sábado, 18 de outubro de 2014

“Escrever à mão custa muito aos alunos”

É professora de Português e Francês mas nas suas aulas os telemóveis e os tablets não são proibidos. Pelo contrário. Usam-se. E sem medos. Tal como a Internet ou os vídeos. É o mobile learning de que falará na TEDxLisboa

Quando começou a lecionar, com 20 anos, Adelina Moura ainda andava na universidade – este era o único local onde tinha acesso a um computador. Até que um colega lhe falou sobre um sistema mais portátil e a jovem professora lembrou-se de o usar para fazer o seu primeiro quiz numa sala de aula. Foi um sucesso. Três décadas depois, aos 54 anos, é uma entusiasta do uso de telemóveis e tablets com os alunos. Tem escrito dezenas de artigos sobre o assunto, que escolheu também para a tese de doutoramento. Este sábado, descreve as suas experiências na conferência TEDxLisboa sobre Educação, com o tema “Mobilizar é agir”. 

Sendo uma professora de letras, como é que surgiu este interesse pelas tecnologias? 
Já vem de mais longe do que eu imaginava. Quando fiz estágio em 1984/85 levei um computador para uma aula assistida de Francês. 

O computador devia ser uma grande torre. 
Não era muito grande. Em França, antes da Internet tinham um sistema só para os franceses que era muito parecido com a Internet. As pessoas pagavam o serviço e podiam ter acesso à meteorologia, aos horários dos comboios. Era a Minitel. Um colega, cujos pais estavam emigrados, tinha um desses aparelhos. Era um computador com ecrã, teclado. Ele tinha um programinho (um quiz de escolha múltipla) em que o aluno carregava na tecla e se tivesse certo dava um som de palmas, se estivesse errado dava um som menos agradável. Levei para a escola e os miúdos adoraram. Estamos a falar de 1984. 

Depois há um salto no tempo. 
Eu sempre gostei de dar aulas engraçadas, com os alunos motivados, de os surpreender. Não gosto de rotina, de ter os alunos a dormir [risos]. Gosto deles espevitados, participativos. Quando me ponho a pensar no que vou fazer, às vezes surgem-me ideias e pronto. 

Usa sempre tecnologia nas aulas? 
Não. Vou usando conforme considero mais apropriado para o assunto que estou a abordar. 

Conseguiu que na sua escola se comprassem alguns tablets. Que tipo de trabalho fazem com ele? 
Nas línguas, podem gravar a leitura, entrevistar um colega. Até o fazem com os telemóveis. Podem pesquisar informação, escrever no blogue da turma. Podem entrar em contacto com os colegas de outras turmas, de outros países. 

No blogue tem ferramentas como fichas de leitura. 
Eles lêem e depois vão ali e preenchem. É para avaliar a leitura. Este verão tive uma aluna que leu sete livros. Fiquei contentíssima. 

É mais fácil convencê-los a fazer estas fichas de leitura no computador do que à mão? 
É. Escrever à mão custa-lhes muito. Se eu lhes permitir usar os telemóveis ou disponibilizar os tablets para escreverem, eles aderem logo. Quando lhes peço para escreverem no caderno a pergunta: “Ó professora, não podemos escrever no telemóvel?” 

E não têm vícios de linguagem? Nos telemóveis é muito comum escrever-se com abreviaturas. 
O que combino com eles é que há vários tipos de escrita e cada um tem o seu contexto. Na aula de Português temos de usar a língua padrão. Os sms têm o seu contexto, quando estão a comunicar rápido com os amigos. O que interessa é que o interlocutor entenda. Quando estou a corrigir um trabalho vêem-se (muito raramente) capas [k]. Tenho alunos que dão muitos erros, mas isso é falta de leitura. 

Dizia que têm alguma dificuldade em escrever à mão. Eles já têm os telemóveis no polegar. 
Custa, custa. Leciono também ao básico, mas nos mais velhos (11º, 12º) já deixo que eles selecionem onde querem registar os apontamentos. Já me aconteceu no ensino profissional voltar a um assunto ditado numa das aulas e só conseguir ter o assunto nos telemóveis dos alunos que ali tomaram nota. Os que o tinham feito em papel não tinham o caderno. 

E não corre o risco de eles se distraírem com a Internet ou escreverem no Facebook? 
Não estou sentada na secretária. Circulo no meio dos alunos. E há regras. O fruto proibido é o mais apetecido. Como eu permito, já não há aquele impacto. Perguntei-lhes: “Vocês acham que os telemóveis vos distraem?” E diz um aluno: “A professora obriga-nos a fazer tantas coisas, acha que temos tempo para nos distrairmos?” [Risos] 

Os seus colegas aceitam que um aluno tire notas num tablet ou preferem a caneta e o papel?
Alguns. 

Foi difícil convencê-los? 
O que tenho feito é escrever as experiências que vou fazendo. No ano passado fiz a experiência da aula invertida – é o flipped classroom, um projeto que estava a pôr em prática com mais 15 professores europeus. O aluno leva para casa os vídeos e os áudios que eu gravo a explicar a matéria. Para a aula já traz essa matéria mais ou menos assimilada. E já há tempo para a pôr em prática, fazer exercícios. Em vez de ser a professora a debitar conhecimentos, os alunos antecipam a aula. 

E resultou em termos de participação dos alunos?
[No vídeo] explicava oralmente e escrevia no ecrã; era fácil ao aluno assistir em casa. Diziam-me que era muito mais fácil estudar aquilo em casa porque estavam no seu ambiente e podiam repetir as vezes que necessitassem. 

Tem alunos muito dedicados. Isto obriga-os a fazer os trabalhos de casa. 
Nem todos. E isso reflete-se na nota. Quando têm brio na nota, fazem tudo o que lhes pedimos. 

A escola Carlos Amarante, em Braga, onde leciona, é uma escola de classe média-alta. São alunos que têm acesso a portáteis, telemóveis de última geração, a tablets... 
...nem todos, nem todos. Estou a dar ao ensino profissional e tenho uma turma de 9º ano. Nos mais pequenos tenho mais aparelhos do que nos do ensino profissional. Estou a usar um sistema de resposta rápida de audiência. Fazemos as perguntas e eles com os telemóveis respondem e aparece a pontuação projetada no ecrã. 

Quase como a ajuda do público no Quem Quer Ser Milionário. 
Exatamente. Nós temos oito tablets. Numa das vezes tivemos 14 jogadores, o que quer dizer que houve alunos que jogaram com os seus próprios telemóveis. Eles adoram estas atividades. Depois fizemos um exercício só de gramática. 

Há alguma idade ideal para as crianças começarem a usar estas tecnologias na aula? 
Esse assunto tem sido discutido. No último texto que li de uma sociedade de Psicologia, penso que dos EUA, eles apontam 8/9 anos. Também há estudos e opiniões que dizem que, desde que os pais estejam a controlar, os filhos podem aprender desde pequeninos. Há aplicações muito bem feitas para desenvolver capacidades motoras, raciocínio para crianças com 3 anos. 

Há estudos que dizem que a tecnologia molda o cérebro. 
Estou a ler o livro 'Os Superficiais'. O autor tenta justificar que a Internet nos está a deixar muito superficiais na medida em que não estamos a conseguir uma leitura profunda, meditada, porque somos bombardeados por imensas distrações. Há estudos com crianças que evoluíram em determinadas áreas com aplicações para tablet – então na área da educação especial... Eu acho que se o professor ou os pais virem que a criança está a passar muito tempo no tablet, devem reduzir. A criança não deve substituir as outras brincadeiras pela tecnológica para não se isolar. 

Vêem-se muitos pais a tentar distrair os filhos, até em restaurantes, com um jogo no tablet. 
Serve de ama-seca. 

Isso é um erro? 
É um erro. Até para nós, porque quando chegam à escola vêm com o vício de ver a tecnologia como entretenimento. E quando queremos mostrar que pode ser uma excelente ferramenta de aprendizagem, temos essa dificuldade. 

No caso dos livros obrigatórios, muitos já os lerão no tablet, no Kindle, no computador. 
Sim. Os alunos que gostam mesmo de ler, gostam do papel e do suporte digital. Eu mandei-lhes Os Maias e tenho alunos que dizem: “Esta semana li no meu telemóvel, não tinha o livro comigo.” 

Nos testes na aula permite que usem o telemóvel para consultar o dicionário. 
Tenho testes em papel e online. Em vez de carregarem o dicionário para a sala, porque é que não podem ir consultar o que está online?

Aulas como as suas serão raras ao nível nacional? 
Já há muita gente. Em breve haverá dois doutoramentos. Eu comecei vai fazer 10 anos, em 2005. 

Começou há 10 anos. Quando é que esta realidade do mobile learning estará em todas as salas de aula? 
Não lhe vou dar uma data. Mas eu estava no fórum da Microsoft [em 2005] em Estocolmo a representar Portugal e um dos colegas da equipa francesa mostrou-me o telemóvel com uma aplicação com quiz e disse-me que aquele projeto estaria a funcionar em 2015. Este foi o clique para a minha tese. Já estava um bocado atrasada porque a primeira definição de mobile learning era de 2000. E 2015 não está longe porque este ano e no próximo os tablets vão entrar em força. Há um colégio de Braga onde na matrícula oferecem ao aluno um mini iPad.

Por Sara Capelo

Artigo publicado na edição nº 546 da Sábado, de 16 de Outubro de 2014, por indicação de Livresco

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