sexta-feira, 31 de outubro de 2014

António Sampaio da Nóvoa: Nunca tivemos uma política educativa tão extremista e tão fundamentalista, pelo menos desde os anos 50

Nutro uma especial admiração profissional pelo Prof. Doutor António Nóvoa, um notável académico mas também humanista, atento à realidade educativa, social e política. 
Publico alguns excertos da entrevista concedida ao Jornal de Negócios relacionados com a política educativa do atual Governo.


O problema da colocação de professores causa imenso dano a milhares de meninos, famílias e docentes, mas não tem que ver com a coisa de fundo, que é uma política de Educação. Tem que ver com uma incompetência específica na gestão de um problema.
É isso mesmo. O problema é muito mais grave que esse. Nunca tivemos uma política educativa tão extremista e tão fundamentalista como tivemos desta vez. Desde a década de 60, talvez desde a década de 50, quando o Leite Pinto foi ministro da Educação Nacional, 1955, 61, nunca tínhamos tido uma marca ideológica tão fundamentalista e tão extremista como tivemos neste Governo. A política educativa do Nuno Crato é decalcada, vírgula a vírgula, ponto a ponto, da política educativa de George W. Bush, no princípio do século XXI. Vai ver os programas... Aliás, Nuno Crato nasce para a Educação, e começa a preocupar-se com as coisas da Educação, nesse período.

Uma linha para definir essa matriz: safam-se os melhores?
Claro. É a competição. O que interessa é a excelência. Nenhum de nós tem nada contra a excelência. O problema é que atrás da excelência está a discriminação, está: "Os melhores que se safem". Conversas nestes meios: os professores não servem para nada, porque os bons alunos não precisam de professores e aos maus alunos não há nada a fazer. É uma maneira de ridicularizar o trabalho dos professores...
A competição, a seleção, os exames… uma coisa são os exames, outra coisa é a obsessão dos exames. A seleção, o cortar as pernas, o afastar as pessoas, é empurrar precocemente para vias profissionais. Isso é uma linha clara desta política. A segunda linha é o famoso "back to basics". É o voltar ao famoso "ler, descrever e contar" do salazarismo. Quando Nuno Crato fala do Português e da Matemática, hoje, a metáfora é a mesma que levou à escola salazarista. Uma escola paupérrima, medíocre, minimalista.

Qual foi o resultado disto nos EUA?
Há um livro extraordinário, da senhora que foi a principal assessora de George Bush, Diane Ravitch, que depois de sair do Governo escreveu um livro a dizer: "Errei em tudo, estávamos errados em tudo". Isto conduziu a um desastre nos Estados Unidos da América e está a conduzir a um desastre cá. Como há esta descrença na Educação, estas pessoas estão disponíveis, do ponto de vista político, para aceitarem cortes na educação. O que vai transpirando – eu não tenho as informações que tem o Marques Mendes, do conselho de ministros –, é que o Nuno Crato nunca levantou a voz em relação aos cortes que houve na área da Educação.

Para o próximo ano, o corte anunciado é de 700 milhões.
A Educação foi de longe o setor onde houve mais cortes orçamentais ao longo destes últimos três anos. Houve cortes muito superiores aos que estavam propostos no memorando da troika. Alegremente. Estamos a recuar, em termos de percentagem do PIB dedicado à Educação, a valores da década de 80, quando a escolaridade obrigatória ainda era de quatro anos, quando havia muito menos pessoas no sistema. O retrocesso não se nota de imediato, não é amanhã. Estamos a criar um atraso e um desastre – é a palavra certa – que vai ter consequências graves no futuro.

É isso que mais vai ficar deste Governo? Duradouramente e visto retrospetivamente.
É o que vai ficar mais forte. Com todas as dificuldades noutros setores, no setor da Saúde, tem sido possível preservar certas coisas no Serviço Nacional de Saúde. Vamos ter que tentar reconstruir um consenso na sociedade portuguesa em torno da Educação, para voltar a níveis aceitáveis de investimento e a uma escola pública que não tenha esta matriz.

Parte de entrevista concedida por António Sampaio da Nóvoa ao jornal Jornal de Negócios

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