sábado, 29 de fevereiro de 2020

Liderança escolar inclusiva: explorando as políticas na Europa


O projeto Apoiando a Liderança Escolar Inclusiva (SISL) tem como objetivo investigar como desenvolver e promover a liderança inclusiva no nível da escola por meio de estruturas de políticas nacionais e locais e mecanismos de apoio.

O projeto tem duas fases. Os resultados da fase 1 incluem uma revisão dos documentos e orientações de políticas internacionais e europeias, uma revisão da literatura internacional e europeia e uma pesquisa por país. O relatório de síntese do SISL reúne os resultados de todas as atividades da fase 1. O principal público-alvo do relatório são os responsáveis ​​pela implementação da educação inclusiva nas escolas. No entanto, outras partes interessadas podem achar o relatório útil para considerar os papéis e responsabilidades dos líderes das escolas.

Este relatório de síntese reflete sobre como os resultados da fase 1 abordam as três questões principais do projeto sobre estruturas de políticas, competências essenciais de liderança escolar inclusiva e oportunidades de desenvolvimento profissional. Ele também fornece as perspectivas para a fase 2 do projeto.

Faça o download do relatório abaixo em inglês.

Autor: Agência Europeia para Necessidades Especiais e Educação Inclusiva
Editor: Edda Óskarsdóttir, Verity Donnelly e Marcella Turner-Cmuchal



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Formação Profissional de Professores para a Inclusão: Ferramenta de políticas de autoavaliação


A formação profissional de professores é uma prioridade para todos os países membros da Agência (European Agency for Special Needs and Inclusive Education), para organismos internacionais e para a União Europeia. O projeto Formação Profissional de Professores para Inclusão (TPL4I) visa identificar os elementos políticos necessários para preparar todos os professores para incluir todos os alunos. Isso inclui políticas sobre formação inicial de professores, indução, desenvolvimento profissional contínuo e aprendizagem dos educadores.

A equipa do projeto desenvolveu uma grade de mapeamento inicial para reunir e categorizar as informações políticas dos países membros da Agência sobre a formação profissional de professores para a inclusão. A grade tornou-se a atual ferramenta de revisão automática de políticas da TPL4I. A ferramenta indica prioridades políticas diferentes. Essas prioridades abordam elementos de política que são importantes para o desenvolvimento de políticas de apoio à formação profissional de professores para a inclusão.

Os principais componentes da ferramenta de revisão automática de políticas da TPL4I são:
  • Visão e principais princípios da política TPL4I
  • Metas e continuidade do apoio à política TPL4I
  • Capacitação, financiamento e monitoramento da política TPL4I.

A ferramenta de revisão automática de políticas da TPL4I é de acesso livre. Isso significa que os usuários podem adaptá-lo às suas próprias necessidades e contextos, desde que incluam uma referência à fonte original. Os formuladores de políticas podem usá-lo para rever as políticas de formação profissional de professores para a inclusão.


Faça o download da ferramenta de revisão automática de políticas da TPL4I em inglês abaixo.

Autor
Agência Europeia para Necessidades Especiais e Educação Inclusiva

Downloads 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Demasiado tempo em grande grupo? Vale a pena pensar nisso…

Alguns estudos têm analisado a forma como as crianças passam o tempo no jardim de infância, destacando que a ação intencional dos/as educadores/as de infância no planeamento e definição do tempo e da organização do grupo nas atividades contribui para um ambiente de elevada qualidade, bem como para o para o bem-estar, o envolvimento e o desenvolvimento de todas as crianças1;2;3.

Mas o que sabemos sobre como é passado o tempo em jardim de infância? Como é organizado o grupo nas atividades ao longo do dia?

As formas de organização do grupo mais frequentemente observadas no jardim de infância incluem: atividades de grande grupo e/ou pequeno grupo, geralmente dirigidas pelo adulto; atividades de jogo livre, geralmente escolhidas pelas crianças; e atividades de rotina, como transições e refeições4.
Num estudo recente em Portugal5;6, o papel da organização do grupo nas atividades foi analisado em salas de jardim de infância inclusivas. Tentando captar a diversidade das características das crianças que frequentam uma mesma sala, este estudo observou, em cada uma das salas participantes, crianças com desenvolvimento típico, crianças em risco, e crianças com incapacidades (a receber, na altura, apoio ao abrigo do DL 3/2008 e/ou pelas equipas de intervenção precoce). Os resultados destacaram que:
  • as crianças passaram, em média, cerca de 50% da manhã em atividades de grande grupo;
  • todas as crianças estiveram com níveis mais baixos de envolvimento durante as atividades de grande grupo;
  • todas as crianças estiveram mais envolvidas nas atividades de jogo livre ou de pequeno grupo, não se tendo encontrado diferenças entre os níveis de envolvimento de crianças com e sem incapacidades nestas atividades;
  • mais tempo em grande grupo revelou ser particularmente negativo para o envolvimento de crianças identificadas como estando em risco;
  • particularmente para crianças com incapacidades, mais tempo em jogo livre parece contribuir, tendencialmente, para o seu maior envolvimento.

Qual é, então, a melhor forma de organizar o tempo e o grupo no jardim de infância?

Recomendações nacionais e internacionais7;9 salientam a importância de o grupo de crianças experienciar diferentes formas de organização nas atividades ao longo do dia, destacando que cada forma de organização do grupo (e.g., grande grupo, pequeno grupo, jogo livre, individual) permite que as crianças desenvolvam diferentes competências4;5;6.
Sabe quais são as formas de organização do grupo que privilegia na sua sala? Já registou quanto tempo passa em cada uma? Não conhecemos a “fórmula mágica”, e não existe qualquer indicação na literatura e documentos orientadores, sobre a quantidade de tempo que deve ser passada em cada um dos formatos referidos. Assim, fica ao cuidado do/a educador/a de infância esta gestão, que deve procurar adequar a rotina e tempos às necessidades das crianças do seu grupo. Deste modo é importante que o/a educador/a:
  • analise o tempo que passa em cada formato de atividade e observe os indicadores de envolvimento de cada criança nos diferentes formatos;
  • planeie de forma intencional a organização do grupo e o tempo das atividades, de acordo com as necessidades das crianças no seu grupo;
  • preste atenção às suas interações com as crianças ao longo do dia, garantindo que, independentemente de estarem em grande grupo ou jogo livre, as suas interações são calorosas, responsivas e tomam em consideração as perspetivas das crianças.
Já ponderou a utilização mais frequente da organização de pequeno grupo para atividades estruturadas? A investigação tem demonstrado que, quer em creche, quer em jardim de infância, este formato parece estar associado a um maior envolvimento das crianças.
Ao refletir sobre as implicações do papel do tempo e da organização do grupo nas atividades para o envolvimento de cada criança, ajustando as suas práticas, estará a contribuir para uma maior qualidade das experiências educativas das crianças na sua sala.
Como é passado o tempo na sua sala? Partilhe connosco a forma como organiza o seu dia e as estratégias que utiliza para encontrar o equilíbrio entre os diferentes tipos de organização do grupo nas atividades de modo a potenciar o envolvimento das crianças.
Referências
[1] Kontos, S., Burchinal, M., Howes, C., Wisseh, S., Galinsky, E. (2002). An eco-behavioral approach to examining the contextual effects of early childhood classrooms. Early Childhood Research Quarterly, 17:239–258. https://doi.org/10.1016/S0885-2006(02)00147-3
[2] Goble, P., & Pianta, R. C. (2017). Teacher-child interactions in free choice and teacher-directed activity settings: Prediction to school readiness. Early Education & Development, 28(8), 1035–1051. https://doi.org/10.1080/10409289.2017.1322449
 [3] Fuligni, A. a., Howes, C., Huang, Y., Hong, S. S., & Lara-Cinisomo, S. (2012). Activity-settings and daily routines in preschool classrooms: Diverse experiences in early learning settings for low-income children. Early Childhood Research Quarterly, 27(2), 198-209. https://doi.org/1.1016/j.ecresq.2011.10.001
 [4] Early, D. M., Iruka, I. U., Ritchie, S., Barbarin, O. A., Winn, D. C., Crawford, G. M., & … Pianta, R. C. (2010). How do pre-kindergarteners spend their time? Gender, ethnicity, and income as predictors of experiences in pre-kindergarten classrooms. Early Childhood Research Quarterly, 25(2), 177-193 https://doi.org/11016/j.ecresq.2009.10.003 
[5] Coelho, V., Cadima, J., & Pinto, A. I. (2019). Child engagement in inclusive preschools: Contributions of classroom quality and activity-setting.  Early Education and Development, 30(6), 800-816. https://doi.org/10.1080/10409289.2019.1591046
[6] Coelho, V., Cadima, J., & Pinto, A. I (set/dez 2018). O tempo passado em diferentes formatos de atividade em contextos pré-escolares inclusivos: relações com a qualidade das interações e com o envolvimento das crianças. Cadernos de Educação de Infância (CEI). Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI).
[7] Silva, I. L., Marques, L., Mata, L., & Rosa, M. (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Ministério da educação: Direção Geral da Educação. Lisboa:Portugal.
[8] NAYEC: National Association for the Education of Young Children (s.d.). https://www.naeyc.org/

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O que é a dislexia dos números?

O meu filho está a ficar para trás em matemática e parece não entender conceitos matemáticos básicos. Um pai que eu conheço disse-me que poderia ser "dislexia numérica". O que é exatamente dislexia de números?

Não é o único que se sente confuso com o termo dislexia dos números. Muitas famílias fazem-me a mesma pergunta. Dislexia de números é um termo que às vezes é usado para descrever dificuldades em matemática. Também pode ouvir os termos dislexia matemática, dislexia numérica e dislexia de inversão numérica. No entanto, nesse caso, provavelmente não é correto usar a palavra dislexia.

O termo dislexia significa ter dificuldades com aspetos da linguagem que afetam a leitura e a ortografia. Às vezes, é usado incorretamente como um termo genérico para descrever outros problemas, como dificuldades com a matemática.

É verdade que a dislexia pode causar dificuldades matemáticas específicas. Por exemplo, crianças com dislexia podem ter dificuldade em resolver problemas de lógica matemática e ler nomes e números.

No entanto, a dislexia geralmente não é a causa de crianças que apresentam um padrão de dificuldade com números e matemática. Isso pode ser causado por outra diferença de aprendizagem que muitos desconhecem: discalculia, e é provavelmente que as pessoas se referem  a isso quando dizem dislexia numérica ou dislexia matemática.

A discalculia implica ter dificuldade com algo chamado sentido numérico. As crianças podem ter problemas com conceitos matemáticos como maior que e menor que. Elas podem não entender que o número 5 é igual à palavra cinco e que ambos representam cinco objetos ou cinco grupos de objetos. Elas também podem ter dificuldade em lembrar os dados matemáticos.

No entanto, pode haver muitas coincidências entre dislexia e discalculia. Muitas crianças têm as duas condições ao mesmo tempo, e termos como dislexia de números geram confusão.

Observe os sinais de discalculia e sinais de dislexia e faça anotações sobre o que observa. Também pode conversar com o professor sobre o desempenho do seu filho na sala de aula. Quanto mais informações tiver, mais bem preparado estará para obter o apoio que seu filho precisa.

Descubra o que fazer se você acha que seu filho tem discalculia. E leia sugestões sobre como ajudar seu filho com matemática em casa.


Fonte: Understood

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Deficiência: Não há cá coitadinhos

Passamos mais ou menos 40 semanas a imaginar como será o nosso bebé. Pela nossa estranha e complexa mente de grávidas passam questões como a cor dos olhos, a cor dos cabelos, o peso à nascença, a personalidade futura… Imaginamos se o pequeno ser que carregamos na nossa barriga vai ser um bom aluno e, mesmo sem querer, começamos a planear-lhe o futuro. Arrisco dizer que, nesta fase, pensamos em quase tudo. Excepto na possibilidade de ele nascer com uma deficiência ou limitação que nos obrigue a enterrar o nosso bebé imaginário e a abraçar o real que, na verdade, é alguém que nunca sonhámos.

E vamos deixar-nos de hipocrisias. Não é nenhuma bênção ter um filho deficiente. Sabem aquela ideia defendida por uns quantos idiotas (desculpem, não me ocorre melhor adjectivo) que retrata todos os meninos deficientes como anjos e presentes de Deus? É um perfeito disparate. Uma criança deficiente que, mais tarde, se a sua condição o permitir, se tornará num adulto deficiente, não é nenhuma entidade divina vinda ao mundo para nos iluminar. Uma criança deficiente é um ser humano, como qualquer um de nós, mas que implica uma alteração infinitamente maior nas dinâmicas familiares para que possa crescer e desenvolver o seu potencial. E esse potencial pode ser enorme ou minúsculo mas, de uma forma ou de outra, merece todo o investimento do mundo.

Chovia muito no dia em que soube que o meu filho era surdo profundo. E eu, que até me tinha aguentado tão bem no consultório médico, chorei compulsivamente agarrada à minha almofada a pensar que o meu menino, o meu bebé que sonhei perfeito, nunca iria conhecer o som da chuva. Acho que chorei tanto nessa noite que sequei e, desde aí, a surdez do Pedro não voltou a levar-me uma única lágrima. Quando me levantei, pela manhã, sem ter dormido um minuto, estava perfeitamente decidida: o meu filho seria tão feliz quanto eu pudesse, a surdez não seria escondida e jamais permitiria que fosse tratado como um coitadinho.


Nesse dia, escrevi um texto duro que, umas semanas mais tarde, publiquei no blogue. O título continha vernáculo pesado e, por isso, não vou aqui reproduzi-lo. Mas posso dizer que, dois anos depois, continuo a pensar da mesma forma: a diferença, sendo uma prova duríssima, não deve ser escondida. É preciso falar abertamente sobre os problemas dos nossos filhos, sejam visíveis ou não, é preciso trazer a diferença para a rua e, se queremos que a inclusão seja mais do que um conceito da moda, temos de ser nós, pais destas crianças, os primeiros a dizer que elas estão aqui e que, à sua maneira, são absolutamente maravilhosas.

Antes que me esqueça, deixem-me dizer-vos que o nosso país de mar e sol não é exactamente simpático para deficientes, independentemente do tipo de deficiência. Maus acessos, pouco civismo, má vontade, parcos apoios… A lista é infinita. A maioria dos pais de crianças diferentes vive com o cinto tão apertado que mais parece um garrote. As terapias, os medicamentos, as faltas constantes ao emprego e os atestados de longa duração implicam um esforço financeiro que a maioria das pessoas desconhece. Mas que tem de ser feito.

E não, os pais de crianças diferentes não são super-guerreiros como tantas vezes vejo escrito. Os pais de crianças diferentes são exactamente iguais aos outros pais: gente que faz o que pode para dar aos filhos o melhor do mundo.

E repito mil vezes ou mil e uma, se for necessário, que os nossos filhos, os nossos meninos não sonhados, os bebés que nunca imaginámos, são agora reais. São autistas, têm paralisia cerebral, são surdos, têm osteogénese imperfeita, são hiperactivos ou oligofrénicos. Não são anjos. Não são coitadinhos. São os nossos filhos. São os nossos maravilhosos filhos.

Carmen Garcia

Fonte: Público

Mais do que da violência, professores queixam-se da indisciplina na sala de aula

Há uma preocupação social crescente com as questões da violência e da indisciplina nas escolas. Pedro Cunha, sociólogo, psicólogo e investigador na área da mediação e gestão de conflitos atribui essa preocupação ao aumento do conhecimento sobre a importância de o indivíduo exprimir adequadamente as emoções. Algo indissociável do conceito de inteligência emocional apresentado por Daniel Goleman nos anos 90.

Essa mudança, ocorrida nas duas últimas décadas, traduz-se na consciencialização da importância da gestão das emoções que, na visão do psicólogo, "faz com que hoje nas escolas haja uma preocupação notória na melhoria das relações interpessoais e no evitar de comportamentos antissociais".

É neste contexto, analisa o psicólogo, que surgem, "por defeito, nomes como bullying, cyberbullying ". "Fenómenos que nos colocam a todos numa linha de possibilidade de exclusão do outro, de uma forma dramática do ponto de vista emocional, porque há pessoas que não sabem exprimir adequadamente emoções a não ser por via da intimidação do outro." Explicações que ajudam a entender relatos pessoais e estatísticas.

Violência e indisciplina
Mesmo a designação genérica de "violência na escola" requer algumas especificações. Importa, por exemplo, precisar que violência e indisciplina são conceitos diferentes. De modo geral, a indisciplina divide-se em três grandes grupos.

A indisciplina da sala de aula. Referida como a que perturba mais os professores. Está fracionada com a tentativa de fazer com que os alunos estejam atentos e focados e ouçam aquilo que o professor diz. Essa, garantem os docentes, é a grande batalha, porque os alunos facilmente dispersam e estabelecem conversas paralelas que podem transformar a sala de aula num caos, dependendo da capacidade de controle do professor.

Mais mediaticos são os conflitos entre pares. É neste grupo que se insere o bullying e que a sociedade e os meios de comunicação tendem a chamar de violência. Dizem respeito a situações que sobem de tom, os comportamentos, as ações complicam-se.

Outro tipo de conflitos geram-se entre os professores e os alunos. Estes são, na maioria das vezes, casos que não podem ser resolvidos apenas pelo professor. Ou seja, têm de ser resolvidos pela direção da escola e órgãos intermédios, nomeadamente quando o professor é agredido ou quando é insultado.

De modo consensual, a maioria dos professores reconhece que as situações de indisciplina são mais frequentes nas escolas portuguesas.

Espaço propício a conflitos
"A escola é propícia e propiciadora de conflitos de relação, conflitos de interesses e conflitos de necessidades, passando por conflitos de valores ou crenças, pelo facto de as sociedades serem cada vez mais 'multi' (étnico, social, cultural, etc)", explica o psicólogo Pedro Cunha. Por essa razão, conclui, "não é imaginável que na escola não existam conflitos".

Sejam conflitos "relacionados com a construção da identidade de cada um, com as relações de poder entre as partes, com as questões de rendimento académico dos alunos, com o que os pais pensam sobre isso, com o relacionamento de todos com todos, desde a direção da escola, aos professores, aos funcionários não docentes até aos próprios alunos".

Se não se podem evitar, o que fazer com os conflitos? "Geri-los", responde o psicólogo, lembrando que "os conflitos também têm aspetos construtivos e edificantes da personalidade humana." Contudo, esta não é a visão que predomina na sociedade portuguesa. "Fomos todos socializados na ideia de que dos conflitos só podem provir aspetos nefastos e destrutivos para o ser humano e isto não é de todo verdade."

Gerir conflitos implica noções como mediação, negociação. Conceitos que Pedro Cunha explora no livro "Gestão de Conflitos na Escola", escrito em coautoria com Ana Paula Monteiro. Da experiência em ações de formação de professores e seminários nas escolas, o psicólogo constata a falta de preparação: "Os professores desconhecem como se pratica a negociação, como se faz a mediação escolar, como se faz a conciliação escolar, se é possível arbitrar ou é melhor conciliar o conflito, ou se é melhor ter alunos como mediadores?"

O tratamento de todas estas questões falha não apenas na escola, mas na sociedade em geral, defende Paulo Cunha, contrariamente ao que noutros países já acontece. A solução para gerir os conflitos em ambiente educativo passa precisamente por aqui, assegura.

Claudia Manata é professora há 30 anos e conta mais 10 anos a desenvolver ações de sensibilização nas escolas na área da indisciplina pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC). Concorda com a opinião generalizada de que, mais do que as questões da violência contra professores e do bullying, o que mais perturba o funcionamento da escola é a indicisplina na sala de aula.

"A indisciplina na sala de aula é extremamente desgastante e é dessa que os professores mais se queixam. É muito complicado estar com um grupo de alunos que não se concentra, não está atento e não ouve nada."

De acordo com o último relatório do PISA, 50% dos alunos não ouve o que se passa na aula, ou seja, está desatento. "E a maioria não está propriamente em silêncio", confirma Cláudia Manata. "Estão a falar uns com os outros, a tentar mexer no telemóvel, a fazer coisas que perturbam a aula, porque obrigam o professor a parar de lecionar e estar constantemente a chamar à atenção."

O valor da educação
Quais são os fatores na origem deste problema? "Não desresponsabilizando os professores, nota-se que as famílias também não conseguem educar os filhos para que saibam estar." A resposta de Cláudia Manata surge sem hesitação. 30 anos de profissão chegam e sobram para saber que "são muitas as diferenças entre os miúdos acompanhados por pais que se preocupam e vêm às reuniões e outros em que isso não acontece. Mas infelizmente, esses são a maioria".

Tal como em muitas outras áreas, também em matéria de convivência escolar, os países do Norte da Europa servem de exemplo. Claúdia Manata vai recolhendo essas vivências de colegas que fazem intercambios. "Distinguem-se da realidade portuguesa pela forma como crianças e famílias encaram a escola. Veem a escola como um investimento para o futuro da criança, um local também de aprendizagem socioeducativa, onde as crianças aprendem a conviver, a estar, a respeitar o outro e os pais respeitam a escola."

Em Portugal, por mais que a professora lamente, "não é nada assim". "Aqui, numa turma de 25 alunos, aparecem dez pais nas reuniões com o diretor de turma." Quem é que está sempre ausente? "Os pais que precisavam mesmo de estar presentes, porque os filhos precisam de mais acompanhamento."

Problemas de saúde mental
Cláudia Manata acredita que a indicisplina está "claramente" relacionada com o aumento do número de crianças com problemas de saúde mental. "Cada vez há mais alunos que não estão bem psiquicamente, que são emocionalmente instáveis e não há psicólogos suficientes para fazer esse atendimento, nem nos centros de saúde, nem nas escolas onde às vezes há um psicólogo para dois agrupamentos." Crianças que ficam, por isso, sem o acompanhamento que precisam. Até por parte dos pais.

"Fui tutora de uma menina com esquizofrenia e – porque quis – cheguei a ir com ela às consultas no Hospital Júlio de Matos. Ia para apoiar a mãe que não podia faltar ao trabalho e para a miúda não perder a consulta. Isso não fazia parte das minhas funções", frisa a professora. "Há muita coisa que os professores fazem e ninguém sabe, só a escola. Por isso, entendo que as famílias têm de ter apoios suficientes e acompanhamento nos centros de saúde para poderem ajudar as suas crianças."

Professores cansados, pais em dificuldades
Cláudia Manata está segura de que muitas crianças não teriam tantos problemas se tivessem mais acompanhamento das famílias, mas entende as dificuldades por que passam muitos pais presos a uma rotina também ela desgastante. "As famílias também passam a vida entre a casa e o trabalho." Ora, no centro de Estocolmo, num dia de sol a partir das 16h00, pais e mães passeiam com os seus filhos nos carrinhos e convivem uns com os outros.

O envelhecimento da classe docente, lembra Cláudia Manata, não pode ser excluído do rol de fatores que enquadram a indisciplina nas escolas. "Com 55 anos não se tem, nem é suposto ter, a mesma paciência e a mesma rapidez de resposta e resolução de problemas que se tem aos 30 anos", atira.

Problemas de indisciplina e violência sempre existiram. É certo, mas muitos professores testemunham um agravamento das situações. Para Cláudia Manata, a justificação implica tanto os pais como os professores. "As famílias não estão bem, têm muitos problemas e dificuldades que fazem com que não tenham muito tempo para os filhos. Nós, professores, estamos mais velhos e também temos menos paciência. E nenhuma destas duas situações ajuda à resolução destes problemas."

Fonte: Educare

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Projeto português promete pôr paraplégicos a andar (e a sentir o chão)

Um conjunto de investigadores está a dar passos importantes no futuro da neuroreabilitação. Miguel Pais-Vieira e Carla Pais-Vieira, do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica, no Porto, está a desenvolver um projeto pioneiro com Mehrab Khazraei e André Perrota, do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR): um par de pernas robóticas que podem ser controladas diretamente pela atividade cerebral do utilizador. A técnica é complementada com realidade virtual e feedback tátil e térmico. O projeto é um consórcio internacional que engloba também investigadores da Universidade do Minho, os hospitais de Guimarães e de Braga, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil) e o Instituto Santos Dumont (Brasil).O exoesqueleto é russo e financiado pela Exoatlet.

Fonte: RR com vídeo

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Autismo: os desafios do brincar e de usar o corpo

A Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) é uma perturbação do sistema nervoso central que afeta o desenvolvimento da criança. É clinicamente caracterizada por dificuldades na comunicação e interação social e pela presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Para além destas características, muitas crianças com PEA experienciam dificuldades nos diferentes aspetos da práxis, associados a outros problemas sensoriais.

E o que é a práxis e para que serve?

A práxis é a capacidade de gerar uma ideia, formar um plano de ação e executar a tarefa motora, de forma a permitir uma interação efetiva e com significado com o meio. Envolve o processamento dos diferentes estímulos sensoriais de forma adequada, principalmente dos estímulos recebidos através do contacto com a pele, dos músculos, das articulações e do movimento. A observação, imitação e exploração com o corpo vão permitir que a criança fique com informações guardadas no cérebro sobre o próprio corpo e as suas possibilidades motoras, mas também sobre o ambiente. Estas informações que resultam da interação com o mundo são necessárias para desenvolver a aprendizagem de novas competências ao longo do desenvolvimento da criança.

A capacidade de conceptualizar e planear uma ação acontece quando o bebé começa a ter vontade de movimentar-se com uma intenção, que poderá ser agarrar a mãe, um brinquedo, descobrir as diferentes potencialidades dos objetos e brincar. Depois de ser criada a ideia, o planeamento das ações requer a noção da sequência das várias etapas, necessária para executar a nova tarefa motora. Nesta fase, a criança tem de saber onde, quando e como pode iniciar e realizar a tarefa, de forma a atingir o seu objetivo, produzindo uma resposta adaptativa. O feedback sensorial que vai tendo na experiência permite os ajustes do corpo e dos movimentos de forma a aprender uma nova sequência de movimentos. Quando existem problemas a este nível, as crianças podem apresentar mais dificuldades em ter novas ideias de brincadeiras/jogos, fazer construções, imitar ações, optando muitas vezes por brincadeiras que não são próprias para a idade ou são restritas e repetitivas.

Estudos mostram a existência de diferenças no funcionamento do cérebro em crianças com PEA. O processo da práxis acontece em várias estruturas cerebrais, tal como acontece na linguagem, podendo justificar as alterações sensoriais e motoras destas crianças. Reforçando esta ideia, a evidência científica sugere que os défices na práxis e nas competências do brincar também podem comprometer a participação nas ocupações diárias e as interações sociais.

Apesar de muitas vezes serem consideradas preguiçosas, distraídas, lentas, desorganizadas, desastradas, na verdade, estas crianças enfrentam verdadeiros desafios para realizar as suas ocupações diárias, tal como lavar as mãos, vestir, comer, utilizar o lápis, jogar em equipa, andar de bicicleta, comunicar. Na interação com o outro, pode observar-se dificuldade em antecipar ações, resolver problemas, adaptar novos comportamentos a situações inesperadas. Necessitam de um esforço acrescido e por vezes ajuda para iniciar e concluir as tarefas.

Crianças com problemas na práxis podem beneficiar do treino, com a repetição das ações, pistas visuais e verbais e de ajuda na execução dos movimentos. O adulto poderá dar nome às ações da criança, descrever a sequência das tarefas que realiza e promover a imaginação, perguntando à criança o que poderá fazer com os objetos.

É através das experiências sensoriais com toque, texturas, pressão, ritmo, movimento que a criança vai conhecendo melhor o seu corpo e novos padrões de movimento e isso permitirá maior sucesso nas interações com os outros e com os objetos.

Nesta era tecnológica, a experiência motora tem vindo a ser desvalorizada e isso terá, com certeza, um impacto no desenvolvimento das crianças.

Por isso, dedique tempo de qualidade e seja criativo nas brincadeiras com o seu filho.

Milene Matos

Fonte: Público

sábado, 22 de fevereiro de 2020

A inclusão, no ensino superior, de jovens adultos com Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais

A inclusão, no ensino superior, de jovens adultos com Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais, é o tema a rubrica (H)À Educação assinada pelas investigadoras Marisa Maia Machado e Paula Santos. As investigadoras dão conta de trabalhos de investigação da Universidade de Aveiro (UA) nesta área. Esta rubrica quinzenal é uma iniciativa do Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) e publicada em simultâneo com o Diário de Aveiro.

Desde 2009 que o Dia Mundial da Justiça Social é celebrado anualmente no dia 20 de fevereiro para a sensibilização das situações de pobreza, desemprego e exclusão.

Eu queria ir para a Universidade “para aprender e fazer novos amigos” diz a Patrícia; para “ter aulas e ser autónoma” conta a Joana; para “aprender coisas novas” refere a Carolina. Estas jovens eram (e ainda continuam a ser) excluídas do Ensino Superior português, por não serem titulares de habilitação de acesso e ingresso, nos termos aplicáveis ao regime geral de acesso ou para outras vias especiais de ingresso. No entanto, após a conclusão da escolaridade obrigatória, tal como acontece com os seus colegas, também desejam continuar a sua formação académica.

Na verdade, a sociedade ainda continua a subestimar o que estas pesssoas podem alcançar e desconhecem como é que podem ser incluídas com sucesso. Por isso é que “em pleno século XXI custa acreditar que a nossa sociedade não está preparada (ou não quer estar) para receber e incluir jovens adultos com Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais” afirma Inês Gomes, estudante da Universidade de Aveiro (UA).

Importa ter presente que Portugal assinou e ratificou, em 2009, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em que o artigo 24º, ponto 5, declara que “as pessoas com deficiência podem aceder ao ensino superior… sem discriminação…. Para este efeito, os Estados Partes asseguram as adaptações razoáveis para as pessoas com deficiência”.

Assim, uma equipa de investigação, com a intenção de intervir para a justiça social, porque a Educação é um direito, e um ES inclusivo é um imperativo ético, fez emergir o estudo-piloto inclUA, visando gerar condições para compreender o processo de inclusão desta população na universidade e as transformações que é necessário operar para que se torne uma opção viável. Por isso, as jovens acima mencionadas, segundo os objetivos dos seus projetos de vida, escolheram algumas “disciplinas” da regular oferta educativa da UA, em que vieram a participar, sob consentimento prévio dos docentes, no 2º semestre do ano letivo 2018-2019.

Enquadrado neste projeto mais abrangente, decorre o “inclUA investiga”, que visa fomentar e sensibilizar para “um mundo mais justo e inclusivo”, como diz a Inês. Esta investigação, co-dinamizada por alunas da UA – Cátia Simões, Cátia Almeida, Inês Gomes, Telma Chipelo e participantes do inclUA – Carolina Martinho, Joana Santos e Patrícia Santos, “pretende provar que a educação pode ser a solução para eliminar alguns obstáculos, e alcançar a inclusão”, afirma Inês.

Uma das primeiras universidades a abrir as suas oportunidades de aprendizagem a esta população foi a Universidade de Alberta, em 1987. Face a esta data, atónitas, questionámos: “Será que, há 32 anos, a inclusão deste estudantes no Ensino Básico e Secundário já era plena e efetiva?”. Pesquisámos, buscando respostas, e constátamos que ainda não o era. Contudo, decidiram que o Ensino Superior não poderia continuar a esperar e a excluir jovens que têm muita motivação e interesse em estudar. Além disso, considerando que o Ensino Superior forma os futuros professores, por que não começar a ‘dar o exemplo’, precisamente neste nível de ensino? Nesta universidade, tal como noutras internacionais, estes estudantes têm uma via de acesso própria e frequentam um curso não conferente de grau que consiste num programa constituído por “disciplinas” de alguns cursos selecionados pelos estudantes. Claro que, para se reconhecer e atender a diversidade, é necessário a inovação pedagógica; esta, inclui valorizar as experiências e perspetivas de TODAS as pessoas, respeitar as suas formas de aprendizagem e proporcionar-lhes oportunidades de otimizarem o seu potencial.

Para além das evidências resultantes dos estudos internacionais sobre os múltiplos benefícios da inclusão desta população na Universidade, como maior empregabilidade e participação social, importa enfatizar que não são as diferentes capacidades, mas antes as atitudes das pessoas que impõem barreiras impossibilitando a participação destas pessoas. Com base num conjunto coordenado de práticas colaborativas, apoios e metodologias apropriadas, estamos perante um desafio – tornar a comunidade mais inclusiva - onde as barreiras criadas por preconceitos históricos quanto à aprendizagem de pessoas com dificuldades intelectuais e desenvolvimentais possam ser efetivamente desmoronadas e se tenha em consideração a individualidade e a valorização da diversidade humana.

Fonte: UA

Agredir professores. O que passa? O que tem de ser feito?

A situação preocupa e não há números oficiais que indiquem o número concreto de professores que são agredidos nas escolas, para lá dos portões, dentro dos estabelecimentos de ensino. Notícias vão ventilando o que se passa. O Observatório de Segurança em Meio Escolar está suspenso, os dados do Programa Escola Segura dão conta de 6422 ocorrências em ambiente escolar em 2017/2018, menos 9,1% do que no ano letivo anterior. E estes registos não referem especificamente quantos estão relacionados com agressões a professores. Quem vive e sente o ambiente escolar garante que o assunto merece a máxima atenção e que as agressões a quem ensina devem ser crime público.

Filinto Lima, professor, diretor escolar, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), garante que as escolas estão mais atentas às situações que envolvem agressões contra professores e funcionários, e entre alunos também, e vão reportando as ocorrências. Esses casos são, sustenta, “reflexo de uma sociedade impaciente e cada vez mais desafiadora da autoridade”. Na sua opinião, agredir um professor deveria ser considerado “crime público e as despesas suportadas pela tutela”. “Temo que os docentes agredidos no exercício das suas funções desistam das queixas apresentadas pela ‘desqualificação’ do tipo de crime e pelo dispêndio com a demanda”, refere (...).

O dirigente escolar vai mais longe. “O desrespeito começa por quem nos devia apoiar, pois os políticos desprezam o trabalho e as múltiplas funções exercidas pelos professores… a Educação não é prioridade, embora demagogicamente nos discursos políticos e programas eleitorais digam o contrário”. O setor está a atravessar momentos complicados. É o tratamento dado a quem ensina, a pouca atratividade da carreira docente, vagas por ocupar em cursos que formam docentes, disciplinas que podem ficar sem professores numa década.

“Os professores encontram-se desmotivados e exaustos, desejosos de demonstrações de carinho e afeto, mas também de ações positivas que contribuam para a valorização e dignificação da classe docente, vilipendiada por sucessivas políticas educativas desastrosas, com início na divisão da carreira em professores titulares e não titulares”. Para Filinto Lima, também diretor do Agrupamento Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, o apreço pela classe docente deveria ser enaltecido nos discursos políticos e nos documentos oficiais.

Algo terá de ser feito e com urgência, segundo Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) e diretor do Agrupamento de Escolas de Cinfães. Os sinais são conhecidos e os números não param de aumentar. Faltam professores em algumas regiões do país. O envelhecimento da classe é preocupante e “uma debandada geral por aposentação delapidará, nalguns casos, as escolas de um património de difícil substituição”. Faltam assistentes operacionais, faltam políticas efetivas de acompanhamento dos alunos nos espaços escolares que diminuam “situações de conflito que tantas vezes culminam em agressões várias, arrastando ou dando origem a outras consequências como a intervenção de alguns encarregados de educação”.

“Há que publicamente contribuir para a valorização e dignificação da classe docente. Há que olhar a educação como uma aposta segura e não como um encargo incontornável e há que dar pública nota disso de forma a contribuir para a melhoria da imagem pública do serviço educativo”. Não é tudo. “Há que revalorizar a escola pública através de políticas de real e efetivo investimento. Há que criar mecanismos de reforço da autoridade nas escolas e responsabilizar civilmente os responsáveis por situações mais graves ou, no caso de menores, responsabilizar civilmente os próprios encarregados de educação”. As escolas são espaços de aprendizagem e de crescimento, que educam também para a assunção de responsabilidades. Porque todos os atos têm consequências.

Nos últimos tempos, há registos e notícias de agressões a profissionais de diversas áreas. As situações de violência têm aumentado. Para Manuel Pereira, os sinais são preocupantes e um alerta que deve inquietar toda a comunidade. “É hoje evidente que os órgãos de comunicação social estão muito atentos a estas situações extremas e, talvez por isso, de alguma forma constituam motivo de alarme social. Mas também é verdade que a situação não é nova. Sempre houve, neste caso, professores agredidos por alunos ou encarregados de educação, sendo certo que socialmente estas situações mereceram repúdio imediato e a atenção da justiça que usava mão pesada nos casos devidamente identificados”, refere (...).

O que se passa?
A desvalorização da classe contribui, de alguma forma, para a perda de respeito? Manuel Pereira fala numa certa desvalorização social da classe docente que tem sido “fustigada por depreciações contínuas e por algum desinteresse efetivo por parte de muitos governos que sistematicamente têm alinhado no discurso fácil do silêncio, deixando caminho aberto àqueles para quem a classe docente é um pesado encargo e não um instrumento capaz de socialmente ajudar a desenvolver o país”. Esta poderá ser uma razão.

Há, porém, outras razões que, segundo o presidente da ANDE, devem ser tidas em conta. “A morosidade da justiça leva a que as hipotéticas sanções aos prevaricadores sejam quase sempre apenas simbólicas ou aplicadas fora do tempo. Por outro lado, a desvalorização monetária dos profissionais de educação é por demais conhecida, afastando cada vez mais bons profissionais e trazendo para a praça pública constantemente situações disruptivas que em nada dignificam nem o sistema educativo nem os seus profissionais”.

“Os mecanismos de autoridade, nas escolas, têm perdido elasticidade constantemente, limitando uma intervenção preventiva mais efetiva. Por sua vez alguns encarregados de educação exigem à escola medidas casuais, mediante interesses divergentes ou ocasionais o que, muitas vezes, ajuda a maximizar situações de conflito que, nalguns casos, pode culminar em desrespeito efetivo e mesmo em situações de agressão”, conclui o presidente da ANDE.

“Conhecer a indisciplina nas escolas”
A Federação Nacional da Educação (FNE) está preocupada com a questão. João Dias da Silva, secretário-geral da federação, adianta que na próxima semana será aprovado um documento sobre tolerância zero à violência em contexto escolar, com um capítulo dedicado às agressões aos professores. A FNE tem vindo a abordar o tema e a chamar a atenção para o reforço da autoridade dos que trabalham em educação, com tolerância zero para a indisciplina ou a violência em contexto escolar, através de medidas preventivas, “nomeadamente com equipas multidisciplinares de acompanhamento do clima interno das escolas, e assumindo as agressões físicas como crime público”.

A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) está igualmente atenta ao assunto e tem feito vários pedidos. Reforçar a autoridade dos professores, criar um observatório para a violência nas escolas que reúna e divulgue dados, apoiar juridicamente os professores agredidos que apresentem queixa em tribunal. Pede também menos silêncio por parte da tutela e a condenação clara da violência exercida sobre professores. “Ninguém, por ser professor, pode ter medo de exercer a sua profissão ou de circular livremente na rua e se esses casos são frequentes ou, como afirma o ministério, residuais, isso não retira importância ao problema”, referiu Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, em conferência de imprensa.

O Contador do blogue ComRegras contabilizou 25 agressões em 18 semanas de aulas, uma média superior a uma agressão por semana. “A preocupação não é saber se as agressões estão a aumentar ou a diminuir, basta uma para ser muito grave”, refere Alexandre Henriques, professor e autor do blogue ComRegras. “A preocupação é constatar que as agressões são recorrentes e os docentes e não docentes não sentem que algo esteja a ser feito para alterar o rumo dos acontecimentos”, acrescenta. As agressões a professores são, sublinha, a ponta do icebergue de um clima de indisciplina e violência em muitas escolas. E os únicos dados conhecidos são das forças de segurança e os números pecam por defeito.

“O Ministério da Educação esconde-se em comunicados inócuos, sem apresentar qualquer medida. Uma sociedade que agride um professor é uma sociedade que irá agredir o padeiro, o contabilista, o médico, o jornalista, etc.”. Este fenómeno não surgiu agora. “Ao longo de anos que sucessivos governos têm afrontado, humilhado e desvalorizado o trabalho do professor, talvez para servir de exemplo para as reivindicações de outros funcionários públicos. Os professores são muitos, são uma voz ativa da sociedade e parece-me evidente que a estratégia de dividir para reinar é a norma instituída”, refere.

Cada vez mais, os alunos não querem ser professores e os professores, principalmente os mais velhos, contam os dias para ir embora das escolas. Para Alexandre Henriques, estamos perante uma fuga em massa sem qualquer tipo de renovação. “Isto deveria ser suficiente para fazer pensar quem nos governa, mas sinceramente, quando se omite realidades como a indisciplina escolar e se deturpam factos como os valores inerentes à recuperação de todo o tempo de serviço docente, significa que se perdeu a vergonha e que vale tudo”. “É impossível esquecer o teatro feito por António Costa quando chantageou toda a gente com o seu pedido de demissão, colocando, tal como Maria de Lurdes Rodrigues o fez, a sociedade contra os professores. E quando um Governo, um Ministério da Educação, não valoriza, não respeita os seus professores, a sociedade também não o fará”, acrescenta.

Alexandre Henriques aponta várias medidas para que a violência contra os professores não se torne habitual e notícia habitual. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que há um problema de indisciplina nas escolas. “No espaço de uma semana três alunos foram esfaqueados, um deles não morreu por acaso”. Em segundo lugar, conhecer a indisciplina das escolas. Qual a percentagem de alunos com participações disciplinares? Quantas participações disciplinares acontecem? Quais as zonas mais problemáticas? Qual o tipo de indisciplina mais frequente? Qual o período do dia onde costumam ocorrer mais situações de indisciplina? Quais os anos letivos mais problemáticos? “O Ministério da Educação pode perfeitamente recolher esses dados, há escolas que o fazem através de equipas multidisciplinares que até já estão legisladas, mas que estão dependentes do crédito horário que as escolas têm e que todos sabemos é bastante curto”.

Em terceiro lugar, é preciso intervir de diferentes formas. Aumentar o número de professores em regime de codocência. Reduzir o número de alunos por turma. Contratar mais funcionários para aumentar o controlo nos intervalos. Penalizar de forma efetiva as famílias que são negligentes. Reforçar o acompanhamento a famílias problemáticas. Apostar na formação de base e contínua de gestão de conflitos para docentes e não docentes. Tornar as agressões a professores um crime público. Pagar aos professores agredidos as custas processuais. Aumentar o número de psicólogos. Reduzir a carga letiva dos alunos que os leva à exaustão e consequente indisciplina. Criar percursos alternativos logo no 3.º Ciclo do Ensino Básico. Reformular o Estatuto do Aluno. São estas as propostas do autor do ComRegras.

“O ministro Tiago Brandão Rodrigues tem como sua bandeira de combate à indisciplina, a criação de tutorias que nem sequer são individuais, como se as tutorias em ‘pack’ resolvessem por magia a indisciplina escolar. Nas questões disciplinares, as escolas e os professores sentem-se abandonados à sua sorte e apesar das diversas propostas apresentadas ao Ministério da Educação, nada foi feito.” “Dá vontade de perguntar se o ministro Tiago Brandão Rodrigues se importou com os alunos esfaqueados, ou com os professores agredidos, onde até se inclui uma professora grávida. Os professores costumam dizer que antes de ensinar é preciso ter disciplina na sala de aula, se o Ministério da Educação ignora isso, porque gasta tanto tempo e tanto dinheiro em reformas pedagógicas quando ignora o prioritário?”, questiona.

“Erosão do civismo mínimo”
A escola é o espelho da sociedade e a sociedade vive novos problemas que se refletem no meio escolar. A situação é complexa. A agressão aos professores é um assunto que agrega vários fatores. “O exercício de violência sobre um professor é um gravíssimo ato de verdadeiro ataque à democracia. A existência de violência em espaço escolar tem um enorme potencial de replicação por toda a sociedade”, comenta César Israel Paulo, professor e porta-voz da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC).

Na sua perspetiva, é urgente o trabalho e apoio de todos para um fim definitivo à violência nas escolas, em nome de “um convívio tranquilo e salutar entre todos os elementos das comunidades educativas, centrando todas as preocupações e sinergias no aumento do sucesso educativo das nossas crianças e jovens, na educação de cidadãos onde os mais importantes valores humanos se afirmem como eixos destacados de atuação.”

A situação é grave e preocupante, na sua opinião, e, por isso, deve ser analisada e tratada com todo o cuidado. A tutela e todos os atores educativos devem envolver-se neste debate para agilizar medidas de combate à indisciplina e à violência. “Com a articulação entre todos estes atores, conseguiremos levar a cabo um combate mais eficaz a esta problemática, passando, paralelamente, por um reforço nas condições de trabalho dos profissionais docentes e o desenvolvimento de medidas promotoras de um verdadeiro rejuvenescimento desta classe profissional”.

É necessário olhar à volta. A democratização do acesso ao sistema de ensino e o alargamento da escolaridade obrigatória trazem novos desafios às escolas e situações difíceis de ultrapassar, “não só pelos meios que lhe estão afetos, mas, acima de tudo, por se tratarem de questões que, emanando do seu exterior, a dificuldade para os parametrizar, controlar e para apresentar soluções eficazes, é imensa”. Há ainda a desvalorização social de várias classes profissionais nas últimas décadas.

E está tudo ligado. Para César Israel Paulo, “tal circunstância é também ela estruturante para o surgimento de novos casos de indisciplina e de violência em contexto escolar, acrescida da dimensão desta classe profissional, do forte envelhecimento (e cansaço) dos professores e do desgaste profissional a que estão sujeitos, da exposição diária dos mesmos a uma panóplia de situações de ‘conflito’, dentro e fora de aula, para as quais têm de apresentar soluções (muitas delas decorrentes das alterações sociais já referidas, mais do que despoletadas pela própria comunidade escolar), entre outras causas plausíveis”.

O professor Paulo Guinote, autor do blogue “O Meu Quintal”, enquadra o que vê. “O que se passa quando existem agressões físicas ou verbais a professores é a erosão do civismo mínimo de parte da população. Claro que não ajudou termos governantes ou comentadores na comunicação social a amesquinhar durante anos os professores acusando-os das maiores tropelias, grande parte delas absolutamente imaginárias, desde o desprezo pelo sucesso dos alunos até ao egoísmo de quererem receber ‘retroativos’”, refere (...). “A última década foi fértil nesse discurso anti professores, assim como a presente omissão dos governantes desta área tem contrastado com a dos seus pares na Saúde ou Justiça. Claro que existem docentes com práticas que podem merecer crítica, mas o recurso à intimidação e à violência é o sinal de uma sociedade em que os valores da cidadania estão em perda”, acrescenta.

As agressões contra professores dentro da escola estão ou não a aumentar? Uma resposta rigorosa e taxativa é uma tarefa complexa, até pelos métodos e critérios de recolha e tratamento deste tipo de dados. Os casos têm tido uma maior projeção mediática e não parece haver dúvidas neste ponto. Em termos de proximidade, e pela experiência, Paulo Guinote considera que o fenómeno se tem mantido, só que antes com menor divulgação. “Os números ‘oficiais’ parecem indicar uma redução das ocorrências, mas os critérios de recolha dos dados nem sempre são os mesmos e, muito em especial, os critérios para a sua comunicação por parte de escolas e professores estão longe de ser uniformes. Porque aquilo que é considerado importante numa escola ou agrupamento nem sempre é tratado da mesma forma em outro”. Há vários pesos e medidas, razões e procedimentos. “Há casos não reportados por embaraço de quem esteve envolvido, por estratégia da gestão da escola de não criar alarmismos ou mesmo de receio de represálias”, diz.

Não há um manual de instruções para lidar com estas situações e a questão de fundo não se resolve de uma forma simples ou rápida. Imediatismos demagógicos ou intervenções esporádicas não resolvem o problema. O mais importante, em seu entender, seria avançar, de forma ativa e da parte do Ministério da Educação, com um programa de sensibilização parental para o respeito pelos professores. “E que as associações representativas dos encarregados de educação com maior intervenção na comunicação social não surgissem, em regra, mais preocupadas em apontar as falhas do que em elogiar os méritos”.

Como encarregado de educação, Paulo Guinote confessa que não se sente “representado” na generalidade das intervenções feitas pelos que se apresentam como representantes oficiais das organizações parentais, “pois parecem só conseguir apoiar os professores a contragosto”. “O problema da falta de civismo está longe de se circunscrever a este ou aquele grupo social, pois existem práticas de bullying contra os professores (por alunos e pais) com origem em estratos que se sentem com uma condição superior e que tratam os docentes como uma espécie de assalariados seus”.

Apontar o dedo aos professores pelas eventuais falhas da Educação, de forma insistente e permanente, negando-lhes quase sempre a responsabilidade pelos méritos, não é um bom caminho, segundo Paulo Guinote. “Afinal, a melhoria dos resultados dos alunos portugueses nos últimos 25 anos, assim como uma série de transformações no funcionamento das escolas, aconteceu ao mesmo tempo que se sucederam inúmeros responsáveis políticos, mas em que os professores permaneceram quase os mesmos. E isso nem sempre é devidamente reconhecido por aqueles que preferem guardar os louros apenas para si”, repara.

Fonte: Educare

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

O Papa: renovar a paixão por uma educação mais aberta e inclusiva

"É necessário acelerar esse movimento inclusivo da educação para combater a cultura do descarte, criada pela rejeição da fraternidade como elemento constitutivo da humanidade”, disse Francisco aos participantes da plenária da Congregação para a Educação Católica. O Papa recordou o dia do Pacto Educativo Global que se realizará em 14 de maio próximo.

O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (20/02), na Sala Clementina, no Vaticano, os participantes da plenária da Congregação para a Educação Católica.

“A educação é uma realidade dinâmica. Trata-se de um tipo de movimento orientado ao desenvolvimento pleno da pessoa em sua dimensão individual e social”, sublinhou Francisco em seu discurso.

A seguir, o Papa se deteve em alguns aspectos típicos desse movimento.

Movimento ecológico. É uma das forças que puxam para o objetivo de formação completa. A educação que coloca a pessoa no centro de sua realidade integral tem o objetivo de levá-la ao conhecimento de si mesma, da Casa comum em que é chamada a viver e à descoberta da fraternidade como relação que produz a composição multicultural da humanidade, fonte de enriquecimento recíproco.

Segundo o Papa, esse movimento educacional, conforme escrito na Encíclica Laudato si’, ajuda a recuperar «os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus». Isso exige «educadores capazes de reordenar os itinerários pedagógicos duma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão».

A inclusão é mensagem cristã

O outro movimento é o inclusivo. “Uma inclusão que vai em direção a todos os excluídos: os que são excluídos por causa da pobreza, vulnerabilidade, guerra, fome e catástrofes naturais, seletividade social, dificuldades familiares e existenciais. Uma inclusão que se concretiza nas ações educacionais em favor dos refugiados, das vítimas do tráfico de pessoas, dos migrantes, sem nenhuma distinção de gênero, religião ou etnia."

“A inclusão não é uma invenção moderna, mas parte integrante da mensagem salvífica cristã. Hoje, é necessário acelerar esse movimento inclusivo da educação para combater a cultura do descarte, criada pela rejeição da fraternidade como elemento constitutivo da humanidade.”

Educação, força pacificadora

Outro movimento citado pelo Papa foi o “pacificador, portador de paz”, testemunhado pelos jovens “que com seu compromisso e sede de verdade nos lembram que a esperança não é uma utopia e que a paz é um bem possível.” 

“O movimento educativo construtor de paz é uma força que deve ser alimentada contra a “egolatria” que cria a falta de paz, fraturas entre as gerações, povos, culturas, populações ricas e pobres, homens e mulheres, economia e ética, humanidade e ambiente.”

Essas fraturas e contrastes, que adoecem os relacionamentos, escondem o medo da diversidade e da diferença. Por esse motivo, a educação é chamada, com sua força pacificadora, a formar pessoas capazes de entender que a diversidade não atrapalha a unidade, elas são indispensáveis para a riqueza da própria identidade e da identidade dos outros."

Dia do Pacto Educativo Global

O movimento de equipe é outro elemento típico da educação, pois não existe apenas a ação de uma só pessoa ou instituição.

Segundo o Papa, “o movimento de equipe há muito tempo está em crise por várias razões”. Por isso, o Pontífice sentiu a necessidade de promover o dia do Pacto Educativo Global, em 14 de maio próximo, confiando a organização à Congregação para a Educação Católica.

"É um apelo dirigido a todos aqueles que têm responsabilidades políticas, administrativas, religiosas e educativas para restabelecer a “aldeia da educação”. O encontro não tem como objetivo elaborar programas, mas reencontrar o passo comum a fim de «reavivar o compromisso em prol e com as gerações jovens, renovando a paixão por uma educação mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão. O pacto educacional deve ser revolucionário.”
Aliança educativa

“Nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna»”, disse ainda Francisco.

Para atingir esses objetivos é preciso coragem: «A coragem de colocar no centro a pessoa (...). A coragem de investir as melhores energias (...). A coragem de formar pessoas disponíveis para se colocarem a serviço da comunidade». A coragem de pagar bem os educadores.

Um Observatório mundial

Na formação de um Pacto Educacional Global, o Papa também vê a “facilitação do crescimento de uma aliança interdisciplinar e transdisciplinar para todos” os estudos, incluindo os eclesiásticos.

Francisco faz votos de que se prossiga positivamente “na realização do programa para os próximos anos, em particular na elaboração de um Diretório, na criação de um Observatório mundial, bem como na qualificação e atualização dos estudos eclesiásticos e um maior zelo pela pastoral universitária como instrumento de nova evangelização”.

Fonte: Vatican News