Sigo-lhe os passos. Sigo-lhe “os dias”. Sigo-lhe todas as “pistas” que ele me dá sobre os seus interesses fora da escola. O Pedro não gosta da escola. Tem 14 anos e tem urgência em ir trabalhar. Quer ser carpinteiro como o pai. E é a partir deste mote que tento adequar as estratégias de aprendizagem ao seu gosto pela carpintaria; é a partir deste “mote” que tento convencê-lo de que a Escola é essencial para a sua vida. Quantas vezes me “perco” a olhar para ele, a “observá-lo”, e mentiria se dissesse que não compreendo o seu sentir.
É um aluno como tanto outros e que no meio de tantos ninguém nota a sua “diferença”. Simplesmente, porque aquilo que o distingue dos “outros” não é visível.
É um aluno com todas as características físicas de um menino de 14 anos, todavia “há uma linha que o separa” dos seus pares: o seu défice cognitivo.
O Pedro não compreende porque não aprende. O Pedro perdeu a paciência para tentar novamente, porque no momento seguinte a uma “pequena” conquista já não consegue lembrar-se do que aprendeu.
As letras misturam-se na sua cabeça e os números desordenam-se. Porque lhe foge a memória, o raciocínio, porque lhe foge a capacidade de aprender?
- Não gosto da escola, professora. Ando aqui há tantos anos e para nada. Quero ir trabalhar!
Todos, mas mesmo todos, quer na escola quer na vizinhança, reconhecem o “dom” do Pedro para a carpintaria. É fora da escola que o Pedro é feliz!
De ferramentas na mão, é vê-lo dar asas à sua imaginação; de ferramentas na mão repara o velho e constrói o novo.
A escola lembra-lhe todos os dias a frustração de não ser capaz. Já lá vão muitos anos a tentar e em todos os inícios de cada ano regressa a esperança que será naquele novo ano que ele irá conseguir “dar o salto”. Todavia, a sucessão dos dias relembra-lhe a frustração e como se de um ciclo se tratasse, finda-se mais um ano fugindo-lhe a esperança de que seria capaz.
Sinto-lhe o “sofrimento”, um sofrimento silencioso que se perpetuará até cumprir a escolaridade obrigatória.
Olhando para o Pedro e para outros tantos “Pedros”, questiono esta “obrigatoriedade”. E porque cada caso é um caso, e porque dentro dos “especiais” existem “vários mundos”, não seria melhor esta “obrigatoriedade” passar a ser “opcional?”.
Porque se, para uns, a permanência na escola até ao 12.º ano (ou 18 anos) é uma excelente via, para outros, poderá ser um “longo e penoso caminho”.
Para o próximo ano, o Pedro concluirá o 9.º ano (C.E.I.) e, consequentemente, terá de prosseguir até ao 12º ano (ainda que vá para um curso). E agora eu pergunto:
O que seria melhor para o Pedro?
Já não sei…
Manuela Cunha
In: Educare
4 comentários:
Refere no texto:
- "Para o próximo ano, o Pedro concluirá o 9.º ano (C.E.I.) e, consequentemente, terá de prosseguir até ao 12º ano (ainda que vá para um curso). E agora eu pergunto" EU:
- Que curso? Continurá com um CEI e um PIT, sem possibilidade de qualquer certificação e de se MATRICULAR e frequentar, de "corpo inteiro" um curso profissional. Arrastando-se na escola, até ao 12º ano e/ou até aos 18 anos, tendo no horizonte um triste e insípido certificado de….frequência. Ou seja, nada!
"Anónimo", de facto, a situação dos alunos com CEI, designadamente no ensino secundário, peca por falta de respostas devidamente adequadas, adaptadas e certificadas. Uma proposta para resolver a formação destes alunos, designadamente aqueles que apresentam algumas probabilidades de aquisição de conhecimentos e capacidades práticas, e a respetiva certificação passa por permitir às escolas concorrer à abertura à modalidade de "formação profissional especial". Esta modalidade, adaptada ao perfil funcional e vocacional dos alunos com CEI, permitiria a aquisição e o desenvolvimento de conhecimentos e capacidades profissionais e posterior tentativa de ingressão no mercado de trabalho, designadamente através do estágio profissional. Por outro lado, os alunos obteriam uma certificação profissional numa determinada área. O panorama atual é muito castrador para os alunos com CEI.
Claro que é castrador. Ainda por cima com a pressão de muitos dos nossos colegas (e não só), que tudo fazem para "empurrar" muitos e muitos alunos para um CEI, quando existem outras possibilidades/oportunidades. Há anos que se fala na necessidade de uma certificação para esses alunos (coisa que as instituições/cursos sob a alçada do Ministério da Solidariedade e Segurança Social já têm). A aplicação da portaria nº 275-A/2012 (CEI no ensino secundário) é a maior aberração nessa matéria. Mesmo asssim, quem legisla, pensa que a aplicação de PITs e parcerias é feita com toda a facilidade, esteja a escola localizada em Coimbra ou Cebolais de Baixo, tenha ou não tenha num raio próximo um centro de recursos. A não se alterar o enquadramento legal (e real!) desses alunos, com a escolaridade até ao 12º ano/18 anos, muitos dos alunos com CEI vão arrastar-se pela escola. É por isso que só em casos de deficiência profunda e/ou muito especiais, defendo a aplicação dessa medida. E, mesmo assim, só em situações absolutamente excepcionais nos primeiros anos de escolaridade.
"Anónimo", subscrevo!
Enviar um comentário