domingo, 29 de janeiro de 2017

Consegue ler este artigo até ao fim sem se distrair?

Um e-mail acabado de chegar, um telefonema inesperado e um chat, de Facebook ou de Whatsapp, que volta e meia dá de si. Para onde quer que olhe, é provável que haja focos de distração, e também é provável que não chegue ao fim deste artigo sem se distrair uma única vez — afinal, a caixa de e-mail está no separador do lado, o telemóvel no seu campo de visão e as redes sociais… bem, as redes sociais parecem estar em toda a parte.

Atenção, distração e dopamina. Como desenrolar este novelo?

Estamos cada vez mais impulsivos a reagir a estímulos e o nosso cérebro processa a informação de forma cada vez mais rápida, mas não retém a memória toda. As palavras são do neuropsicólogo clínico Fernando Rodrigues. É ele quem assegura que o olho humano (e os mecanismos visuais) estão mais rápidos e mais sensíveis a estímulos luminosos, realidade que pode advir do bombardeamento de informação de que somos alvo diariamente. “Há 10 anos não tínhamos o número de estímulos visuais que temos hoje”, continua, explicando que a luz é um forte captador de atenção e que o limiar de atenção está cada vez mais curto.

“A internet está projetada para ser um sistema de interrupção, uma máquina voltada para dividir a atenção”, disse ao The New York Times, em novembro de 2015, Nicholas Carr, autor do livro Os Superficiais — O que a internet está a fazer aos nossos cérebros, publicado em Portugal pela Gradiva. À data, Carr afirmou que estamos dispostos a aceitar a perda de concentração e de foco em detrimento das informações atraentes e/ou divertidas que circulam online. E, já agora, estar sempre conectado não é propriamente bom, pelo menos para o cérebro. Um estudo da Universidade de Londres descobriu que estar-se continuamente ligado pode ter tanto impacto no nosso QI como perder uma noite de sono ou consumir marijuana.

No entanto, é importante não cair no erro clássico de olhar para as novas tecnologias como a grande culpada, até porque, tal como diz Pedro Ferreira Alves, o “ser humano por natureza não tem a capacidade de se concentrar”. Ao Observador, o neuropsicólogo no Instituto Terapêutico Analítico Psicologia Aveiro (ITAPA) explica que a educação, a socialização e até a aquisição da linguagem são fatores importantes para se alcançar a atenção voluntária que é, preto no branco, a nossa capacidade de controlar a atenção. As novas tecnologias podem, no entanto, ser encaradas como um novo desafio para a exigência da nossa atenção.

A isso acrescenta-se que a atenção não é igual para todos e que esta é, para surpresa ou não de muitos, limitada. Dito isto, importa tentar esclarecer que a atenção está associada aos circuitos de recompensa, que são mediados pelos circuitos dopaminérgicos (mas não só). A dopamina, recordamos, é um dos neurotrasmissores mais polémicos na comunidade científica e é também uma “substância gulosa”, tal como refere Fernando Rodrigues. “A surpresa é a forma mais interessante para ocorrer o disparo de dopamina”, esclarece. Ou seja, por norma a surpresa atencional tem um privilégio maior sobre a tarefa anterior — e, já agora, ter um novo estímulo vai degradar a qualidade de atenção prestada ao estímulo anterior.

Para tentar deixar as coisas mais claras, o neuropsicólogo introduz mais um termo científico, “cegueira cognitiva”. Imagine que está a conduzir um carro e que, num instante, recebe uma SMS. Pega no telefone para ver ou responder à mensagem, mas consegue continuar atento/a à condução. Disto isto, já não vai prestar atenção caso surja um estímulo novo, este que pode ser uma criança a atravessar a estrada.

Mais, a distração pode ser encarada como um mecanismo de recentração atencional, tal como o neuropsicólogo Fernando Rodrigues lhe chama. Vamos a outro exemplo: talvez seja mais fácil para si estar mais focado num trabalho num ambiente com mais estímulos do que o contrário. Imagine que vai para um café fazer um trabalho, os estímulos à sua volta passam a ser secundários e ajudam-no a recentrar a sua atenção (e não concentração, uma vez que esta implica estar-se atento a uma única tarefa). Pelo contrário, um ambiente sem estímulos é capaz de prejudicar a criatividade. É que há dois tipos de estímulos diferentes: os que exigem o nosso processamento cognitivo ou emocional, como receber uma SMS, e os que não exigem, como um desconhecido entrar no café onde estamos a trabalhar.

Falta de foco: como isto nos afeta

Fernando Rodrigues, que também é professor universitário, diz que observa um facto irrefutável, isto é, que as pessoas têm uma atenção cada vez mais curta. É isso que atesta dentro da sala de aula, quando os alunos sacam do telemóvel para responder a uma mensagem como se nada fosse. “O telemóvel é hoje uma espécie de extensão do corpo humano”, diz, para depois atirar: “Já não conseguimos controlar os nossos impulsos.” É por esse motivo que se apressa a argumentar que o modelo de aulas deveria ser alterado — duas horas é muito tempo para se permanecer atento e reter toda a informação dada. “Os alunos têm períodos de atenção muito curtos e os conteúdos dados de forma doseada têm mais impacto.”

Da sala de aula para o escritório, Fernando Rodrigues defende que, em consequência da cada vez menor capacidade de atenção e do impulso em reagir a estímulos, está-se a assistir a quebras de produtividade no mercado de trabalho. O fenómeno é relativamente recente e, se antes as empresas bloqueavam o acesso a determinados sites ou chats, agora os telemóveis estão dotados de todas essas tecnologias. Nem de propósito, o típico funcionário de um escritório é capaz de trabalhar apenas 11 minutos entre cada interrupção, sendo que demora em média 25 minutos a regressar à tarefa original. Estes são, pelos menos, os dados recolhidos por Gloria Mark, da Universidade da Califórnia. A falta de atenção está por toda a parte: num escritório perto de si, mas também em casa.

É a psicóloga clínica Filipa Jardim Silva que escolhe falar da atenção distribuída versus atenção mais focada. Se a primeira, seja por via dos vários estímulos que nos afetam diariamente ou pelo modo multitasking que tendemos a assumir, tende a afetar as dinâmicas familiares, a segunda é a opção preferível e menos recorrente. “As pessoas estão menos inteiras nas relações com os outros e isto acontece de pais para filhos, de maridos para mulheres”, argumenta a profissional da Oficina de Psicologia. É o velho cliché: o corpo está aqui, a mente nem por isso.

A falta de presença (ou de atenção) é responsável por uma cada vez menor tolerância ao desconforto e à frustração. Mas não só: nas relações assiste-se, de um modo geral e empírico, à fraca capacidade de ouvir realmente o outro. Para solucionar essas tensões, a proposta da psicóloga passa por dirigir a nossa atenção consciente a apenas um estímulo, mas também reduzir os vários estímulos à nossa volta — talvez esteja na hora de fazer um detox tecnológico. Deixar o telefone à porta de casa, combinar a hora em que vão finalmente pegar nos smartphones ou privilegiar a interação familiar em detrimento dos equipamentos tecnológicos são algumas ideias. Até para evitar aquilo a que Filipa Jardim Silva chama de solidão acompanhada nas famílias: “Falamos sobre muita coisa, mas não falamos sobre nós.”

Uma coisa é (in)certa: o neuropsicólogo Fernando Rodrigues não sabe dizer o que está em causa, se o défice de atenção está subdiagnosticado, se esta é uma mutação geracional ou, então, uma patologia.

Vale a pena treinar a atenção plena?

Para falar da importância e do poder da concentração, o The New York Times chegou a evocar a figura de Sherlock Holmes, tido como um dos detetives mais “inativamente ativos” por ficar simplesmente quieto, sentado e de cachimbo na boca, a pensar na melhor forma de resolver mais um enigma. Isto tudo para falar de mindfulness. No artigo de opinião datado de dezembro de 2012, a publicação abordou o facto de o mindfulness originar do budismo e argumentou que, no contexto da psicologia experimental, o conceito está mais voltado para a concentração do que para a espiritualidade.

“A tecnologia é excelente mas provoca uma série de solicitações e interrupções que não aconteciam antes. Há mais dificuldade em manter o foco e a atenção”, alega também Luís Carvalho, professor certificado de minduflness desde 2008, que cita vários estudos que mostram uma mesma realidade: cerca de metade do tempo em que estamos acordados é passado em distração.

É aqui que a meditação associada ao mindfulness entra — esta é tida como a forma de praticar a habilidade de estar presente e de ir ganhando foco, seja através de práticas formais (meditação em si) ou informais (como passear no jardim e sentir o vento no corpo e/ou o sol na cara). Tanto num caso como no outro é importante perceber quando perdemos o foco e, sem culpa, trazer a atenção de volta.

Nem de propósito, no artigo que o Observador dedicou ao mindfulness, o especialista Vasco Gaspar, autor do livro Aqui e Agora, explicou que apesar da prática do minfulness estar associada à meditação, esta não implica necessariamente o estar-se focado, mas antes fazer o esforço da atenção plena. “A meditação é como ir ao ginásio. São práticas artificiais, para cultivar, coisas que não fazemos no nosso dia a dia”, garantiu à data. Vale a pena repetir: o minfulness é a capacidade de estar presente, de estar consciente do que se passa à nossa volta, das nossas emoções e do nosso próprio corpo. Talvez por isso seja algo a considerar num mundo que cada vez mais distrai e cada vez anda mais distraído.

Mas porque é tão importante estarmos presentes? “Quando estamos com atenção num momento presente, temos toda a atenção do que está a acontecer e isso permite-nos tomar as decisões mais adequadas. Quando estamos distraídos, há muitas coisas que nos podem escapar e podemos ter reações baseadas em hábitos e perceções incompletas ou interpretações erradas”, responde Luís Carvalho. Outro exemplo? É como ir no carro e virar no sítio errado porque aquele é, na verdade, o nosso caminho habitual. “Isso acontece porque houve um momento de distração e quando estamos distraídos a tendência é para seguirmos os nossos hábitos.”

Multitasking: amigo ou inimigo?

No artigo de opinião acima referido lê-se ainda que o mindfulness pode ajudar contra “a praga da existência moderna”, entenda-se o multitasking. “Gostaríamos de acreditar que a nossa atenção é infinita, mas não é. Multitasking é um mito persistente. O que realmente fazemos é mudar rapidamente a nossa atenção de tarefa em tarefa”, escreveu Maria Konnikova, autora do livro Mastermid: How to Think Like Sherlock Holmes.

Multitasking, esse estrangeirismo que é utilizado para descrever a capacidade de fazer mais do que uma tarefa ao mesmo tempo, pode estar a perder terreno para o monotasking, já considerado o termo do século XXI para prestar atenção. De acordo com um estudo publicado em 2014 no Journal of Experimental Psychology, interrupções de apenas dois ou três segundos eram o suficiente para os participantes duplicarem os erros cometidos durante determinada tarefa. A isso acrescenta-se a investigação da Universidade da Califórnia, que mostrou que as pessoas chegam a trocar de tarefas cerca de 400 vezes por dia, daí estarem tão cansadas à noite.

Escreve a Harvard Business Review que o multitasking permite-nos fazer mais coisas, mas também nos deixa mais vulneráveis a cometer erros, ao passar ao lado de informação ou de pistas interessantes e a reter menos informação. Já Fernando Rodrigues associa o multitasking à memória de trabalho e às funções executivas, nas quais se inclui o shifting, isto é, a capacidade de alternar entre tarefas. Refere ainda que o período atencional é muito forte nos primeiros cinco minutos e nos últimos cinco minutos de uma determinada tarefa. “A memória de trabalho vai identificar o que é ou não importante. O que estamos a observar é que a atenção é cada vez mais curta, inclusive nestes mecanismos de trabalho. As próximas gerações podem vir a ser mais voláteis, ainda que com melhores avaliações ao nível da inteligência.”

“Hoje em dia os jovens conseguem fazer mais coisas ao mesmo tempo, mas perdem qualidade de tarefa em tarefa. As gerações anteriores eram mais focadas nas tarefas e retiravam mais pormenores e riqueza de estímulo. Agora, as gerações mais novas detetam mais rapidamente os estímulos mas perdem essa riqueza”, diz Fernando Rodrigues, sem conseguir confirmar qual das situações é preferível. No entanto, faz ainda outra observação com um ponto de interrogação no final: o que será da criança que não consegue captar assim tantos estímulos?

Álvaro Carvalho, diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental/DGS, confirma que atualmente existem mais solicitações do que há uns anos, dada a tecnologia que nos acompanha no dia a dia, mas assegura que este não é um fenómeno novo e relembra que também Napoleão Bonaparte era capaz de fazer cinco coisas ao mesmo tempo. A isso acrescenta que as crianças rápida e facilmente passam de uma ocupação para outra, sendo esta uma forma de estar numa sociedade que valoriza a novidade.

Há uma tendência cada vez maior para que as crianças se portem simplesmente bem, atira Conceição Tavares, psicóloga e psicanalista. A também assessora do Programa Nacional para a Saúde Mental da DGS refere que o tipo de aprendizagem mais tradicional não tem em conta a criatividade e os ritmos diferentes das crianças, o que pode estar relacionado com a hiperatividade. “A uniformização da educação traz consequências. Porque os bebés têm de dormir todos aos mesmo tempo e trocar de fraldas também ao mesmo tempo”, assegura. E que consequências são essas? “Distração, défice de atenção…”

No entanto, importa também referir o que disse o pediatra Pedro Gomes à agência Lusa em março de 2015, quando afirmou que a hiperatividade está mal diagonisticada em Portugal: “Estas doenças e expressões [Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA)] aparecem porque o pessoal de saúde está mais sensível, mais atento às perturbações de comportamento do que há uns anos. (…) Há crianças hiperdiagnosticadas e outras crianças hipodiagnosticadas”.

Por outro lado, assiste-se à massificação da informação. Não descurando as “vantagens fantásticas” da internet, o excesso de informação que esta proporciona não ajuda à seleção pelo que, hoje em dia, somos menos seletivos e também menos pacientes. “Hoje é tudo muito automático [rápido e fácil], e isso pode dificultar o facto de os jovens se focarem num só objetivo. Há uma tolerância diferente à frustração”, continua Conceição Tavares, fazendo uma última anotação pessoal como contraponto do que hoje se assiste nas gerações mais novas: “Ainda me lembro de esperar pela época dos morangos”.

Fonte: Observador por indicação de Livresco

sábado, 28 de janeiro de 2017

O emprego que lhe completaria a verdadeira integração social continua a não surgir

Paulo Condado, doutorado em Engenharia Eletrónica e Computação, criou um software para ajudar pessoas deficientes — como ele, que sofre de paralisia cerebral. Em resultado de um parto mal assistido no Hospital de Faro, há 37 anos, ficou com a voz e alguns movimentos afetados, mas as limitações físicas não impedem de conduzir automóvel e estar ligado ao mundo das novas tecnologias, em constante atividade. A partir de um escritório montado em casa, desenvolve ferramentas utilizadas pelo mundo fora. No Algarve, onde vive, é mais um desempregado com altas qualificações.

“Não consigo arranjar emprego no setor público nem no privado, nem como investigador, nem como simples informático”, lamenta Paulo Condado.

O investigador, licenciado em Engenharia Informática, doutorado e pós-doutorado em Engenharia Eletrónica e Computação, foi recentemente distinguido pela Universidade do Algarve (Ualg) com uma “menção honrosa” no âmbito do Prémio Carreira Alumni 2016. Aplausos e elogios não faltaram. O emprego que lhe completaria a verdadeira integração social continua a não surgir.

“Mandei currículos para todas as empresas da região na área da informática, e algumas de Lisboa e de Coimbra, mas nem tive direito sequer a uma entrevista.” A mulher, assistente operacional no Hospital de Faro, acrescenta: “Promessas houve algumas, nada mais do que isso.”

As palavras de agradecimento que proferiu, durante a cerimónia da entrega do prémio, saíram através de uma voz sintetizada por um computador. A aplicação, denominada easy voice, foi criada por ele, em 2009, no âmbito do doutoramento. “Muito bom” foi a classificação que o júri lhe atribuiu no exame. A seguir recebeu o convite para visitar o Instituto de Tecnologias de Massachusetts — MIT, nos Estados Unidos da América. “Tive oportunidade de trocar opiniões com investigadores de renome sobre o meu trabalho. Todos eles me incentivaram a continuar e a melhorar”, recorda.

Uma vez regressado a Portugal, idealizou o easy right — um método de introdução de texto que permite às pessoas com problemas de coordenação nos membros superiores utilizarem pequenos dispositivos móveis. O trabalho foi desenvolvido por um aluno de mestrado que co-orientou.

Acender e apagar as luzes da casa, abrir e fechar portas ou ligar e desligar a máquina do café com um simples telemóvel é uma das sua últimas criações informáticas. A aplicação destina-se a permitir a pessoas com deficiência a interação com o ambiente. “É importante conhecer as dificuldades que as pessoas com deficiência enfrentam no quotidiano”, observa. No que lhe diz respeito, sublinha, procura, “com o desenvolvimento da ciência, ajudar a integração social” destas pessoas.

Uma vez terminada a bolsa de investigação que recebeu da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e acabado o subsídio da Fundação Calouste Gulbenkian, que lhe permitiu prosseguir com os estudos, aumentaram as dificuldades financeiras do casal. Há cerca de um ano foi recebido pela secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, na esperança de que seria a pessoa certa para melhor compreender e ajudar a vencer as suas batalhas. Depois de revelar as dificuldades que tem tido para derrubar as barreiras da exclusão social, obteve da governante a resposta politicamente correta. “Vou ver o que posso fazer.” Em março do ano passado voltou à carga, dirigindo-se ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que remeteu o assunto para o Governo. Por fim, em dezembro, foi recebido no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) de Faro, e foi informado de que se poderia candidatar a um contrato de emprego-inserção, com um ordenado de cerca de 400 euros. “Senti-me humilhado, recusei, porque me impuseram como condição prévia submeter-me à avaliação de um técnico da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC) que iria avaliar as minhas capacidades.”

A filha, de quatro anos, aos pulos pela sala, aproxima-se para revelar um sonho: “Quero ser doutora das crianças.” O pai, sorridente, desabafa: “Já fui também um jovem idealista.” Agora, aos 37 anos, tem a carreira suspensa.

Há cerca de ano e meio escreveu uma “carta aberta” a expor a sua situação de investigador, preso pelo “preconceito” de uma sociedade que não favorece a integração. Da Suíça chegou-lhe o convite para lecionar numa universidade, da Irlanda uma oferta de emprego numa multinacional. “Mas é aqui que tenho a minha família”, diz, na esperança de ainda vir a ter uma oportunidade de trabalho no Algarve — uma “região inteligente”, segundo os projetos apresentados ao programa Portugal 2020.

Fonte: Público

Uma revolução na educação

O desenvolvimento da tecnologia, com a primeira e segunda revoluções industriais, criou necessidades de educação que não existiam até então. O rápido crescimento dos sistemas de ensino que acompanhou estas revoluções levou à criação de gerações cada vez mais qualificadas, o que, por seu lado, criou condições para a redistribuição de riqueza que, de outra forma, não existiriam.

Durante os séculos XIX e XX, a educação foi vista como algo que se adquire enquanto se é jovem, sendo o paradigma mais comum a obtenção de um grau, médio ou superior, através da frequência escolar durante um período contínuo e prolongado, antes da entrada no mercado de trabalho. A terceira revolução industrial, com a introdução das tecnologias de comunicação e informação, e o rápido desenvolvimento destas tecnologias, veio colocar em causa este paradigma.

É já um facto que a formação académica que se adquire enquanto jovem corre o risco de ficar rapidamente desatualizada. Tal é especialmente verdade nas áreas mais tecnológicas, como a engenharia, mas é de facto comum a quase todas as áreas do conhecimento. De acordo com uma estimativa muito divulgada, 2/3 dos alunos que agora iniciam a sua formação escolar irão trabalhar em profissões que ainda não existem. Mais do que aconselhada, a formação ao longo da vida é essencial para manter a competitividade de uma carreira profissional.

Adicionalmente, a mobilidade do emprego, nas suas dimensões mais variadas, encarada com naturalidade nos profissionais mais jovens, faz com que muitas pessoas mudem de emprego ao longo da vida, incluindo muitas vezes uma mudança no setor de atividade e até na área de atuação. As pessoas sentem assim necessidade de obter formação ao longo da sua carreira profissional, para poder responder a esses desafios. Por outro lado, a necessidade que as empresas têm em formar equipas com colaboradores de áreas muito diversas para resolver os problemas emergentes numa sociedade de mudanças tecnológicas constantes e rápidas, cria também essa necessidade de formação contínua nas áreas mais variadas.

Com o advento da quarta revolução industrial, e a integração cada vez mais profunda das tecnologias de informação e comunicação no mundo real, em diversos setores, que vão dos transportes à saúde, passando pela produção industrial e pela distribuição, é cada vez mais essencial ver a educação como um processo contínuo, que deverá ter lugar ao longo de toda a carreira. Quem não se atualiza tecnologicamente corre o risco de perder oportunidades e competitividade no mercado de trabalho. A crescente penetração das tecnologias de informação e comunicação em todas as áreas tem gerado novas necessidades, que vão desde a implementação destas tecnologias até à obtenção de informação a partir de conjuntos de dados cada vez maiores. A expansão rápida e crescente de novos paradigmas tecnológicos promete revolucionar quase todos os setores de atividade. Existem neste momento milhares de posições, por preencher, para especialistas em engenharia de software, sistemas de informação, segurança e análise de dados, entre outros, que estão acessíveis a qualquer profissional qualificado e atualizado. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas com formação inadequada têm dificuldades em encontrar emprego. Os MBAs (Masters of Business Administration), que durante muito tempo foram a escolha mais natural para obter uma formação adicional e ganhar competitividade, já não detêm o exclusivo de fornecer as competências mais desejadas pelos empregadores, que precisam de profissionais competentes e tecnologicamente atualizados.

Foi com base nesta análise que o Instituto Superior Técnico decidiu desenvolver e promover um conjunto de cursos de formação ao longo da vida, numa iniciativa que virá a abranger diversas áreas da engenharia e da tecnologia onde a evolução tecnológica exige uma atualização cada vez mais permanente. Neste contexto, estão já em funcionamento três cursos de pós-graduação que focam algumas das mais recentes tendências tecnológicas: Cibersegurança; Engenharia Empresarial para a Transformação Digital; Engenharia de Software e dos Sistemas de Informação Empresariais. Esta formação será progressivamente alargada a outras áreas relevantes para a quarta revolução industrial, como a engenharia mecânica, civil, electrotécnica, biomédica e gestão industrial. Entendemos que, face às enormes necessidades do mercado de trabalho, a criação destes cursos satisfaz uma necessidade premente do país, das suas empresas e dos seus cidadãos. O Instituto Superior Técnico dá, assim, a sua contribuição para o que deverá tornar-se um desígnio nacional: iniciar uma revolução na educação que permita adequar as competências dos portugueses às necessidades atuais e futuras do mercado e da sociedade.

Arlindo Oliveira

Presidente do Instituto Superior Técnico

Fonte: Público

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A mais dura disciplina do curso: acompanhar famílias especiais

Programa de apoio a famílias com crianças com deficiências profundas arrancou nesta semana em Leiria, dedicado aos estudantes do ensino superior. Vinte voluntários inscritos

"Quem é o rapaz mais giro da sala, hã?" À pergunta da professora Graça Morgado respondem os sorrisos de Yulian e David. É uma das poucas formas que têm de comunicar com o mundo, ambos com paralisia cerebral, 8 anos de vida, duas das seis crianças que frequentam a Unidade Especializada de Apoio à Multideficiência, numa sala da Escola Correia Mateus, em Leiria.

É janeiro frio e o primeiro dia de Adriana como voluntária do programa de Apoio a Famílias Especiais. A partir de agora, pelo menos uma vez por semana, a jovem estudante do primeiro ano de Terapia da Fala vai ajudar a cuidar daquelas crianças, pronta para encarar a alimentação por sonda, as fraldas, as crises. Dias antes, numa sala de reuniões da Câmara de Leiria, entre cerca de 20 voluntários inscritos, foi ela a única que se prontificou a ingressar naquela que será a mais "dura" das três salas que integram este programa.

Adriana Magalhães tem 22 anos, é natural do Porto, e só vai a casa uma vez por mês. Quando recebeu o e-mail enviado pela Escola Superior de Saúde, não pensou duas vezes e inscreveu-se. Porquê? "Só a escola não me preenchia. O facto de ir trabalhar com crianças especiais é uma motivação muito grande. Acho que vamos aprender muito", disse (...) no final da primeira visita ao local, na passada segunda-feira.

Ela e a colega Ana Maria Moniz, já no último ano de Terapia da Fala, acreditam que vão tornar melhores os dias daquelas crianças, e mais leve a vida dos pais. Lá dentro, ouviram atentamente tudo o que dizia a professora responsável, e souberam "como é importante para estes meninos o contacto com outras pessoas. Eles estão sempre ou connosco ou com os pais", sublinha Graça Morgado, professora há 34 anos, quase todos no ensino especial. Há 11 que faz parte do Agrupamento de Escolas Correia Mateus. Ter tido uma prima com trissomia 21 e contacto próximo com a deficiência fê-la escolher, desde cedo, uma área que não é fácil, mas que a faz feliz. "Nós saímos sempre daqui com um sorriso, e entramos de manhã bem-dispostas. Se isto fosse assim tão mau, já tínhamos ido embora."

Fala por si e por Sandra, mas também pelas auxiliares Isabel Fernandes e Sandra Vieira. "Não vou dizer que é fácil, porque nos apegamos muito a estas crianças, e já nos morreram aqui alguns... é mais ou menos como dizia Fernando Pessoa: primeiro estranha-se, depois entranha-se", conta a professora, certa de que a esperança média de vida da maioria não ultrapassa os 10 anos.

Naquele dia estão apenas quatro crianças, pois duas foram a consultas. É o caso da Maria, de apenas 6 anos, deficiente profunda, uma das que ficam na sala depois do horário da componente letiva, a partir das 16.00. É aí que entra o programa de voluntariado do município de Leiria, em funcionamento há três anos.

Dar tempo aos pais

"Chegámos à conclusão de que algumas famílias acabavam por não ter possibilidade de trabalhar ou ter algum tempo livre. Porque estas crianças não tinham lugar em nenhuma associação nem ocupação de tempos livres. E, além da pessoa que é assegurada pela autarquia, pareceu-nos enriquecedor trazer os voluntários, sabendo o quanto isso vale em termos pessoais, sociais e profissionais." As palavras da socióloga Célia Rodrigues, responsável da autarquia para este programa, encaixam nas explicações dadas naquela reunião prévia pela vereadora da Educação, Anabela Graça.

"O número de crianças apoiadas (14 neste ano letivo) tem significância, pois corresponde ao número de crianças cujas famílias têm necessidade de "prolongar o horário de permanência" da criança na Unidade de Ensino Estruturado", diz a vereadora, satisfeita com o crescente número de voluntários que aderiram ao programa, numa parceria com o Instituto Politécnico de Leiria.

Dependendo ainda dos horários no segundo semestre, estão inscritos dez voluntários para apoiar oito crianças na Unidade de Autismo da Cruz d'Areia, cinco para a unidade da Correia Mateus, e cinco para a unidade de Marrazes, sempre a apoiar o trabalho de duas funcionárias. Foi nesta última que encontrámos Filipa Pedrosa, aluna do 2.º ano de Serviço Social. Vai conhecer agora a pequena Lara, 6 anos, e o Ravi, de 4, ambos autistas, ele de contacto difícil. Estão a lanchar junto de todos os outros, mas Ravi requer a atenção de uma auxiliar "praticamente o tempo todo", diz a educadora do jardim de infância de Marrazes, Lucília Rodrigues. Adverte Filipa para o que vai encontrar: um menino fechado no seu mundo, mas a jovem voluntária vai-se aproximando. A partir de agora também ela vai fazer parte dele.

Fonte: DN

Inclusão no Ensino Terciário


A Associação Contramão disponibiliza o documento "Inclusão no Ensino Terciário". Do sumário executivo consta o seguinte:

A Contramão-Associação defende, em consonância com o normativo internacional assumido por Portugal e de acordo com a legislação nacional, que a Educação Inclusiva deve ser uma realidade ao longo de todo o sistema educativo: educação de infância, pré-escolar, ensino básico, secundário e terciário.

No que respeita ao Ensino Terciário, é fundamental que a inclusão norteie toda a ação, ao nível da educação e formação, nas suas diversas modalidades:
• Ensino Superior, i.e, ensino universitário e ensino politécnico;
• Cursos de ensino pós-secundário não superior que visam a formação profissional especializada;
• Modalidades especiais de educação escolar, das quais se destaca a formação profissional.

Um Ensino Terciário inclusivo pressupõe e obriga à existência de condições de acesso e de frequência equitativas, quer entre “estudantes com deficiência” e “estudantes sem deficiência”, quer entre estudantes com diferentes “tipos” e “graus” de deficiência.

Propor um caminho possível que se afaste do atual paradigma médico, rumo à universalidade, com ênfase em soluções que assegurem a igualdade de oportunidades para todos, é a reflexão à qual a Contramão se propõe com o presente documento.

Para acesso ao documento, clicar na imagem ou aqui.

Há referênciais para quase tudo, “as escolas estão a ser invadidas por diversas ‘educações’”

(...)
Desde a educação rodoviária à educação para o risco, passando pela educação financeira e a educação para os media, não faltam temas sugeridos pelo Ministério da Educação para serem abordados no âmbito da chamada Educação para a Cidadania. Todos estes documentos foram elaborados ainda durante o Governo PSD/CDS. Como as áreas não curriculares, de que eram exemplo a Formação Cívica e a Área do Projecto, foram extintas pelo anterior ministro Nuno Crato, os temas propostos para a Educação para a Cidadania têm-se destinado a ser abordados de modo “transversal”, nas outras disciplinas.

O Ministério da Educação, em respostas (...), sugere que esta situação não irá durar por muito mais tempo. “A área da Educação para a Cidadania foi alvo de desinvestimento nos últimos anos, não ocupando um lugar claro no currículo”, indicou, para acrescentar que, por esse motivo, está em curso a preparação de uma Estratégia de Educação para a Cidadania, que potenciará o desenvolvimento de competências cidadãs nas aprendizagens dos alunos”. O secretário de Estado da Educação, João Costa, já dissera antes que, à semelhança do que acontece noutros países, onde por exemplo a experiência de voluntariado é obrigatória, algumas destas competências poderão vir a ser exigidas para a conclusão dos diferentes níveis de ensino.

Apesar de a disciplina ter sido erradicada do currículo nacional, no ensino básico, no âmbito da chamada oferta de escola, muitos dos estabelecimentos optaram por manter a Formação Cívica, o que permite resolver parte destas abordagens. O mesmo já não acontece no secundário. “Com programas tão extensos como os que existem, é impossível existir uma abordagem sistemática destas questões sem que exista uma disciplina dedicada a tal. O que fazemos é tentar aproveitar a agenda mediática ou acontecimentos pontuais para desenvolver alguns desses temas”, refere Eduardo Lemos, diretor da Escola Secundária Eça Queirós, na Póvoa do Varzim.

“Há uns anos a esta parte que estas escolas estão a ser invadidas por diversas ‘educações’”, comenta Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores e Agrupamentos de Escolas Públicas, que também corrobora a impossibilidade das escolas responderem a tantos conteúdos. “Tudo se imputa às escolas, quando algumas destas atividades poderiam ser desenvolvidas por outras entidades”, refere, acrescentando que existe também um problema de “formação de professores para abarcar tantas áreas” como aquelas que são propostas.

Fonte: Público

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Projeto pedagógico da Gulbenkian: “Dantes não éramos unidos. Agora somos uma turma”

Passam poucos minutos das 9h00 na Escola Secundária do Cerco, no Porto. Numa sala de aula, os alunos espreguiçam-se em simultâneo, de pé, em torno de um conjunto de mesas que formam uma única, ladeada pelas cadeiras onde estavam sentados segundos antes. Comportamento pouco próprio para uma aula de História?


A coordenadora do projeto no Porto, Luísa Corte-Real, também responsável pelo serviço educativo do Teatro Nacional São João (TNSJ), explica que é apenas mais um exercício das “micropedagogias” criadas pela tripla composta por duas professoras, de Educação Física e História, e uma encenadora e atriz convidada pelo TNSJ, no âmbito do projeto pedagógico 10x10, levado a cabo pela Fundação Calouste Gulbenkian. Objetivo: desenvolver novas estratégias educativas em contexto de sala de aula.

“Era constrangedor fazer algumas figuras frente aos colegas”, diz Ricardo Dias, de 16 anos, que no início do ano não conhecia quase nenhum dos colegas de turma. Essas “figuras” são exercícios de concentração, de leitura ou de energização, como é o caso do espreguiçar. Para trás estão nove anos de frequência na escola, onde se habituaram aos métodos de ensino convencionais.À escola do Porto, situada numa das zonas mais desfavorecidas da cidade, esta abordagem ao ensino, que está na sua quinta e última edição, chegou há três anos, numa parceria estabelecida com o serviço educativo do TNSJ. No início os alunos estranharam. Progressivamente foram-se habituando e adaptando a uma nova forma de aprender. O (...) assistiu a uma destas “aulas” numa turma de 26 alunos do 10.º ano, que neste ano letivo foram escolhidos para fazer parte do projeto.

Na edição deste ano, no Cerco, a matéria foi articulada entre duas disciplinas: História e Educação Física. A escola programou o horário da turma de forma a que as duas “cadeiras” fossem lecionadas uma a seguir à outra, formando uma espécie de aula conjunta de 180 minutos. De acordo com Dárida Castro, professora de Educação Física há 37 anos, e há quase 30 no Cerco, numa fase inicial isso causou alguma “confusão e estranheza” nos alunos. Como se cruzam os programas de disciplinas tão distintas quanto estas? A matéria centrada na Civilização Grega e Romana, teria que ser de alguma forma encaixada no atletismo ou na ginástica acrobática.

Foi a partir do momento em que se realizou um peddy paper que misturou o exercício físico com a matéria de História que “os alunos entraram no espírito”, conta a professora de Educação Física. Como o ponto de partida são as duas civilizações, nas aulas fazem-se alguns exercícios de acrobacia “mais dramatizados”, na tentativa de recriar edifícios, como o coliseu romano ou esculturas e estátuas, e coreografias que simulam as deslocações em grupo e os ritmos da passada dos legionários do exército romano.

O projeto pedagógico 10x10 apresenta um modelo que recorre a métodos de ensino alternativos, no sentido de motivar os alunos e de os incluir no processo de aprendizagem. Essa participação é um dos aspectos que mais atrai os alunos. “Dantes não éramos unidos. Agora somos uma turma”, afirma Patrícia Silva, de 15 anos, que considera que esta abordagem criou uma maior união entre professores e alunos e com o resto dos colegas.

“Não há propriamente uma receita”

No dia em que (...) visitou a escola do Cerco, na sala de aula discutia-se em conjunto. Na aula de História estavam presentes, além da professora da disciplina e dos alunos, a professora de Educação Física, Dárida Castro, e a atriz e encenadora Rosário Costa. E tem sido assim desde o início do ano letivo.

Nos últimos dias, os preparativos centram-se na Aula Pública que será apresentada no dia 28 de janeiro na Gulbenkian, em Lisboa, a 11 de fevereiro em Loulé e a 25 de fevereiro no Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, as três áreas geográficas onde o projeto funciona. Estão envolvidos o Agrupamento Dr.ª Laura Ayres, em Loulé, o Agrupamento de Escolas Aquilino Ribeiro, em Oeiras, a Escola Seomara Costa Primo, na Amadora, e a Secundária do Cerco, no Porto.

A Aula Pública será o culminar do trabalho desenvolvido durante o primeiro trimestre do ano letivo. É uma apresentação pública que resume as “micropedagogias” desenvolvidas pela artista convidada, Rosário Costa, à volta das matérias do plano curricular das duas disciplinas. A atriz garante que “não há propriamente uma receita” para a criação dessas “micropedagogias”. É “necessário ter em conta todos os fatores envolvidos”, que passam pelo espaço, alunos e professores.

A metodologia desta abordagem difere da convencional, precisamente por existir uma parceria ativa entre os professores de diferentes disciplinas e o artista convidado, no sentido de proporcionar ao aluno “um ensino orientado, mas também autónomo”, muito diferente do que acontece no método convencional que é “meramente expositivo e de memorização”, explica Dárida Castro. Um método que, diz, está “desatualizado” e longe das necessidades dos alunos “que são muito diferentes dos de há alguns anos atrás”. A professora sublinha, que apesar de esta ser a última edição do projeto, o trabalho que foi desenvolvido não termina: “A ideia é que estes métodos continuem a ser utilizados e replicados por outros professores noutras turmas.”

De resto, garante, nesta escola alguns professores já mudaram as suas práticas por causa deste projeto. A começar por ela.

Fonte: Público por indicação de Livresco

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Terapia da fala é cara e pouco acessível

Ter dificuldades em ler, escrever ou falar é comum mas há situações que carecem da ajuda de profissionais para serem ultrapassadas, sobretudo quando se é criança. Os terapeutas da fala nas escolas públicas não conseguem dar apoio dedicado e atempado e o recurso aos privados torna-se a única solução. Mas as consultas têm um preço elevado, prolongam-se no tempo e poucas famílias conseguem suportar o encargo. As conclusões, a publicar na revista "Teste Saúde" de fevereiro, são da associação Deco, que vai "questionar o Ministério da Educação sobre o assunto".

As perturbações na linguagem têm consequências no desenvolvimento das crianças, e dos adultos que vivem com o problema, mas não são suficientemente graves para a opção pelo ensino especial. Como tal, quase nunca há apoios financeiros do Estado porque "fora destas condições o subsídio é muitíssimo difícil de obter", escrevem os autores do estudo, realizado entre novembro e dezembro de 2016 com 274 terapeutas da fala de 209 consultórios.

A análise da oferta nesta área permitiu perceber que "mais de metade dos estabelecimentos analisados dispõe de acordos, protocolos ou convenções para permitir descontos nas sessões", lê-se. O preço mais praticado é 40 euros pela primeira consulta, de avaliação. Depois, caso seja necessário o acompanhamento é traçado um programa à medida. "Desenrola-se ao longo de várias sessões, cujo preço mais frequente é de 35 euros", podendo ir até aos 70 euros para os mais pequenos e 75 euros para adultos.

PREÇOS ALTOS EM COIMBRA, LISBOA E SANTARÉM

A deslocação do terapeuta ao domicílio, à escola ou a outra clínica é possível, implicando normalmente um custo acrescido, por exemplo de cinco euros, pela deslocação. "Os distritos de Coimbra, Lisboa e Santarém praticam preços acima da média do país nas consultas", seja para crianças ou para adultos. Segundo o estudo, "os Açores e a Madeira têm a oferta mais barata", "com valores muito abaixo dos recolhidos na generalidade das regiões".

Para quem não tem seguro de saúde, por exemplo, a intervenção torna-se dispendiosa. "Por isso, apesar de o ideal serem duas sessões semanais, os terapeutas tendem a reduzir o número para metade. Mesmo assim, serão em média 140 euros a cada mês, um valor incomportável para muitas famílias, estando os subsídios estatais sobretudo direcionados para os alunos do ensino especial."

TERAPEUTAS SÓ COM CARTEIRA PROFISSIONAL

Nas crianças, as dificuldades manifestam-se por problemas na leitura, de articulação e de troca de sons e na aprendizagem de novo vocabulário. Já nos adultos, os sinais podem ser perturbações nas funções auditiva, visual e cognitiva, na respiração ou na deglutição. Os autores do estudo, a divulgar na "Teste Saúde", alertam para a necessidade de verificar as competências dos terapeutas, que têm de ter carteira profissional, na página da Administração Central do Sistema de Saúde na internet.

Fonte: Expresso por indicação de Livresco

Registados 7200 novos casos de hiperatividade por ano no país

A hiperatividade é a perturbação mental mais diagnosticada em menores de idade. Estima-se que afete 7 por cento de todas as crianças e adolescentes em Portugal, o que corresponde a cerca de 120 mil situações identificadas. Todos os anos são diagnosticados cerca de 7200 novos casos. 
Com frequência, a hiperatividade e défice de atenção são confundidos com a falta de concentração – por falta de empenho – e comportamento indisciplinado – por falta de educação dada pelos pais. A hiperatividade caracteriza-se pela impulsividade, dificuldade da pessoa em manter a atenção e o autocontrolo. 
Uma pessoa hiperativa sente ainda dificuldade em gerir a frustração e as funções cerebrais que permitem atingir objetivos, como a capacidade de planeamento, memória de trabalho, organização e a gestão de tempo. Este tipo de perturbação neurológica afeta ambos os géneros, embora haja alguma diferença na manifestação dos sintomas. 
"Os rapazes são mais agitados e, como tal, os sintomas de agitação motora são mais marcados e evidentes. As raparigas apresentam sobretudo sinais de desatenção, sintomas que passam mais facilmente despercebidos, porque não perturbam o outro", diz (...) Rita Silva, neurologista no Hospital D. Estefânia (Lisboa). 
A hiperatividade não é a característica mais marcante ou a que causa maior desajustamento, mas sim a desatenção, que, ao manifestar-se nos diferentes contextos sociais, tem um impacto na qualidade de vida, incluindo no rendimento escolar.

Fonte: CM por indicação de Livresco

Seminário APECV, AVISPT21 e Teatro Viriato - "Das Tormentas à Boa Esperança"

A APECV, a AVISPT21 e o Teatro Viriato estão a organizar o seminário "Das Tormentas à Boa Esperança", que se foca na contribuição do processo artístico para uma sociedade mais inclusiva. As estruturas artísticas, os criadores, os professores, os educadores, os pais e toda a comunidade em geral são convocados a discutir práticas e a criar vínculos humanos, onde as capacidades e sonhos de cada pessoa são valorizados e trabalhados. 

Irá realizar-se nos dias 4 de fevereiro e 4 de março, no Auditório da Escola Secundária Emídio Navarro e no Teatro Viriato (respetivamente), em Viseu. Contará com a presença de vários nomes associados às artes, investigação e intervenção social, nomeadamente Miguel Horta (pt), Simão Costa (pt), Paulo Maria Rodrigues (pt), João Fiadeiro (pt), Francisca Mata (pt), Jose Mauro Barbosa (br), Lorena Cueva (es), Maria Morales (es) e Patricia Espiritu (es).

Será um espaço de partilha de projetos, debate de ideias e exploração de estratégias, através de mesas redondas e workshops nas áreas da música, dança, teatro, artes performativas e artes plásticas. É uma oportunidade única para criar uma rede de networking voltada para estas questões.

As inscrições efetuam-se em http://www.apecv.pt/ até ao final do mês de janeiro. O seminário é acreditado pelo Centro de Formação de Professores Almada Negreiros.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Tempo de repensar a Educação

Abro com os primeiros versos de um poema de António Gedeão: “Todo o tempo é de poesia, desde a névoa da manhã à névoa do outro dia (…)”. Se todo o tempo, se qualquer tempo é de poesia, todo o tempo é também de mudança e de repensar valores. Assim, dizer que é tempo de repensar a Educação pode parecer uma frase gasta e previsível. No entanto, o tempo de voltar a pensar a Educação tem vindo a tornar-se urgente sobretudo porque se tornou óbvio que a organização, os valores e as práticas mais tradicionais e frequentes da escola não são capazes de responder às necessidades educativas dos alunos do século XXI. 

O ponto de partida é até bastante óbvio: se os nossos jovens de hoje aprendem com motivações, com meios e com formas de organização e interação com o conhecimento diferentes das que eram usuais há alguns anos atrás, parece evidente que devem ser ensinados de forma diferente. Se assim não for, a escola torna-se num campo de permanente confronto entre as estratégias, e linguagens de professores e de alunos, enfim entre o aprender e o ensinar. Repensar a Educação é sobretudo abrir caminhos e possibilidades para que a inovação chegue e se instale na escola.

Quando se pensa na escola como estrutura de inovação devemos ter consciência que muito já se caminhou e continua a caminhar para que as escolas se modifiquem. Nada como ter um contato assíduo com escolas para entender quantos projetos, quantas experiências de inovação paulatinamente e muitas vezes sem muita visibilidade se consumam nas escolas. A questão que se coloca a estes projetos e experiências é a grande dificuldade que verifica em se estabelecer estas inovações como património de conhecimento pedagógico da escola. Muito deste trabalho não é sustentado, não é considerado como adquirido e constituído o ponto de partida para procurar mais além mais inovação.

Em 2015 a UNESCO publicou um importante documento “Rethinking Education: Towards a global common good?”(“Repensar a Educação: por um bem global comum?) que coloca em discussão alguns dos referenciais mais importantes que podem guiar a discussão sobre este “repensar educativo”. Estes referenciais poder-se-iam sintetizar em quatro pontos: 1. A preocupação com um desenvolvimento sustentável, 2. Reafirmar uma perspetiva humanista da Educação, 3. Desenvolver políticas locais e globais num mundo complexo e 4. Recontextualizar a Educação e o conhecimento como um bem global e comum. Cada um destes referenciais é pertinente e significativo para repensar a nossa educação.

A preocupação com um desenvolvimento sustentável não se refere só a educar os jovens para numa perspetiva ecológica e de sustentabilidade de bens e recursos. É bem mais do que isso: é criar uma cultura de reconhecer, apoiar e sustentar as inovações que vão sendo feitas pelos diferentes atores na escola. Considerou-se positivo um novo modelos de avaliação? Bom, que se pense para o ano na avaliação a partir desta experiência que se adquiriu. A sustentabilidade tem muito a ver com a capacidade da escola aprender e não esquecer o que aprendeu. Na verdade, se não houver esta cultura de sustentabilidade a escola estará – qual Sísifo – a regressar sempre aos mesmos problemas que, entretanto, se tornaram mais graves.

Reafirmar a perspetiva humanista da Educação implica um trabalho transversal e de toda a escola na promoção dos Direitos Humanos, da equidade e da dignidade de todos os membros da comunidade escolar. É o trabalho de tornar estranho e condenável qualquer comportamento racista, sexista, xenófobo ou desrespeitoso. Um trabalho essencial para que a escola se desenvolva como comunidade humana, um lugar onde os nossos jovens aprendem o valor do outro e respeitam o outro pelo que ele é.

O desenvolvimento de políticas locais e globais é uma tarefa que deve ser repartida entre as escolas e a tutela. O desenvolvimento de políticas de inclusão da escola em dinâmicas locais encontra-se muito associado à possibilidade de a escola trabalhar com projetos que são em parte desenvolvidas na comunidade, nos clubes, nas associações, nas empresas, no comércio, etc.

Por fim a recontextualização da Educação como um bem comum é um pilar que deve continuar a ser fortalecido no nosso país. Não de uma escola que tolera a perca (leia-se o insucesso ou abandono) de parte dos seus alunos. Pensar na Educação como um bem comum chama-nos a atenção para o reforço da Escola Pública, da escola Republicana que acolhe todos os alunos e os leva adiante, ao maior desenvolvimento possível do que eles querem e são capazes.

É tempo de repensar a Educação. É tempo de aproveitar este bem escasso e efémero que começa a aparecer mais frequentemente e que se chama confiança. Na verdade, “de cima para baixo” ou “de baixo para cima” há ideias fundamentadas sobre o que é preciso mudar para trazer a inovação, a sustentabilidade, o humanismo e a inclusão à nossa escola. Ontem já era tarde.

David Rodrigues

Professor Universitário, Presidente da Pró- Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.

Fonte: Público

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Mesa digital ajuda crianças com dificuldade de aprendizagem

Desde dezembro de 2014, todas as seis salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) de Fraiburgo (SC) contam com mesas digitais com jogos educativos, que funcionam como ferramenta ludopedagógica e apoiam o desenvolvimento cognitivo e motor de cerca de 170 crianças. 

A tecnologia tem ajudado alunos como Isadora, de 9 anos, que tem autismo. “Nós tínhamos um diagnóstico de 95% de chance de que ela nunca iria aprender a ler e escrever, essa didática para ela está sendo muito boa. Hoje ela já sabe ler e escrever.” conta a tia da menina, Mosara de Oliveira.


Conheça um pouco mais sobre o programa, os termos e condições em

Veja aqui o folder de apresentação do programa com fotos e depoimentos 

Nota: Recebido por correio eletrónico

domingo, 22 de janeiro de 2017

Défice de atenção e perturbações do comportamento na escola e em casa: medicar ou não medicar?

Uma questão recorrentemente levantada por educadores, professores, pais, familiares e técnicos tem que ver com o uso de medicação em casos de "hiperatividade", quebra de rendimento escolar, modificações de humor e alterações do comportamento.

Toda a gente foi construindo alguma opinião a este respeito, informada por familiares, técnicos e, sobretudo, pela Internet. O ruído à volta deste tipo de questão pode ser particularmente alto, importando dados que muitas vezes não foram comprovados ou que já há muito foram desmentidos.

E não são só os leigos nestas matérias que podem ter opiniões baseadas em factos erróneos. Há cerca de um ano, quando a questão do excesso destas medicações dispensadas no nosso país foi levantada, alguém com responsabilidades nesta área descreveu o efeito "calmante" como o objetivo procurado pela medicação... estimulante!

Uma situação assim complexa não pode ser abordada de forma simples, e não se pode confundir sintomas, conjuntos de sintomas, perturbações e patologias.

O erro de medicar pelas consequências, ignorando as causas

Uma criança que não pára quieta na sala de aula pode ter tudo e não ter nada. Se se mexe mais do que o esperado para a sua idade, pode ser que nunca tenha tido ninguém que lhe chamasse a atenção, pode sentir que não consegue acompanhar os conteúdos, pode estar preocupada com questões mais urgentes para ela, reais ou imaginadas (ser vítima de bullying no recreio, reconhecer risco de doença ou de separação dos pais, por exemplo). Ou pode simplesmente estar distraída, "ausente", mas sossegada... A importância dos fatores genéticos veio claramente a ser reconhecida. Portanto, num contexto de predisposição "hereditária", que por si só pode perfeitamente não constituir um entrave ao aproveitamento/comportamento académico, um imenso conjunto de circunstâncias, em casa e na escola, pode fazer "emergir" o comportamento desatento, irrequieto, com o seu cortejo de consequências...

Nestas alturas pode pôr-se o problema de medicar ou não medicar, conforme sugestão de familiares ou professores... É uma questão tão difícil de responder como a da pertinência de um antibiótico numa infecção. Há toda uma série de perguntas que precisam de ser respondidas primeiro (se é viral, se é bacteriana, se o organismo consegue vencê-la por si, se há risco de se eternizar, de alergia, etc., etc.). Com a desatenção é o mesmo. Que tendência "distráctil" existe e há quanto tempo, que fatores recentes podem tê-la feito aparecer agora, que relação com as suas capacidades escolares numa ou noutra área (por exemplo, a dificuldade de concentração pode ser muito mais difícil na leitura do que no cálculo).

Uma situação que aparece muito na consulta, sobretudo no início da escolaridade obrigatória, é a da criança que não consegue ficar quieta na sala de aula, que interrompe a professora, que se levanta e que se recusa a fazer os trabalhos na sala. Que amua ou se afasta das outras no recreio quando não fazem as coisas como ela gosta. Isto apesar da sua simpatia e das suas reconhecidas capacidades para aprender. Também na natação, ou em casa dos avós, pode haver este tipo de queixas. Um olhar para este conjunto de manifestações será fundamental para perceber se se inscreve nos critérios habituais da chamada "PHDA" (...) ou se, pelo contrário, se trata de um padrão enraizado de comportamento em casa e de interacção com os adultos e os pares. Crianças que interrompem os adultos constantemente, que se habituaram desde sempre a só fazer as coisas com repetidos pedidos e explicações dos pais, que só após "negociação" é que cumprem as tarefas de todos os dias estão na primeira linha para exibirem estas dificuldades comportamentais, de serem rotuladas de hiperativas e de serem medicadas em consulta.

As consequências de medicar, ignorando as causas

E ficam todos contentes, os professores, porque gostam deles sossegados; os pais, porque acabam as queixas; os médicos, porque a medicação resulta. Até talvez as crianças, porque reconhecem que precisam das "vitaminas" para terem boas notas. Ficam duas questões por esclarecer. A primeira é que, mesmo podendo haver uma tendência significativa na sua dificuldade de concentração, na sua facilidade em se distrair, passível de ser melhorada pela medicação, deixam de ser pensados e prevenidos todos os outros factores que podem estar na base da actual dificuldade ou estar a agravar esta sua tendência genética. Portanto, inquietações, alterações do sono, depressão, desadequação por dificuldades específicas de aprendizagem, reconhecimento de regras, etc., tudo é varrido para debaixo do tapete. A segunda tem que ver com o facto de se poder manter um padrão de irresponsabilidade do próprio, no respeito pelos outros e na necessidade de lutar pelos seus objectivos, os escolares sobretudo. A prazo, a medicação, só por si, não vai ajudar a resolver esta dependência de terceiros. A imaturidade veio para ficar.

A medicação não é uma droga, não provoca habituação, dependência ou tolerância, e os seus efeitos secundários, tão falados na Net, são de facto menores quando comparados com a sua capacidade, que é real, de ajudar a concentrar. Podemos é estar a enganarmo-nos todos, pais, professores e técnicos, quando o objectivo é "tratar" a chamada "hiperatividade" em vez da desatenção. Enganamo-nos todos sobretudo quando são ignorados ou esquecidos os tais factores que podem estar na base, ou contribuir para agravar a desadequação escolar.

Porque neste ignorar das causas, que a medicação pode permitir, corremos o risco sério de adiar a construção da responsabilidade, pelo próprio, na gestão das suas tarefas e objectivos. Quando a tal hiperactividade tiver desaparecido, com o tempo, podemos encontrar um jovem "imaturo" porque desatento, incapaz de trabalhar sozinho ou sem ser pressionado, indiferente aos resultados, esperando que as coisas se resolvam com o tempo. Medicar ou não? A questão não pode ser essa.

Pedro Cabral
Neurologista pediátrico. CADIn – neurodesenvolvimento e inclusão

Fonte: Público por indicação de Livresco

sábado, 21 de janeiro de 2017

Devia ser proibido estudar para os testes!

1.
Foi, recentemente, publicado o ranking das escolas portuguesas, a partir de dados do Ministério da Educação. Entre as muitas notícias que resultaram desta divulgação, surgem algumas que referem que apenas 58 em 543 escolas secundárias, conseguiram que 50% ou mais dos seus alunos chegassem ao 12.º ano cumprindo dois requisitos: nunca terem reprovado no 10.º e 11.º e passar nos dois exames principais dos seus cursos. E que, em mais de 80% das escolas do ensino secundário, a maioria dos alunos não conseguiu terminar o Secundário sem reprovar o ano ou chumbar em exames nacionais. Havendo 23 escolas onde menos de 10% dos alunos consegue fazer um percurso limpo no 3.º ciclo do Ensino Básico.

No que respeita ao Ensino Secundário, a melhor escola pública aparece só em 35.º lugar na tabela, agravando a distância que, dantes, se verificava face às escolas privadas. E, entre outros dados que surgem, refere-se que mais de um quarto das escolas secundárias teve média negativa nos exames nacionais.

Já a propósito do 9.º ano, a maioria das escolas teve média negativa nos exames de Português. E apenas conseguiu positiva a Matemática. Os resultados globais dos exames de Matemática e de Português realizados no ano passado pelos alunos do 9.º ano revelam que, em média, as notas baixaram um pouco quando comparadas com o ano anterior. E entre as 1230 escolas que levaram alunos a exame,três em cada quatro escolas tiveram “negativa”, enquanto no ano anterior as negativas terão atingido 70% dos estabelecimentos escolares.

Há, ainda, nos resultados deste ano, novos parâmetros de ponderação dos resultados escolares, de forma a registar o sucesso educativo, o que é excelente. Por mais que, dos alunos com notas consideravelmente mais altas, dois terços sejam do setor particular e cooperativo. A propósito das diferenças verificadas entre as notas dos exames e as que terão sido conseguidas no final do ano letivo, tem vindo a referir-se que algumas chegariam a 4, 5 e 7 valores, sabendo-se que uma subida das notas de acesso ao ensino superior que chegue a ser acima de um valor poderá levar a que um estudante ultrapasse de 200 a 400 colegas na lista de seriação dos candidatos conforme os cursos a que concorra.

Os números valem o que valem; mas são importantes! Por mais que, regra geral, se constatem as diferenças sem que quase nunca se tente compreendê-las. Por exemplo, será que as 34 escolas do setor privado e cooperativo seriam, igualmente, as melhores se os critérios de admissão dos seus alunos fossem, de facto, abertos a todas as famílias? O que faz a diferença: as qualidades dos professores, da escola ou dos alunos? Seja como for, muito pouco tempo depois de alguns responsáveis políticos terem reclamado o mérito dos bons resultados do programa Pisa, reconheço que alguns destes resultados não são tão bons assim. Sendo alguns, inclusive, muito preocupantes. Não deixa, por isso, de ser curioso o silêncio que, entretanto, se sentiu acerca da assunção de responsabilidades - políticas e profissionais - acerca destes resultados, sobretudo por aqueles que, ainda há pouco, reclamavam para si o mérito (quase exclusivo) das melhorias na literacia de alguns alunos portugueses.

2.
Mas vamos aos rankings... Em primeiro lugar, eles trazem consigo uma amostragem significativa acerca do sistema educativo que é muito importante. Porque nos permite ter uma leitura de conjunto a partir da qual se podem redirecionar políticas e reformular opções educativas. Mas se, do ponto de vista ministerial, um documento como este será precioso, receio que, para muitas escolas e para muitos pais, ele sirva como uma espécie de "estudo de mercado" a partir do qual se elegem as melhores escolas para que as crianças as frequentem. O que não seria de todo mau se algum deste "marketing" não se fizesse comparando realidades muito distintas ou, até, nalguns casos, mesmo... duvidosas. Por outras palavras: será um ranking, igualmente, válido quando comparamos, em pé de igualdade, escolas públicas de Trás-os-Montes com colégios privados de Lisboa? Ou escolas inclusivas e escolas "exclusivas"? Ou seja, escolas abertas, que acolhem todos os meninos - sejam quais forem as suas origens, dificuldades ou necessidades de apoio - e escolas que "escolhem quase a dedo" os alunos que lhes interessam, colocando "fora de jogo" aqueles que "convidam" a sair? Escolas em que os professores têm, entre os meninos de uma turma, níveis de diversidade imensos e professores que têm turmas homogéneas? Não serão, regra geral, os professores das escolas inclusivas notáveis na forma como competem - em condições de clara desigualdade e com resultados impactantes - com as escolas "exclusivas", mesmo que (do espaço físico à climatização, dos recursos pedagógicos às condições de retaguarda) quase tudo as distancie? De forma mais clara: nem todas as escolas públicas são, irrepreensivelmente, inclusivas como nem todas as escolas privadas são, incontornavelmente, "manipuladoras". Mas os rankings, geridos de forma aberta, trouxeram consigo enviesamentos graves acerca da leitura da educação e na forma como se criam oportunidades de crescimento escolar. Melhor: aquilo que a escolaridade obrigatória trouxe de igualdade e de democracia às crianças, os rankings poderão estar a iludir e a desperdiçar!

Se esta ideia de que tudo o que é numérico é irrefutável e cientificamente bom já devia merecer ponderação, a ilusão que os alunos se avaliam do 1 para o infinito, sendo que os primeiros são os melhores e os "outros" acabam por ser infinitamente mais fracos, roça a tolice. Basta ver onde estão hoje os melhores alunos do nosso 9.º ano, por exemplo, ou porque é que muitos empreendedores que todos conhecemos foram considerados, ontem, quando eram alunos, mais perto do infinito que do 1. Ou seja: esta ideia de que os números nunca falham na avaliação da educação e das crianças serve, afinal, a quem? A elas próprias, aos seus pais ou, sobretudo, aos interesses das escolas?

3.
E, depois, há a vaidade dos pais. Que é compreensível, até certo ponto. Mas que se torna perigosa quando muitos pais que, hoje, sobrevalorizam os resultados escolares dos filhos viviam, ontem, no desconforto de estarem a ser, sucessivamente, desvalorizados pela escola. Se o risco de ver nos rankings dos filhos uma compensação para os desempenhos escolares medianos dos pais já é escorregadio, o perigo de "colar" aos rankings dos filhos uma espécie de ranking de pais não é prudente. Já a tentação de valorizar a inteligência dos filhos pelos rankings que ocupam torna-se muito pior. Porque se ancora na tentação de valorizarem de forma demasiado imediata (e, perigosamente, "descartável") o seu crescimento, como se a vaidade dos pais passasse a ser muito mais importante que o seu orgulho por um crescimento consolidado com que os filhos conseguem arrecadar créditos tendo em visto o seu futuro. Afinal, o que deve contar mais: só as suas vitórias ou o progresso das crianças?

Dir-me-ão: qual é o mal dos rankings se as crianças não deixam nunca de se comparar? Não seria muito grande se em vez de só se valorizar quem está em primeiro se ajudasse quem nunca lá esteve a poder lá chegar. Ora, constatar que há "os bons" e os "outros" pode escorregar para uma forma ínvia de dar a entender que "cada criança é para o que nasce". O que, no limite, leva a que todos os meninos que não estão nos tais quadros de excelência e de honra vivam os seus desempenhos com uma leve aragem de "orelhas de burro" (que, em vez de estigmatizarem um ou outro são generalizadas de forma mais democrática).

Seja como for, ao mesmo tempo que os rankings das escolas ganham protagonismo, os rankings das crianças não param de aumentar. Ou através de quadros de excelência ou de quadros de honra, onde contam muito mais os resultados escolares em bruto do que o modo como são conseguidos. Será igual comparar as notas de uma criança que tem, por exemplo, uma mãe que estuda por si e faz resumos de todas as matérias com uma criança que se gere, com a tutela dos pais, e aprende a aprender, de forma autónoma? Não! Será igual comparar estudantes que têm uma família que, à saída da escola, monitoriza todas as notas dos colegas do filho e, depois, o "inferniza" para que tenha os resultados que o conduzam às tais listas de destaque com pais que exigem aos seus filhos, na forma como aprendem, lealdade e honestidade sem que, contudo, façam de cada valor uma questão fundamental no seu crescimento imediato? Também não! Ou seja: tudo o que nos "quadros" mais diversos distinguem os "muito bons" dos... "outros" será sempre bom e verdadeiro para o seu crescimento, a prazo? Não!

Mas será insensato imaginar cada mãe ou cada pai a rejubilar de felicidade com as boas notas de um filho? Claro que não. Por mais que seja perigoso que, vivendo os resultados dos filhos como um "brinquedo" precioso, os pais pactuem com os maus exemplos de algumas escolas. E que sacrifiquem os resultados à qualidade da aprendizagem quando, no imediato, resultados e aprendizagem não se conseguem ligar. E que se alimente a ilusão de que se aprende a vencer sem que seja preciso conviver com erros, com derrotas, com frustrações e com dor. Ou seja: tornar o crescimento dos nossos filhos fácil nunca os ajuda a crescer. E se há muitos meninos que ligam resultados, performances e competên-cias, outros - a maioria - tem nos resultados uma forma de iludir, por algum tempo, a "constipação" das competências ou a tremedeira das suas performances. 

4.
Mas esta "deriva" amiga dos rankings, em que caímos, trouxe muitos exemplos inquietantes diante dos quais os pais e os governos não podem ser omissos. Será um ranking, igualmente, válido quando todos sabemos que há escolas batoteiras (sejam elas públicas ou privadas) a "competir" com escolas, irrepreensivelmente, honestas? Será, igualmente, válido, quando há escolas que, a partir do segundo período, substituem a educação física pelo português ou pela matemática? E será, igualmente, válido quando, nalgumas destas escolas o número de meninos medicados com metanfetaminas e antipsicóticos soa, no mínimo, a "doping"? E será, igualmente, válido quando, nalgumas destas escolas, ao chegar-se a fevereiro, há turmas onde a percentagem de meninos encaminhados para despiste de dislexia "dispara" de forma exorbitante, de forma a que eles possam ter algumas "almofadas" na sua avaliação para que se repercutam nos rankings? E será, igualmente, válido quando algumas das escolas que recorrem a cardápios de expedientes batoteiros são escolas cristãs, por exemplo, dando a entender que a humanidade, a tolerância e, até, a compaixão são valores do cristianismo que terão, como única cláusula de exceção, osrankings escolares? E será, igualmente, válido quando os meninos com notas medianas são convidados a trocar a escola, para que ela não veja enviesados os seus resultados globais? E quando, a partir do segundo período, há professores que são infernizados para "porem pó de arroz" nas notas? E será, igualmente, válido que tudo se passe há tempo demais e sem consequências claras e irrefutáveis por parte de quem os devia castigar? E sem que os pais e as associações de pais sinalizem os "batateiros" para que, civicamente - como, felizmente, começa a suceder - só as escolas honestas, sejam publicas ou privadas, mereçam ser consideradas amigas das crianças?

5.
Portugal gasta anualmente cerca de 6200 euros, em média, por cada aluno que frequenta o ensino público. A retenção é o principal fator de risco na probabilidade de os alunos virem a ter maus resultados. Registamos reprovações em cerca de 150 mil alunos do sistema de ensino. E um número desses representa um custo de cerca de 600 milhões de euros, quando se admitia que cada aluno custava ao Estado uma verba de quatro mil euros por ano. Isto é: é bom que haja rankings! É bom que deixem de ser uma "manobra de marketing" ou uma forma de "publicidade enganosa" e passem a servir para nos avaliarmos a todos em relação à educação. É bom que as crianças passem por vários momentos de avaliação. Não é bom que elas reprovem, sobretudo quando os recursos que se despendem com isso não sejam usados para evitar esse flagelo e quando a escola, os professores e os pais que com que elas reprovem nunca mereçam um reparo nos seus desempenhos. Por tudo isto, é um bocadinho pateta que se fique a discutir com demagogia o dilema provas de aferição versus exames porque os rankings e a forma como enviesam os desempenhos das escolas e criam vícios de forma nos desempenhos dos estudantes fazem muito pior que os próprios exames. É importante, pois, assumir que vamos ter de repensar o sistema educativo para que ele não transforme crianças singulares em "produtos normalizados". E que não se conviva com o insucesso como se ele fosse dos estudantes e nunca das escolas, dos professores e dos pais. E que, muito menos, se fale dele como se fosse, sequer, legítimo imaginar, no século XXI, que possam existir crianças "débeis" ou crianças "deficientes" mentais, como há, ainda, quem o suponha. Ou como se houvesse crianças difíceis (com "defeitos de fabrico", portanto) e não tanto pais, professores, escolas e técnicos de saúde mental em dificuldades.

Por tudo isto, ainda bem que há rankings! Por mais que eu anseie que sejamos todos mais honestos a lê-los e a valorizá-los. Por mim, e como atitude profilática, eu "proibia" que as crianças estudassem para os testes! Não que não goste que as crianças e os adolescentes tenham bons resultados. Gosto muito! Mas devíamos dar ao trabalho diário (com vistas largas para o conhecimento) a importância que ele merece. Se os testes não valessem mais do que as aulas e não estivessem inflacionados quando os comparamos com a relação que os estudantes têm com os professores e com os seus pares, os rankings não valeriam mais que a aprendizagem. E aí, sim, a escola começaria a revolução tranquila que, com a ajuda de todos, não pode mais adiar.


sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

XV Ciclo de Sábados - Falando com Quem Faz - Lisboa

Local de realização: Escola Básica São Vicente de Telheiras
Formadores/Coordenadores responsáveis - Fátima Craveirinha, Helena Neves, Joaquim Colôa, Nelson Santos. 

Não perca tempo, inscreva-se já em Inscrições

Acompanhe as informações em XV Ciclo de Sábados - Lisboa