A democracia e a liberdade permitiram, com forte investimento público de todos os portugueses, escolarizar toda a população jovem. E esse é um ganho notável que nunca devemos deixar de celebrar. Mas, é preciso olhar com mais atenção e espírito crítico para as “conquistas educativas da democracia”, pois elas comportam uma face oculta e menos digna e, hoje, é sobre ela que quero falar. Existem os herdeiros e existem os deserdados e nem só dos herdeiros deve versar a história que estamos a fazer, aqui e agora.
Acontece que a educação escolar é isso mesmo, uma construção social, um fruto de certas opções culturais e de uma série histórica de decisões políticas. É verdade que se trata de uma construção cultural poderosa e democrática, mas, ao mesmo tempo, é uma construção social frágil e injusta.
Como o Conselho Nacional de Educação tem vindo a alertar desde 2010, com a publicação anual do “Estado da Educação”, o gigantesco e centralizado “sistema produtivo” escolar gera ainda hoje enormes caudais de insucesso e de abandono. Focados na escolarização de todos, numa perspectiva política e numa finalidade social muito justa e coletiva, estamos menos disponíveis para olhar com atenção e com o máximo cuidado para as crianças, os adolescentes e os jovens que vamos deixando pelo caminho.
Aprendemos a construir mecanismos que nos impedem de olhar para estes, os deserdados, como um problema, como uma chaga social. Na verdade, concebemos, como parte desta mesma construção social que é a escola, um conjunto de mecanismos subtis para justificar a nossa incapacidade não só para acolher todos como para proporcionar a cada um(a) o melhor caminho educativo escolar. O problema é sempre do aluno e da aluna porque: não estudam, não trabalham, não aprendem, não estão quietos, não têm apoio dos pais, reprovam e não aproveitam mais um ano para recuperar, têm aulas de recuperação e cursos especiais e não agarram a oportunidade, não querem andar na escola,... a culpa é do aluno(a), porventura é da família ou até do sistema... que dá a todos o mesmo, com equidade...
E seguimos em frente, é a vida! É o que é! Ainda por cima, existem agora cursos especificamente criados para alunos que já reprovaram duas vezes até ao 6.º ano e muitos deles nem isso aproveitam! Realmente, além de não quererem aprender, são uns ingratos!
É preciso sermos claros: a escola, não os outros e as outras instituições, gera todos os anos um caudal de desperdício humano que perverte os seus melhores ideais e que contamina gravemente a sociedade portuguesa. São vários milhares e têm voltado a crescer nos últimos anos (com repetências já acumuladas, a frequentar o 3.º ciclo, eram cerca de 30 mil em cada um dos anos, em 2012/13, ou seja cerca de 26% do total dos alunos do ciclo, e sabemos que uma boa parte destes – 16% a 20% - abandonarão a escola sem qualificação escolar ou profissional): vão reprovando, vão dando muitos sinais de insatisfação e de incomodidade com a escola, vão-se ausentando da escola, são “sinalizados” junto das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), aninham-se nos bairros, no fazer-nada e na pequena delinquência, vão sendo mais ou menos acompanhados, até que são mesmo “riscados” destas listas, até porque em cada novo ano letivo surge um novo caudal, vigoroso e dramático. Todos atuarão dentro da legalidade, mas todos falham. Reconheço que é duro falar nestes termos, mas qual é a instituição social que hoje acolhe todos os cidadãos e os obriga a nela permanecer pelo menos durante doze anos (após os 6 anos de idade), sem que possam fazer qualquer outra coisa na vida, e depois condena boa parte ao insucesso e ao abandono?
O que significa empurrar estes alunos do insucesso e do abandono para a margem? Eles incomodam, eu sei; eles “desestabilizam as turmas”, eu também sei; eles “dão cabo” do clima das escolas, é o que ouço dizer continuamente. Então a solução é riscá-los das instituições escolares? E depois das listas das CPCJ? E depois de qualquer lugar com laço social? O que é essa margem? Entre essa margem e a marginalidade seremos capazes de pensar e estabelecer uma fronteira? E entre esta margem e tantos milhares de vidas desorientadas, em perda de identidade e de vinculação, em deslaçamento sucessivo, qual é a fronteira? E entre estas vidas e a insegurança das nossas cidades, os delitos permanentes, a circulação e o consumo de drogas, qual é a fronteira? E entre essa margem e uma cidade partida aos bocados, indigna, tensa e agressiva?
A minha posição é clara: primeiro, o problema existe, é grave, está focado nas escolas e de nada adianta jogar ao faz-de-conta e ao passa-culpas; segundo, também não adianta, numa hipocrisia social assustadora, incluir estes alunos em turmas “normais”, só porque é bonito e democrático e politicamente muito correto; terceiro, é ainda às escolas que compete tomar a dianteira da ação, com o apoio inequívoco do MEC, o incentivo das autarquias, o apoio das comunidades locais, do ensino livre, das iniciativas de cidadãos. O que faz falta é gerar outros modos de ação pedagógica e de organização escolar e proporcionar nas escolas outras propostas socioeducativas, pois para violência social já chega obrigar todos os cidadãos a comerem o mesmo “prato” e “angelicamente” esperarmos que todos comam tudo, ao mesmo tempo, com a mesma vontade e com o mesmo grau de satisfação, durante doze anos seguidos. Estamos à espera que os elefantes voem!
Por um lado, enchemos tanto a boca com a equidade e esquecemos a justiça! Enchemos, por vezes, a boca com a justiça e esquecemos o cuidado para com cada um(a)! Os fins parece que continuam a ser, para tantos e depois de tantos desastres, o grau máximo da realização social e política.
Por outro, continuamos a impedir que as escolas e os profissionais de ensino encontrem as melhores soluções pedagógicas para cada aluno, em diálogo com as famílias, pois a elite política dirigente continua a acreditar nos milagres educativos da 5 de Outubro, que tudo tem de controlar!
Temos de parar para pensar, temos de proporcionar a cada um(a) desses alunos mais tempo, gerar outras práticas pedagógicas e outras modalidades de gestão do tempo escolar, dar mais atenção, tempo e proximidade, criar outros modos de conquistar saberes e conhecimento, pois não há pessoas não educáveis e as escolas não devem cair em “alternativas” escolares para cidadãos-não, ou fabricar estes cidadãos-não e deitá-los pela porta fora, assim escolarmente certificados.
De facto (e ainda bem), falamos já bastante em equidade e justiça, mas elas, traduzidas no acesso de todos à escola, são manifestamente insuficientes, precisam de ser temperadas com outra humanidade, com uma ética do cuidado e com misericórdia, ou seja, com coragem para parar a acelerada “laranja mecânica” escolar, ir ao encontro de quem está a ser empurrado para fora e a ficar para trás, na beira do caminho, e dar de novo a outra mão a quem corre o risco de ficar sem direito à verdadeira herança escolar, que é a dignidade, a cultura e a cidadania. Um em cada cinco portugueses está a ser escolarmente deserdado desta cidadania.
Ou seja, quando estamos ainda a meio da construção de oportunidades educativas de qualidade para todos e com cada um(a), não podemos deitar a toalha ao chão; é o próprio sentido e missão da instituição escolar no seu todo que estão a ser profundamente abalados. É a própria democracia (que é qualidade, não apenas quantidade) e as suas instituições (o regime) que ficam em causa.
Estes adolescentes, que as escolas rejeitam e que rejeitam esta escola, precisam de uma outra proposta socioeducativa concreta, humanamente arrebatadora, que os mobilize, que os retire da margem e os enlace em algo claro, concreto, útil; precisam de uma centelha de esperança, mas que seja muito rigorosa; precisam de mais tempo (como temos visto no Porto, no Arco Maior, que acolhe estes jovens), de um destemido carinho, de mais apoio pessoal e de quem lhes volte a proporcionar uma casa de educação que seja um corajoso lugar antropológico para cada um(a), para aí continuarem a crescer e a saber-poder mobilizar capacidades próprias, para virem a pousar um pé firme e, assim, quem sabe, a levantarem-se do chão...
E um pé firme não se alcança nem atirando-os para cima das turmas “normais” (melhor seria normalizadas), que os rejeitam e que eles rejeitam, nem frequentando cursos pedagógica e educativamente pobres, ou seja, sem isto, sem aquilo, sem horas, sem docentes habilitados, sem alma, apenas porque “eles”, coitados, não são capazes, não foram talhados para a escola de primeira. Em educação não há percursos-não e, se os há, isso é seleção de pessoas, não é educação. Se criarmos esses percursos, como se tem feito repetidamente, ao longo dos últimos vinte anos, já não estamos a educar, estaremos quando muito a encurralar cidadãos.
E se não é cada escola e cada comunidade local a agir (com todo o tipo de cooperações e compromissos sociais locais), com um inequívoco apoio do MEC, quem é que vai atuar? Admitimos, por acaso, que as escolas privadas e públicas fiquem com as carnes (para ficarem bem colocadas nos rankings) e deitem os ossos aos cães, na suposição de que não é nada consigo e de que uma alma caridosa qualquer do setor social e solidário ou uma prisão irão substituir e completar a sua missão? Que dignidade institucional é esta, que funda a sua pertinência social em pautas assinadas e penduradas nas paredes, que atestam os alunos-sim e os alunos-não, os cidadãos-sim e os cidadãos-não e nada mais? Se os deserdados da escola não são, ainda e sempre, parte da política pública de educação, que raio de política pública é esta, tão seletiva, injusta, violenta e potenciadora de ainda mais violência social?
Conheço muitas escolas e municípios que querem agir adequadamente diante destas situações, o país tem professores e formadores muito habilitados, conheço muitas CPCJ que querem estimular e apoiar outras oportunidades educativas, muitas instituições sociais disponíveis para apoiar estes recomeços de vida de muitos adolescentes e jovens, sei de muitos destes que anseiam sair da “Rua da Margem”, mas temos todos medo, muito medo. Medo de quê, meu Deus?! É mesmo este medo que nos deprime e mata!
Nos municípios onde este problema existe (duvido que não exista em todos, em escalas muito diversas), valeria a pena as escolas, as CPCJ, a comunidade local e o MEC darem as mãos e colocarem “as imaginações” em conjunto para evitarem este gravíssimo desperdício humano, um lixo que se vai varrendo para debaixo do tapete da democracia, como se os 16-20% dos portugueses que ficam sem a nova escolaridade obrigatória fossem apenas uma minoria desqualificada, desinteressante, reles e vagabunda, portanto, desprezível para os restantes. Não é fácil, mas é possível e, digo eu, irrecusável, obrigatório.
Acontece que a educação escolar é isso mesmo, uma construção social, um fruto de certas opções culturais e de uma série histórica de decisões políticas. É verdade que se trata de uma construção cultural poderosa e democrática, mas, ao mesmo tempo, é uma construção social frágil e injusta.
Como o Conselho Nacional de Educação tem vindo a alertar desde 2010, com a publicação anual do “Estado da Educação”, o gigantesco e centralizado “sistema produtivo” escolar gera ainda hoje enormes caudais de insucesso e de abandono. Focados na escolarização de todos, numa perspectiva política e numa finalidade social muito justa e coletiva, estamos menos disponíveis para olhar com atenção e com o máximo cuidado para as crianças, os adolescentes e os jovens que vamos deixando pelo caminho.
Aprendemos a construir mecanismos que nos impedem de olhar para estes, os deserdados, como um problema, como uma chaga social. Na verdade, concebemos, como parte desta mesma construção social que é a escola, um conjunto de mecanismos subtis para justificar a nossa incapacidade não só para acolher todos como para proporcionar a cada um(a) o melhor caminho educativo escolar. O problema é sempre do aluno e da aluna porque: não estudam, não trabalham, não aprendem, não estão quietos, não têm apoio dos pais, reprovam e não aproveitam mais um ano para recuperar, têm aulas de recuperação e cursos especiais e não agarram a oportunidade, não querem andar na escola,... a culpa é do aluno(a), porventura é da família ou até do sistema... que dá a todos o mesmo, com equidade...
E seguimos em frente, é a vida! É o que é! Ainda por cima, existem agora cursos especificamente criados para alunos que já reprovaram duas vezes até ao 6.º ano e muitos deles nem isso aproveitam! Realmente, além de não quererem aprender, são uns ingratos!
É preciso sermos claros: a escola, não os outros e as outras instituições, gera todos os anos um caudal de desperdício humano que perverte os seus melhores ideais e que contamina gravemente a sociedade portuguesa. São vários milhares e têm voltado a crescer nos últimos anos (com repetências já acumuladas, a frequentar o 3.º ciclo, eram cerca de 30 mil em cada um dos anos, em 2012/13, ou seja cerca de 26% do total dos alunos do ciclo, e sabemos que uma boa parte destes – 16% a 20% - abandonarão a escola sem qualificação escolar ou profissional): vão reprovando, vão dando muitos sinais de insatisfação e de incomodidade com a escola, vão-se ausentando da escola, são “sinalizados” junto das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), aninham-se nos bairros, no fazer-nada e na pequena delinquência, vão sendo mais ou menos acompanhados, até que são mesmo “riscados” destas listas, até porque em cada novo ano letivo surge um novo caudal, vigoroso e dramático. Todos atuarão dentro da legalidade, mas todos falham. Reconheço que é duro falar nestes termos, mas qual é a instituição social que hoje acolhe todos os cidadãos e os obriga a nela permanecer pelo menos durante doze anos (após os 6 anos de idade), sem que possam fazer qualquer outra coisa na vida, e depois condena boa parte ao insucesso e ao abandono?
O que significa empurrar estes alunos do insucesso e do abandono para a margem? Eles incomodam, eu sei; eles “desestabilizam as turmas”, eu também sei; eles “dão cabo” do clima das escolas, é o que ouço dizer continuamente. Então a solução é riscá-los das instituições escolares? E depois das listas das CPCJ? E depois de qualquer lugar com laço social? O que é essa margem? Entre essa margem e a marginalidade seremos capazes de pensar e estabelecer uma fronteira? E entre esta margem e tantos milhares de vidas desorientadas, em perda de identidade e de vinculação, em deslaçamento sucessivo, qual é a fronteira? E entre estas vidas e a insegurança das nossas cidades, os delitos permanentes, a circulação e o consumo de drogas, qual é a fronteira? E entre essa margem e uma cidade partida aos bocados, indigna, tensa e agressiva?
A minha posição é clara: primeiro, o problema existe, é grave, está focado nas escolas e de nada adianta jogar ao faz-de-conta e ao passa-culpas; segundo, também não adianta, numa hipocrisia social assustadora, incluir estes alunos em turmas “normais”, só porque é bonito e democrático e politicamente muito correto; terceiro, é ainda às escolas que compete tomar a dianteira da ação, com o apoio inequívoco do MEC, o incentivo das autarquias, o apoio das comunidades locais, do ensino livre, das iniciativas de cidadãos. O que faz falta é gerar outros modos de ação pedagógica e de organização escolar e proporcionar nas escolas outras propostas socioeducativas, pois para violência social já chega obrigar todos os cidadãos a comerem o mesmo “prato” e “angelicamente” esperarmos que todos comam tudo, ao mesmo tempo, com a mesma vontade e com o mesmo grau de satisfação, durante doze anos seguidos. Estamos à espera que os elefantes voem!
Por um lado, enchemos tanto a boca com a equidade e esquecemos a justiça! Enchemos, por vezes, a boca com a justiça e esquecemos o cuidado para com cada um(a)! Os fins parece que continuam a ser, para tantos e depois de tantos desastres, o grau máximo da realização social e política.
Por outro, continuamos a impedir que as escolas e os profissionais de ensino encontrem as melhores soluções pedagógicas para cada aluno, em diálogo com as famílias, pois a elite política dirigente continua a acreditar nos milagres educativos da 5 de Outubro, que tudo tem de controlar!
Temos de parar para pensar, temos de proporcionar a cada um(a) desses alunos mais tempo, gerar outras práticas pedagógicas e outras modalidades de gestão do tempo escolar, dar mais atenção, tempo e proximidade, criar outros modos de conquistar saberes e conhecimento, pois não há pessoas não educáveis e as escolas não devem cair em “alternativas” escolares para cidadãos-não, ou fabricar estes cidadãos-não e deitá-los pela porta fora, assim escolarmente certificados.
De facto (e ainda bem), falamos já bastante em equidade e justiça, mas elas, traduzidas no acesso de todos à escola, são manifestamente insuficientes, precisam de ser temperadas com outra humanidade, com uma ética do cuidado e com misericórdia, ou seja, com coragem para parar a acelerada “laranja mecânica” escolar, ir ao encontro de quem está a ser empurrado para fora e a ficar para trás, na beira do caminho, e dar de novo a outra mão a quem corre o risco de ficar sem direito à verdadeira herança escolar, que é a dignidade, a cultura e a cidadania. Um em cada cinco portugueses está a ser escolarmente deserdado desta cidadania.
Ou seja, quando estamos ainda a meio da construção de oportunidades educativas de qualidade para todos e com cada um(a), não podemos deitar a toalha ao chão; é o próprio sentido e missão da instituição escolar no seu todo que estão a ser profundamente abalados. É a própria democracia (que é qualidade, não apenas quantidade) e as suas instituições (o regime) que ficam em causa.
Estes adolescentes, que as escolas rejeitam e que rejeitam esta escola, precisam de uma outra proposta socioeducativa concreta, humanamente arrebatadora, que os mobilize, que os retire da margem e os enlace em algo claro, concreto, útil; precisam de uma centelha de esperança, mas que seja muito rigorosa; precisam de mais tempo (como temos visto no Porto, no Arco Maior, que acolhe estes jovens), de um destemido carinho, de mais apoio pessoal e de quem lhes volte a proporcionar uma casa de educação que seja um corajoso lugar antropológico para cada um(a), para aí continuarem a crescer e a saber-poder mobilizar capacidades próprias, para virem a pousar um pé firme e, assim, quem sabe, a levantarem-se do chão...
E um pé firme não se alcança nem atirando-os para cima das turmas “normais” (melhor seria normalizadas), que os rejeitam e que eles rejeitam, nem frequentando cursos pedagógica e educativamente pobres, ou seja, sem isto, sem aquilo, sem horas, sem docentes habilitados, sem alma, apenas porque “eles”, coitados, não são capazes, não foram talhados para a escola de primeira. Em educação não há percursos-não e, se os há, isso é seleção de pessoas, não é educação. Se criarmos esses percursos, como se tem feito repetidamente, ao longo dos últimos vinte anos, já não estamos a educar, estaremos quando muito a encurralar cidadãos.
E se não é cada escola e cada comunidade local a agir (com todo o tipo de cooperações e compromissos sociais locais), com um inequívoco apoio do MEC, quem é que vai atuar? Admitimos, por acaso, que as escolas privadas e públicas fiquem com as carnes (para ficarem bem colocadas nos rankings) e deitem os ossos aos cães, na suposição de que não é nada consigo e de que uma alma caridosa qualquer do setor social e solidário ou uma prisão irão substituir e completar a sua missão? Que dignidade institucional é esta, que funda a sua pertinência social em pautas assinadas e penduradas nas paredes, que atestam os alunos-sim e os alunos-não, os cidadãos-sim e os cidadãos-não e nada mais? Se os deserdados da escola não são, ainda e sempre, parte da política pública de educação, que raio de política pública é esta, tão seletiva, injusta, violenta e potenciadora de ainda mais violência social?
Conheço muitas escolas e municípios que querem agir adequadamente diante destas situações, o país tem professores e formadores muito habilitados, conheço muitas CPCJ que querem estimular e apoiar outras oportunidades educativas, muitas instituições sociais disponíveis para apoiar estes recomeços de vida de muitos adolescentes e jovens, sei de muitos destes que anseiam sair da “Rua da Margem”, mas temos todos medo, muito medo. Medo de quê, meu Deus?! É mesmo este medo que nos deprime e mata!
Nos municípios onde este problema existe (duvido que não exista em todos, em escalas muito diversas), valeria a pena as escolas, as CPCJ, a comunidade local e o MEC darem as mãos e colocarem “as imaginações” em conjunto para evitarem este gravíssimo desperdício humano, um lixo que se vai varrendo para debaixo do tapete da democracia, como se os 16-20% dos portugueses que ficam sem a nova escolaridade obrigatória fossem apenas uma minoria desqualificada, desinteressante, reles e vagabunda, portanto, desprezível para os restantes. Não é fácil, mas é possível e, digo eu, irrecusável, obrigatório.
Joaquim Azevedo
Professor Universitário, ex-secretário de Estado da Educação
In: Público
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