quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Promulgado diploma que reconhece docentes de Língua Gestual

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou este terça-feira o diploma do Governo que cria o grupo de recrutamento de professores de Língua Gestual Portuguesa, que passam assim a ser reconhecidos como docentes e não como técnicos.

"O Presidente da República promulgou o diploma do Governo que cria o grupo de recrutamento da Língua Gestual Portuguesa, e aprova as condições de acesso dos docentes da Língua Gestual Portuguesa ao concurso externo de seleção e recrutamento do pessoal docente", lê-se numa nota colocada no site da Presidência na Internet.

No final de janeiro, após a aprovação do diploma, o Ministério da Educação sustentou que a criação do grupo de recrutamento para os 88 professores de Língua Gestual Portuguesa (LGP), que os passa a reconhecer como docentes e não técnicos, vem corresponder ao seu "justo anseio".

"Este diploma põe termo a uma situação que era premente resolver, reconhecendo aos formadores de Língua Gestual Portuguesa a integração na carreira docente, criando, para o efeito, o respetivo grupo de recrutamento. A estes docentes aplica-se o regime previsto no Estatuto da Carreira Docente, nomeadamente em matéria de vinculação, progressão e reposicionamento. Trata-se, assim, de corresponder ao justo anseio destes docentes", sublinhava uma nota do Ministério da Educação (ME).

O diploma deve produzir efeitos já a partir do próximo ano letivo.

Fonte: SIC

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Conferência Internacional "Bullying & Pessoas com Deficiência"

Irá realizar-se, no dia 9 de março de 2018, no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, a Conferência Internacional "Bullying & Pessoas com Deficiência".
A Conferência abordará a temática do disablist bullyingbullying para com as pessoas com deficiência ou necessidade educativa especial (NEE/D). Será também um evento de divulgação de um projeto internacional, envolvendo parceiros da Irlanda, Espanha e Itália, que irá desenvolver um módulo de formação para jovens e adultos com NEE/D e para os que os educam ou trabalham com eles.
A entrada livre mediante inscrição.
Saiba mais aqui.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Autonomia e flexibilidade: olhemos para a lua e não apenas para o dedo

O Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC), que o Ministério da Educação está a incentivar as escolas a desenvolverem, e que já envolve mais de duzentas, coloca algumas questões que importa ponderar, sob pena de se poder estar a olhar fixamente para o dedo que aponta para a lua.


Uma questão central subjacente a este PAFC é esta: como se pode mudar séria e sustentadamente o modelo escolar dominante, dando por adquirido que essa mudança é inevitável, necessária e até urgente (esta é outra questão essencial, mas não para aqui). Ao criarmos novas dinâmicas de aprendizagem interdisciplinar, interligando saberes, competências e valores, ao criarmos oportunidades para os alunos aprenderem mais e melhor, com mais profundidade e com mais ligação ao real (aprendizagens que não irão esquecer no dia depois do teste e que se tornam inteligência pessoal e social), ao colocarmos os professores e os alunos a cooperar e a trabalhar em articulação curricular, ao reforçarmos a autonomia profissional dos professores e a autonomia dos alunos,… estamos a percorrer um caminho necessário, urgente, irrecusável.

Mas temos de ter a consciência de que, muito mais do que um projeto de autonomia curricular entre as disciplinas a, b e c, estamos a por de pé um outro modo de ensinar, de fazer aprender, de ser escola e de cidadania. Cada um de nós é pedreiro de uma catedral, é fundamental disso termos consciência, mas até isso não chega; temos de perceber também que esta catedral não está a ser erguida num terreno livre e limpo, está a ser construída dentro de uma outra catedral, velha e já desgastada, com mais de trezentos anos, aquela onde afinal trabalhamos, com as nossas rotinas instaladas e em quem os “fiéis” confiam, levando diariamente aos seus “ofícios” todos os cidadãos portugueses.

E este não é apenas um aspeto que temos de considerar, é tão-só o aspeto que mais temos de ter presente.

Proponho declinar a reflexão em cinco pontos.

1. Quando aplicamos, com conhecimento e rigor, novos modelos de ensino e aprendizagem, mais interdisciplinares, mais ligados aos contextos, mais envolventes dos alunos e dos professores, já muito testados em pequena escala, por todo o mundo, incluindo Portugal (por exemplo, nas escolas profissionais, nos chamados “projetos integradores”), é preciso fazê-lo munidos de um horizonte novo, da perspectiva e da convicção de que estamos mesmo a criar, em pequena escala, um outro modo de ensinar e aprender, modo esse que conhecemos e desejamos, e que o que estamos a fazer constitui um passo imprescindível para uma adequada formação das crianças e jovens de hoje. Estas e estes são pessoas que vão viver nos séculos XXI e XXII e não na escola e no tempo histórico em que nós crescemos e vivemos, os adultos de hoje.

Quem não está munido deste novo horizonte, fazendo a economia dos novos referenciais e de uma profunda compreensão dos desafios da atual cultura dominante, quem não se dota de um pensamento novo e do desenho de um nova organização escolar, substituindo-os pela “compra” de uma ou outra nova metodologia em voga, depressa poderá cair no caminho, devorado pelo monstro que parece dormir, mas apenas está comodamente instalado.

E para nos mantermos de olhos fixos neste horizonte e com os pés assentes na terra, fazendo o que tem de ser feito, precisamos de direções escolares esclarecidas e alinhadas com este mesmo horizonte e necessitamos de equipas de profissionais igualmente qualificadas, alinhadas e dotadas de uma base de estabilidade profissional que temos de ponderar e definir e, quem sabe, negociar com a tutela (dois terços? metade? um terço?).

Para construir uma catedral dentro de uma outra catedral, além deste novo horizonte bem esclarecido e partilhado, temos de definir um conjunto articulado de medidas que permitam fazer crescer a nova edificação e, assim, a velha deixe de poder contar com as colunas de sustentação, com os arcos e ogivas, com as janelas e vitrais, pela simples razão de que existem novas colunas, arcos e vitrais que tornam dispensáveis os anteriores e, a prazo (qual?), as antigas colunas, arcos e ogivas já lá não estão, a base que as sustinha desapareceu e cairão por desnecessidade. Pois em educação escolar o segredo é este: quem sustenta a nova catedral é quem sustentava a antiga catedral, porque a mudança estrutural que é preciso empreender é feita aqui, por nós, com os mesmos alunos, os mesmos professores, os mesmos pais, envoltos num novo horizonte e num novo sentido do trabalho escolar, com novos desenhos organizacionais e espaciais e com o alcance de melhores resultados escolares e educativos, em geral.

Em educação escolar as quatro rodas do automóvel mudam-se com ele movimento, não há alternativa.

Ao fim de uns anos (o foco no propósito e a persistência na ação são por isso mesmo decisivos), verificamos que a antiga catedral afinal já não existe, foi-se liofilizando e reduzindo a uma filigrana fina, como que assumindo que, sem seiva e sem vida interior, a catedral de outrora passou a ser apenas passado, história; a nova catedral, que nasceu de dentro para fora (com apoio do exterior, já veremos), é essa que vai sobreviver.

2. Para isso, a capacitação dos trabalhadores da catedral é tão fundamental; é preciso que mudem por fora, aplicando novos modos de desenvolver o trabalho escolar, mas é imprescindível que mudem por dentro, que as antigas rotinas sejam substituídas por outras, bem compreendidas, assimiladas e praticadas.

Tenho-me dado conta de que projetos interdisciplinares pré-construídos, novos horários de alunos e professores que implicam o trabalho em equipas pedagógicas e em projetos interdisciplinares, novos espaços físicos e novas salas de aula, com novas “aplicações” e novos equipamentos, são iniciativas, que desde que articuladas e coerentes, contando com orientadores seguros e competentes, podem propiciar trajetórias sustentadas de inovação, com adesão crescente dos professores e de todos os atores nelas envolvidos. E isso acontece, não por imposição, mas por uma revelação que vem da prática, através das evidências de que se aprende mais e melhor e que se cria um clima escolar potenciador de mais e melhor desenvolvimento de cada um.

Deixemos a velha escola entregue a si mesma, que ela segura-se bem. Entreguemo-nos de alma e coração à criação sustentada de uma nova escola. Quem ainda não aderiu de alma e coração a uma nova escola, não abandona, e ainda bem, as antigas/atuais seguranças e rotinas. Daí a necessidade imperiosa de se alcançar um novo horizonte partilhado e de se adquirir a capacidade diária de construir esse novo caminho.

3. Por isso não nos iludamos com discursos piedosos e bem intencionados. Amanhã de manhã tudo permanece na mesma, nas salas de aula, nas escolas, nas relações instituídas entre disciplinas, entre grupos e entre pessoas.

Precisamos de assegurar a sustentabilidade dos processos de mudança em curso, pois eles vão decorrer ao longo de vários anos e carecem de instrumentos adequados.

A autonomia é apenas um instrumento, não é uma finalidade. A flexibilidade curricular também não é mais que um instrumento de trabalho e de gestão curricular. Não fiquemos a olhar para o dedo. Esses instrumentos estão a servir que construção e de que nova catedral? Como é que eles estão alinhados no seio de uma estratégia de renovação pedagógica da minha escola e do meu AE, de que eu sou parte?

Ao lado desses dois instrumentos, estão muitos outros dados: o horizonte da mudança a operar, como já vimos, os objetivos concretos, as atividades prioritárias (definidas de modo participado), os recursos afetos e as ocasiões de auto e heteroavaliação previstas.

E sobre os recursos, temos de ser claros, vai ser preciso dinheiro. Porque mais rapidamente do que podemos imaginar vai ser necessário desencadear as tais mudanças estruturais, as que mudam as anteriores referências e os antigos procedimentos, alterações de espaços e aquisição de novos equipamentos, os tais que induzem e arrastam outras e mais profundas mudanças. E isso, a construção de colunas, janelas, ogivas e arcos da nova catedral também custa dinheiro e ele ou aparece na hora certa ou a intenção de renovação pedagógica não passará afinal disso mesmo, uma casinha de bonecas dentro da antiga catedral, defraudando ainda mais as escolas e os profissionais.

Por isso é também muito importante alargar a base política de apoio à renovação pedagógica em curso e que se pretende agora estender a todas as escolas, seja em termos de forças políticas seja em termos de parceiros sociais, com relevância para os pais. Estes são parte decisiva neste processo que se pretende alargar e aprofundar.

4. E finalmente, para alcançarmos esta sustentabilidade, importa assegurar que as mudanças que ocorrem sejam apropriadas pelas escolas e pelos professores, pelos pais e pelos alunos, em dinâmicas autónomas e fortes de cooperação e entreajuda.

Para que a antiga catedral seja reduzida a uma filigrana desvitalizada, é preciso que a pequena nova catedral conte com poderosos meios de apoio externos que forneçam a luz, o ar e a água, os recursos de que necessitam as novas plantas para vingarem e se fortalecerem.

A autonomia ou é responsabilidade ou não é.

Uma responsabilidade que é das escolas e dos atores sociais da educação, mas também é da administração educacional e dos governos.

A autonomia ou é organizada ou nunca será; a coragem e a ousadia das escolas e dos AE, que tanto devemos celebrar, ou é organizada, ou definhará.

A autonomia necessária é esta que resulta do trabalho das escolas em rede, da criação de amparos institucionais fortes, fora da esfera do Estado e em cooperação com o Estado/administração educacional, não é a autonomia que é vista sobretudo como uma benesse dos governos. Esta autonomia é ilusória e evapora-se com a mudança dos mesmos governos.

A renovação pedagógica que pode permanecer mais duradouramente é aquela que é construída fora dessa roda dentada, mas bem articulada em dinâmicas autónomas e seguras de entreajuda, longas no tempo, dedicadas e fiéis.

5. Vem pois a propósito refletirmos sobre a profundidade e o ritmo da mudança com especial cuidado. Tenho ouvido dizer: “vamos devagar”. Como diz a nossa cultura: devagar que temos pressa! Sim, não se constrói uma catedral nova dentro de uma catedral velha sem ser devagar. Mas o que é isso devagar? Não diz nada, é um encobrimento. Precisamos de esclarecer esta questão e enfrentá-la com determinação.

A preparação do “exército” de cada AE para a mudança – o tal horizonte já definido e partilhado e a tal capacitação interna – tem de ser intensa, focada, articulada e coerente. As mudanças devem contar com equipas internas que se capacitem e que as orientem, sob pena de não se internalizar nem o sonho nem a capacidade de conduzir os processos de melhoria.

Estamos a subir uma encosta íngreme e, se não temos velocidade e a carga adequada, vamos escorregar para trás, aos primeiros momentos de dificuldade. Como referi acima, após a reflexão, definição, aplicação experimental, avaliação e revisão, feitas com ritmo e alegria, é preciso partir para mudanças mais estruturais. Sem estas, o já alcançado vai ser subsumido pelas rotinas instaladas e pelo desejo (justíssimo) de segurança e esta só morará no passado, nas rotinas instaladas, por mais ineficazes que sejam.

O pior que nos pode acontecer é mesmo ficarmos a olhar para o dedo quando este aponta a lua. Ou seja, ficarmos presos no que é apenas instrumental, ficarmos presos na falta de apoio político e financeiro. Não é fácil. Mas é mesmo imperioso que se caminhe sustentadamente para se conseguir renovar a educação escolar. É o que está a acontecer por todo o mundo e é aquilo que os novos tempos e modos exigem de nós.

Com um novo horizonte bem definido, com um plano de trabalho e profissionais qualificados, inscritos em redes de entreajuda, organizemos a nossa ousadia de fazer o irrecusável e necessário, neste momento histórico. Este é o tempo favorável.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.

Joaquim Azevedo

Fonte: Pontos SJ

As crianças não sabem pegar num lápis e a culpa é da tecnologia

Já sabíamos dos japoneses que deixaram de tocar à campainha com o indicador, usando o polegar – dedo mestre no envio de SMS –, ficamos agora a saber que o uso excessivo de ecrãs táteis está a impedir que os músculos dos dedos das crianças se desenvolvam de forma correta, revela o The Guardian, depois de ouvir vários especialistas britânicos.

Segundo os médicos e terapeutas ouvidos, as crianças têm cada vez mais dificuldade em pegar num lápis ou numa caneta e isso deve-se ao uso das novas tecnologias, desde cedo. “As crianças não entram na escola com a força e destreza com que entravam há cerca de dez anos”, revela Sally Payne, terapeuta pediátrica da Fundação Heart of England, ao The Guardian.

Sally Payne conta que as crianças que chegam à escola recebem um lápis, mas são cada vez menos as que são capazes de segurá-lo porque não têm destreza e as aptidões fundamentais do movimento. "Para poder agarrar num lápis e movê-lo é necessário um forte controlo sobre os músculos dos dedos. As crianças precisam de oportunidades para desenvolver essas competências", acrescenta a terapeuta. Oportunidades essas que podem ser desenvolvidas em casa ou no pré-escolar.

Existem variadas formas de “ensinar a escrever” nas escolas inglesas, sendo que muitas destas instituições já usam tablets. Para Melissa Prunty esta realidade é um "problema grave", já que muitas crianças também usam tablets fora da escola. Barbie Clarke, pedopsicoterapeuta e fundadora da agência Family Kids and Youth, diz que embora o pré-escolar esteja atento ao trabalho da motricidade fina, o problema está no uso excessivo das tecnologias em casa.

Ouvida pelo The Guardian, Mellissa Prunty, pediatra especializada na área da terapia ocupacional que se foca nos problemas da escrita, também está preocupada com o facto de cada vez haver mais crianças a aprenderem a escrever muito tarde “Um dos problemas principais deve-se ao facto de a caligrafia ser uma característica muito própria de cada pessoa e de se desenvolver durante a infância”, alerta a também vice-presidente da National Handwriting Association, uma organização não governamental que se foca na chamada de atenção para a importância da escrita manual.

Fonte: Público

domingo, 25 de fevereiro de 2018

O seu filho está distraído nas aulas? Então talvez seja indisciplinado

Estar distraído na sala de aula é um comportamento de indisciplina? Um inquérito a que responderam 2348 professores mostra que mais de 80% consideram que sim e que esta é aliás a situação de indisciplina que apontam como mais frequente na sala de aula.

Este inquérito (...) foi feito online pelo autor do blogue sobre educação ComRegras, o professor de Educação Física Alexandre Henriques, e os seus resultados podem também ser consultados a partir deste domingo naquela plataforma.

Sobre as situações de indisciplina que mais ocorrem nas salas de aula, os docentes foram confrontados com 20 hipóteses, que oscilam entre os alunos estarem distraídos (86,6%) e a agressão física aos professores (0,6%). No pódio, a seguir à distração aparece a “interrupção das aulas com comentários despropositados”, “brincarem/fazerem palhaçadas”, “agredirem verbalmente colegas”, “entrarem e saírem das salas aos gritos e empurrões” ou “utilizarem sem autorização aparelhos tecnológicos”.

Apesar desta pormenorização, o presidente da Associação Nacional de Diretores de Escolas e Agrupamentos Públicos (ANDAEP), Filinto Lima, ressalva que como “distração se deve entender a perturbação frequente das aulas por parte de alunos que, por exemplo, também distraem os outros com palermices”.

Já Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), considera que o facto de os professores considerarem que distração é indisciplina ilude aquela que deveria ser a “questão principal”. “Se estão distraídos por que é que isso acontece e o que se pode fazer para que não seja assim?” — questiona, lembrando a propósito estudos internacionais que dão conta desta característica dos alunos portugueses: gostam da escola, mas não das aulas.


O professor da Universidade do Minho João Lopes, que tem vários trabalhos sobre indisciplina na escola com base em entrevistas a docentes, dá conta que também tem verificado que “a ‘distração’ é, de longe, o comportamento perturbador mais referenciado pelos professores”.

A este respeito lembra que, sendo a distração um comportamento bastante normal entre os humanos, esta tende a ser maior nas salas de aula entre “os alunos com poucas competências para acompanharem a matéria que está a ser dada”.

A pequena indisciplina

Apesar das queixas sobre o mau comportamento dos alunos serem recorrentes, a maioria dos inquiridos (64%) considera que nas suas aulas há “pouca indisciplina” e 67,3% dizem o mesmo quando se pergunta sobre a sua escola em geral e não só na sala. Esta é uma perceção que vai ao encontro das queixas que os diretores reportam ao Ministério da Educação e que baixaram drasticamente nos últimos anos: o número total de ocorrências participadas baixou de 1321, em 2013/2014, para 422, em 2016/2017.


Alexandre Henriques não deixa, contudo, de se manifestar surpreendido pelo facto de “dois terços dos inquiridos terem referido que há pouca indisciplina”, até porque, lembra, os dois inquéritos anteriores que realizou a diretores, em 2016 e 2017, davam conta da existência de um número muito elevado, todos anos, de ocorrências nas escolas. “Hipoteticamente falando, podemos estar perante a banalização da pequena indisciplina. O que no passado era inaceitável, hoje em dia pode ser rotina”, afirma. Mas também há outra possibilidade, admite: “Podemos estar perante uma melhoria dos índices de indisciplina em Portugal.”

E o que fazem os professores perante as situações de indisciplina nas suas aulas? Das 12 hipóteses apresentadas, uma é usada por todos, “advertir com calma”, embora a frequência com que o fazem varie. Quase 93% dos professores referem que alteram a sua metodologia de ensino, 83,8% mandam recados para casa e cerca de 63% optam pela ordem de saída da sala de aula. Sobre esta última opção, Filinto Lima garante que “só é usada quando anteriormente foram utilizadas outras estratégias, que não resultaram”. E refere ainda que com estes alunos mais indisciplinados o problema, “geralmente, vai muito para além da escola”, o que leva a outra percepção generalizada entre os professores. Quando questionados sobre os factores que poderiam diminuir a indisciplina, o mais votado (86,2%) foi este: “maior responsabilização/penalização dos pais”.

“Este descartar de responsabilidades deixa-me triste”, comenta Jorge Ascenção. O presidente da Confap admite que há culpas que podem ser atribuídas a algumas famílias, mas frisa que neste alijar de responsabilidades, tanto por parte das escolas, onde os alunos passam a maior parte dos seus dias, como também de pais, “as vítimas continuarão a ser os jovens”.

“Os encarregados de educação não podem desligar o telefone a um professor, faltar às reuniões, mentir nas justificações de faltas e tudo isso acontece. Justifica-se por isso uma certa revolta e frustração por parte dos professores”, comenta Alexandre Henriques.

Filinto Lima defende que as “responsabilidades devem ser repartidas”. “Os pais não devem desvalorizar a escola e as escolas têm de encontrar estratégias para cativar estes alunos a quem a escola muitas vezes nada diz”, refere.

João Lopes deixa uma advertência: “Esta atribuição da indisciplina nunca alterará a situação, já que esta questão tem que ser lidada no local onde ocorre (sala de aula) e não em casa”. Por outro lado, refere, quando 72% dos inquiridos apontam a “formação parental” como outro dos principais factores que poderão diminuir a indisciplina, fica evidenciado “o quanto os participantes atribuem esta a factores externos à sala de aula”. “Como, na verdade, jamais conseguirão formar pais, a estratégia está condenada ao fracasso”, avisa.

Fonte: Público

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Escola com dois semestres e liberdade para desconstruir programas

No Agrupamento de Escolas do Freixo, em Ponte de Lima, o ano letivo está dividido em dois semestres. A escola tem autonomia para organizar o calendário escolar, os horários e o programa curricular.

A medida faz parte do PPIP - Projeto Piloto de Inovação Pedagógica, criado pelo Ministério da Educação e que está a ser aplicado em seis agrupamentos de todo o país. O objetivo é combater o insucesso.

No Agrupamento de Escolas do Freixo, em Ponte de Lima, o primeiro semestre terminou a 2 de fevereiro e o segundo começou no dia 15. Sem querer estabelecer uma relação causa efeito, o diretor Luís Fernandes, sublinha que em comparação com o 1º e 2º períodos dos últimos quatro anos, há menos alunos referenciados para retenção e nas ciências a taxa de sucesso passou de 50% para 90%.

O ano letivo está dividido em dois semestres, em vez dos tradicionais três períodos e todas as aulas têm 50 minutos. O calendário procura um equilíbrio entre os momentos de avaliação e o trabalho do dia a dia e ao longo do ano.

Alunos e professores sentem que ganham mais tempo para detetar dificuldades e dar uma resposta.

A avaliação do primeiro semestre, que terminou no dia 2 de fevereiro, foi positiva, os alunos contam que a atitude dos professores é diferente.

O diretor do agrupamento das Escolas do Freixo, Luís Fernandes não estabelece uma relação causa/efeito, mas sublinha que em comparação com os 1º e 2º períodos dos últimos 4 anos, há dados relevantes.

"Por exemplo em ciências, a alteração do programa do 8º passar para o 7º ano e do 7º ter passado para o 8º, gerou que nos últimos quatro anos a média de positivas rondava os 50% e neste primeiro semestre está nos 90%".

Os encarregados de educação aceitaram bem as mudanças. O PPIP quer tratar cada aluno como um indivíduo e cada turma como um grupo.

Fonte: TSF

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Professores exemplares


O que faz um bom professor? Aos olhos dos alunos podem ser gestos simples. Desses que não constam nas grelhas de observação. Ou são reconhecidos anos mais tarde, já a escola ficou para trás. Em tempos conturbados para educação, os professores reclamam mais atenção ao trabalho que fazem dentro e fora da sala de aula, e que nem sempre é visível, ou dificilmente conta para a avaliação.

educare.pt recolheu testemunhos marcantes sobre docentes que fizeram a diferença. Esteve também à conversa com sociólogos na área da educação para entender a evolução histórica da carreira docente, e perceber como se revaloriza a profissão, sendo certo para os professores que nunca se sentiram tão desvalorizados.

Apoiar os alunos
Imagine-se, sem muito esforço, porque a situação poderia bem ser real, que um professor de Matemática se depara com uma aluna adolescente grávida, e que passa horas a conversar com ela depois das aulas, para tentar resolver o dilema de como contar aos pais. Almerindo Janela Afonso, investigador na área das Ciências da Educação da Universidade do Minho, serve-se deste exemplo para lamentar o modo como se estão a avaliar os docentes. A moral da história é a de que “a avaliação de desempenho daquele professor não tem em conta o que ele fez para apoiar a aluna”.

Não é de hoje a discussão sobre a tentativa de quantificar tudo o que é feito nas escolas. Seja o trabalho do professor seja o sucesso ou insucesso dos alunos. Avaliam-se os docentes pelas notas dos alunos. Os alunos pelas notas dos exames. As escolas hierarquizam-se nos rankings. “Com o peso de mostrar resultados mensuráveis, tudo o resto é desvalorizado”, critica Almerindo Janela Afonso. Transformado num “operário produtor de resultados”, o professor deixa de ser um educador, “e se é, porque tem de continuar a ser, esse papel não lhe é reconhecido”.

Educador, mediador, interlocutor. São atributos que as Ciências da Educação reservam para o professor. Mariana Ferreira, 33 anos, é capaz de juntar muitos mais predicativos ao seu professor da Escola Primária da Mealhada, apesar de ter levado com ele o seu primeiro puxão de orelhas. “Nessa altura os professores tinham mais liberdade para isso”, reflete. Não recorda se o castigo foi merecido, mas nunca precisou de levar o segundo. Do professor Manuel Santos guardou outras memórias.

“Era, porque já faleceu, uma pessoa espetacular, íntegro, interessado, humilde e exigente.” Mesmo depois de ter deixado para trás a atividade de docente, continuava interessado nos progressos escolares de Mariana. “Sei que se sentia orgulhoso do meu percurso e de ter feito parte dele. Quando fiz o doutoramento ficou muito feliz!” Hoje, olhando o caminho percorrido na área das bioquímicas, Mariana está grata ao professor por ter tido “umas boas bases”. “A exigência dele, o gosto e a vontade com que nos ensinava faziam-nos gostar da escola. Ele fazia o que fazia por vocação. E isso nota-se e transmite-se.”

Socialização e instrução
Para Maria João Duarte, 32 anos, ir à escola em criança “era um verdadeiro pesadelo”. “Fiz o ensino primário num colégio de freiras e os meus professores primários ainda utilizavam o método de bater quando fazíamos algo errado.” O receio de dar um passo em falso era constante. E os professores, marido e mulher, bastante temidos pela turma. Hoje, Maria João tem outra visão da educação “rígida e católica” desses dias passados nas “Florinhas do Lar”, no Porto. E não hesita em dizer que gostaria de ver o filho ser educado com os mesmos valores morais.“O medo que sentia consigo vê-lo como respeito. Eles [os professores] souberam educar. Agora sei dar valor e até sou capaz de considerar [a primária] o melhor período da minha vida escolar.”

As atitudes e gestos que os professores têm com os alunos são o que muitas vezes fica na memória dos tempos de escola. “O que nos marca são aspetos de socialização, mais do que de instrução”, conclui Almerindo Janela Afonso, que nunca esqueceu o professor de Físico-Química do ensino secundário que o dispensou da aula sem marcar falta, ao saber que a sua namorada tinha sido presa pela PIDE nesse dia. Num tempo marcado pela ideologia dominante do Estado Novo, pequenos sinais faziam grandes diferenças na imagem do professor. “Tinha-lhe um grande respeito, porque ele lia o República, um jornal de esquerda.”

Com a democratização da escola, do pós-25 de Abril, a profissão docente caminha para a valorização. O aparecimento dos sindicatos de professores, a expansão da escolaridade, a complexificação da formação docente, enriquecida com as ciências da educação, a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, e a criação do primeiro Estatuto da Carreira Docente, que consagra um mínimo de formação superior para dar aulas, são fatores que contribuem para a afirmação do professor como profissional.

De missionário a funcionário
Almerindo Janela Afonso identifica três fases na história da carreira docente: a do professor missionário, marcado pela ideologia do Estado Novo; a do profissional, fruto da revolução de Abril e, por último, a de funcionário, como a mais atual. “A ideia do funcionário como aquele que executa coisas; a do profissional, como aquele que tem autonomia para fazer escolhas e pô-las em prática, está-se a perder.”

“São tempos difíceis para a educação”, reconhece Helena Araújo, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto. Cortes salariais, congelamento da progressão nas carreiras, excesso de turmas e de trabalho burocrático estão a contribuir para agravar a desmotivação dos professores.

Sónia Alexandra, 41 anos, conhece bem os problemas da profissão. Seguiu o sonho de lecionar, contra a vontade do pai, pelo exemplo de duas professoras da Escola Secundária Aurélia de Sousa, no Porto. Delfina Martins, professora de Português, e Madalena Serdoura, que lhe ensinou História do 8.º ao 11.º ano, de quem recorda “a dedicação, o orgulho em ser professora e a sua humanidade. Estava sempre preocupada com os seus alunos.” A lecionar em Lisboa, Sónia Alexandra aproveita a oportunidade para desejar às docentes “um bem-haja”, caso leiam o artigo.“Devo muito a estas duas senhoras que me deram pontos de referência para ser uma profissional melhor.”

Com um extenso trabalho sobre como a Primeira República ignorou as vozes das mulheres em matérias de educação quando a sua presença na docência era maioritária no ensino primário, Helena Araújo defende que se ouça mais a classe.“Os professores têm de ter formas de participação nas escolas com mais sentido”. Esse será o caminho a seguir para revalorizar a profissão.

Fonte: Educare

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Desafios educacionais para o Portugal 2030

Se inovar significa apontar uma seta para o futuro, o que será, de facto, novo – ou realmente quase-novo, ou igual, ou quase-igual – nas próximas décadas, no sistema educativo português?

Lanço esta interrogação a propósito da Estratégia Nacional para o Portugal 2030 e considero que a inovação exige repensar estratégias para a educação pré-escolar e para os ensinos básico e secundário, em função de referenciais, ideias, pressupostos e desafios.

Dando primazia a documentos da União Europeia, se bem que pudessem ser convocados relatórios quer da UNICEF (e.g., For Every Child, 2017), quer do Banco Mundial (e.g., Learning to realize education’s promise, 2018) – cito dois referenciais: Estratégia de Lisboa 2000 (2000-2010), que considera que a participação ativa das pessoas na economia do conhecimento exige um elevado nível de formação; Estratégia Europa 2020 (2010-2020), que defende um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo para que se torne possível desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação.

A definição de estratégias é algo que se torna normal nas sociedades e em educação, mas mais ainda se observarmos, como o faz Ulrich Beck, em Sociedade de Risco Mundial, que está em curso uma meta-mudança cultural abrangente da sociedade do século XXI, ou seja, a ideia de uma nova compreensão da natureza e da sua relação com a sociedade, assim como uma outra compreensão de “nós” e dos “outros”, da racionalidade social, liberdade, democracia e legitimação, inclusivamente do indivíduo, exigindo-se o que apelida de uma nova ética de responsabilidade planetária orientada para o futuro.

Porém, a materialização de tal ideia em educação e formação de crianças e jovens (e também de adultos) confronta-se com incentivos e constrangimentos, que podem ser identificados nalguns destes pressupostos: pessimismo e otimismo social, em que a educação é perspetivada ao mesmo tempo como raiz e solução de todos os problemas; conhecimento e inovação como motor de desenvolvimento da sociedade; sociedade do conhecimento (no passado, da informação e, no futuro, da inteligência artificial) balizada pelo princípio da aprendizagem ao longo da vida; o digital como suporte para o desenvolvimento de territórios inteligentes, através de novos lugares de educação e formação, o que não reduz o papel da escola na sociedade; discussão dos pilares do conhecimento em busca de respostas para a interrogação central sempre presente na construção de propostas curriculares – Qual é o conhecimento mais valioso? – e que o Relatório Delors, de 2001, enumera nestes quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser.

De modo mais específico, em termos de definição de estratégias na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, há que responder, no presente e no futuro, a estes desafios:

– garantia da universalidade da educação pré-escolar aos três anos, estando atualmente nos quatro anos; melhoria da qualidade da educação básica correspondente à escolaridade obrigatória de 12 anos, com reforço da escola pública e dos seus significados sociais e individuais, ou seja, aquisição de conhecimento e mobilidade social.

– diversificação de percursos de educação e formação, em resposta aos desafios da globalização e à necessidade em desatar o nó górdio da estigmatização da formação profissional, tanto a nível individual, como no plano social.

– efetividade do perfil de competências à saída da escolaridade obrigatória, nas vertentes cognitiva, social e pessoal, sem que represente mais um documento de orientação curricular;

– definição de aprendizagens essenciais, significativas e relevantes para os percursos de educação e formação, com a preocupação de valorização do processo de aprendizagem e não tanto com o valor numérico dos resultados;

– inclusão e diferenciação da educação e formação com vista ao sucesso de todos os alunos. A educação inclui, não exclui; a escola não segrega, integra;

– cumprir o 4.º objetivo da ONU, 2015, do Desenvolvimento Sustentável: assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;

– perspetivar a educação pessoal e social, no cumprimento do art. 47.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, como realização de cidadania democrática[1], global[2] e cosmopolita (no respeito da diversidade cultural, identidade e diferença), porque em educação e formação não há lugar a práticas de discriminação social.

[1] Conselho da Europa (2012). Carta do Conselho da Europa sobre a educação para a cidadania democrática e a educação para os direitos humanos.

[2] UNESCO (2015). Educação para a cidadania global. Preparando alunos para os desafios do século XXI.

José Augusto Pacheco

Presidente do Instituto de Educação da Universidade do Minho

Fonte: Público

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Uma bengala electrónica que é um ensaio contra a cegueira

Investigadores da Universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência desenvolvem tecnologia para cegos há dez anos. Bengala electrónica com sistema de visão artificial pode ser comercializada em breve. E os potenciais utilizadores já testaram.

Andam há dez anos a pensar como a tecnologia pode ajudar pessoas cegas ou com baixa visão no dia-a-dia e têm horas incontáveis de trabalho produzido. Mas sempre que fazem um teste com potenciais utilizadores, algo novo se acrescenta a este “projecto em constante evolução”. Quem o diz é o bolseiro Hugo Fernandes, que integra uma equipa de investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inesc Tec) numa viagem tecnológica que tem também uma missão social. “Há pouco a Isabel disse uma coisa que não tínhamos pensado: não interessa só chegar ao local”, começa por contar. Por exemplo, se um cego quer ir ao WC num centro comercial o dispositivo não pode limitar-se a dizer como vai até lá: “Tem de explicar também que chegou e a casa de banho está à esquerda ou à direita.”

Isabel Claro nasceu sem problemas de visão. Mas, aos dois anos, um diagnóstico repentino virou do avesso a vida dos pais e da menina de Vila Real: tinha síndrome de Laurence Moon, uma rara doença genética que origina, entre outras coisas, retinose pigmentar. A degeneração da retina foi progressiva. Isabel ainda completou o 12º ano sem qualquer apoio especial, fez uma vida quase autónoma “até aos 22 ou 23 anos”. Depois, a perda de visão acentuou-se. Os dias de liberdade encolheram.

Tesoureira na Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (Acapo) em Vila Real, Isabel Claro, 35 anos, não se rende ao mundo de sombras a que a síndrome a destinou. Por isso, quando ouviu falar do projecto da UTAD e do Inesc Tec não hesitou em envolver-se. Afinal, mesmo que ela não use bengala no dia-a-dia por ter acompanhamento constante, sabe bem da utilidade que dispositivos como este podem ter. E do número de pessoas que podem ajudar: de acordo com os Censos de 2011, haverá em Portugal 900 mil indivíduos com alguma dificuldade de visão. E 28 mil pessoas cegas.

“É um protótipo muito bom”, reage minutos depois do teste de uma bengala eletrónica com sistema de visão artificial feito nos corredores da universidade transmontana. O “arsenal” — como lhe chama Hugo Fernandes quando se aproxima de Isabel Claro para lhe retirar o dispositivo — é aparatoso.

A bengala inclui um punho feito com impressão 3D onde se centra toda a parte eletrónica, um leitor de etiquetas RFID (sigla de “radio frequency identification”, qualquer coisa como identificação por rádio frequência, em português), uma antena para potenciar o sistema de localização, um joystick onde se controla todo o sistema, um emissor de sinais sonoros, um accionador háptico (que permite que a bengala vibre), um transmissor Bluetooth e uma bateria.

Mas não fica por aqui. Para funcionar, a bengala tem de interagir com uma aplicação móvel de navegação (em tablet ou smartphone). E é através dela que a bengala obtém a localização do utilizador (recorrendo a um sistema de GPS, Wi-Fi e visão por computador), armazena informação geográfica, calcula rotas e identifica e comunica pontos de interesse.

Isabel Claro sorri ao saber que o investigador Hugo Fernandes já anotou mais uma das suas dicas. Quando fez o seu primeiro teste assinalou o tamanho “demasiado grande” do tablet que tinha de usar. Agora, sugere novas afinações: “Quando estava a aproximar-me da máquina dos alimentos, o dispositivo disse-me que ela estava a 200 metros, às ‘duas horas’. Sugeri que em vez deste sistema das horas, que nem toda a gente domina, dissesse só que estava ligeiramente à direita. É mais simples.”

O mercado e o interesse autárquico

Quando João Barroso, investigador principal, começou a esboçar este projeto, tinha ideia de desenvolver algo centrado “em algoritmos e visão artificial”, a sua área de especialização central. Mas depois o plano alargou-se. A investigação está agora a um passo do mercado. Tem um acordo rubricado com uma empresa, que poderá vir a comercializar a bengala por um valor que rondará os 300 euros. E uma parceria com uma autarquia (ainda no segredo dos deuses) que quer instalar em breve um “demonstrador” para ser usado por qualquer pessoa cega. Num centro comercial, num museu, num centro histórico: o protótipo está pronto para esses desafios, apesar de algumas “afinações” em falta.

Uma década de trabalho está cheia de avanços e recuos, de erros e acertos. É que, se a premissa era simples (como usar tecnologia já existente para ajudar pessoas cegas?), a resposta nem tanto. “Os primeiros cinco anos foram para partir pedra”, vai explicando o bolseiro Hugo Fernandes. E se houve coisas que “vieram por acaso e funcionaram”, outras surgiram depois de muito trabalho e “tiveram de ser esquecidas”. É o caso das etiquetas RFID, “um foco importante” da investigação durante muito tempo que agora se limitam a identificar “situações de perigo”, como proximidade de escadas, fazendo vibrar a bengala, explica João Barroso, da UTAD e do Inesc Tec.

Maior utilidade foi descoberta noutros campos, como o GPS e a visão por computador. Para que o protótipo funcione “é preciso um trabalho prévio de georreferenciação de todos os pontos de interesse”. É graças a ele que Paula Almeida vai sendo avisada do que está à sua volta: casa de banho à esquerda, laboratório à direita, portas de vaivém, máquina de café. “Navegue cinco metros à sua direita”, indica a bengala à medida que Paula Almeida vai mexendo no joystick. Os investigadores vão explicando como deve interagir melhor com o dispositivo. E ela vai andando, ainda a ritmo de quem se está a habituar àqueles novos olhos. “Senti confiança e segurança. É importante para nós termos algo que nos transmita isso”, aponta.

Isabel Claro é apaixonada por tecnologia. Fez um curso de informática adaptada no Porto e está sempre pronta para ajudar pessoas na Acapo. “Vocês nem imaginam como a tecnologia facilita a nossa vida”, diz pausadamente, congratulando-se com o muito que se evoluiu nos últimos anos. Por causa disso, Isabel Claro pode ler jornais, trocar emails, falar numa rede social, orientar-se com a ajuda de um GPS. E agora ter até uma visão artificial com uma bengala electrónica nas mãos. Uma espécie de ensaio contra a cegueira.

«Ninguém é melhor do que nós. A deficiência não é uma fatalidade.»

«Há os que lutam um dia e são bons, há os que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam a vida toda e esses são os imprescindíveis.» O poema de Bertolt Brecht foi inspiração para Nitucha Sousa, sempre em luta para conseguir oportunidades iguais para gente portadora de deficiência (como ela). Depois das escolas, o projeto que criou, Imprescindíveis em Ação, chega agora às empresas para mostrar como se trabalha a sério.


À noite, quando se permite parar, acontece a Nitucha Beatriz Sousa ficar muitas vezes em silêncio à janela. Devia estar cansada das frustrações, pensa a jovem animadora sociocultural de 28 anos, com setenta por cento de incapacidade motora. Cansada de levar pontapés por ter paralisia cerebral e o mundo aceitar mal as diferenças.

Ainda assim, não desejava estar noutro lugar. E hoje até foi um bom dia, agora que começou finalmente a ir às empresas promover a inclusão social e a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para os portadores de deficiência. Ninguém segura o furacão Nitucha.

«Por muito que a minha vida seja bem mais do que a paralisia cerebral, houve um tempo em que me senti diminuída e inútil. Não me achava essencial, isso estava a definir‑me aos poucos. Considerava‑me um estorvo», diz a jovem empreendedora, familiarizada com o sentimento genérico de exclusão a que nunca se resignou.

Em 2015, terminado o curso de Animação Sociocultural no IDS – Instituto para o Desenvolvimento Social, em Lisboa, foi procurar emprego. Bateram‑lhe com porta atrás de porta na cara. A violência do embate foi de tal ordem que daria para derrubar um touro. A ela, deu‑lho e fúrias para ir à luta. Chegava de revolta a consumi‑la por dentro.

«Foi quando agarrei no trabalho que desenvolvi no meu último ano de curso e criei o projeto Imprescindíveis em Ação, com que concorri a um financiamento da Associação Salvador em 2016», conta Nitucha. De 65 candidaturas apresentadas, 23 saíram vencedoras e a dividir um prémio de cem mil euros entre elas. Uma delas era a sua.

«A missão consistia em desenvolver ações de sensibilização para a temática da deficiência em escolas, prisões, empresas.» Nunca na perspetiva do coitadinho – penas têm as aves –, mas de anunciar à sociedade que cada um encerra o seu potencial próprio, sem exceção. «Não queria que mais pessoas na minha posição passassem pelo mesmo.»

Pelo contrário, precisava de lhes mostrar que fazem falta. Dizer a todas que são fundamentais, no sentido preconizado pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht. «Ninguém faz o que quer que seja melhor do que nós, a deficiência não é uma fatalidade. Temos capacidades. Podemos estudar, trabalhar e realizar‑nos como qualquer um.»

O que nos traz de volta à igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e ao dia – 26 de janeiro, uma estreia absoluta – em que Nitucha levou a Associação Imprescindíveis em Ação aos escritórios de Lisboa da Hi Portugal, empresa de transfers e tours turísticos.

«No meu caso é diferente, porque também tirei Animação no IDS, tenho as bases do social. Mas creio que a maioria de nós não está preparada para lidar com a deficiência, nem sequer está para aí virada», observa João Piedade, um dos responsáveis.

Tudo isto lhe mexe com os nervos: como é possível, por exemplo, alguém reparar num invisual a tentar atravessar uma estrada movimentada sem lhe dar a mão? Somos os piores cegos por não querermos ver.

«Passamos a vida fechados na nossa bolha, sempre com problemas mais importantes do que os dos outros. Acho que as pessoas precisam de lidar com um caso concreto para se interessarem», sublinha o manager da firma de transporte turístico, confiante de serem estas experiências de proximidade as que mais inspiram a mudança.

No que lhe diz respeito, não tem dúvidas de que ter conhecido a Nitucha lhe foi mais útil a ele do que a ela. «Se não soubermos o que se passa à nossa volta até podemos não ter problemas, mas também não vamos detetar oportunidades nem saberemos descobrir soluções», sublinha João Piedade, adepto da máxima que diz que parar é morrer.

Daqui em diante, à medida que esta etapa junto das empresas for ganhando forma, a ideia da Associação Imprescindíveis em Ação é colocar os trabalhadores no papel de funcionários com necessidades especiais, como têm vindo a fazer nas prisões e escolas um pouco por todo o país.

Se for preciso vendá‑los, tolher‑lhes um pouco os movimentos, pois que seja: só assim chegarão ao final do dia cientes de que todos puderam desempenhar a respetiva função, apesar das limitações a que estiveram sujeitos. Mais importante: tê‑lo‑ão feito ultrapassando as inevitáveis barreiras nascidas do preconceito.

«Eu própria tenho consciência de que cruzar‑me com estas pessoas mudou a minha vida», reconhece Nitucha, que desde abril de 2016 já falou para trinta turmas em escolas da Grande Lisboa e correu sete estabelecimentos prisionais e centros tutelares educativos na capital.

Tem sido oradora em seminários e conferências no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa), Universidade Fernando Pessoa (no Porto), Escola Superior de Saúde de Santa Maria (também no Porto), Instituto Politécnico de Castelo Branco e Universidade do Algarve (UAlg).

Agora, além de alargar a sensibilização às empresas, quer ainda fazer acompanhamento personalizado a quem mais precisa. «Um recluso do Estabelecimento Prisional de Caxias disse‑me que a prisão, afinal, não é a pior das limitações», diz Nitucha. «Mesmo em reclusão vai lutar pelos seus sonhos. E essa é a minha mensagem: podemos ser tudo.»

Ter uma «uma mãe sensacional» ajudou‑a a cortar o medo de uma machadada. «A pouco e pouco deu‑me assistência para eu mexer no fogão, passar a ferro, ser independente.»

Quando há coisa de 13 anos os pais foram para Angola tentar melhor vida e ela ficou com os irmãos – duas raparigas mais velhas de 33 e 31 anos, uma mais nova de 25 e o irmão com 30 –, continuou a tratar da casa como se nada fosse.

«Muita gente diz que não gosta de viver sozinha… eu cá adoro!», ri‑se a mentora do Imprescindíveis em Ação, decidida a levar avante a sua associação, custe o que custar. Uma a uma, as irmãs partiram para Angola, para junto dos pais; o irmão está a viver na Holanda.

Ela escolheu ficar. «Ir de novo morar com os meus pais, confortável mas dependente, seria um retrocesso quando o que eu quero é andar para a frente», justifica.

Ainda há muito caminho a percorrer no sentido da inclusão social. A sociedade precisa de Nitucha. «Os problemas existem, claro que sim. Só não podemos deixar que nos limitem mais do que as nossas limitações.»

DO PIOR DOS MEDOS À MELHOR DAS REVOLTAS

Parece‑lhe que já perdeu a conta às pancadas dolorosas, mas se tivesse de eleger apenas uma seria aquela. A mais violenta de todas. A pior. «Acabei o curso em 2015 e consegui entrevista numa empresa de distribuição de publicidade», conta Nitucha, incapaz de esquecer.

Ia esperançada – precisava muito do trabalho para se orientar com os irmãos. Não supunha que a deixassem quarenta minutos à espera sem a olharem nos olhos uma vez que fosse.

«Quando o responsável apareceu, limitou‑se a dizer que não me contratava. Perguntei porquê, se não me conhecia. Propus‑lhe trabalhar uma semana de graça, só para mostrar as minhas capacidades, e ele respondeu que não o faria por eu ser assim, uma vergonha para a empresa.» Foi a gota de água que fez transbordar.

No espaço de um ano, Nitucha criou o Imprescindíveis em Ação, conseguiu financiamento, viu chover solicitações e transformou o que era um projeto escolar na Associação Imprescindíveis em Ação (AIA), de modo a conseguir estruturar as respostas. A equipa cresceu entretanto para sete pessoas, entre as quais Ruben Machado – professor dela no curso de Animação Sociocultural no IDS – e Tiago Matos, formado em Gestão pelo ISCTE e especialista em mentoria de projetos na área do mercado de trabalho.

No seu caso, a visão reduzida a dez por cento nunca foi entrave para nada, embora admita que a sociedade não está preparada para a deficiência. «As pessoas mostram-se muito sensíveis, criam personagens que ficam bem na televisão, mas na prática o preconceito mantém-se igual ao que era há uns anos», diz Tiago.

Ainda bem que Nitucha soube transformar o seu pior medo na melhor das revoltas.

Avaliação para as, e das, aprendizagens e qualidade da educação nas salas de aula

As escolas e os professores enfrentam desafios que exigem a redefinição, a reconstrução e a reinvenção de concepções e práticas que têm prevalecido nos sistemas educativos desde o século XIX. Entre as pressões para a obtenção de resultados a qualquer preço e as perspectivas ultra relativistas que tendem a ignorar os resultados e a relevância dos conhecimentos académicos, é necessário utilizar novas racionalidades que nos ajudem a enfrentar os desafios da educação e da formação contemporâneas. 
Precisamos de professores, profissionais do ensino, que se assumam como intelectuais, como observadores qualificados das realidades em que estão inseridos. Profissionais que pensem o currículo como um projeto de inteligência, um projeto de conhecimento, com profundas implicações na vida social, económica e política das crianças e dos jovens. 
É tendo em conta estas ideias que, neste Webinar, se irá discutir o papel que a avaliação pedagógica pode ter no desenvolvimento das aprendizagens de todos os alunos. A investigação tem mostrado que a avaliação pedagógica, orientada para a distribuição de feedback de qualidade e para as aprendizagens, melhora “dramaticamente” o que os alunos sabem e são capazes de fazer. E isso é uma conquista inestimável que está ao nosso alcance.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Formação Braille e Orientação e Mobilidade

A Direção-Geral da Educação (DGE) vai promover um curso de formação sobre a temática “Braille e Orientação e Mobilidade”, dirigida a docentes de todos os grupos de recrutamento.
O Curso de formação, creditado pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua, com a duração de 50 horas, vai decorrer entre os dias 3 de março e 21 de abril de 2018, estando prevista a constituição de duas turmas, respetivamente no Porto e em Coimbra conforme consta dos cronogramas em anexo.
Os interessados deverão registar-se na plataforma da DGE através do link: http://formacao.dge.min-educ.pt,  selecionar o Curso de Formação "Braille e Orientação e Mobilidade" e proceder à sua inscrição.
As inscrições deverão ser efetuadas até 23 de fevereiro de 2018.
Agradecemos a divulgação alargada do curso de formação junto de potenciais interessados.
Para esclarecimentos adicionais poderá contactar através do email formacaoedinclusiva@dge.mec.pt

Já há 66 mil pessoas a receber a nova prestação de inclusão

Cerca de 1800 pessoas reclamaram junto da Segurança Social por não terem conseguido aceder à nova Prestação Social para a Inclusão (PSI). Destas, 800 situações estão já resolvidas. Ainda assim, a tutela criou um período transitório, até ao final de setembro, para que os cuidadores se possam registar como tal junto dos serviços, adiantou nesta terça-feira aos jornalistas a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes.

Em Janeiro, quatro meses depois da criação desta prestação, havia cerca de 66.400 beneficiários.

A PSI é entregue por transferência bancária ou carta-cheque. Até agora, outros subsídios que esta prestação única veio substituir – como o antigo subsídio mensal vitalício – podiam ser entregues por vale postal, levantado nos correios. A mudança fez com que pelo menos 1800 pessoas responsáveis por receber e gerir o rendimento da pessoa com deficiência ou incapacidade, beneficiária da prestação, tivessem tido, nos últimos meses, problemas para aceder ao apoio. E tudo por não estarem registadas na Segurança Social como tendo essa responsabilidade.

Se o cuidador estiver registado na Segurança Social como pessoa que gere os rendimentos da pessoa com deficiência que não tem capacidade para o fazer, consegue aceder à nova prestação. Contudo, se esta responsabilidade não estiver formalizada nos registos da tutela, a prestação é, por defeito, entregue em nome do beneficiário e apenas este pode aceder a ela.

Para impedir que alguém continue privado da prestação, a tutela criou um período transitório. Até 30 de setembro, pessoas e instituições cuidadoras que não tenham esta responsabilidade formalizada devem dirigir-se a um balcão da Segurança Social onde assinam “uma declaração sob compromisso de honra em como prestam cuidados” ao beneficiário do apoio e podem, em seu nome, receber o rendimento. No caso de existirem cheques anteriores caducados, os serviços emitem novas cartas e é usado o modo de pagamento que o responsável quiser.

Até ao final desta semana, os antigos beneficiários da pensão social de invalidez e subsídio mensal vitalício devem receber em casa uma carta com esta mesma informação, para a qual os funcionários da Segurança Social também já estão alertados, afirmou a secretária de Estado. “Ninguém ficará de fora”, garantiu.

3500 novos beneficiários

Até 30 de setembro – prazo que pode ser alargado caso o Governo considere necessário –, beneficiários ou os seus cuidadores têm que regularizar a situação. E têm quatro opções, enumerou a governante: podem abrir ou indicar uma conta bancária em nome da pessoa com incapacidade; criar uma conta co-titulada com o cuidador; pedir uma procuração que confira poderes ao recebedor ou iniciar uma acção de representação legal. Para Ana Sofia Antunes esta deve ser uma opção de “última instância”, quando for “absolutamente inevitável”. Pois o objetivo da tutela é que, sempre que possível, a prestação seja recebida pelo próprio beneficiário.

O PSI tem um valor base mensal de 264 euros. E é uma prestação única que veio substituir três outras: o subsídio mensal vitalício, a pensão social de invalidez e a pensão de invalidez dos regimes transitórios dos trabalhadores agrícolas. Em janeiro, segundo dados da secretaria de Estado, havia cerca de 66.400 beneficiários. Destes, cerca de 20% (mais de 13 mil) eram beneficiários do antigo subsídio mensal vitalício que passaram automaticamente a receber em Outubro esta prestação, graças à qual viram os seus rendimentos aumentar entre 51 a 68 euros mensais. O mesmo aconteceu em Janeiro com 50.500 pessoas que beneficiavam da pensão social de invalidez, que tiveram um aumento na ordem dos 0,2%.

Podem ainda requerer esta prestação pessoas em idade activa com deficiência ou incapacidade nunca inferior a 60% que não recebiam nenhuma das anteriores prestações. Para tal têm que apresentar um atestado médico de incapacidade multiuso, pedido antes dos 55 anos. Segundo a secretária de Estado, em dezembro havia 3500 novos beneficiários.

Como previa o decreto-lei, a implementação da PSI é faseada. Neste momento, sublinha Ana Sofia Antunes, estão em lista de espera para receber as pessoas com 80% ou mais de incapacidade e beneficiários da pensão de invalidez dos regimes transitórios dos trabalhadores agrícolas e as pessoas com 60% a 79% de incapacidade que não auferem outros subsídios. Estes casos serão “os próximos a ser processados”, garantiu a secretária de Estado.

Fonte: Público

Pais de crianças com necessidades especiais queixam-se de falta de apoio do município de Braga

Um grupo de pais e mães receia que as trocas de auxiliares educativos registadas nos agrupamentos de escolas de Braga possam afetar o desenvolvimento dos seus filhos com necessidades educativas especiais (NEE), afirmou a representante do coletivo, Sandra Pereira, durante a reunião de câmara, na segunda-feira.

Mãe de uma criança de cinco anos, com autismo, a responsável disse ter conhecimento de 940 crianças, dos zero aos seis anos, identificadas com NEE no concelho e considerou que a substituição das 38 assistentes operacionais, que trabalharam de março até dezembro de 2017, por outros auxiliares com vínculos de três meses, pode impedir que as crianças, especialmente as que têm perturbações do comportamento, como autismo e hiperatividade, ganhem “rotinas e conhecimentos” numa fase em que podem ainda aspirar a uma “vida normal”.

“Num ano letivo, já foram duas assistentes operacionais. Em setembro, virá outra. Às vezes ponho-me a pensar se querem que estas crianças sejam reformadas antes de época em vez de apostarem na realidade que se vive agora”, salientou, antes de referir que as “crianças evoluíram bastante com as assistentes”.

Sandra Pereira criticou ainda a forma como o mais recente concurso de recrutamento – a câmara vai admitir, a partir de março, cerca de 40 assistentes operacionais a título permanente, adiantou Ricardo Rio (...) - admite competências gerais e não vocacionadas para as necessidades educativas, como as que tinham, a seu ver, as 38 auxiliares que saíram em dezembro.

Esse grupo de auxiliares também marcou presença na reunião de câmara para contestar a forma como foi excluído do concurso e ficou impossibilitado de voltar a trabalhar na área. As profissionais alegam que, já com o concurso em vigor, a nota mínima da avaliação curricular a que estavam sujeitas passou de 9,5 para 14,25, resultado que não atingiram. A representante, Daniela Veiga, disse que o grupo pondera contestar a exclusão junto do município, apesar de ter “receio” das consequências.

A vereadora do PS, Liliana Pereira, criticou a ausência de política municipal para incluir estas crianças, frisando que as assistentes vivem uma “situação de alarme social”, após não terem tido “sequer direito ao subsídio de desemprego”. A seu ver, o mais recente concurso, além de poder estar “ferido de ilegalidades”, acarreta o risco de selecionar “uma assistente profissional com uma grande avaliação”, que “não tem a mínima aptidão para lidar com crianças com necessidades especiais”.

O presidente da Câmara de Braga sublinhou, por seu turno, que não houve qualquer alteração no regulamento depois da entrada do concurso em vigor e frisou que, apesar do “excelente desempenho”, as assistentes educativas tiveram um desempenho aquém do mínimo exigido num universo de 700 candidatos para 40 vagas nos quadros da autarquia com contrato permanente.

Fonte: Público

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Professor de apoio não é explicador

Apoio ao aluno significa [significou em inúmeras situações, da minha prática] retirar este ou aquele aluno da sala, para que o seu professor descanse de alguém que perturba as suas aulas. É humano querer descansar de alguém que nos perturba. É humano do ponto de vista do professor mas, tantas vezes, desumano do ponto de vista da criança. E é também a resposta mais fácil, que se traduz, tantas vezes, a prazo, como não resposta a um problema.

Algumas das memórias, relativamente recentes, que guardo de várias sessões de apoio a crianças em dificuldade [em que me envolvi ou me vi envolvido], no âmbito da educação especial, não são grandes memórias e não ligo a elas grandes sucessos. Muitas vezes, perante a dificuldade de um aluno e incapaz de me fazer explicar, disfarçava o incómodo da situação, no «ar inteligente» de quem sabe, e ouvia-me a perguntar: – «então, não estás a ver?» –, sem perceber que quem não via, de facto, era eu: entretinha-me em explicações, rodando à volta do objeto, sempre longe daquilo que a criança sabia... quando a questão fundamental estava em fazer-me entender num discurso que fizesse sentido às crianças. Mas nestas sessões de apoio, assentes numa relação a dois – professor/aluno – e sem a dinâmica de um grupo a mediar o diálogo, não é fácil produzir esse discurso. E depois, a fragilidade das ligações com o que, entretanto, acontecia na sala de aula, trazia-nos a sensação de estarmos ali à margem de tudo, transformando o trabalho que fazíamos numa espécie de castigo, marcado num calendário.

O professor de apoio não é «explicador», embora precise estar disponível para explicar [como qualquer professor, aliás]. Professor de apoio é isso mesmo, de apoio: que valoriza o trabalho autónomo dos alunos; que ajuda a criar instrumentos de apoio ao trabalho individual de cada um; que ajuda a organizar os espaços necessários ao seu desenvolvimento; e, claro, que explica no tempo dedicado ao trabalho autónomo das crianças. Explica mas evita dar «explicações». Porque as explicações assentam no grande equívoco de que se deve trabalhar sobre o que a criança não sabe: repetir como se a criança fosse surda; repetir para consolidar, repetir à exaustão, esbarrando uma e outra vez contra a parede, com a convicção de que «desta vez é que é», como se acreditássemos nisso.

Como aluno, uma criança pode não saber grande coisa, mas como criança há todo um mundo de possibilidades que se abre à sua frente. Descobrir o que uma criança não sabe é fácil e já temos instrumentos que cheguem para sabê-lo: testes, provas, ... O difícil é descobrir o que sabe [e que nem ela sabe que sabe]. Daqui a urgência de inscrever o apoio educativo num modelo de organização do trabalho de aprendizagem, que dê sentido àquele trabalho em pequeno grupo, e que permite ver a criança bem de perto na sua relação com o outro e onde, tantas vezes, os saberes que desconhece saber se revelam. É que, para iniciar o caminho, preciso saber onde me encontro, que nunca é num lugar isolado e sem passado. Nunca se parte do zero: se estou rodeado de «cacos», seria bom ter uma ideia do «objeto» para começar a colá-lo.

Daniel Lousada e Luís Goucha

In «Pedagogia: a preocupação de reencontrar caminhos. Um dicionário de palavras com pedagogia dentro». Vila Nova de Gaia, ÁgoraGaia, 2018: p.19-20 [Entrada relativa à palavra “APOIO”]

Fonte: FB

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Eu, descoordenada, me confesso a favor da Educação Física

Genética. Andamos sempre à procura de semelhanças nos que são nossos. A minha mãe consegue sempre descortinar algo da sua avó no olhar da minha filha ou dela própria na destreza física do meu filho. Afinal, jogou básquete no colégio, era das mais altas, orgulha-se. Aliás, todos os netos têm algo dela, do pai dela, da avó, do bisavô… Como se não houvesse nenhuma outra família nos genes das crianças senão os dela.

Eu não saio à minha mãe. Sou totalmente descoordenada. Se há dez anos ficava envergonhadíssima de virar à esquerda quando toda a aula de step virava à direita, o que dá imenso nas vistas quando todo um colectivo está virado para o mesmo espelho... Hoje rio-me sozinha nas aulas de zumba ou de sh'bam (seja lá o que isso for) quando todas põem, coordenadamente, as mãos na cintura, as cruzam, sobem ao peito e cruzam outra vez, e depois tocam nos ombros e elevam os braços acima da cabeça – tudo numa fracção de segundo. Não consigo, parece simples, mas quando ponho as mãos na cintura, o ritmo da música confunde-me, os pés também, e já os braços estão ao alto, saltando todos os passos intermédios. “Está tudo bem?”, pergunta a monitora, lá à frente, a espreitar-me pelo espelho quando dou uma gargalhada por estar a fazer tudo mal. Claro que está e tento outra vez, sem sucesso.

E, contudo, na adolescência não fui má ginasta. Fiz rítmica e era sempre escolhida para as representações oficiais do clube. Lá íamos para o gelado Pavilhão Carlos Lopes, no cimo do Parque Eduardo VII, em Lisboa, de maillot, rabo-de-cavalo, os olhos e os lábios levemente pintados, a música arrancava e nós entrávamos a marchar. Começava a Habanera, de Carmen, e nós fazíamos a coreografia com cordas, bolas e maças. Um espanto. Confesso que, às vezes, a corda não me obedecia, mas conseguia sempre disfarçar tão bem que só a professora, uma ex-atleta olímpica, via e me ralhava no final. Na adolescência estas chamadas de atenção dão-nos cabo da auto-estima, mas também nos fazem querer corrigir e treinar até estar ao nível das outras.

Na vez seguinte, a ponta da corda chegou à minha mão e pude completar o passo ao mesmo tempo que as minhas companheiras, com salero! É de notar que nunca a professora me pôs a fazer bolas ou maças porque seria um desastre, embora, a corda também voasse por cima da minha cabeça ao mesmo tempo que fazia uma carpa no ar e a apanhava logo de seguida. Difícil!

Não tive Educação Física no 3.º ciclo e no secundário porque não havia pavilhão nem balneários. A escola ainda experimentou qualquer coisa como futebol, andebol, basquetebol e corridas à volta dos pavilhões, mas depois vestíamo-nos na sala de aula ou nas instalações sanitárias, com banho por tomar, e cedo se percebeu que aquilo era pouco higiénico e inviável no Inverno, quando ainda chovia com regularidade e o campo transformava-se num lamaçal. Nunca foi preciso inventar dores menstruais, uma entorse, falta de material ou uma declaração médica para não saltar, mal, o cavalo ou fazer o pino seguido da roda. 

Fiz pouco exercício físico na escola, mas muito fora dela, financiado pelos meus pais. Mensalmente, lá ia o senhor do clube a nossa casa para receber as quotas do judo, da natação e da ginástica rítmica. Por isso, é fantástico que as nossas escolas possam oferecer uma disciplina, dentro do horário escolar, em que os alunos podem experimentar quase tudo, até a competição. 

Sou descoordenada e dou graças à genética por os meus filhos não saírem a mim e serem excelentes atletas, mas não é por isso que defendo, como já fiz anteriormente, que a Educação Física deva contar para a média do final do secundário – até porque já estão no ensino superior. Se fosse no meu tempo, muito provavelmente ter-me-ia baixado a média, mas isso acontece com tantas outras disciplinas, por que é que esta tem de ser tratada de maneira diferente?

A Educação Física, bem dada, é uma disciplina completa que contribui para a saúde e bem-estar de quem a faz; que promove a cooperação, a colaboração, a solidariedade entre colegas; que os torna melhores pessoas porque têm de aprender a lidar com o insucesso, as más emoções, mas também com a alegria de conseguir ultrapassar uma contrariedade; que lhes transmite cultura geral – há mais modalidades além do futebol –, em suma, que os torna melhores cidadãos. Por tudo isto, não percebo como é que a decisão de Nuno Crato continua por revogar. Já é tempo. E agora, vou tentar memorizar a coreografia das mãos na cintura, cruzam, sobem ao peito, cruzam, e estendem-se por cima da cabeça, de maneira a fazer melhor figura na próxima aula.

Bárbara Wong

Fonte: Público

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Educação para um mundo melhor: um debate em curso a uma escala global

Enfrentamos hoje desafios sem precedentes — sociais, económicos e ambientais — provocados por uma globalização em aceleração e por um muito mais rápido desenvolvimento tecnológico. Paralelamente, estas forças conferem uma miríade de novas oportunidades para o desenvolvimento humano. O futuro é incerto e não o conseguimos predizer; mas é preciso estar disponível e preparado para esse futuro. As crianças que entram nos sistemas educativos em 2018 serão jovens adultos em 2030. As escolas têm de os preparar para empregos que ainda não foram criados, para tecnologias que não foram ainda inventadas, para resolver problemas que ainda não foram antecipados. Aproveitar oportunidades e encontrar soluções será uma responsabilidade partilhada. Temos a responsabilidade de educar estas crianças, tornando-as competentes, equipadas com o conhecimento, as capacidades, as atitudes e os valores que os tornam capazes de ser os construtores de um futuro melhor. Estamos todos convidados a perguntar qual o melhor modelo de aprendizagem que ajudará os alunos a ter sucesso no desenho do mundo sobre o qual agirão.

Através do projeto da OCDE O futuro da educação e competências 2030, 29 países e economias estão a colaborar para a encontrar perguntas para duas perguntas prementes:
  • De que tipo de conhecimentos, capacidades, atitudes e valores vão necessitar os estudantes para ter sucesso e modelar o seu mundo?
  • Como podem os sistemas educativos desenvolver esse conjunto de competências?
O projeto não procura estabelecer uma abordagem uniforme para os sistemas educativos, porque isso não ajudaria a responder a estas questões. Pelo contrário, fornece uma plataforma para o desenvolvimento de uma compreensão partilhada sobre desenho curricular. Estudantes preparados para o futuro precisam de ser agentes ativos quer na sua própria educação, quer na sua própria vida. Ser agente implica um sentido de responsabilidade para participar no mundo e, assim, influenciar pessoas, eventos e circunstâncias para o que é melhor. Ser agente assenta no poder de modelar um propósito e identificar ações para o conseguir. Uma educação de sucesso prepara jovens que pensam por si só e trabalham e vivem com os outros. Isto implica desenvolver a capacidade de resolver problemas complexos, de questionar a sabedoria estabelecida, integrando conhecimento emergente, de comunicar eficientemente e de promover o bem-estar. Os jovens precisam do conhecimento que é adquirido sem o recurso único a rotinas de memorização. Formas múltiplas de avaliação, metodologias ativas de ensino e aprendizagem, trabalho interdisciplinar, trazendo o mundo real para dentro da sala de aula — estes são ingredientes nucleares para este objetivo de promover uma aprendizagem melhor e mais profunda.

A partir das Competências Chave (desenvolvidas no projeto OCDE DeSeCO – Definição e Seleção de Competências), o projeto Educação 2030 identificou três categorias adicionais, conhecidas como Competências Transformadoras:
Criar novos valores: é necessário pensar criativamente, desenvolver novos produtos e serviços, novos empregos, novos processos e métodos, novas formas de pensar e viver, novas empresas, novos setores, novos modelos de negócio e novos modelos sociais. Cada vez mais, a inovação não emerge de indivíduos que pensam e trabalham sozinhos, mas da cooperação e colaboração que permitir criar novo conhecimento a partir do conhecimento existente.
Reconciliar tensões e dilemas: é hoje necessário pensar de forma mais integrada para impedir conclusões prematuras e reconhecer interconexões. Num mundo de interdependência e conflito, os indivíduos assegurarão com sucesso o seu bem-estar, o das suas famílias e das suas comunidades, somente através do desenvolvimento desta segunda competência transformadora: a capacidade de reconciliar os seus próprios objetivos com as perspetivas dos outros.
Assumir responsabilidade: lidar com a novidade, a mudança, a diversidade e a ambiguidade assume que os indivíduos podem pensar autonomamente e trabalhar com os outros. De igual modo, a criatividade e a resolução de problemas requer a capacidade para considerar as consequências futuras das ações de cada um, para avaliar risco e recompensa, e para aceitar a responsabilização pelos produtos do trabalho desenvolvido. Isto sugere um sentido de responsabilidade, e maturidade moral e intelectual, com a qual uma pessoa pode refletir sobre as suas ações e avaliá-las à luz das suas experiências e dos objetivos pessoais e da sociedade, à luz dos que lhes foi ensinado e dito, e à luz dos que está certo ou errado.

Muitos atores são chamados a desempenhar um papel para que estas competências possam ser desenvolvidas. Para ajudar a desenvolver o compromisso e a capacidade de ser agente naqueles que aprendem, precisamos não só de reconhecer a sua diversidade individual e o seu potencial, mas também de reconhecer que o conjunto mais largo de relações que influenciam a sua aprendizagem — com os seus professores, os seus colegas, famílias e comunidades. Um conceito fundamental que subjaz a este modelo de aprendizagem é, portanto, o de “co-construção” — as relações interativas de suporte mútuo que ajudam os alunos a progredir em direção aos seus objetivos. Neste contexto, todos devemos considerar-nos aprendentes, não apenas os alunos, mas também os professores, as escolas, os decisores políticos, as famílias e as comunidades. Se a aprendizagem está no centro, é crítico o desenvolvimento de comunidades de aprendizagem.

O grupo de consultores do Projeto da OCDE Future of Education and Skills 2030

Fonte: Público