quarta-feira, 1 de outubro de 2014

PAIS TRANQUILOS, ALUNOS FELIZES, PROFESSORES EMPENHADOS

Iniciado o ano letivo, já há pais preocupados com as dificuldades que os filhos têm na escola. Mas todos podem ser bem sucedidos, garante este especialista em educação. O segredo é mudar de hábitos. E ganhar serenidade. Porque a inteligência não falta a ninguém.

Para estudar bem, há que aprender a fazê-lo primeiro. Qual a fórmula para se conse­guir melhores resultados e a motivação dos estudantes?
Sabemos hoje muito acerca de como funciona a cabeça e o coração do ser hu­mano, de modo que só temos de aplicar is­so à escola para os estudantes alcançarem o êxito que procuram evitar quando te­mem o fracasso. Um fracasso que faz, in­clusive, muitos sofrerem para lá do âmbi­to escolar. Os resultados dependem mais do tipo de esquemas que são feitos e de co­mo se memoriza: como se comprime o que há para aprender e como se expande a in­formação durante um exame. Todos po­dem aprender a técnica. Também impor­ta motivar de maneira diferente, com ba­se na verdade e no presente. Já não serve dizer «tu consegues, mostra o que vales», porque isso apenas cria ansiedade e nova oportunidade de fracassar, a quem já tem a experiência do fracasso, diante da expeta­tiva de um adulto que teme dececionar ou­tra vez. O resultado é rapidíssimo porque o ser humano funciona bem, aquilo que fa­lha é o sistema educativo.

Todas as crianças têm os «ingredientes» para obter bons rendimentos?
Todos os estudantes têm recursos sufi­cientes para mudar as notas e atingir os ob­jetivos desde que aprendam a fazê-lo e en­contrem forças para isso. Todos são fan­tásticos carros de Fórmula 1 a precisar que os tirem da garagem, os ponham a correr e lhes ensinem os passos a dar e como co­meçar, abastecendo-os de combustível – a motivação autêntica. Conheci milhares de crianças e nenhuma era incapaz de muita coisa. Muitas vezes chamamos preguiço­sos a meninos inteligentes que, ao crerem que não terão êxito, se recusam a iniciar um esforço e que, ao não fazê-lo, acreditam ser incapazes. Ao fim e ao cabo, a capacidade é a soma da necessidade de algo e o esfor­ço para consegui-lo. Quando nós próprios sentimos essa necessidade e nos esforça­mos, tornamo-nos capazes. É fácil confun­dir preguiça com inibição quando alguém receia o fracasso.

Como se explica, então, a elevada taxa de insucesso escolar?
Os resultados escolares dizem-nos que devíamos mudar, e muito, o nosso sistema de ensino. Alterando as formas de avaliar, estimular e motivar os conteúdos, tería­mos uma educação mais inteligente, hu­mana, pessoal e emocional e fomentaría­mos a criatividade e a imaginação, funda­mentais no processo de criação dos génios das ciências e letras.

Os mesmos estudantes iriam sobressair nes­sas circunstâncias?
Sem dúvida. Critico muitas vezes o facto de não aprendermos a ler completamente. Se dedicássemos a educação primária, so­bretudo até aos 10 anos, a aprender a ler me­lhor, a expressar-nos, a refletir, a calcular, a observar, a escutar, na secundária todos te­riam muito melhores notas, e depois tam­bém nos estudos universitários. A escola es­tá feita para o hemisfério esquerdo do cé­rebro, que é lógico, sequencial, analítico, e exclui da avaliação o hemisfério direito, o da intuição e imaginação. Se um professor não se esforça por atender todas estas variações, personalizadamente, acaba por dar aulas somente a cinco ou seis crianças em vinte. Mas eu sou um apaixonado por fazer o que está na minha mão. Enquanto o sistema não muda, podemos fazer muita coisa.

Motivação + método = êxito? Qual é a grande missão dos pais e professores? Porque vemos com frequência que desejar algo não basta para alcançá-lo…
Desejar algo não é consegui-lo, mas é o início. Os educadores têm de saber que se já temos em nós os recursos cerebrais pa­ra podermos estudar, e há hábitos que fo­mentam isto (a motivação), e sabem quais são os primeiros passos eficazes para co­meçar e, depois, quais são os mais efica­zes para seguir caminho (o método), então o êxito é inevitável. Todos os anos conhe­ço mais de sete estudantes que passam de uma média de cinco negativas para uma média de excelente em apenas um mês. Outros necessitam do curso inteiro. Mas todos conseguem chegar lá, desde que en­contrem a motivação suficiente e o méto­do adequado ao seu caso pessoal.

A escola está concebida ao contrário do que devia ser? Temos um sistema puramente ava­liativo, em que apenas importa o resultado dos testes?
Parece sempre que importa mais res­ponder a uma lista de questões – respos­tas sabidas a perguntas sabidas, usando só a memória, com pouca ou nenhuma reflexão – do que o saber. O protagonis­mo devia ser canalizado para cada aluno e respetiva aprendizagem. Um profes­sor é professor de uma classe de 25 alu­nos quando consegue que todos apren­dam e lhes concede serem criativos num exame. Foi a imaginação que permitiu a Einstein formular as suas teorias da físi­ca ou a Steve Jobs criar a Apple. Somos com frequência escravos de uma mé­dia numérica, do passado de um aluno, e não aplicamos nas aulas o muito que sabemos sobre comunicação, sobre afe­tividade humana e o modo como ela in­fluencia o rendimento. Sobre como unir o persuasivo ao argumentativo, como faz a publicidade.

Como se muda a forma de conceber os estudos?
Pondo em prática o que sabemos da psi­cologia, da pedagogia, da neurociência, da comunicação, da arte, da filosofia, da publicidade, da sociologia e também dos modernos avanços da matemática, da lin­guística, da linguagem e sua pedagogia. A maior alegria que um filho pode dar aos pais não é, à partida, a caderneta com boas notas, e sim o amor, a gratidão, a cor­respondência, a satisfação de vê-lo cres­cer livre, bom, são, equilibrado, feliz, ca­paz de gerar felicidade à sua volta. Disto quase não se fala, parece que é de menor importância. Quando estudar e apren­der se torna agradável, gera motivação e a motivação faz que o estudo seja ainda mais eficaz.

Aquilo que deseja para os seus filhos é que sejam felizes, mais do que estudiosos? Todos os pais sentem o mesmo?
A inteligência, a aprendizagem e os es­tudos são meros meios para alcançar al­go importante: a felicidade. Todos os pais querem que os seus filhos sejam fe­lizes. No entanto, nem todos fazemos o que está ao nosso alcance para facilitar essa aprendizagem. Não os ensinamos a descobrir o extraordinário que exis­te no comum (organizando bem o Na­tal e os aniversários, por exemplo). Não os ensinamos a superar os seus próprios obstáculos evitando sobreprotegê-los, o mal educativo mais generalizado. Não os ensinamos que tudo na vida tem conse­quências, incluindo o positivo, nem os ensinamos com o nosso exemplo a esti­mar sem esperar nada em troca.

Tem oito filhos com idades entre os 4 e os 19 anos. Todos são capazes, seguros diante de uma prova?
Absolutamente. Os resultados deles confirmam-no. Talvez porque nem a eles nem a nós, pais, importam os resultados académicos nos exames. Eles são valio­sos, as notas excelentes que tiram são o menos valioso que têm. Os filhos julgam que os estudos são o mais importante para os pais porque é isso que provoca a maior parte das discussões e das conversas, qua­se sempre de forma mais negativa do que confiante. Sentem ser isso o que mais in­fluencia a relação entre eles e, à medida que acumulam experiências dos seus fra­cassos, assumem que com os estudos fra­cassa também a relação com os pais. Aca­bam todos por se distanciar e culpar-se uns aos outros, num círculo vicioso.

Recomenda que os pais acompanhem os fi­lhos nos trabalhos de casa? Até porque é em casa que a criança aprende mais coisas, no âmbito doméstico, com os pais e os avós…
É bom estarmos com eles, mas sem ser­mos nós a fazer-lhes os deveres. A criança pede frequentemente para realizar as tare­fas com alguém por perto para evitar sentir saudades, mais do que por motivos estrita­mente escolares. Devíamos ir retirando es­sa ajuda para a tornarmos mais autónoma: ficarmos de pé, em vez de nos sentarmos ao lado dela; ouvir as suas dúvidas a um me­tro de distância; sair da divisão a dada altu­ra, ainda que vamos falando com ela; não estarmos sempre ali fisicamente. No fun­do, trata-se de orientar os mais novos, asse­gurando-nos de que sentem ser eles a resol­ver os seus problemas. Isto alimenta-lhes a confiança, a segurança e a autoestima, algo mais necessário hoje do que imaginamos. É a baixa autoestima que está por detrás daquilo que todos os pais temem que pos­sa acontecer aos seus filhos.

QUEM É FERNANDO ALBERCA?
Mestre em Direção de Centros Educativos, foi professor e diretor de vários centros docentes em Espanha. Especialista em educação, comportamento e aprendizagem de bebés, crianças e adolescentes, é autor de Todas as Crianças Podem Ser Einstein (ed. Planeta), Um Bom Filho Volta sempre (ed. Matéria Prima) e Adeus às Más Notas (ed. Planeta). É um dos escritores espanhóis que mais livros temáticos vendem além-fronteiras.

In: Notícias Magazine por indicação de Livresco

Sem comentários: