quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Errar muito é desumano

A 18 de setembro o ministro da Educação e Ciência apresentou-se no Parlamento para pedir desculpa por um erro que o seu ministério tinha cometido uma semana antes. O erro era de palmatória: um programa informático para ordenar os professores candidatos à Bolsa de Contratação de Escola misturava alhos com bugalhos, ao somar duas notas dadas em escalas diferentes. Não percebo como é que, entre os boys e girls de que o ministério está atulhado, alguns, tendo uns rudimentos de matemática, não evitaram o embaraço. Acima de tudo, não percebo como é que o matemático Nuno Crato, sendo ministro, não corrigiu imediatamente o disparate.

Mas um erro é um erro e mais vale emendá-lo tarde do que nunca. Crato agiu bem. O seu comentário de que o problema só afetava um por cento dos professores era, porém, dispensável, porque bastaria que afetasse um só para ter de ser corrigido. Na verdade, afetava muitos mais docentes, já que concorreram 40 mil àquele concurso. Além disso, trata-se de um problema de confiança: como poderemos confiar num ministério que, durante sete dias, colocado perante sobejas provas do erro, se recusou a admiti-lo? Acontece que esse erro não veio só. O ministro acrescentou ao erro dos seus serviços um outro da sua lavra ao dizer que os professores já colocados não seriam prejudicados. Estava-se mesmo a ver que seriam, uma vez que os professores indevidamente colocados teriam de ser substituídos por aqueles que, de acordo com a lei, tinham direito ao lugar. Havia que acautelar direitos não só dos professores não colocados ou mal colocados mas também dos alunos e das suas famílias. A decência manda que ninguém obtenha um emprego devido a uma injustiça, ainda que não tenha culpa nenhuma. Ninguém deve ser beneficiário de um erro grosseiro: se o meu banco me colocar por engano uma certa maquia na conta, ela terá de ser devolvida.

O diretor-geral da Administração Escolar, que teimava em dizer que estava tudo bem, demitiu-se logo após as desculpas do ministro. O despacho da sua nomeação afirmava que ele possuía competência técnica e aptidão para as funções, mas bastava ter olhado para o seu currículo para verificar que tal não era verdade. A 3 de outubro foi nomeada a sua sucessora, professora de Geografia, cuja habilitação maior para o cargo é a militância no PSD. Enquanto isso, o secretário de Estado da Administração Escolar, que tinha acedido ao lugar exibindo o cartão do CDS, continuou no cargo como se nada fosse com ele. No mesmo dia 3, foi finalmente anunciada, aleluia, a correção do erro e divulgadas novas listas. Contudo, sacudindo a água do capote, o ministério quis que os diretores assumissem o ónus do despedimento de cerca de 150 professores e da transferência de muitos outros. Falei com uma das docentes dispensadas: disse-me que às 10h45 do dia 6 foi chamada à secretaria da sua escola para assinar um papel que lhe transmitia a ordem de despejo. O diretor nem sequer se dignou falar-lhe. Assinou porque lhe disseram que era obrigada a fazê-lo e encontra-se agora longe de casa, sem meios de subsistência nem qualquer futuro a curto ou médio prazo (não, não lhe pagaram ainda o serviço prestado, como é normal em despedimentos sumários, nem lhe souberam dizer nada a respeito de indemnização pelos danos causados, a que ela naturalmente tem direito). Ainda não foi substituída e os seus alunos estão sem aulas. Segundo me disse, persistem confusões e arbitrariedades nos chamados “critérios de escola”, um termo de eduquês que se destina a mitigar a classificação profissional, mais justa e objectiva. A opacidade é tanta que ela nem conseguiu sequer saber qual era a sua nota após a errata.

Terá o ministro aprendido a lição ao verificar a incompetência dos serviços que tutela? Acontece que o caos não é só na educação: reina também na ciência. O ministro da Educação e Ciência poderá, se quiser, verificar a entropia que vai na Fundação para a Ciência e a Tecnologia - FCT. Os erros na recente “avaliação” de unidades de investigação são ainda maiores do que os da colocação dos professores: houve quotas escondidas, atropelos aos regulamentos e a modificação a posteriori de uma tabela com valores errados que serviu de base ao processo. O ministro ainda não pediu desculpa e o presidente da FCT ainda não se demitiu. Os autores do programa do concurso dos professores serão talvez os mesmos do programa de classificação das unidades. E quiçá os mesmos do CITIUS, a plataforma emperrada do Ministério da Justiça. A situação é kafkiana: se os professores e investigadores ora penalizados reclamarem para os tribunais, as queixas ficarão provavelmente paradas! O ministro que não diga que os erros só afetam alguns investigadores, pois existem, tal como no caso dos professores, atentados ao Estado de Direito. Mesmo que afectasse um só investigador já era demais, mas afetando muitos é fatal. Errar é humano. Mas errar muito é desumano.
 
Carlos Fiolhais
 

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