atravessar em segurança. José faz questão de deixar os mais velhos à porta da escola dos mais crescidos e de levar o mais pequeno pela mão à sala — “É um hábito aqui ir à sala, falar uns minutos com a professora e sair.”

Mas hoje o pai Caria tem uma surpresa, como se nota quando, poucos minutos depois de entrar no edifício, regressa com o pequeno Samuel. “A professora faltou e não há substituta.”

Quando uma educadora falta e não há substituta, as crianças podem ser distribuídas por outras salas, explica. Mas Samuel é dos que prefere ir para a casa da avó do que ficar numa sala sobrelotada. Não é longe, a casa da avó — 13 quilómetros. Às 9h25 desta terça-feira (...), Samuel é entregue aos mimos da “dona São”. José já está atrasado.

Pelas 16h00, será São quem irá buscar os irmãos de Samuel à escola. Pelas 17h Anne Caria, a mãe, professora, chegará a casa. Pelas 18h, levará Tiago ao treino de futebol e Romane à terapia da fala. Aos sábados as crianças têm aulas de português. E há ainda a catequese, o andebol... A logística parece complicada mas com Anne em part-time — só trabalha três dias por semana — e a mãe São já reformada, tudo é mais fácil. “Trabalhar a meio tempo é uma escolha para poder cuidar dos meus filhos melhor”, diz Anne.

E se a família não tivesse rendimentos suficientes para trabalhar em part-time, teria tido três filhos? “Tinha na mesma, era o meu sonho.” E vai mais longe: se fosse preciso deixar de trabalhar, também o faria — porque felizmente o salário de José daria para isso. Mas não é só uma questão de salário, defende. “Tenho amigas que, mesmo no desemprego, decidiram ter filhos porque pensaram: ‘Se não for assim, o tempo vai passar, e já não vou ter.’ Acho que um casal que estiver na dúvida pensa: ‘Vamos ser ajudados, não vai ser assim tão difícil.” Daí, sublinha, a importância do sistema francês de apoios.

Mas Anne nota também uma enorme diferença de mentalidades em relação às crianças. “Quando vou a Portugal as pessoas olham para mim e dizem: ‘Três? Meu Deus!’ É como se fosse uma loucura. E eu penso: ‘Mas não são assim tantos’, em França a média é dois, não é?”

É. E é interessante verificar como os portugueses, que em Portugal têm em média poucos filhos, em França têm mais. Em 2004, Laurent Toulemon, investigador principal do Institut National d’études Démographiques (Inde), apresentou, na revista Population et Sociétés, cálculos sobre a fecundidade das imigrantes em França, por nacionalidade, com base no comportamento observado entre 1990 e 1999. Concluiu que o índice de fecundidade das portuguesas, em Portugal, era na altura de 1,49, em média, mas que, em França, a comunidade portuguesa apresentava uma média de 1,96.

E eis-nos chegados a um ponto sensível: a ideia de que a recuperação francesa se deveu à entrada de imigrantes no país. Verdade? “Este argumento da imigração é um erro absoluto e é fácil de entender”, diz Claude Martin.

“Primeiro porque o número de imigrantes, que é controlado e limitado, não é grande o suficiente para explicar a recuperação da fertilidade em França.” De acordo com um estudo recente do Inde, o índice de fecundidade das mulheres imigrantes em França é de 2,6 mas isso pesa pouco na média nacional, argumenta-se, porque elas representam menos de 10% das mulheres em idade fértil.

Prossegue Claude Martin: “O nível de fertilidade de uma mulher da África subsariana que vive em França é muito menor do que o de uma mulher que ainda vive no continente africano. E uma mulher italiana que vive em França vai ter mais filhos do que uma que vive em Itália. O nível de serviços no país de acolhimento pode explicar essa diferença, mas também as mensagens normativas sobre o que é um comportamento feminino ‘normal’ na comunidade de acolhimento.”

Protocolo da grávida

Há um protocolo a seguir por quem tem um bebé em França. “A declaração de gravidez à Caf deve ser feita antes da 14.ª semana”, conta Sónia Lopes, 37 anos, filha de portugueses, nascida e criada em França. “Depois, fazemos a inscrição na creche ao 6.º mês da gravidez. Ao 7.º recebe-se a ‘prime de naissance’” , 900 euros (sob condição de recursos) para ajudar nas primeiras despesas.

Quando Gabriel (o mais velho de Sónia, agora com 8) nasceu, esta trabalhadora numa empresa de telecomunicações teve esperança de que quando a licença de maternidade terminasse, teria lugar para ele na creche municipal. “Mas não foi nada assim, não houve lugar. Todos os meses, há uma comissão que analisa o nosso pedido e recebemos uma carta: ‘estudámos o seu dossier mas não foi aceite, lamentamos, não há lugar.’ E eu todos os meses renovava o pedido.”

Carlos Pereira confirma que esta é uma situação comum: “Não há creches para tantas crianças.” Mas “há alternativas oficiais”.

Sónia recorreu então a uma ama, “que cobrava cerca de 700 euros por mês”, mas “a Caf pagava cerca de metade”. Mais tarde, nasceu Pierre, que está agora com 5 anos.

A família, que actualmente vive na casa que comprou em Gagny, a Leste de Paris, já decidiu: vai ficar pelos dois filhos. E, mesmo assim, já é uma ginástica. “Saímos de casa às 7h30, eles ficam no ‘centre de loisir’, às 8h15 vão para a escola, depois almoçam na cantina; à tarde, depois das aulas, ficam no ‘centre de loisir’ até às 18h ou 18h30. Para o Gabriel, há o que se chama ‘les étude’, onde o ajudam a fazer os TPC. Todos os meses chega a factura da ‘mairie’. Bastaria trabalharmos os dois e termos o salário mínimo para pagarmos um pouco mais... em média pagamos 260 por mês, pelos dois.”

Hélder, o marido, gerente numa grande loja “tipo AKI”, organizou a sua vida para estar o mais presente possível: pediu para trabalhar aos sábados, e ficar com as quartas-feiras livres. Em França era regra que as crianças da primária não tinham aulas às quartas-feiras — só em 2013, por indicação do Governo, as escolas públicas começaram a abandonar o modelo da “semana de quatro dias”.

E o crescimento económico?

Creches, amas, serviços, subsídios... A pergunta, uma vez mais: de que forma pode França inspirar Portugal a resolver um dos seus problemas mais estruturais? As famílias com quem falámos deixaram várias pistas. Joaquim Azevedo, professor da Universidade Católica Portuguesa, coordenador em Portugal do relatório para o PSD sobre políticas de família, apresentado no ano passado, acrescenta outra ideia: “A política empresarial em França é de grande suporte aos filhos dos seus trabalhadores, também poderíamos aprender alguma coisa com isso!”

Recentemente, a ONG Movimento Mundial de Mães enumerava, num comunicado, alguns exemplos, caso da Ferrero, da Total e da L’Oreal que têm, ou estão a desenvolver, centros de dia inter-empresas para os filhos dos trabalhadores. Outras, como a empresa de Solen, pagam às mães que não têm direito a 100% do salário quando estão de licença de maternidade, um complemento para que não fiquem a perder. Muitas, caso da empresa de Hélder, pagam dias-extra aos pais homens...

Há outras questões a ter em conta nesta equação. “A relação entre crescimento económico e o nível de fecundidade, um pouco como se o crescimento económico aumentasse a moral dos agregados familiares e suportasse o seu desejo de ter filhos”, diz Claude Martin que, recentemente, publicou o livro Être un bon parent. Une injonction contemporaine. Este argumento é, contudo, “relativamente fraco”, na sua opinião, porque os franceses são conhecidos pelo seu pessimismo.

Já Pedro Vaz sublinha duas ideias: “Em França trabalha-se 35 horas por semana. As pessoas poderem sair às 17h para irem buscar os filhos e estar com eles é um grande incentivo.” Depois, há a “école maternalle” — “As pessoas têm-na para deixar os filhos. A école maternalle é, para mim, a razão principal para a França nunca ter baixado muito a natalidade”.

E Portugal? Durante os anos de 1990, até se manteve com índices de fecundidade superiores aos de outros países do Sul, como a Itália, a Espanha, a Grécia, sublinha Claude Martin. “Mas desceu depois. O impacto da crise económica desde 2008, a dificuldade de recuperar; a redução do processo de investimento em políticas de família, depois de ter havido um período em que tinha havido importantes investimentos; uma nova geração de mulheres que espera ter melhores garantias, em particular em termos de emprego, antes de aceitar ter o primeiro filho” — tudo isso ajudará a perceber o que se passou.

Um dos “grandes desafios” dos portugueses, sublinha o francês, “é manter uma política destinada à conciliação do trabalho e dos cuidados (às crianças e aos pais idosos)”. Afinal, quando se pergunta às mulheres europeias quantos filhos desejam ter, não há grandes diferenças entre países: dois, três. A diferença está mesmo na forma como se concretiza essa vontade.

O conselho de Martin é, de resto, idêntico ao que a OCDE deixava já em 2011: “O investimento em serviços para os primeiros anos das crianças é essencial para que as famílias floresçam, para a sustentabilidade futura do Estado social e para o crescimento económico.”

Fonte: Público

Um bebé na sala de aula para lutar contra o bullying

Mary Gordon, criadora de um projeto para reduzir a violência em escolas, acredita que o seu modelo pode chegar a Portugal.

Um bebé e uma mãe a serem observados por uma turma do quarto ano não será o que mais habitualmente se associa a uma sala de aula, mas é precisamente esse o ponto de partida de uma técnica para reduzir a agressividade e o bullying nas escolas que, no próximo ano, poderá chegar a Portugal.

É essa, pelo menos, a esperança de Mary Gordon, fundadora do Roots of Empathy (Raízes da Empatia, em tradução livre do inglês), um programa que nasceu em 1996 e que, segundo a canadiana que nesta quinta-feira esteve em Lisboa para participar no primeiro Fórum Mundial de Inovação Social, tem resultados comprovados ao longo de três anos. O segredo, explica, está no desenvolvimento da empatia.

Fonte: DN

sábado, 27 de junho de 2015

Pais que fiquem com subsídio de educação especial incorrem em crime de negligência

O Instituto da Segurança Social (ISS) aconselhou, esta sexta-feira, os terapeutas e colégios de educação especial a advertir os pais que não pagam as terapias subsidiadas pelo Estado que incorrem num crime de negligência. Já em meados de maio, (...) tinha denunciado situações de atrasos nos pagamentos a terapeutas, por parte de famílias mais carenciadas.

Numa nota (...), o ISS adverte que “o facto dos responsáveis pelas crianças e jovens colocarem em risco a prestação das terapias” de que estas necessitam e para as quais já foram subsidiadas pode “configurar uma situação de negligência”.

Esta situação valida a intervenção das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, e em última instância dos tribunais, no sentido da proteção das crianças e jovens, salienta.

Por outro lado, os terapeutas, os gabinetes que prestam as terapias e os colégios de educação especial, entidades com competência em matéria de infância e juventude, têm, “numa primeira linha, o dever de sensibilizar as famílias” para ultrapassar a situação.

Estas entidades devem explicar às famílias que estão a colocar em situação de risco as suas crianças e jovens e que devem proceder ao pagamento das terapias, “numa linha de reforço das competências e de responsabilização parental”, sublinha o ISS.

O ISS explica que, à semelhança das outras prestações, o pagamento do subsídio de educação especial, é efetuado, regra geral, diretamente aos beneficiários, sendo que o pagamento aos prestadores de serviços a pedido do requerente só pode ser efetuado quando devidamente fundamentado.

Este subsídio “é uma comparticipação às famílias e não o pagamento direto aos técnicos que prestam os apoios”, sustenta.

O pagamento só pode ser feito aos prestadores de serviços em “situações excecionais”: “Por iniciativa dos serviços quando, de modo reiterado, o encarregado de educação não utiliza o subsídio para o fim a que se destina”, e a pedido do requerente devidamente fundamentado. (...)

Relativamente à falta de pagamento por parte dos encarregados de educação, a Segurança Social salienta que “os prestadores de serviços devem reportar a situação à escola de modo a aferir a necessidade de haver lugar ao procedimento excecional de pagamento a terceiros”.

Segundo o ISS, “os requerimentos de pagamento direto aos prestadores de serviços devidamente fundamentados foram analisados”, tendo sido deferidos todos que tinham fundamento reconhecido.

Fonte: O Observador por indicação de Livresco

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Relatório Eurydice: "Tempo de instrução integral anual recomendado para o ensino obrigatório na Europa 2014/15"

O relatório da Eurydice sobre a carga horária letiva anual recomendada no ensino obrigatório a tempo inteiro na Europa 2014/2015 faz uma análise comparativa que sugere que os países apresentam uma carga horária semelhante no ensino obrigatório no que respeita às competências básicas. 
No ensino primário, a maioria dos países disponibiliza mais tempo à leitura, escrita e literatura (cerca de 25% da carga horária total). Para a Matemática é disponibilizada cerca de 15% da carga horária total. Muitos países optam por disponibilizar mais tempo às línguas estrangeiras no ensino obrigatório secundário. O relatório conclui igualmente que só uma minoria de países permitem uma atribuição flexível da carga horária entre os diferentes anos. Participaram no estudo os 28 países da União Europeia, assim como a Islândia, Liechtenstein, Montenegro, Noruega, Sérvia e Turquia, sendo o ano de referência 2014/2015.


Fonte: CNE

PISA: quinze anos depois

Uma maneira de aquilatar a qualidade do nosso desempenho é compará-lo com o desempenho de outros. Isto parece óbvio. Parece porque, na verdade, estas comparações têm uma componente de utilidade na medida em que nos indicam qual efetividade dos nossos esforços face a determinadas metas mas, por outro lado, lançam a ideia que todos os que estamos na linha de partida só somos influenciados pelo nosso desempenho e não por fatores muitas vezes ocultos mas que são determinantes para o desempenho final.

Nos sistemas educativos desenvolveram-se nos últimos anos programas de avaliação transnacional do qual o mais conhecido e citado é o PISA (Programme for International Student Assessment) da responsabilidade da OCDE.

Passados 15 anos do seu lançamento este programa é objeto de uma sumária avaliação por parte do seu principal impulsionador Andreas Scheicher. Esta avaliação é de uma importância central para quem se preocupa com a delineação de políticas educacionais se pergunta o “como” e o “porquê” do desenvolvimento dos sistemas educativos. O comentário à avaliação do programa PISA não cabe no âmbito de um artigo de opinião com esta dimensão, mas gostaria de partilhar quatro comentários.

O PISA é, como o nome indica sobre “student assessment”, isto é, sobre os resultados que os alunos de 15 anos conseguiram em certas matérias. Assim, os resultados do PISA têm a ver com a aprendizagem destas matérias e, quando muito, com a relação que têm com o trabalho dos professores. Diríamos que se trata de um programa que avalia os resultados do ensino e da aprendizagem a nível transnacional de alunos na faixa etária dos 15 anos. O certo é que cada vez mais se ouve citar as estatísticas e resultados do PISA para falar de Educação. Ora, estamos a falar de coisas diferentes. O “student assessment” é uma parte (importante e certamente decisiva) dos resultados da Educação, mas não é a única nem exclusiva. Dizer que um sistema educativo é melhor que outro só porque os alunos de um têm melhores resultados em Matemática ou Língua Materna é muito redutor. A Educação é mais do que isso: tem a ver com a possibilidade de adquirir atitudes, de entender de forma integrada o mundo, de saber ser cidadão, relacionar-se com os outros, participar socialmente, entender a cultura, etc. Estas competências que não estão incluídas na avaliação do PISA. Não confundamos portanto o PISA com Educação. Tem a ver com Educação mas não resume tudo o que a Educação implica.

A avaliação do PISA mostra-nos que o montante de dinheiro investido na Educação é menos importante do que como é gasto este dinheiro. Compara-se por exemplo países como a República Eslovaca e os Estados Unidos que gastando verbas muito diferentes conseguem resultados semelhantes. Será que este dado pode fundamentar a opinião que em países que reduziram o seu investimento na Educação (como por exemplo Portugal), esta redução não vai ter qualquer influência nos resultados dos alunos? Parece muito imprudente e mesmo injusto fazer uma afirmação deste teor. Vejamos: quais são os serviços que a Educação presta para além do ensino e da aprendizagem nestes países? Qual é o nível de satisfação dos docentes com a sua carreira? Qual é satisfação das famílias em relação ao sistema educativo de cada país? Quais são as oportunidades de apoio dadas a alunos com dificuldades? Enfim muitas perguntas que ficam por responder se só olharmos para os resultados do “student assessment”.

Contesta-se também, nesta avaliação, que a qualidade e a personalização do ensino tenham a ver com o tamanho das classes. Sabemos que isso é verdade: um professor pode dar uma aula “magistral” para cinco alunos e dar uma aula personalizada para trinta e cinco. O investimento para que o ensino possa ser personalizado depende como diz esta avaliação mais “de salários competitivos dos docentes, da formação contínua e de horários de trabalho equilibrados”. Muito bem. Mas, o que será que acontece quando se aumenta o número de alunos sem acautelar estes outros fatores que podem diminuir o impacto do aumento de alunos por turma? Parece óbvio que, se só se aumentar o número de alunos por turma sem outras medidas, só pode resultar em diminuição da qualidade dos resultados.

Esta avaliação traz-nos muitos pontos adicionais de reflexão, como por exemplo que a pobreza não é uma fatalidade e que estudantes de meios similares podem obter resultados escolares muito diferentes conforme a sua escola e o seu país. A avaliação destaca ainda a importância das expectativas positivas dos professores para o sucesso dos alunos. Para todos os alunos, mas mais ainda para os alunos que provêm de meios menos favorecidos. A semana passada encontrei uma famosa professora universitária americana que, numa conferência, declarou que era oriunda de um meio muito pobre e degradado nos Estados Unidos e que estava ali porque uma professora da sua escola primária lhe disse: ”Eu acredito que tu podes ir até onde quiseres. Diz-me eu vou contigo”.

Precisamos de professores, de pais, de escolas e de comunidades que digam isto às crianças e aos jovens: “Acredito em ti. Conta comigo”. Precisamos de continuar a considerar o investimento em Educação fundamental. As escolas de hoje modelam as sociedades do futuro não só em conhecimentos e em humanidade. Precisamos ainda de apostar nos professores: professores desmotivados, submersos em burocracia, receosos da mudança, não são capazes de confiar nos seus alunos, não conseguem levá-los até onde eles querem ir.

A avaliação de programas transnacionais, como o PISA, é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre a Educação que temos e a Educação que queremos. E sobretudo levantar os olhos de quotidianos desencantados. Para o futuro.

David Rodrigues

Presidente da Pró – Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Público

quinta-feira, 25 de junho de 2015

O que não se discute sobre os exames nacionais

Confesso: sou um crítico dos exames nacionais. Só que, ao contrário de outros críticos que leio nos jornais, não é tanto a quantidade de exames (se são muitos ou poucos), nem o seu grau de dificuldade (se cada um dos exames foi considerado fácil ou difícil) que me preocupam – não sou contra a existência de exames e não sei avaliar a sua dificuldade, pelo que esses são debates em que evito participar. Não que essas questões sejam irrelevantes, o que são é questões circunstanciais, que dependem sobretudo de ajustes e não de grandes opções estratégicas – é fácil, de um ano para o outro, diminuir ou aumentar o número de exames, tal como é simples manipular a sua dificuldade. Ora, o que me preocupa realmente é algo que está na raiz dos exames: estão completamente desfasados das necessidades de aprendizagem dos alunos. Por duas razões: porque os professores/diretores não os usam para melhorar as aprendizagens e, sobretudo, porque o modelo de exame nacional português consiste em executar e replicar conhecimentos aprendidos de cor, em vez de estimular o pensamento crítico e o raciocínio.

1. A primeira foi exposta por Hélder de Sousa, diretor do organismo responsável pelos exames nacionais (IAVE), que lançou o mote em entrevista ao Público: os exames não estão a gerar melhorias das aprendizagens. E, em boa verdade, a culpa nem é dos exames. Tratando-se de um instrumento de diagnóstico das aprendizagens e dificuldades dos alunos, exigir-se-ia que os relatórios sobre os exames (que apontam para os pontos fortes e fracos dos alunos) fossem lidos com toda a atenção por diretores e professores, no sentido de adequarem as suas práticas pedagógicas. Só que isso não acontece e há nas escolas demasiada gente a lavar as mãos dos resultados e das dificuldades dos alunos. E, como não acontece, ano após ano, os diagnósticos repetem-se, os pontos fracos nunca desaparecem e, nas escolas, os professores dão as mesmas aulas e da mesma maneira. Como se costuma dizer, só os loucos acreditam que a mesma ação repetida sucessivamente pode gerar resultados diferentes. E como nem os diretores nem os professores são loucos, o que existe é uma desresponsabilização geral face às fragilidades dos alunos. A função construtiva dos exames, que é diagnosticar problemas e ajudar à melhoria, fica muito aquém do desejável.

2. Essa desresponsabilização é apenas a ponta do icebergue de um problema mais profundo nos exames nacionais, que é a sua adequação às necessidades de aprendizagem dos alunos na sua preparação para a vida adulta. E esse é um problema estratégico e de difícil resolução.

De há vinte anos para cá, através da internet e da multiplicação de meios de comunicação, o acesso ao conhecimento mudou estruturalmente. Vivemos tempos em que o conhecimento está à distância de um clique e de uma ligação à rede-sem-fios. Quem antes queria saber o nome de um rio, em que cidade nasceu Napoleão Bonaparte ou o ano da descoberta da penicilina tinha de perder uma tarde na biblioteca e aprender tudo de cor para lá não ter de regressar. Hoje, é bem mais simples – basta procurar no Google, a informação está ali em permanência, à espera que a encontremos. Ora, isso tem consequências na educação. Num mundo onde a informação está disponível a todos, o que faz a diferença já não é a informação em si, mas o que se faz com ela. Dito de outro modo, preparar os jovens de hoje para os desafios de amanhã não passa por transformá-los em enciclopédias, mas em ajudá-los a pensar por si próprios. Por isso, o que os nossos jovens precisam da escola, para além da óbvia aquisição dos conhecimentos básicos, é sobretudo a criação de ferramentas intelectuais que lhes permitam articular a informação disponível e os seus conhecimentos, formular ideias, desenvolver raciocínios e resolver problemas.

Ora, não é coincidência que a resolução de problemas e o pensamento abstrato sejam domínios particularmente difíceis para os alunos portugueses que, de acordo com a avaliação PISA 2012 da OCDE (Vol. 5), são bons a replicar conhecimentos e a executar ordens, mas piores a raciocinar, a procurar as suas próprias soluções ou a questionar os seus conhecimentos. E digo que não é coincidência porque acredito que a raiz do problema está no modelo dos nossos exames nacionais.

É inquestionável que os exames determinam o modo como as aprendizagens são adquiridas, porque estabelecem o padrão de avaliação que se traduzirá em sucesso ou insucesso. Se um exame tiver 20 perguntas curtas de resposta múltipla, os alunos vão decorar o manual de trás para a frente para acertar nas respostas. É como estudar para o exame de código para tirar a carta de condução – decora-se tudo para dois dias após o exame não nos lembrarmos de nada. Mas, num cenário diferente, no caso de o exame ser composto unicamente por uma pergunta de desenvolvimento, então os alunos terão de mostrar que sabem refletir sobre um tema, tomar opções e articular todas as suas aprendizagens numa resposta com cabeça, tronco e membros. Ora, o que acontece com os nossos exames nacionais é que, em vez de testar a capacidade de os alunos articularem os seus conhecimentos em perguntas de desenvolvimento, os jovens estão a ser treinados para o Quem Quer Ser Milionário. Por exemplo, no ano passado, os exames nacionais de História A e Filosofia duraram 2 horas e tiveram 12 e 16 perguntas, respetivamente. Só para comparar, o exame nacional de Filosofia em França dura 4 horas e tem apenas uma pergunta.

3. Retomando o início, a minha crítica resume-se assim: os exames nacionais estão desligados das necessidades educativas dos alunos. Seja porque os professores não os usam para adequar as suas práticas pedagógicas e melhorar as aprendizagens dos alunos. Seja porque, na sua raiz, se focam demasiado na exibição de conhecimentos adquiridos, em prejuízo do estímulo à reflexão, ao espírito crítico, ao desenvolvimento de textos – e, assim, condicionam a aquisição dessas competências nas escolas, pois os professores ensinam em função do modelo de exame (o modelo de avaliação vigente). Não haverá muitos outros temas que, no debate público, ocupem anualmente tantas páginas como o dos exames nacionais. São muitos, são poucos, são fáceis, são difíceis, são rigorosos, são instrumentalizados pelo Governo, toda a gente tem uma opinião. No entanto, parece que o essencial, que é a qualidade das aprendizagens dos alunos, fica sempre esquecido do debate.

Alexandre Homem Cristo

Fonte: Observador

Crianças acolhidas em famílias e não em lares

Nova lei prevê acolhimento familiar de crianças até aos seis anos, mas não há famílias disponíveis.

O Governo quer que as crianças até aos seis anos que são retiradas aos pais sejam integradas em famílias de acolhimento em vez de irem para instituições. O objetivo é dar-lhes um ambiente acolhedor enquanto aguardam uma solução para o futuro, que pode passar pelo regresso a casa ou pela adoção. Mas esta aposta da nova lei de promoção e proteção, em debate no Parlamento, pode não passar do papel se continuar a ser difícil recrutar famílias para cuidar destas crianças (em Lisboa, por exemplo, tem sido impossível).

O acolhimento familiar já está previsto na lei atual para todos os menores, mas raramente é aplicado pelos juízes porque não há famílias disponíveis. A nova lei quer agora que seja privilegiada «a aplicação da medida de acolhimento familiar sobre a de acolhimento residencial, em especial relativamente a crianças até aos seis anos de idade». Mas quem está no terreno duvida que colocar esta intenção na lei seja suficiente para tornar a medida uma realidade.

Em 2013, havia só 374 crianças integradas em famílias de acolhimento – 4,4 % dos menores que estão no sistema de acolhimento. São quase todas do norte do país e em Lisboa não há nenhuma. Segundo a Segurança Social, 90% dos menores que em 2013 estavam à guarda do Estado (7.530) viviam em lares e centros de acolhimento, instituições com dezenas de menores e onde o acompanhamento é feito por técnicos.

Temem afeiçoar-se à criança

«Os tribunais não decretam esta medida porque não há uma bolsa de famílias», disse (...) Teresa Antunes, responsável pela unidade de adoção, apadrinhamento civil e acolhimento familiar da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, responsável por este serviço na capital. «Fizemos várias tentativas para sensibilizar as pessoas, mas estas desistem quando percebem o nível de compromisso que isso exige», acrescenta. Teresa Antunes considera que a falta de informação não justifica a inexistência de famílias em Lisboa e aponta outras razões: os casais temem afeiçoar-se à criança que depois têm de entregar e são pouco recetivos a uma das missões da família de acolhimento que é facilitar, e até mediar, a relação da criança com a família de origem. Isto porque o objetivo é esta regressar a casa quando os pais tiverem condições para recebê-la.

O facto de não saberem que criança virá, quando e por quanto tempo são outros fatores que dificultam a adesão dos casais. «A lei diz que é uma medida transitória mas na prática as crianças acabam por ficar algum tempo», acrescenta Teresa Antunes. A Segurança Social diz que 60% das crianças ficam mais de cinco anos em acolhimento.

Muito diferente da adopção

Há também muita confusão entre acolhimento familiar e adoção, diz (...) Celina Cláudio, da Mundos de Vida, associação que recruta, forma e acompanha 114 famílias de acolhimento no norte do país. «São motivações completamente diferentes: quem quer adotar quer um filho, tem um desejo de maternidade. Aqui trata-se de abrir a porta de casa e receber uma criança». Por isso, quem se alista para ser família de acolhimento não pode ser candidato à adoção. «Se assim fosse, a família de acolhimento não iria promover o contacto com a família biológica e podia até boicotá-lo», alerta Celina Cláudio. A lei não deve por isso baralhar estes dois conceitos, defende a técnica, e as famílias de acolhimento devem ser proibidas de adotar: «Senão, seria uma subversão do sistema e as pessoas poderiam encarar isto como uma via mais rápida para a adoção».

O Instituto da Segurança Social explicou (...) que as famílias candidatas ao acolhimento são submetidas à «aferição de critérios pré-definidos e transparentes, incluindo a avaliação das suas capacidades do ponto de vista dos cuidados a prestar». E sublinhou que o objetivo «é a prestação dos cuidados à criança até ser possível a sua reintegração na família biológica, a sua autonomização ou a sua integração numa família candidata à sua adopção». As famílias candidatas são por isso habilitadas «para acolher e não para adotar».

A lei prevê a possibilidade de a criança ser adoptada se não houver condições de regressar à sua família. Mas nesse caso, não será a família de acolhimento a adotá-la mas outra que conste da lista de candidatos à adoção.

Fonte: Sol