segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Eu, observador, me confesso – João André Costa

Não dou aulas. Se desse aulas, não teria de me preocupar em chegar à escola às 5:40 da manhã para começar às 6 e acabar o dia 12 horas depois, com sorte.Não dou aulas, mas como professor não tenho nem emprego nem funções sem a ajuda dos meus colegas e amigos e, naturalmente, sem os alunos cuja existência justifica a razão do meu ser, estas palavras e o porquê de me levantar, não, saltar da cama todos os dias.
Sou coordenador de necessidades educativas, traduzido do inglês Special Educational Needs Coordinator, ou SENCo, e trabalho numa escola nos subúrbios de Londres, uma escola para alunos excluídos cuja violência é tantas vezes a única mensagem possível quando faltam as palavras para explicar o que de facto aconteceu e acontece.
O meu papel é fundamentalmente social, procurando perceber o porquê entre a intransigência da escola e as carências por demais evidentes nas famílias que todas as semanas nos batem à porta.
E ao perceber o porquê, partilhar esta informação, esta compreensão, com os meus colegas, individualmente ou em grupo, no sentido de individualizar e diferenciar o ensino.
Basicamente, perceber porque carga de água um aluno insiste em sair da sala de aula de 3 em 3 minutos e de que modo podemos em conjunto encontrar meios e estratégias para promover a aprendizagem desse mesmo aluno.
E porque o aluno tem uma história de vida e o professor a preocupação de ensinar, cabe-me o dever de observar as aulas e, do ponto de vista do observador, procurar estabelecer pontes.
Sem avaliar o professor. Sem ajuizar ou julgar. Antes apoiar. Antes ensinar.
A minha escola não é caso único. Em Inglaterra há muito que a observação de aulas não tem uma componente de avaliação do professor. Ao invés, pretende-se avaliar o nível de aprendizagem dos alunos de modo a partilhar o sucesso, mas também a responsabilidade, por todos.
Para tal, é fundamental reunir com o professor antecipadamente, falar sobre cada aluno, a dois estabelecer um plano, quais os objectivos, que actividades para cada aluno, que recursos usar entre modelos, jogos didácticos, o quadro interactivo, os portáteis, réguas de leitura, o Teaching Assistant para os alunos mais capazes enquanto o professor ajuda quem mais precisa individualmente, a remoção de cadeiras porque é mais fácil para determinado aluno estar em pé, o aumento do tamanho da letra e/ou a redução dos textos devidamente acompanhados de imagens entre tantas outras estratégias sem fim assim como sem fim é a imaginação e a vontade quando a educação e o futuro das crianças estão em causa.
Nunca como agora foram a cooperação, a entreajuda e a empatia tão importantes.
E nunca como agora foi tão irrelevante ajuizar as competências de um professor através de aulas observadas.
Num mundo minado de guerra e sofrimento que tipo de exemplo pretendemos exercer quando se fomentam as hierarquias?
Até prova em contrário, somos todos iguais. As crianças são todas as iguais. E os adultos são as mesmas crianças.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

3 em 10 professores não utilizam tecnologia: “Estorva mais do que ajuda”

A tecnologia está presente nas salas de aula em Portugal, há muito tempo. Mas muitos professores não a utilizam frequentemente.

Um estudo indica que cerca de 31% dos docentes – entre os 2.580 que responderam ao inquérito – não utilizam a tecnologia disponível no respectivo estabelecimento de ensino: “Nem sempre funciona e é mais um obstáculo do que um benefício“, lê-se no documento citado pelo Público.

Ainda relacionado com esse número, 15% não utilizam a tecnologia nas escolas, “ou porque não é fácil fazê-lo ou porque consideram que não é necessária“.

Esta análise foi elaborada por dois investigadores da Universidade do Minho e foi publicado pela Promethean, empresa focada na venda de equipamentos tecnológicos.

A formação para a utilização dos meios tecnológicos em sala de aula ainda não é generalizada: mais de um terço (36%) dos professores não teve formação neste sentido. E cerca de 30% não participaram em qualquer formação do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua.

A grande maioria dos participantes neste estudo (86%) tem noção de que a tecnologia é prioritária nas escolas; e 64% utilizam frequentemente a tecnologia mas cerca de 12% admitiram que não têm competências digitais.

Pouco mais de um quinto dos professores (21%) sabem utilizar bem a tecnologia na sua vida pessoal mas não estão confiantes para fazerem o mesmo numa sala de aula.

Mais de metade dos docentes (52%) acha que o comportamento dos alunos melhorou por causa da presença da tecnologia durante as aulas.

Fonte: ZAP por indicação de Livresco

sábado, 26 de fevereiro de 2022

CHEGAR A TODOS OS ALUNOS: um pacote de recursos para apoiar a inclusão e equidade na educação


O pacote de recursos Reaching Out to All Learners concentra-se naquele que é, sem dúvida, o maior desafio enfrentado pelos sistemas educativos em todo o mundo, o de encontrar maneiras de incluir e garantir a aprendizagem de todas as crianças nas escolas. Em países economicamente mais pobres, trata-se principalmente dos milhões de crianças que não são capazes de frequentar a educação formal. Enquanto isso, nos países mais ricos, muitos jovens deixam a escola sem qualificações que valham a pena, alguns optam por desistir porque as aulas parecem irrelevantes e outros são colocados em classes especiais ou escolas fora do ensino regular. A UNESCO estima que meninas de 12 a 17 anos correm um risco particular de abandonar a escola em países de renda baixa e média-baixa, enquanto os meninos correm mais risco em países de renda média-alta e alta. Recentemente, os professores enfrentaram novos desafios sem precedentes, à medida que procuram encontrar maneiras de garantir uma educação de qualidade para todos os seus alunos no contexto da pandemia do COVID-19. Embora a natureza desses desafios varie dependendo da localização, uma preocupação comum é com aqueles estudantes que são conhecidos por serem vulneráveis à marginalização ou exclusão, como os dos lares mais pobres, refugiados e aqueles em situações de conflito, minorias étnicas e linguísticas e origens indígenas, e crianças com deficiência. Conclui-se que os esforços para garantir a recuperação educacional após a pandemia devem ser baseados nos princípios de inclusão e equidade.


Fonte: Newsletter - fevereiro 2022 da Pró-Inclusão

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

SINDICATO DEMOCRÁTICO DOS PROFESSORES DOS AÇORES QUER REFORÇO DE DOCENTES DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

O presidente do Sindicato dos Professores Democráticos dos Açores (SDPA) defendeu hoje [21 de fevereiro] um reforço de professores de educação especial e a clarificação da sua atividade no novo modelo de educação inclusiva da região.

“O diploma pode estar muito bem concebido, pode ter umas ideias que são fundamentais do ponto de vista social, enquanto escola, como elevador social, mas a falta de recursos pode permitir que não passemos de um articulado muito bem escrito num papel”, avançou o presidente do SDPA, Ricardo Baptista, em declarações aos jornalistas, à margem de uma reunião com a secretária regional da Educação, Sofia Ribeiro, em Angra do Heroísmo.

O executivo açoriano apresentou, no final de janeiro, uma anteproposta de modelo de educação inclusiva, que está em consulta pública até o dia 27 deste mês.

Para o SDPA, é preciso desburocratizar o processo e clarificar as funções do professor de educação especial.

“Uma das falhas que estava na lei 116, do continente, é não estar definido, com critério, qual é o papel do professor de educação especial neste novo modelo de educação inclusiva. É fundamental não só definir as tarefas, mas reforçar todas as escolas, porque senão caímos no risco de isto, no dia 01 de setembro, com a implementação do diploma, ser um caos total”, afirmou Ricardo Baptista.

O sindicalista defendeu também “a alocação de recursos às escolas para implementar o diploma” e a “responsabilização da tutela na formação das pessoas”.

Ricardo Baptista considerou que o diploma é “importante” e “tardava em chegar à Região Autónoma dos Açores”, mas sublinhou que não pode haver apenas uma “mudança de nomenclaturas”, que deixe “tudo na mesma”.

“Não será o diploma que vai mudar a forma de agir da escola e da sociedade. A inclusão tem de ser sentida por todos e é um dever de todos”, alertou, alegando que, “mais do que integrados, estes alunos têm de se sentir incluídos”.

Tendo por base a experiência do modelo implementado no continente português e de projetos piloto desenvolvidos na região, a tutela pretende implementar uma estratégia educativa que, abandone "sistemas de categorização de alunos, incluindo a 'categoria' necessidades educativas especiais e do modelo de legislação especial para alunos especiais", lê-se na anteproposta.

O novo modelo prevê que seja reconhecida a "diversidade" dos alunos, "de forma a adequar o processo de ensino às características e condições individuais de cada um".

Para tal, define que devem ser congregados, "no uso da autonomia de cada unidade orgânica e dos seus profissionais, os meios ao seu alcance, em especial, através do reforço das funções dos docentes e técnicos especializados, enquanto elementos decisivos das equipas educativas, na definição de estratégias e no acompanhamento da diferenciação pedagógica e da organização curricular".

Fonte: JM Madeira por indicação de Livresco

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Crianças que vivem próximo de áreas verdes têm melhor desempenho cognitivo

Investigadores do Instituto de Saúde da Universidade do Porto (ISPUP) concluíram que as que vivem mais próximas de espaços verdes apresentam um “melhor desempenho cognitivo”, num estudo que envolveu mais de 3800 crianças da Área Metropolitana do Porto.

O estudo, publicado na revista Science of the Total Environment, visava compreender “qual a importância da exposição a espaços verdes e azuis [água] no desenvolvimento cognitivo das crianças” aos dez anos, explica um comunicado do instituto da Universidade do Porto. Para avaliarem se existia uma correlação, os investigadores realizaram um estudo longitudinal que incluiu 3827 crianças, residentes na Área Metropolitana do Porto e que participam na coorte Geração XXI, do ISPUP.

Na investigação foi tida em conta a “densidade de vegetação”, através de imagens de satélite, bem como a distância a pé da residência e da escola das crianças aos espaços verdes urbanos e espaços azuis. A avaliação foi realizada quando as crianças completaram quatro, sete e dez anos.

Os investigadores mediram o quociente de inteligência (QI) aos dez anos, usando o índice de inteligência Wechsler, e concluíram que “as crianças que viviam a uma distância de até 800 metros de espaços verdes públicos, como parques e jardins, apresentaram um maior QI aos dez anos”.

Quanto a exposição a espaços azuis e inteligência, os investigadores “não encontraram uma associação”.

“O estudo veio reforçar a importância dos espaços verdes no desenvolvimento cognitivo das crianças”, salienta no comunicado Diogo Almeida, o primeiro autor do artigo. “Seria importante que, em termos de planeamento urbano, se considerasse melhor a disponibilidade de espaços verdes, sobretudo perto das áreas residenciais”, considera, lembrando que tal beneficiaria a “inteligência das crianças” e se reflectiria “em adultos mais saudáveis e competentes”.

A investigação, intitulada Residential and school green and blue spaces and intelligence in children: The Generation XXI birth cohort, foi desenvolvida ao abrigo do projecto EXALAR XXI, financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização e por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Fonte: Público

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Para que serve a escola afinal? Depende, responde esta professora

O mais recente Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses, realizado pelo Instituto de Ciências Sociais com a Fundação Calouste Gulbenkian veio mostrar que 61% dos portugueses não leram qualquer livro impresso em 2020 e 27% leram apenas entre um e cinco livros. Atrever-me-ia a afirmar que entre estes números encontraremos muitos alunos e mesmo professores.

Vamos por partes. Por um lado, as desigualdades nas práticas culturais dos portugueses refletem as desigualdades existentes nos rendimentos, no nível de educação e na idade. Por outro, estamos conscientes da forte relação de causa-efeito entre a leitura de livros e outros consumos culturais. Há muito que defendo descontos especiais para professores não só em livros, museus e monumentos mas em todos os eventos culturais como teatro, dança, cinema, etc. Se não consumimos cultura, como a podemos transmitir?

Quanto aos livros, aos alunos já quase não se exige a leitura integral de nada. Excertos e mais excertos e fica-se por ali. E mesmo que se exigisse eles certamente não leriam. Para que serve a escola afinal, perguntam-me repetidas vezes no meu quotidiano profissional. Respondo que depende. Sim, depende da escola. Dos alunos que a frequentam e do meio sóciocultural em que se insere. A minha escola, por exemplo, é rica em afetos mas pobre em artes e cultura. Exatamente o oposto do que uma escola deveria ser, pensará o leitor. Depende, depende…  Se os alunos teimam em escrever no final dos textos – para que não nos esqueçamos – “eu odeio a escola” ou ” se a escola é a tua casa, foge de casa” – apostar nos afetos é tão ou mais importante do que apostar no ensino da História de Portugal ou na Gramática.

Embora a dificuldade dos alunos com o friso cronológico básico da Literatura ou da História de Portugal (e fiquemo-nos por aqui, sem manias de grandeza que a Europa ou o mundo seriam considerados conteúdos enciclopédicos) seja, de modo geral, transversal nesta geração de adolescentes, também a aversão à leitura de livros e à escrita de textos de diferentes formatos o são.

Não se iludam! A escola serve para tentar resolver os problemas com que diariamente se vê confrontada e ignorá-los, cobrindo-os pomposamente com os conteúdos curriculares ou com as tão em voga aprendizagens essenciais, pode resultar num remendo barato que pode rebentar antes do verão. Para além das aulas, dos alunos e dos seus problemas tão variados (a B., tão tímida, não fala nas aulas nem apresenta trabalhos orais; o D., tão gordo, recusa-se a fazer exercício físico; a C., tão extrovertida, já namorou com os rapazes todos da turma; o P., tão bom aluno e solidário, explica a matéria aos colegas nos intervalos; a R., tão meiga, sofre de depressão profunda) temos os pais. A P. quer conversar sobre a sua educanda que tem negativa a Português e a Matemática mas precisou de falar dela. Aos seis meses de gravidez o marido abandonou-a. Foi mãe e pai. Teve um cancro na mama direita. Depois na esquerda. Sente-se vitoriosa. Após um longo processo em tribunal, o ex-marido irá começar a pagar duzentos euros, com os quais pretende pagar explicações a Matemática.

E depois os colegas… O C. passa por mim no corredor e com ar irónico, diz: Uau, passei para o segundo escalão, mais um dinheirão… Sento-me por dez minutos na sala de professores e vejo-a entrar. Dirige-se diariamente à máquina de café em passinhos curtos e lentos. Tira um café e sai. Uns dias, cumprimenta efusivamente. Outros, emudece. Tem um casaco de inverno com um cinto despropositado e uns sapatos que lhe sobram dos pés para regozijo dos alunos. A D. está nervosa. Vai ter aula assistida e a turma é muito mal comportada. O professor de Matemática, de olhos semicerrados parece meditar. Pode não parecer mas está mentalmente a planificar, a pensar como irá dar certa matéria ao 10ºB. Sei disso porque mo disse… E porque é esta a nossa vida. Estamos sempre a trabalhar, dentro e fora da sala. Dentro e fora da escola.

Depois são as perguntas dos alunos, vertiginosas, ingénuas, disparatadas… Stora, Camões é do séc. XII? Quando nasceu Portugal? Mentalizar é na cabeça, não é? Stora, sabe que tenho bué medo da solidão? Stora, striper é uma profissão como outra qualquer, não acha?

Ouve-se por aí que a falta de professores nos diversos graus de escolaridade e disciplinas faz-se sentir no terreno e agrava-se de ano para ano. Nos próximas cinco anos, 20% dos atuais docentes entram na reforma e dentro de 10 anos essa percentagem sobre para os 58.

De que estás à espera? O salário é excelente, com atualização anual para motivação dos professores e sem cortes ou congelamentos de quaisquer espécies.

Junta-te a nós!

Carmo Machado

Fonte: Visão

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Quatro [dois] pontos nos ii

1. Quem conheça minimamente o que se passa no nosso sistema de ensino, e tenha lido o que a Direcção-Geral da Educação publicou (Relatório de Acompanhamento, Monitorização e Avaliação da Autonomia e Flexibilidade Curricular), só pode sentir repulsa pelo descaramento do discurso oficial. A avaliação séria é feita por instâncias independentes, que se pronunciam com base na análise de processos, documentos e resultados. Uma narrativa bajulatória, em que os juízes são os promotores do que é avaliado, é uma fraude.

Aquele relatório é uma infeliz exaltação das pessoas e das políticas que estão a destruir o sistema de ensino. Enquanto nas escolas, 2.º período já adiantado, cerca de 30 mil alunos estão sem professor, pelo menos a uma disciplina, a propaganda oficial tortura os números e manipula os factos, para enganar os portugueses. Entendamo-nos: a inovação que o relatório incensa é tão-só a retomada de pedagogias datadas, que falharam quando há décadas foram usadas; a flexibilidade curricular que o relatório elogia é a metáfora oficial para promover a degradação do currículo coerente, com a intencionalidade de conseguir resultados falsos; a autonomia que o relatório glorifica é um disfarce sem vergonha para a pulsão controladora dos dois últimos governos do PS. Daquele relatório não se retira qualquer contributo para resolver os desafios que se colocam ao futuro da Educação.

3. De proveniências diversas, foram muitas as loas tecidas a propósito de mais uma vitória nacional: a nossa taxa de abandono escolar precoce fixou-se em 5,9%, quando na União Europeia está estabilizada em torno de 10%. Acontece que esta taxa não mede o que quem rapidamente a elogiou terá pensado. Esta taxa é calculada a partir do Inquérito ao Emprego, que não a partir das bases de dados do Ministério da Educação e dos percursos dos alunos. Dito de outro modo: só ficam sob o radar dos cálculos os jovens entre os 18 e os 24 anos que procuram oficialmente trabalho, sem terem concluído o ensino obrigatório. Não contam para os cálculos os que não se alistem oficialmente ou os que, não tendo concluído os estudos, estejam a frequentar uma qualquer formação, das muitíssimas que existem e mascaram a realidade. Isso mesmo reconheceu uma auditoria do Tribunal de Contas (Junho de 2020), particularmente crítica em relação às metodologias utilizadas para medir o abandono escolar, onde se lê que “não existem, no sistema educativo nacional, indicadores para medir este fenómeno”. No mesmo sentido se pronunciou o Conselho Nacional de Educação (CNE), quando afirmou que os “número reais” do abandono “devem ser superiores aos valores oficiais”.

Santana Castilho

Fonte: Público por indicação de Livresco

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Como podem os pais ajudar as crianças a redefinir o significado de “inteligente”?

Os meus filhos aprenderam o conceito de ser inteligente quando eram pequenos. Para eles, “inteligente” significava ser bom nas coisas que a maioria das escolas nos diz que são importantes: ler e escrever bem, entender matemática, terminar os testes rapidamente. Agora, com 15 e 13 anos, ambos auto-avaliam-se por esses parâmetros e, não surpreendentemente, sentem que não estão a dar conta do recado.

Um deles é um leitor preguiçoso que foi sinalizado, durante vários anos, na escola porque estava “abaixo do nível da turma”. O outro é bom aluno, mas distrai-se muito: pensa em cinco coisas ao mesmo tempo, muitas vezes quando se espera que esteja a prestar atenção.

Durante a pandemia, pude assistir, da primeira fila, a como cada um deles prosperou além dos limites da escola tradicional. O “preguiçoso” desenvolveu uma memória visual de tal forma que lhe permite vencer a família toda no xadrez e nos jogos de estratégia. Através do YouTube, teve a oportunidade de explorar tópicos como mineração de asteróides, conhecer a sua cidade favorita, o Dubai, e descobrir se o açúcar deixa mesmo as crianças hiperactivas. Já o irmão assistiu compulsivamente à série Anatomia de Grey, decidiu que quer ser cirurgião, usou a internet para aprender a dissecar um feto de porco e dominar as bases da sutura cirúrgica.

Como muitos pais, luto com um dilema: vejo o talento dos meus filhos, mas também sei que não podem brilhar num sistema educativo onde “inteligente” é medido através de outra escala. Apesar de sabermos que as crianças aprendem de maneiras diferentes, a ritmos diferentes, favorecemos certas funções cognitivas e damos uma grande ênfase à obediência, quietude e capacidade de prestar atenção.

O ensino à distância, por culpa da covid-19, foi um lembrete de que “inteligente” passou a representar uma ideia inflexível e amplamente desumanizada da capacidade humana. Os nossos filhos são muito mais do que isso.

Sou uma ex-professora de ensino básico, trabalhei em Newark, New Jersey.​ Acabei por deixar as salas de aula para me tornar investigadora e defensora educativa. Queria mudar a forma como educamos os nossos filhos, reflectindo o que sabemos agora sobre o desenvolvimento humano, a ciência da aprendizagem e as muitas maneiras como potencial humano pode emergir.

Ao longo dos anos, aconselhei pais que lutam por educar os filhos na sombra do que o nosso sistema espera. Aqui estão algumas ideias para que os pais possam reconsiderar como os filhos são inteligentes e como incentivar as crianças a aprender e a prosperar.

Explore as formas como o seu filho é inteligente

Este é difícil, mas os pais precisam de recuar e deixar de se concentrar nas notas para averiguar o quão inteligentes são os filhos. Há outras formas de o saber. Tenha uma conversa com o seu filho e reflicta sobre a aprendizagem à distância. O que funcionou para eles? O que gostaram? O que lhes pareceu difícil? Discutam como podem usar essa aprendizagem para abordar a escola de forma diferente.

A filha de uma amiga descobriu que trabalhava melhor com um horário mais flexível, escolhendo quando e como completar as tarefas. Compreendeu os momentos em que se sentia concentrada e menos distraída. Outra criança apercebeu-se que terminava os trabalhos bem mais rapidamente em casa, quando não tinha as distracções que tinha na escola. Quando regressou às aulas presenciais, perguntou aos seus professores se podia usar auscultadores com cancelamento de ruído em certas tarefas.

Outro, ainda, deu conta que era muito melhor a criar vídeos para projectos escolares, em vez de escrever as mesmas ideias no papel. Questionou os professores se podia ter algumas oportunidades de demonstrar o conhecimento de outras formas para além de trabalhos escritos.

Pergunte-lhes o que têm mais curiosidade em aprender. Se não tiverem a certeza do que acham interessante, peça-lhes que pensem em como escolhem passar o tempo que lhes sobra quando não estão na escola ou nas actividades extracurriculares.

Uma vez identificado um tema que demonstrem interesse em explorar, ajude-os a criar projectos que possam prosseguir por si próprios. Podem procurar na internet pessoas que trabalhem nesse campo e fazer algumas perguntas. As pessoas estão ocupadas, mas muitas terão tempo para auxiliar um jovem interessado em aprender. (...)

Continua em Público

Ulcca Joshi Hansen

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Pais autoritários podem afectar desenvolvimento cerebral dos filhos

Estudo da Universidade de Xangai revela que punições corporais e hostilidade verbal por parte dos pais têm impactos negativos nas funções executivas do cérebro e no seu desenvolvimento.

Uma relação autoritária com os filhos pode provocar estragos maiores no desenvolvimento destes do que se supunha só com base na análise do seu comportamento. Recorrendo à técnica de electroencefalografia, quatro investigadores da Universidade de Xangai (Jiahe Zhang, Zhixuan Yan, Wenya Nan e Dan Cai) constataram recentemente que “as crianças alvo de uma parentalidade autoritária mostram um atraso no desenvolvimento das funções cerebrais por comparação aos seus pares criados numa relação mais branda”.

O que é ao certo uma parentalidade autoritária? “Em psicologia, a educação parental é considerada autoritária quando são exibidos comportamentos excessivamente controladores, tais como represálias duras e diálogos ameaçadores, frequentemente à base do grito e de punições. Os pais autoritários tendem a ser restritivos, permitindo pouca participação dos filhos nas decisões, sem que dediquem muito tempo à explicação das regras estabelecidas”, esclarece a neuropsicóloga Joana Rato num artigo de divulgação do estudo da Universidade de Xangai, publicado no site da Iniciativa Educação. (...)

Continuação em Público.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

O que se passa com as crianças que parecem ter um polícia dentro delas?

Querida Ana,

O que andam a dar às crianças para elas ficarem tão histéricas quando erram? Desde quando é que um miúdo de cinco ou seis anos fica desesperado porque a flor que acabou de desenhar não está tão perfeita como a imaginou, e numa fúria rasga e deita fora o papel? Não estou a inventar, já vi acontecer várias vezes, com estes olhinhos.

Seria fácil acusar os pais de exigência a mais, ou de quererem transformar os filhos em cavalinhos de corrida, na ânsia de os tornar nos melhores alunos da aula ou da escola, mas parece-me que é mais do que isso. Estes miúdos parecem ter dentro de si um polícia, um polícia muito mais rigoroso do que os pais, os professores e, claro, os avós.

Lembro-me de ter conversado sobre isto com o Eduardo Sá, e de ele me ter dito que os pais deviam zangar-se com os filhos quando eles manifestam estas crises de perfeição, para que percebam que tudo deve ter uma dimensão de bom senso. Dizia que a intolerância ao erro não é um defeito de fabrico, mas um defeito que vai sendo reforçado e que acaba por funcionar como colete-de-forças. E que os levava a ter uma atitude um bocadinho aristocrática em relação àquilo que fazem, num registo do género “Cada um é para o que nasce e eu estou muito virado para esta ou aquela tarefa, mas para as outras baixo os braços e não sujo as mãos”. Escusado será dizer que o resultado é que à primeira frustração tornavam a vida num inferno. A deles, e de toda a gente que está à volta, sobretudo a das pobres mães que apanham sempre por tabela, acrescento eu.

O que fazer? Olha, eu se fossem meus filhos — gostas desta frase?! —, obrigava-os a tirar o desenho do lixo, a colar os bocadinhos e a pendurá-lo na porta do frigorífico.

A sério, o futuro destes miúdos aflige-me, porque não há saúde mental que aguente esta ambição de perfeição. Se não conseguem relativizar o erro, espera-os um longo e penoso caminho de constante frustração. O que te parece?

Querida Mãe,

Em primeiro lugar tenho de lhe dizer que não me lembro de alguma vez ter visto um desenho recolado na porta do frigorífico e, se a memória não me falha, a mãe tinha em casa uma miúda muito, mas muito, avessa ao erro! (Deve ler estas linhas ao som da minha gargalhada trocista.)

Agora mais a sério, como mãe, questionei-me como é que me podiam ter calhado filhas tão perfeccionistas, como é que podia ter uma criança absolutamente desesperada por não ter acertado nisto ou naquilo ou com medo de ir para a escola sem confirmar antes comigo se os trabalhos de casa estavam bem. Como? Se eu, Ana, sempre fui tão descontraída com as notas, se mesmo de verdade não sinto nada que as minhas filhas tenham de ser óptimas nisto ou naquilo, se acho tão natural errarem, se acredito profundamente que é necessário e saudável errar.

A resposta surgiu quando estava a praticar uma peça de piano para uma audição: ouvi-me constantemente a dizer “Ai, que estúpida!”, “Ugh, como é que não consigo tocar estas notas?”, “Agh, óbvio... que burra!” , e coisas do género. Não, como a mãe bem sabe, não tive uma mãe que me chamava burra de cada vez que me enganava, nem que tinha a expectativa de que eu fosse a melhor pianista do mundo, mas, agora que estou mais atenta, oiço este discurso constantemente na sua boca, referindo-se a si mesma. Quando se esquece de alguma coisa, quando bateu com o carro num pilar de um parque de estacionamento, quando imagina que não está a trabalhar tanto quanto achava que devia... E também a oiço em milhares de professores que interpretam o erro da criança como uma falta de atenção, ou de interesse: “Mas não estás atento?”, “Quantas vezes vou ter de repetir?”, “Como é que falhaste, se acabei de te explicar?”. A intolerância ao erro está por todo o lado!

Mas talvez a mãe tenha razão, e o mundo esteja mais cheio de comparação, com as redes sociais onde, mesmo sem querer, nos medimos constantemente em relação aos outros, com livros e blogues de auto-ajuda a promoverem a ideia de que só não consegue ser extraordinário quem não quer.

Quanto ao que podemos fazer contra tudo isto, sinceramente não discordo da ideia de que os pais se podem mostrar “zangados” com a ideia de que a perfeição é uma meta a atingir. Ou que se “zanguem” com a voz da ansiedade que lhes está a dizer que se falharem as consequências vão ser catastróficas. Mas se queremos ser eficazes no combate ao perfeccionismo e ao medo de falhar, comecemos por onde se deve começar sempre: por nós próprios.


Isabel Stilwell e Ana Stilwell

Fonte: Público por indicação de Livresco

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Criação e regulamentação do Programa Trajetos.

Foi publicada a Portaria n.º 98/2022de 18 de fevereiro, que procede à criação e regulamentação do Programa Trajetos.

A portaria procede à criação e regulamentação do Programa Trajetos, doravante designado como Programa, que tem como objetivo promover o acesso a oportunidades de educação, formação, emprego ou empreendedorismo por parte de jovens que não se encontram a trabalhar, a estudar ou em formação, tendo em vista a implementação da renovada Garantia Jovem.

O Instituto Português do Desporto e Juventude, abreviadamente designado por IPDJ, I. P., é o organismo da administração pública responsável pela promoção, gestão e execução do Programa.

O Conselho Diretivo do IPDJ, I. P., aprova, para cada edição do Empreende Já e do Afirma-te Já, os prazos de execução, número de Empreendedores e apoios admitidos.

O Programa operacionaliza as seguintes medidas, no sentido de dar resposta às necessidades de dois segmentos diferentes da população jovem NEET:

a) Empreende Já - medida de apoio ao empreendedorismo, através do desenvolvimento de competências e ideias de negócio, à constituição de empresas e de autoemprego, bem como à sua sustentabilidade, por parte de jovens com o 12.º ano concluído;

b) Afirma-te Já - medida de apoio à promoção de projetos de intervenção local, tendo em vista a remoção ou diminuição de obstáculos ao acesso à educação, à formação profissional e ao emprego digno, por parte de jovens em contextos particularmente vulneráveis.

Quizzly é uma plataforma para professores que querem dinamizar as aulas com questionários interativos

A Quizzly é uma plataforma online gratuita que quer ajudar professores e educadores a tornarem as suas aulas mais interativas. Os seus criadores acreditam que a tecnologia tem o poder para melhorar o processo de aprendizagem e de enriquecer a vida de todos aqueles que participam nas comunidades educativas.

Através da plataforma é possível criar quizzes privados ou públicos, assim como coleções, acedendo a todas as criações num dashboard. Em destaque está também uma grande variedade de questionários interativos disponíveis, de temáticas que vão de línguas e história a geografia, passando por ciências da computação.

Clique nas imagens para mais detalhes sobre a Quizzly


Depois de criar uma conta, pode começar logo a dedicar-se à criação de quizzes, acrescentando todas as perguntas necessárias, adicionando imagens caso seja necessário, definindo a duração dos mesmos. Se desejar, pode partilhar os seus quizzes diretamente em redes sociais como Facebook ou Twitter.

Em breve serão introduzidas novidades na plataforma, incluindo uma funcionalidade de criação de artigos explicativos acerca das temáticas que estão a ser lecionadas, uma outra que permite abrir uma espécie de “sala de aula” virtual, reunindo todos os alunos, e ainda um sistema de notificações.

Fonte: Sapo por indicação de Livresco

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Apoio aos alunos cuja língua materna não é o Português

O Despacho n.º 2044/2022, publicado em 16 de fevereiro, estabelece normas destinadas a garantir o apoio aos alunos cuja língua materna não é o Português.

É permitida aos alunos de Português Língua Não Materna (PLNM) de nível de iniciação, numa primeira fase da integração no sistema educativo português, a frequência das atividades letivas que a escola considere adequadas às suas especificidades, garantindo a sua vinculação a um grupo/turma e a realização de atividades para cumprimento do tempo equivalente ao tempo total previsto da matriz curricular-base do respetivo ano de escolaridade.

Nestas situações, compete às escolas decidir as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão a mobilizar, designadamente as disciplinas a frequentar, em função do conhecimento da situação específica de cada aluno e do perfil dos docentes, nomeadamente ao nível do domínio de línguas estrangeiras, de modo a facilitar a comunicação com os alunos.

“Caso de sucesso” é fruto de “mudanças na sociedade portuguesa”

A evolução de Portugal no campo da Educação nas últimas décadas é uma “história de sucesso”, como tem sido apontado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), concorda o investigador António Teodoro, que nos últimos quatro anos coordenou um trabalho científico a partir dos dados dos testes PISA. Mas, na sua opinião, essa evolução não tem nada a ver com os indicadores valorizados por estes testes, antes com “mudanças na sociedade portuguesa” ocorridas nos últimos 40 anos.

A equipa deste professor da Universidade Lusófona, que é crítico da forma como são organizados os testes PISA – sigla internacional para Programa Internacional de Avaliação de Alunos – olhou para várias bases de dados, incluindo as da OCDE, do Ministério da Educação e do Eurostat para perceber se Portugal é o “caso de sucesso” descrito pela organização internacional desde que, em 2015, os resultados nacionais no PISA ficaram além da média.

“Apesar das crises económicas, há significativas melhorias na comparabilidade da escola portuguesa com outros países da OCDE e com os parceiros europeus”, explica Teodoro. A geração que está agora na casa dos 30 anos e que começa a ter os filhos na escola, tem qualificações que comparam bem a nível internacional, elevando, desde logo, as habilitações das mães, que é um dos mais fortes preditores do sucesso escolar.

Esta evolução “muito positiva” dos indicadores nacionais a nível educativo deve-se “fundamentalmente às mudanças sociais na sociedade portuguesa” nos últimos 40 anos, não só a nível de habilitações, mas também no acesso à informação, nomeadamente a alta taxa de cobertura de Internet, valoriza o investigador.

Uma das dimensões em que essa evolução é mais clara são os indicadores de abandono escolar – que continuam a atingir mínimos históricos – e também das taxas de retenção. No que toca aos “chumbos” são as próprias bases de dados da OCDE que dão pistas da evolução que tem existido. O PISA é realizado por estudantes de 15 anos, independentemente do nível de ensino que frequentam. Nos primeiros anos em que o teste foi aplicado em Portugal, até 30% dos estudantes estavam atrasados em relação ao que seria o seu percurso escolar normal, frequentando o 7.º ou 8.º anos – em lugar do 9.º ou 10.º, como seria mais indicado para a idade.

“A partir de 2012, essa percentagem diminuiu consideravelmente” e hoje não chegam a 10% os jovens que frequentam anos atrasados. Isto também contribui para a melhoria do desempenho nos testes da OCDE, já que, a nível internacional, os resultados dos estudantes que estão no 9.º e 10.º ano são “bem melhores” do que os que conseguem os colegas que já perderam pelo menos um ano.

Fonte: Público

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Estratégia de Promoção da Acessibilidade e da Inclusão dos Museus, Monumentos e Palácios

O Despacho n.º 2016/2022, publicado em 15 de fevereiro, aprova a Estratégia de Promoção da Acessibilidade e da Inclusão dos Museus, Monumentos e Palácios na dependência da Direção-Geral do Património Cultural e das Direções Regionais de Cultura 2021-2025.

"O que poderá explicar a reação deste jovem é o sofrimento, não a Síndrome de Asperger"

João, o jovem de 18 anos que é estudante de engenharia informática, que vive em Lisboa desde o início do ano letivo, que nasceu numa pequena aldeia da Batalha, e que a Policia Judiciária deteve na quinta-feira desta semana, por suspeita de ter um plano de ataque contra o Bloco B da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que frequentava, arrisca-se a não mais deixar de estar a associado a um "crime de terrorismo" ou até só a uma condição neuropsicológica, Síndrome de Asperger. Esta última associação, porque, segundo se sabe, a mãe terá referido em tribunal que ter sido uma patologia que lhe foi diagnosticada na infância.

Mas três dias passados desde a detenção do jovem, depois de se conhecerem alguns detalhes da investigação - como a Polícia Judiciária ter sido alertada pelo FBI para o facto de um jovem português integrar grupos da Darkweb, que se dedicam ao consumo de imagens de violência extrema, como massacres em escolas - há questões que começam a surgir sobre a dimensão que o caso tomou e o que poderá explicar a atitude do jovem.

Do lado da justiça, a ex-procuradora-geral da República, Cândida de Almeida, já disse "não ser normal nem aconselhável que se divulguem tentativas de ataques evitadas", e que tal divulgação até contraria o protocolo ou os procedimentos normais neste tipo de casos, podendo fomentar o medo na sociedade e levar a um efeito de mimetização.

Do lado da saúde, a psiquiatra Ana Vasconcelos, que tratou e acompanhou o primeiro jovem que em Portugal avançou com um atentado contra uma escola, que ficou conhecido como o caso de Massamá, nos arredores de Lisboa, diz mesmo que não são os rótulos associados à Síndrome de Asperger ou a divulgação do caso que vão ajudar a explicar os causas do sofrimento que este jovem pode ter tido ao longo da vida e as suas atitudes.

Para Ana Vasconcelos, este caso exige que se procure com rigor "as causas do sofrimento do jovem", pedindo: "Não lhe atribuam rótulos". Até porque, explica, a "Síndrome de Asperger já não é uma entidade patológica, saiu há muito desta classificação". Por isso, "não pode ser usada como diagnóstico ou para explicar um caso tão complexo como este".

Neste momento, referiu (...) a pedopsiquiatra, "com tanta verdade e evidência científica que existe para compreendermos casos como este, não podemos começar a julgar de uma forma subjetiva".

Na opinião da médica, "o importante agora é estudar as causas do sofrimento, porque serão estas que nos irão dar pistas compreensivas sobre a reação do jovem e não a Síndrome de Asperger", reforçando mesmo: "Gostava de saber o que é que as pessoas entendem ou sabem sobre Síndrome de Asperger? Porque se fala nela, quando a evidência científica já deixou de falar".

A psiquiatra explica porquê: "O que acontece muitas vezes nestas situações é que estamos perante patologias que, curiosamente, têm a mesma expressão psicológica ou psicopatológica, mas com fundamentos de sofrimento diferentes. Uns casos entram na patologia da bipolaridade e outros no espetro do autismo. O que temos de analisar é se este jovem terá sintomas de bipolaridade juvenil ou de espetro de autismo".

É por isto que defende que o caso que o país ficou a conhecer através da comunicação social esta semana, e devido à dimensão que adquiriu, "terá de ser bem clarificado em vários aspetos, nomeadamente na forma como foi tratado do ponto de vista policial e judicial, como na forma como foi dada a informação".

"São patologias de grande sofrimento psicológico"

(...) Ana Vasconcelos usa até como exemplo o caso do jovem que, em 2013, ficou associado ao ataque à escola de Massamá, e que tratou. "O caso que segui tem contornos idênticos ao que já se sabe deste caso. Na altura foi logo relatado que o jovem tinha Síndrome de Asperger quando tinha era sintomatologia de bipolaridade. Acabou por ser tratado e ficou bem".

Mas o que são patologias de bipolaridade? "São patologias de um grande sofrimento psicológico em que as pessoas têm muita dificuldade na intersubjetividade, sentindo-se excluídos e ostracizados pelos outros", explica. "A certa altura, o cérebro destas pessoas encontra uma solução mágica para resolver um sofrimento e podem passar de uma situação de grande estado depressivo para um estado maníaco". E, geralmente, estas situações estão mais dentro da bipolaridade, que algumas pessoas classificam como patologias da personalidade limite, porque vivem uma realidade dissociada da realidade".

Até agora, sabe-se que João foi detido no seu quarto, no apartamento que partilha com outros jovens, e onde tinha armas brancas e botijas de gás, que não escondeu a surpresa quando deparou com a polícia e que após ter sido ouvido em tribunal, no Campus da Justiça, por um juiz, foi indiciado pelo crime de terrorismo, ficando com a medida de coação mais grave, prisão preventiva. Sabe-se ainda que João, e como o DN noticiou, usava na Darkweb o nickname de "Psychotic Nerd", que tinha fascínio por tiroteios em massa contra alvos indiscriminados e tiroteios em escolas, e que o plano que teria elaborado era para ser executado em cinco minutos.

Para Ana Vasconcelos, isto pode dizer muito pouco das suas motivações e do seu sofrimento, "o caso tem de ser estudado de forma extremamente prudente, porque a sua atitude tanto pode ser uma situação reativa ao sofrimento, entrando numa atividade de bipolaridade, em que as pessoas têm uma fuga para pensamentos maníacos de controlo do mundo, do poder, o que é muito especifico também da adolescência, ou numa estrutura do espetro autista, com atividade delirante".

"Há o medo coletivo de que a qualquer momento algo vai rebentar"

Em relação à dimensão que o caso tomou a psiquiatra diz mesmo ser uma situação que pode ser explicada com a pandemia. "A pandemia trouxe o pânico das multidões. Podemos ver isso neste caso como nos conflitos nos jogos de futebol ou até nas campanhas eleitorais. Estamos num momento em que há muita tensão emocional, e muito contida pelos confinamentos. As pessoas estão sem objetivos e, portanto, agarram-se a catástrofes que, por vezes, racionalmente, não têm a dimensão que lhe estão a dar. É um escape para um sofrimento coletivo. É o medo coletivo de que a qualquer momento algo vai rebentar".

Sobre a divulgação de um caso que não chegou a acontecer pela própria autoridade policial, Ana Vasconcelos comenta (...) ter dado apoio a investigações, nomeadamente na Alemanha, de situações graves, em que, pela urgência de as detetar e resolver, as autoridades não tinham noção do impacto da informação que era divulgada.

Portanto, "o que me dá ideia é que, por vezes, se esquece o protocolo de como determinada informação deve ser passada para os media e para a população. A própria PJ poderia não ter a noção do impacto das notícias", conclui.

João, de 18 anos, foi ouvido em tribunal na manhã de sexta-feira. Na manhã de sábado, sabia-se que já tinha sido transferido do Estabelecimento Prisional de Lisboa para o Hospital Prisional João de Deus, em Caxias, para ser observado e tratado.

Fonte: DN por indicação de Livresco

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Projeto INCLUSIVE SCHOOLS: MAKING A DIFFERENCE FOR ROMA CHILDREN (INSCHOOL)

O Conselho da Europa abriu candidaturas para peritos/as na área da integração e participação das populações ciganas e com perfis diversificados: académicos/as, profissionais da educação, membros da sociedade civil, em particular representantes das próprias comunidades, entre outros.


Fonte: DGE

domingo, 13 de fevereiro de 2022

O que gera a ansiedade grave?

Antes de definir o que será ansiedade grave, importará compreender o que é a ansiedade e o que a distingue de uma perturbação de ansiedade, que poderá então ter contornos graves.

A ansiedade é uma resposta normal, automática, do corpo, perante um estímulo que é interpretado pela mente como ameaçador. Distingue-se do medo, uma emoção primária. O medo é uma resposta emocional a uma ameaça presente, real, enquanto a ansiedade surge como antecipação de uma ameaça futura, que pode ser ou não real. Na prática, em relação ao que é sentido como resposta fisiológica do corpo, medo e ansiedade serão a mesma coisa.

A ansiedade e o medo provocam uma estimulação geral do ritmo fisiológico, como que preparando o corpo para uma situação ameaçadora. Ocorrem, por isso, reações físicas como o aumento dos batimentos cardíacos, dificuldades respiratórias, sensação de aumento da temperatura corporal, transpiração excessiva, contração gástrica (sensação de nó no estômago), entre outros. Paralelamente, a dor é inibida e o foco da atenção centra-se na fonte de perigo. Deste modo a pessoa (ou qualquer outro animal emocional) está preparada para reagir à situação de perigo, totalmente concentrada na mesma e o mais ativada possível para reagir na máxima força e preparação. É este o sentido da ansiedade e do medo: ajudar a reagir a situações sentidas como perigosas, apelando a toda a concentração da mente e do corpo.

Sendo o ser-humano um “animal racional”, acaba por atribuir significados a tudo aquilo que sente. No fundo as “razões” para sentir o que o que está a sentir, na procura de compreender e adquirir controlo sobre a situação. Contudo, essas razões são muitas vezes erradas, até porque quando a pessoa tem motivos que a preocupam, não pensa no que sente, mas sim nesses motivos, pelo que a ansiedade não é muitas vezes percebida. Quando se foca nas sensações, ocorrem então reações cognitivas (ex: preocupação excessiva/obsessiva, pensamentos intrusivos, dificuldades de atenção e concentração) e sociais (ex: preocupação excessiva com opiniões de terceiros, evitamento), dando também origem a reações comportamentais (ex: bloqueio ou paralisação, estado de alerta, irritabilidade, tensão nos maxilares).

Nestas circunstâncias os sintomas de ansiedade podem ser percecionados como desconfortáveis. Sentir, por exemplo, o coração a disparar pode fazer a pessoa pensar que a “razão” será um problema cardíaco, o que é em si mesmo assustador. Ou seja, nestas circunstâncias, a pessoa como que se assusta com aquilo que está a sentir, o que vai aumentar a sensação de ansiedade. Isto pode acontecer, como exemplo, porque a “razão” interpretada para a ansiedade será um sintoma de patologia grave, ou porque pode ser um sinal de incapacidade na execução de uma determinada tarefa que, para agravar, pode ser percebida por outras pessoas. Ambas as circunstâncias vão desviar a atenção do próprio da tarefa que se propunha realizar (e que coincidiu com o aparecimento dos sintomas de ansiedade) para aquilo que está a sentir. Dito de outra forma, se a pessoa se assusta ou preocupa com o que está a sentir, então a sua atenção e preocupação começa a estar relacionada com isso mesmo: com os sintomas físicos que está a vivenciar, o que vai provocar a sua amplificação. Quanto mais atenta a pessoa estiver aos seus sintomas, mais os vai sentir e mais assustada vai ficar.

Este ciclo negativo em que a pessoa começa a ficar ansiosa com a sua ansiedade, pode tornar-se vicioso e levar a crises de ansiedade, que podem ser consideradas graves. A pessoa já não está ansiosa em função da situação que deu origem aos sintomas de ansiedade, mas começa a ficar ansiosa pelo que está a sentir, o que vai gerar mais ansiedade e assim sucessivamente.

A vivência destas crises pode resultar em eventos traumáticos, levando a pessoa a evitar as circunstâncias que lhe deram origem, e aumentando a sua incapacidade em função dos sintomas de ansiedade, que se torna real. Podem, então, resultar diversos tipos de perturbação de ansiedade, como sejam as agorafobias, com ou sem ataques de pânico, ou a ansiedade social, que podem ser consideradas como perturbações de ansiedade graves.

Compreender e aprender que a perturbação de ansiedade é alimentada pelo medo em sentir essa mesma ansiedade pode ter um efeito muito protetor. Se a pessoa assim compreender e não tiver medo dos sintomas de ansiedade, estará mais protegida em relação ao desenvolvimento de uma crise de ansiedade. Daí a importância da literacia emocional através da Educação Psicológica Deliberada, que pode ser muito preventiva do aparecimento de episódios de ansiedade graves. A vivência destes episódios pode ser muito traumática e incapacitante, e quanto mais tempo a pessoa a eles estiver exposta, mais duro é o processo de intervenção e recuperação que pode, inclusivamente, necessitar de ajuda multidisciplinar ao longo do tempo, para a sua resolução.

A perturbação de ansiedade será por isso um dos muitos bons exemplos onde investir em prevenção será, seguramente, muito valioso do ponto de vista do bem-estar psicológico e do custo-efetividade das intervenções.

Miguel Ricou

Fonte: CNN por indicação de Livresco

sábado, 12 de fevereiro de 2022

AFCD – “A Europa na escola – Formação para professores”

 A DGE informa que vai realizar-se uma AFCD de 6 horas, intitulada A Europa na escola – Formação para professores, promovida pela Representação da Comissão Europeia em Portugal, em parceria com a Direção-Geral da Educação, tendo por objetivo promover o conhecimento sobre a União Europeia e capacitar os professores dos diferentes níveis de escolaridade (1.º CEB, 2.º CEB, 3.º CEB, ensino secundário e ensino profissional), para o desenvolvimento de atividades de Educação sobre a União Europeia, envolvendo os alunos nos diversos domínios de Cidadania e Desenvolvimento.

Para mais informações, aceda a https://www.aeuropanaescola.eu/formacao/

As inscrições decorrerão entre 01 e 21 de fevereiro de 2022.  

Local: A distância

Critérios de seleção: Ordem de inscrição, desde que sejam docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário em exercício efetivo de funções em agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas da rede pública; das escolas públicas portuguesas no estrangeiro e nas escolas europeias; do ensino particular e cooperativo em exercício de funções em escolas associadas de um CFAE.

Para se inscrever, clique aqui.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

A aprendizagem escolar em tempos conturbados

Muitos são os relatórios internacionais sobre a pandemia e os seus efeitos nos sistemas educativos, sobretudo no período de março a junho de 2020, coincidente com o tempo mais longo do encerramento das escolas e com o uso generalizado de novas formas de aprender e ensinar. Um dos mais recentes é o da OCDE sobre a continuidade da aprendizagem durante a pandemia.

A particularidade deste relatório é o de apresentar 45 estudos de caso, abarcando 35 países de vários continentes, sobre medidas concretas de resposta a uma mudança rápida no modo de funcionamento da escola, em função de novos recursos e de um espírito de inovação surpreendente.

Em escasso tempo, foram elaborados e concretizados planos de contingência ao nível de cada sistema educativo, de modo a responder a uma mudança para a qual ninguém estava preparado, dando origem a projetos muito diversos e à participação ativa da comunidade escolar. Neste gigantesco esforço coletivo deve ser reconhecido, também, o poder local, cuja ação foi determinante na relação de proximidade com as pessoas e no modo como assegurou determinados recursos tecnológicos, garantiu o acesso à internet ou providenciou medidas de apoio social.

Na maioria dos casos descritos no relatório da OCDE, os decisores políticos tiveram uma ação preponderante, tal como foi essencial o papel dos atores educativos, tendo surgido com a pandemia um novo perfil de participação dos pais ou encarregados de educação nas atividades dos seus educandos. O espaço familiar, tanto dos alunos como dos professores, substituiu, de forma prolongada, o espaço de uma nova escola, centrada na aprendizagem remota e desligada do contacto presencial. Por sua vez, a sala de aula moveu-se para o ecrã e outros modos de comunicar e interagir foram adotados. Ou seja, a educação formal virou-se do avesso, cavando ainda mais o fosso social entre alunos e entre escolas, apesar de muitas delas terem sido o baluarte da equidade social, no modo como resolveram problemas sociais prementes, nomeadamente a alimentação de crianças e jovens que, de um momento para o outro, ficaram privados de um bem social fundamental.

Um dos mais significativos desafios pedagógicos trazidos pela pandemia para a escola foi, decerto, o da utilização de novos materiais de aprendizagem, através de diversos recursos – por exemplo, plataformas de comunicação e redes sociais (WhatsApp, Facebook, etc.) – e de materiais relevantes para a organização da aprendizagem digital. Contudo, a superabundância de materiais de aprendizagem teve consequências visíveis: por um lado, uma maior diversidade pedagógica e novas formas de exploração de conteúdos; por outro, uma maior dificuldade de os professes selecionarem os materiais adequados, principalmente os que dispuseram de autonomia na construção do currículo, já que a flexibilização confere às escolas capacidade de decisão sobre alguns dos conteúdos a desenvolver.

Daí que, como se verificou nalguns estudos de caso, o ensino remoto tenha contribuído para reforçar a lógica do currículo nacional e para seguir taxonomias baseadas em competências específicas, com a manifesta ausência das competências socioemocionais dos alunos.

Ainda nesse novo mundo escolar, e num contexto de aprendizagem mediado pela tecnologia, o grande desafio pedagógico, para os professores, foi o de combinar abordagens pró-ativas, tornando a aprendizagem mais interessante para todos os alunos, com abordagens reativas, com foco nas dificuldades dos alunos e no seu possível desinteresse face à aprendizagem remota. As respostas exigiram, por isso, mudanças significativas ao nível das competências humanas e da disponibilização de recursos, alterando, respetivamente, modos de agir e formas de aprender, numa aceleração para a escola digital.

Dir-se-á, com razão, que a pandemia foi determinante para a transformação digital da educação, da escola e da pedagogia, pois a aprendizagem remota mostrou o poder das tecnologias digitais na reconfiguração da sala de aula. Por conseguinte, a escola passará a funcionar na base de modelos híbridos, embora a centralidade deva estar nas práticas pedagógicas e não tanto nas tecnologias como meio instrumental. Sobre o que se evoluirá ou não, num curto espaço de tempo, e naquela que será a primeira avaliação global da aprendizagem na era digital, o relatório PISA 2025 apresentará resultados comparativos.

A tecnologia sempre contribui para a melhoria do ensino e da aprendizagem, mais ainda quando o digital altera de forma radical o acesso às fontes de informação e conhecimento, argumentando-se que as tecnologias digitais podem estabelecer um novo equilíbrio entre a aprendizagem autónoma (presencial ou remota) e a aprendizagem social supervisionada pelos professores. Além disso, é preciso questionar o papel da indústria tecnológica não só no estabelecimento de novas fronteiras sociais e educativas, como também na construção de novas formas de aprender, não sendo possível, porém, negligenciar que muitas das parcerias relacionadas com o uso de tecnologias digitais em meio escolar são apresentadas como sendo o motor da inovação pedagógica, cada vez mais presente numa agenda (e também num mercado) global da educação digital.

Muitas lições são tiradas desse período condizente com a primeira vaga da pandemia, concretamente: os sistemas educativos são resilientes e inovadores perante situações de emergência; os decisores políticos estabelecem prioridades de investimento em conhecimento, redes e parcerias; as desigualdades, sendo ainda mais amplas do que se pensava, precisam de ser combatidas, pois também existe a denominada pandemia das desigualdades.

Mesmo que os estudos apresentados pela OCDE não sejam suficientemente abrangentes em termos de dados empíricos, é manifestamente reconhecido que a pandemia contribuiu para a perda de aprendizagens significativas nos percursos de escolarização mais iniciais, bem como para a fragmentação social, com impacto nas aprendizagens, e para o esbatimento das competências socioemocionais dos alunos, privados da interação entre pares, por tanto tempo.

Se 2020 foi um longo ano para as escolas, para os professores, para os alunos e para as suas famílias, 2021 também foi marcado por medidas de excecionalidade pedagógica ao nível do ensino presencial.

Olhando-se para o que foi esse período de pandemia e para as suas implicações em meio escolar, concluir-se-á, entre outros aspetos, que: as tecnologias digitais permitiram a emergência de um ecossistema de inovação em educação; a escola foi reconhecida socialmente no modo como respondeu às novas formas de ensinar e aprender; a educação foi revalorizada na sua missão de promover o desenvolvimento integral das crianças e dos alunos; nenhuma das medidas inovadoras adotadas poderá compensar as oportunidades perdidas de aprendizagem; houve lacunas significativas em termos de utilização das tecnologias digitais; foi manifestamente evidenciada a relevância da participação das famílias nas atividades escolares dos seus educandos, do poder de colaboração entre professores e da colaboração global; é urgente redefinir as prioridades do currículo, centrado no valor da aprendizagem interdisciplinar e na procura de respostas para questões problemáticas e incertas.

Com efeito, nessa perspetiva crítica, reconhece-se que a pandemia causou um choque tremendo nas escolas e nos sistemas educativos, com aspetos negativos e positivos, ficando a convicção de que podemos aprender muito com o engenho humano, com o empenho da sociedade, com a colaboração entre atores educativos e com o poder da inovação, enquanto caminho seguido para ultrapassar as dificuldades surgidas.

Talvez olhando para esse longo período de ausência da escola presencial, possamos descobrir pistas como reconstruir sistemas educativos mais inclusivos, que preparem as crianças e os jovens para inventarem um futuro melhor, tal como é defendido pela UNESCO, no relatório apresentado em dezembro de 2021, onde é proposto um novo contrato social para a educação, como estratégia de reimaginar os seus futuros.



José Augusto Pacheco

Fonte: Público

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

“QUANDO NÓS FALAMOS DA EDUCAÇÃO DE HOJE, NA REALIDADE O QUE ESTAMOS A FALAR É DA SOCIEDADE DE AMANHÔ

Como é que avalia o percurso histórico do sistema de ensino em Portugal? Quais foram os seus principais avanços e objetivos que ficaram por cumprir?

A resposta a essa pergunta é simultaneamente fácil e difícil. Porque partíamos de um ponto muito atrasado, tudo aquilo que realizamos em termos de massificação do ensino foi altamente positivo: a renovação de infraestruturas etc. para que a educação tivesse um lugar efetivo na nossa sociedade, que não fosse só para as elites da sociedade. Eu creio que foi um caminho que, 40 e pico anos depois do 25 de abril está percorrido e que chega inclusivamente até à universidade. Há hoje muitos mais jovens e não-jovens na universidade do que já jamais houve em Portugal. Agora, o problema é que nós partimos de um ponto muito recuado.

As estatísticas do analfabetismo por ocasião do 25 de abril eram cerca de 30%, um em cada três portugueses não sabia ler. Se nós pensarmos que na Noruega, em 1900, a alfabetização era plena no início do século XX, Portugal chega ao último quartel do séc. XX com um em cada três portugueses sem saber ler. Outro assunto é o da literacia, e isto leva a uma segunda questão, que é: sim, em quantidade conseguiu-se, abriu muito a perspetiva a muitos cidadãos portugueses de estudarem, em qualidade, não. Ainda não se conseguiu. Há nichos de grande qualidade, evidentemente, mas quer na investigação, quer no ensino fundamental, mas ainda não se conseguiu e seria difícil conseguir, é mais uma constatação até do que uma crítica. Nós partimos muito tarde de um ponto muito recuado, o que significa que agora não podemos estar no topo dos rankings, mas sobre isso dos rankings há muito para falar, designadamente sobre a ilusão estatística e o poder de controlo de quem controla os rankings, porque aí é que está o verdadeiro poder.

Portanto eu creio que o balanço é positivo, só pode ser positivo. A seguir ao 25 de abril, grandes realizações como o sistema de ensino, uma rede pré-primária que é evidente muito escassa ainda, a rede de cresces, etc. mas que não existia de todo ou só existia para pequeníssimas minorias de populações urbanas. E hoje, uma pessoa que nasça no interior tem expectativas de poder estudar. Isto não existia, era impensável. A mão de obra infantil era recorrente durante todo o tempo do Estado Novo. As pessoas tinham muitos filhos para terem um exército para trabalhar. Portanto, a expectativa de estudar era uma coisa posta fora de causa.

Os aspetos da literacia e das diferentes literacias, aí rompe-se o verniz. Em relação a tudo aquilo que já não é quantitativo e passa a ser qualitativo, nós estamos dramaticamente atrasados e suponho que não podíamos estar de outra maneira. Apesar de toda a demagogia sobre a geração mais preparada, isso é insultuoso para os estudantes. Nós [geração] somos todos analfabetos de pai e mãe. Como é que vocês [jovens estudantes] que vão à universidade não seriam os mais preparados? Grande fineza, não é? Nós nem fomos à universidade, geracionalmente. Portanto, isto é profundamente demagógico, porque não responde à pergunta de o que é que o nosso país faz com a sua geração mais preparada. E este é um problema dramático que nós temos.

Como é que avalia o papel do sistema de ensino convencional na educação dos alunos durante toda a sua formação escolar?

Há uma colega minha, daqui da universidade, que diz que os estudantes portugueses do ensino básico deviam processar o Estado português por maus-tratos, e eu também acho.

Avalio muito negativamente, não porque é português ou porque é especificamente este. A gente tem que pensar o que é que um sistema de ensino. Não estamos a falar de sistemas da educação, estamos a falar de sistemas de ensino, o que é que fazem, em todos os países? Uniformizam um campo comum de saberes básicos para toda a população, ou pelo menos para a sua grande parte. Claro, aprender a ler tem essa vantagem, deixam de poder ler maus livros e bons livros, têm essa possibilidade, não estou a criticar ou a fazer o elogio do analfabetismo. Mas é fundamental para o desenvolvimento de sistemas de ensino a produção de subjetividades, isto é, a produção do sujeito. O que é que os governos, Estados e regimes, sejam estes quais forem, fazem? Produzem sujeitos que lhes sejam convenientes. Produzem o tipo de homens e mulheres que são o tipo de homem e mulheres que lhes serve. O primeiro passo desta uniformização é o ensino básico, porque as crianças, antes de chegarem ao sistema de ensino, têm as suas famílias e as famílias podem viver de modos muito diferentes: uns jantam às sete da tarde outros jantam às dez da noite etc. Quando se chega ao ensino primário começa a uniformização.

Há um aspeto muito positivo na questão da escola e nesta chegada deste “percurso do abismo” entre o casulo familiar e depois o coletivo escolar, que é: as crianças perceberem que fazem parte de uma coisa maior que cada uma delas. O grupo delas, a turma delas, o conjunto delas é maior do que a soma das partes, eles são parte de uma coisa maior que eles. Isto a gente aprende, ou melhor, devia aprender, sob esta forma e a meu entender, na escola. Em todo o caso, aprende-se sempre, porque há sempre coisa nasce a saber fazer sozinho, o “Eu” começa a dar lugar ao “Nós”, e isso é positivo. Agora, este “Nós” não tem nenhum problema sério quando é constituído em torno dos saberes básicos, estou me a referir à aritmética, às ciências naturais, até à própria gramática. Outra coisa é quando a gente passa para a língua, para o pensamento, para os saberes controversos, para aqueles saberes que são objeto de politização.

Todas as pessoas, mesmo que não se saiba a letra, sabem a música da tabuada. A partir daí, tudo o resto começa a ser altamente controverso. Como é que se ensina história a crianças pequenas? Eu trabalho história com crianças pequenas, filosofia e xadrez, e nunca nenhuma criança de nove ou dez anos chegou ao perto de mim e disse “Ó Rui, há 3 dias que não durmo porque não sei quem foi o primeiro rei de Portugal”, nenhuma.

Quando eu olho para o programa de história, aquilo está cheio de reis de Portugal. Se nenhuma criança perguntou por aquilo, qual é o interesse da escola em responder a uma pergunta que nenhuma criança fez? É precisamente esse, a escola destina-se, nesse sentido, a fazer perguntas que nenhuma criança faria. Isso ensina não apenas que há perguntas que não se devem fazer, como ensina a esquecer-se do valor da pergunta. Perguntar é aquilo que o professor faz para ele por no teste e para passar de classe. Também é aquilo que o juiz faz no tribunal, também é aquilo que o polícia faz no interrogatório, é a mesma coisa. A pergunta é um instrumento fundamental. O que interessa mais na resposta é a pergunta.

Imaginem que a gente faz testes às crianças da seguinte maneira, a gente escreve as respostas e diz: “Agora faz tu a pergunta para esta resposta”, isto é muito mais interessante. É este género de falha crucial e que eu não vou dizer que é intencional porque isto depois são grandes maquinarias. O ministério da Educação é uma fábrica imensa de produção de saberes, grande parte deles, vazios.

Acredita que a escola prepara o aluno com as ferramentas necessárias e complementares para a sua realidade académica, cívica e profissional?

Não. A escola não serve para isso, a escola serve para formar cidadãos dóceis. Bertrand Russel escreveu muito sobre isto: uma coisa é a gente formar boas pessoas, outra coisa é formar cidadãos úteis, a quem podemos chamar boas pessoas e que se tornam a medida padrão da boa pessoa.

Há um grande amigo meu, o Adolfo luxuria Canibal, que diz: “O cidadão bem formado lê o jornal e vê TV”, exato, basta. Salazar definiu isso bem. A gente deve muito ao Salazar daquilo que somos hoje. O valor de Salazar hoje não é um valor ideológico nem doutrinário, é o valor heurístico, para nós nos compreendermos a nós mesmos. O Salazar dizia: “Cada português só precisa de saber ler, escrever e contar”. Hoje, o cidadão bem formado só precisa de ler o jornal e ver TV. Portanto, a escola serve para preparar cidadãos, mas o que é um cidadão? Um cidadão é um individuo que é útil a um determinado sistema social em que se insere. Aquilo que a escola forma são sujeitos, são subjetividades, são produções de poder, é isso que o poder faz, mais do que reprimir e premiar, é altamente produtivo. Michel Foucault deixou nos bem essa ideia vincada. Produz sujeitos, e o sujeito significa simultaneamente o indivíduo e o sujeitado. A escola produz sujeitos sujeitados, ou pelo menos altamente sujeitáveis.

Quando a gente enche de conteúdos crianças muito pequenas a gente está a ocupar o espaço da curiosidade espontânea daquelas crianças. Enchemo-las de quê? Ossos do corpo humano, reis de Portugal, enchemo-las dessas coisas. E eu pergunto-me, porque é que a gente gasta o período espantoso de aprendizagem dos primeiros anos de vida das nossas crianças com ossos do corpo humano e reis de Portugal? É justamente para que não caiba lá mais nada. Se eles quiserem saber os ossos do corpo humano no primeiro ano de medicina, os que forem para ortopedia, suponho que lhes ensinam isso, e ali na faculdade de letras também podem aprender quem foi o primeiro rei de Portugal.

A questão é, o que é que a gente faz com a aprendizagem com crianças muito pequenas? A gente tem que ensinar a aprender, ensinar a construir perguntas, trazer a pergunta para o centro do palco. Neil Postman, diz que a pergunta é a ferramenta heurística fundamental do ser humano. Ele escreveu um livro chamado “Ensinar como ato subversivo”, em que um dos mandamentos que tem o que deveria ser a escola é que cada professor não pode fazer mais do que um pequeníssimo número de perguntas cuja resposta conheça. Se fizer, a partir dai paga uma multa e os estudantes nomeiam o cobrador de multas do professor, se ele fizer perguntas cuja resposta já sabe. Qual é a ideia do Postman? É que a escola seja um lugar de pesquisa.

Vejam a complexidade que existe nesta fórmula: fundação da nacionalidade. A fundação da nacionalidade implica que uma criação tenha noção do que é um país, do que é uma nação, do que é um estado, do que é uma sociedade e do que é ser independente. Implica um conjunto de saberes que é impossível de administrar convenientemente na base de fundação da nacionalidade. Um conceito destes que depois nós trivializamos não faz nenhum sentido na cabeça de uma criança de 8 anos, nenhum sentido. O que é que eles fazem? Aprendem aquelas palavras que compreendem conforme lhes é dado

Nós temos fenómenos incríveis de retrocesso no plano do ensino básico, nas prestações de provas de crianças do quarto ano em que, por exemplo, é pedido em expressões artísticas a uma garota que ponha a mão no coração e canto o hino nacional enquanto pensa que é o Cristiano Ronaldo. Isto faz parte de um exame de expressões artísticas. Houve um professor que se lembrou de pedir isto, vejam como isto é completamente anacrónico e imbecilizante, coisas como CPLP, porque é que uma criança de 10 anos tem que saber o que é a CPLP? (…)

Por parte dos professores é erro, por parte do poder é produção. Enquanto a gente enche a cabeça com “fémur”, “CPLP”, “rádio”, “perónio” e Afonso Henriques, não pensa, nunca aprende a pensar, e aprender a pensar é aprender a construir perguntas e questões, isso é que é aprender a pensar conjuntamente.

A oportunidade de explorar e aproveitar a capacidade individual de cada aluno é possível num meio sistematizado de educação?

Pode haver, depende do sistema que se empregue. A melhor maneira de isto funcionar era um professor para cada aluno, porque é a melhor maneira de aprender. Uma criança relaciona-se com a aprendizagem através do professor. Ou gosta do professor ou não gosta de química, matemática ou de língua portuguesa.

O debate sobre a escola é um debate profundamente envenenado entre nós e não só, porque começa-se a debater a escola a partir do momento em que as crianças chegam às salas de aula. O importante da escola é isso, mas há outra coisa muito importante, que é de onde é que elas chegaram, de onde é que elas vieram. É muito diferente vir de uma família de classe média-alta, com hábitos culturais e intelectuais eruditos e com acesso à educação e práticas de nível cultural ou vir de uma comunidade em desagregação. Isso são coisas completamente diferentes, aquelas duas crianças são crianças completamente diferentes. Como é que a escola Pública, que é absolutamente fundamental, não há aqui nenhum ataque à escola pública, bem pelo contrário, deve ser o mais reforçada possível em quantidade e qualidade, vai responder a isto? Tem que nivelar por baixo. Portanto, nem aquele que tem possibilidades de avançar mais, avança mais, nem o outro que tem possibilidade de avançar menos consegue avançar seja o que for.

Eu acho uma aberração fazer-se exames a crianças de 9 anos ou 10 anos 11 anos. Uma criança de 9 ou 10 anos está a construir. Não está ali para responder, não é um suspeito de um crime, limitou-se a nascer. Claro que nascer em certas circunstâncias já é crime. Nas sociedades em que se deixa de ter lugar para as pessoas, o nascimento torna-se um crime, um tipo é culpado de ter nascido. Portanto, quando chega aos 9 anos e começa a ser interrogado sob a forma de exame, isto é uma ferramenta de domesticação, muito mais do que uma ferramenta de avaliação, porque não avalia coisa nenhuma.

A conversa meritocrática, aparece por aí muito enaltecida com frequência, muito bem, passam aqueles que têm mérito. Os que têm mérito, aquelas distinções entre as 2 crianças que se sentam no banco da escola que já contribui muito para o mérito, o que é que cada uma mereceu par estar ali na sua situação? Mas depois tem outro problema, imagine que a criança não passa, o que é que faço com aqueles que chumbam? Atira-se ao mar? Os meritocratas nunca esclarecem isto, porque claro, quem enuncia a meritocracia tem de si a imagem do mérito que ele próprio possui, acha-se ele próprio meritório, o que é, em grande parte dos casos discutível, muito discutível.

Depois, a escola não pode deitar por borda fora crianças, tem que ir lá apanhá-las. E como é que as apanha? Para que é que as apanha? Muitas vezes pede-se à escola que resolva problemas que estão a montante da escola. A escola não pode resolver problemas de desigualdades sociais gritantes, nós temos centenas de milhares de crianças à beira da miséria, na pobreza, em Portugal. Como é que estas crianças estudam? Que conversa é esta do sistema de ensino e do mérito? A escola não pode resolver isto.

Claro que hoje, pinta-se por cima, põe-se verniz, põe-se os computadores etc., que é outro disparate. A escola não deve servir para ensinar aquilo que inevitavelmente as pessoas vão aprender. Não vai haver aos 20 anos nenhuma criança que não saiba mexer elementarmente num computador, vai aprender até lá, aprende naturalmente, aprendem uns com os outros. Porque é que a gente está a dar currículos de tecnologias a crianças pequenas, com completas imbecilidades? Para aprenderem programação? Com 11 anos ? Programadores? (…) De maneira que isto é uma forma de produzir imagem de saber.

Nas estatísticas de PISA nós estamos obviamente ótimos, na realidade estamos naturalmente péssimos.

Partindo do exemplo da associação cultural “Os Gambozinos”, à qual está associado, como descreve a orientação pedagógica da mesma? Em que aspetos é que esta difere do ensino convencional?

Os Gambozinos são uma associação cultural de educação pela arte que trabalha com crianças pequenas, jovens e adultos e que existe há 50 anos. Foi uma associação que se criou na sequência do 25 de abril, do florescimento dos movimentos associativos. O núcleo fundamental dos Gambozinos é a educação pela arte em particular pela música. Eu sou membro da direção dos Gambozinos, e aquilo que os Gambozinos fazem é trabalhar com as crianças, quer sejam os grupos de música, quer seja nas oficinas que fazemos de língua portuguesa, de filosofia, inglês e história, trabalhar com os miúdos de um modo diferente. Os garotos vão prestar provas ao sistema público de ensino, têm uma relação estreitíssima com o sistema público de ensino. Os Gambozinos têm mais de uma dezena de discos gravados, (…) têm uma obra absolutamente notável no sentido da música e da infância em Portugal.

A gente o que faz com os miúdos é: seja qual for a matéria, não hierarquizamos saberes. É tão importante saber plantar uma planta quanto saber uma regra gramatical, quanto saber uma tabuada, são coisas igualmente importantes. Há miúdos que têm obvias dificuldades letivas, por exemplo, mas são formidáveis músicos. Isto permite-lhes terem todos eles um lugar de mérito neste conjunto. Todos nós sabemos alguma coisa, todos nós podemos contribuir para as coisas e receber das coisas. A segunda perspetiva é a globalidade. Uma pessoa não é uma somatória de partes. Quando se olha para uma sala a gente abrange a sala com o olhar. Portanto, todos os ensinamentos e todas as práticas dos gambozinos são globais, no sentido de não parcelar as perceções e reflexões, todas as coisas se cruzam.

Nós ainda agora nas sessões de filosofia andamos a discutir o dilema do prisioneiro, que é uma coisa da teoria dos jogos, a propósito de um tema que foi proposto pelas crianças, discutimos o que é a confiança. Aquilo parte das experiências deles, para elaborações de racionalização mais acima, de abstração maior, de maneira que esta construção de pensamento é um lego. Para ensinar a jogar xadrez usamos muito o micado. Temos que parar antes, depois temos que observar a posição, depois escolher quais são os pauzinhos que vamos tirar e a técnica que vamos empregar. Isto é fundamental para jogar xadrez. Por exemplo, jogar xadrez é fundamental por causa da geometria. O tabuleiro de xadrez é a história da idade media: os reis, os bispos, os cavaleiros, as torres e os peões, e é uma aula de política.

Depois têm uma presença muito grande em palco. Os gambozinos já atuaram em todas as grandes salas, do Centro Cultural de Belém ao Coliseu do Porto. Todos os miúdos fazem balé, é obrigatório a partir do terceiro ano, por uma razão muito simples, é que há cada vez mais crianças que parecem pudins, por causa da inatividade. Então o balé é de facto uma coisa que liga a arte com a educação física, e além disso, contribui para lutar contra o preconceito sobre os homens que se dedicam ao balé, os bailarinos. São atletas formidáveis. De maneira que nós nos gambozinos fazemos um ensino muito integrado, são oficinas: todos os miúdos tocam instrumento, têm o teatro, as expressões, todas elas, com grande paridade a outros conhecimentos que eles precisam.

No final vão prestar provas ao ensino público e normalmente não há problema, a preparação técnica não é problemática… mas aquilo que a gente lá faz é sobretudo formar gente, ajudar gente a formar-se, boa gente. Nós temos um momento à sexta-feira de manhã, a que chamamos “a avaliação”, que é como é que a semana te correu? E aí os garotos que tem problemas, o recreio de uma escola, é um microcosmo dos problemas de uma sociedade inteira, os problemas que nós temos na vida adulta já estão ali presentes no recreio e como é que eles se tratam? Por exemplo, eles não podem dizer aos monitores ou aos professores “O Manelinho fez me não sei quê”, não não, viras-te para o Miguelinho e dizes “Olha Manelinho, tu fizeste me isto assim”, e o Manelinho depois discute o problema, discute o problema perante todos.

Portanto, todas as coisas são discutíveis, são discutidas. Não há nenhuma gaveta fechada nos gambozinos. Trabalham muito com instrumentário, metalofones e xilofones, baquetas… são as crianças que tomam conta daquilo nos espetáculos, nunca se perdeu uma baqueta, nunca se perdeu a lamina de um xilofone. A ideia da liberdade está associada a uma outra, que é a da responsabilidade, e é aqui que entra a ideia, não da diluição do eu no coletivo, não é isso, é a ideia de integração do eu no coletivo, para realizar, por exemplo um espetáculo, para gravar um disco, para fazer um filme. Todas essas coisas passam nos gambozinos.

Nós temos uma preocupação muito grande com os autores portugueses, os gambozinos cantaram uma parte muito dos poetas portugueses, trabalham com grandes nomes da música portuguesa, os gambozinos gravaram as “cançõezinhas da Tila” uma obra que Fernando Lopes-Graça autorizou e mandou a partitura. Morreu um pouco antes da gente completar a gravação, portanto nunca chegou a ouvir aquela gravação. Manuel António Pina era Gambozino fundador.

Há uma ambiência que só é possível fazer num grupo muito pequenino. Aquilo não é possível de fazer com turmas de 30 crianças. Os Gambozinos, nestas oficinas, têm à volta de 40 crianças no total. São grupinhos de quatro, cinco, seis, sete. Não há ideia de classes, um garoto pode estar a estudar uma coisa muito avançada numa área e precisar de recuar noutra área, não há esse problema. Os miúdos fazem pão, por exemplo, uma vez por semana. Fazer pão é tão importante como fazer uma equação, quer dizer, as equações não se comem, o pão até é mais importante.

As bases pedagógicas do ensino alternativo podem servir como uma solução para os problemas do ensino convencional?

Não acredito que isto seja resolúvel assim, pelo menos nas décadas ou se calhar nos séculos mais próximos. Não acredito porque isto é uma coisa de pequena escala, e quando falamos de um sistema de ensino estamos a falar de algo em grande escala. Quem dera que todas as crianças pudessem trabalhar assim, nestas condições. Não quer dizer que fosse com os Gambozinos, não quer dizer que a escola devia ser como os Gambozinos, não é isso. Nós nem sequer nos reconhecemos na expressão “ensino alternativo”, porque isso implicava que aquilo que estávamos a fazer era uma modalidade diferente de ensino e não é isso que a gente está a fazer, a gente tem um projeto de educação. Na verdade, ser-se alternativo implica reconhecer um modelo qualquer predominante, e até inclusivamente opor-se ou rivalizar com ele, e a gente não tem nenhuma relação com isso. No ensino da música, os Gambozinos não têm paralelismo pedagógico intencionalmente. Os Gambozinos não pedem subsídios a ninguém nem aceitam, porque isso cria dependência. Os Gambozinos são uma música que se vai fazendo e que se tem feito ao longo de 40 anos, todos os anos, de maneiras e formatos muito diferentes. A gente não tem nem pretende ter uma forma, nem sequer achamos que exista uma fórmula.

Agora, as pessoas têm que perceber qual é o valor da educação, o valor da escola. Reparem que muitos poucos portugueses, se a gente perguntar “Conhece o António Damásio?” poucos portugueses lhe dizem que sim. António Damásio é um dos principais neurocientistas do mundo, vive nos Estados Unidos, onde trabalha, mas tem uma ligação fortíssima e permanente com Portugal. Mas se eu lhes perguntar “Conhece o Cristiano Ronaldo?”, ainda se riem de nós. Isto significa o quê? O que é que por um lado é mais fácil valorizar numa sociedade e por outro lado que ela está a escolher ou não a via do mais fácil. A partir daqui o lugar da educação, o lugar da escola, são lugares subalternos.

Nós temos séculos de inquisição, nós tivemos décadas de Estado Novo e agora temos décadas de uma massificação de um sistema de ensino, que é tomado não como sistema de educação, mas como sistema de ensino e que é feito com base em lugares-comuns e na repetição de lugares-comuns: a democracia, o cidadão, a educação cívica, a mudança tecnológica, a reciclagem, e acho muito bem que a saibam. Agora, quando estamos a ensinar a uma criança questões do ambiente e proteção do ambiente, sabemos que não podemos nem devemos doutriná-la sobre quem são os grandes responsáveis pelo estado do planeta, porque não são os cidadãos. Nós também temos uma quota parte de responsabilidade, mas não fomos nós quem criou o consumismo, não foram os cidadãos e as pessoas, foi quem precisou de vender coisas. Quem precisou de vender coisas em grande escala foi o sistema capital. Claro que isto também não é para explicar a crianças muito pequeninas, mas também não vamos fazer a doutrinação asséptica de “se não deitas o vidro no vidrão, o planeta acaba por tua causa”.

Nós temos muito cuidado com os Gambozinos, numa educação na qual excluímos a palavra “culpa”. Não há culpa, só há responsabilidade. Há um excerto de Roland Barthes que eu falo muito aos alunos na universidade. Ele diz: “chamo discurso de poder a todo o discurso que engendra a culpa e a culpabilidade naquilo que o escuta”. O discurso sobre a culpa é um discurso de poder, sempre. E nós temos esse dispositivo mental da culpa e isso ajuda a desfazer personalidades, não ajuda a fazê-las, desfá-las como? A partir do momento que eu sou culpado por 100, passo a ser culpado por 1000, ou então, não faço porque me estão a ver, mas mal deixam de me ver eu vou fazer.

Quais são os principais desafios que devemos encarar agora e no futuro para garantir um ensino de qualidade universal?

Não sei responder a essa pergunta. Havia um grande amigo meu, José Mário Branco, que quando lhe perguntaram pouco tempo antes de ele morrer numa entrevista “Zé Mário, o que é que acha sobre o futuro?” ele disse “O futuro é um problema que está resolvido, não existe.” O futuro não existe, eu também tendo a concordar com ele. Agora, também não me esqueço de um homem que admiro muito, um homem da igreja, Frei Fernando Ventura, que conta a história do Colibri. Há um grande incêndio na selva e a bicharada começa toda a fugir e vai o Colibri, com uma gotinha de água no bico, em sentido contrário, e os outros perguntam-lhe: “Cuidado, há um incêndio, porque é que vais lá?” e o Colibri responde “Eu sei, vou ajudar a apagar”, “mas tu és tão pequenino” “Está bem, mas eu faço o que posso”. Esta ideia do Colibri talvez seja a fresta aberta daquele futuro que não há, enunciado pelo José Mário Branco.

Nos Gambozinos, temos muito essa perspetiva. Isto para mim é um programa de ação individual, de pensamento e de maneira de estar. Se calhar não posso mudar o mundo e se pudesse mudar não sabia em que direção é que o devia fazer. Não confio suficientemente em mim para poder dizer “o melhor é mudar por aqui”, não sei, não tenho a certeza sobre isso. Agora, há coisas que eu sei e há coisas que eu posso ajudar como o Colibri, e aquilo que está ao meu alcance, eu não tenho o direito de me demitir de fazer. E se tiver enganado, alguém que me corrija e vai haver certamente gente que é capaz de me corrigir.

Por isso é que eu guardo da experiência do jornalismo uma coisa muito significativa num balanço de vida: O jornal é uma coisa que serve para forrar baldes do lixo, nomeadamente, serve para a desmemoria. Uma sala de aula é outra conversa. Numa sala de aula a gente está ali um ano uns com os outros, a gente conhece-se, a gente consegue começar a construir linguagens comuns, começa a influenciar-se, a construir juntos, e isto é uma experiência fantástica.

A grande responsabilidade de um professor e também a sua maior gratificação, se as coisas correrem bem evidentemente, é ter posto um grãozinho de areia na vida daquela pessoa, no grande areal da praia que é a vida daquela pessoa. Uma pessoa poder ter a gratificação de ter contribuído para a vida de outra pessoa, só um grãozinho de areia, é uma coisa inexcedível, é uma sensação inexcedível. Eu acho que sou professor por causa disso, é isso que me interessa no ensino e na universidade, não me interessa cá outras coisas, só me interessa isso. Neste sentido, a gente ajuda a fazer gente, todos nós, a gente vai se fazendo, a gente vai aprendendo. E, portanto, eu acho que é o valor do saber contra o valor da brutalidade e da boçalidade, eu creio que esse é o único caminho que nos pode salvar.

E isto tem a ver com sistemas de ensino, mas tem a ver também com pensamento sobre a educação, com ação na educação e tem sobretudo a ver com uma ideia: A educação é profundamente política. Não há neutralidade aqui e não quer dizer doutrinaria ou ideológica, às vezes também é, lixo ideológico sempre houve em todos os regimes e há no nosso e no que havia antes, agora, é um processo altamente político. Quando nós falamos da educação de hoje, na realidade o que estamos a falar é da sociedade de amanhã, porque as crianças de hoje vão ser os adultos de amanhã.

Portanto, que tipo de sociedade é que a gente quer? Quer a sociedade que valoriza o António Damásio e o Cristiano Ronaldo? Ou uma sociedade que valoriza ou o António Damásio ou o Cristiano Ronaldo? É que o Cristiano Ronaldo é muito mais fácil, porque trabalha fundamentalmente com a parte de fora da cabeça e com os pés e o Damásio trabalha fundamentalmente com a parte de dentro da cabeça e dento da cabeça das pessoas. Neste sentido a alta ciência e o desporto de massas não são coisas que se têm de opor, mas uma sociedade deve saber muito bem o que é que valoriza.

Portanto, é preciso a gente ter bem assente aquilo que valorizamos. E essa é a nossa identidade. O problema de identidade está sempre mal posto: quem sou eu? Quem és tu? Isso não interessa, isso é problema de bilhete de identidade e cartão de cidadão. Não, o problema da identidade é o que a gente valoriza. Nós somos aquilo que valorizamos, aquilo que prezamos e que desprezamos, aquilo que dizemos sim e aquilo a que dizemos não. Bom, isto é assim na vida das pessoas e nas vidas das sociedades. Portanto, a gente diz sim a muita coisa que não devia, e diz não a muita coisa que devia. Por isso é que isto às vezes dá um ar de estar mal combinado, e está, um bocado mal combinado.

Fonte: JUP por indicação de Livresco