Dar-se-ão os cidadãos conta de que o sistema nacional de ensino está praticamente por conta de exames até final do ano letivo?
O curso normal das aulas e do trabalho letivo do 3.º período tem sido consideravelmente perturbado pelas ações de formação previstas para os 2200 professores envolvidos no Preliminary English Test for Schools. Conforme já escrevi nesta coluna, o direito às aulas por parte dos alunos cedeu ao “direito” de uma instituição estrangeira utilizar professores pagos pelo Estado português, para os industriar na aplicação de instrumentos com os quais impõe a supremacia de uma língua de negócios, num quadro comunitário multicultural e plurilinguístico. E não são apenas as aulas sacrificadas. É também o restante trabalho não letivo desses professores, de que serão dispensados durante o resto do ano. Alguém o fará, em injusta sobrecarga, ou ficará por fazer. Volto ao tema, porque ele toca o inadmissível.
A 7 de fevereiro, a jornalista Maria João Lopes descreveu no PÚBLICO a “fábrica” da Cambridge English Language Assessment, que produz os testes aplicados nas escolas portuguesas. A expressão “fábrica” é dela e é feliz, porque é de uma fábrica que se trata: fábrica de exames, fábrica de domínio linguístico e fábrica de dinheiro. São 21 mil metros quadrados de área, onde não entram sacos pessoais nem telemóveis, nove quilómetros de estantes e um armazém de 30 mil caixas de enunciados devolvidos (convenientemente, os denominados "testes de Cambridge" não são públicos, não podendo aqueles que a eles se submetem ficar com os enunciados, fotocopiá-los ou fotografá-los), tudo vigiado por 180 câmaras. Espalhados pelo mundo, esclareceu-nos Maria João Lopes, a fábrica tem mais de 500 funcionários, para além de dezenas de milhares de examinadores e professores, entre outros profissionais. No último ano foram feitos cinco milhões de testes e outorgados sete milhões de certificados, distribuídos por 170 países clientes, que pagam os serviços requeridos. E quem paga os custos enormes de toda a logística portuguesa? Disse Nuno Crato, quando deu a boa nova ao país, que não era o Estado, outrossim os parceiros de uma sui generis e filantrópica PPP, a saber: Banco BPI, SA, Porto Editora, Lda, Novabase, SA, GlobeStar Systems, Inc. e Fundação Bissaya Barreto. Em momento de anúncio de novo assalto ao financiamento da Segurança Social (reincidência na ideia de baixar a TSU das empresas) e de mais uma bordoada no Estado de direito e na sua credibilidade (corte de 600 milhões nas reformas), convinha que o ministro da Educação, ou alguém por ele, explicasse por que razão o n.º 6 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 36/2015 (que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2015) reza assim:
“Durante o ano económico de 2015, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) pode efetuar, com recurso ao procedimento de ajuste direto, a despesa relativa à aquisição de serviços para a realização do teste diagnóstico de Inglês e para a emissão do certificado de proficiência linguística.”
Enquanto isto, até 8 de maio decorrem, em 248 escolas selecionadas aleatoriamente, os exames a que se sujeitam cerca de 10 mil alunos de 15 anos de idade, no quadro do famoso PISA. E daqui a pouco mais de um mês teremos os alunos dos 4.º e 6.º anos também em exames, com as metas de Português e Matemática a voltarem à berlinda. De professores de uma e outra disciplina, com quem fui trocando impressões, não encontrei um único que não referisse a impossibilidade de tratar, com adequação pedagógica mínima, a extensão das matérias impostas, tanto mais quanto foi pouco eficaz, como era facilmente previsível, o plano de recuperação das aulas perdidas com o calamitoso arranque do ano letivo. Todos referiram o conflito gritante entre a necessidade de tempo para consolidar o que se aprende e a extensão daquilo que a alteração de programas significou, circunstância agravada pela frequente incoerência entre metas e programas, entre conteúdos e estádios de desenvolvimento psicológico e cognitivo dos alunos e pela forte instabilidade que os desastrados processos usados transferiram para escolas, alunos e professores.
Seguir-se-ão os exames do 9.º e 12.º anos, sob comando do patusco Iave e a previsível trapalhada trazida pela obrigatoriedade da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, que poderá custar, teoricamente, até quatro valores aos que não respeitem a palhaçada em que foram apanhados.
Quando a destruição estiver concertada e o afastamento temporal permitir a análise desapaixonada, de Crato serão claras as marcas que sobram para a história: brutal redução do financiamento da Educação, subjugação do público ao privado e do personalismo ao utilitarismo e deriva desvairada para tudo subordinar a metas grotescas e exames inadequados.
O curso normal das aulas e do trabalho letivo do 3.º período tem sido consideravelmente perturbado pelas ações de formação previstas para os 2200 professores envolvidos no Preliminary English Test for Schools. Conforme já escrevi nesta coluna, o direito às aulas por parte dos alunos cedeu ao “direito” de uma instituição estrangeira utilizar professores pagos pelo Estado português, para os industriar na aplicação de instrumentos com os quais impõe a supremacia de uma língua de negócios, num quadro comunitário multicultural e plurilinguístico. E não são apenas as aulas sacrificadas. É também o restante trabalho não letivo desses professores, de que serão dispensados durante o resto do ano. Alguém o fará, em injusta sobrecarga, ou ficará por fazer. Volto ao tema, porque ele toca o inadmissível.
A 7 de fevereiro, a jornalista Maria João Lopes descreveu no PÚBLICO a “fábrica” da Cambridge English Language Assessment, que produz os testes aplicados nas escolas portuguesas. A expressão “fábrica” é dela e é feliz, porque é de uma fábrica que se trata: fábrica de exames, fábrica de domínio linguístico e fábrica de dinheiro. São 21 mil metros quadrados de área, onde não entram sacos pessoais nem telemóveis, nove quilómetros de estantes e um armazém de 30 mil caixas de enunciados devolvidos (convenientemente, os denominados "testes de Cambridge" não são públicos, não podendo aqueles que a eles se submetem ficar com os enunciados, fotocopiá-los ou fotografá-los), tudo vigiado por 180 câmaras. Espalhados pelo mundo, esclareceu-nos Maria João Lopes, a fábrica tem mais de 500 funcionários, para além de dezenas de milhares de examinadores e professores, entre outros profissionais. No último ano foram feitos cinco milhões de testes e outorgados sete milhões de certificados, distribuídos por 170 países clientes, que pagam os serviços requeridos. E quem paga os custos enormes de toda a logística portuguesa? Disse Nuno Crato, quando deu a boa nova ao país, que não era o Estado, outrossim os parceiros de uma sui generis e filantrópica PPP, a saber: Banco BPI, SA, Porto Editora, Lda, Novabase, SA, GlobeStar Systems, Inc. e Fundação Bissaya Barreto. Em momento de anúncio de novo assalto ao financiamento da Segurança Social (reincidência na ideia de baixar a TSU das empresas) e de mais uma bordoada no Estado de direito e na sua credibilidade (corte de 600 milhões nas reformas), convinha que o ministro da Educação, ou alguém por ele, explicasse por que razão o n.º 6 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 36/2015 (que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2015) reza assim:
“Durante o ano económico de 2015, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) pode efetuar, com recurso ao procedimento de ajuste direto, a despesa relativa à aquisição de serviços para a realização do teste diagnóstico de Inglês e para a emissão do certificado de proficiência linguística.”
Enquanto isto, até 8 de maio decorrem, em 248 escolas selecionadas aleatoriamente, os exames a que se sujeitam cerca de 10 mil alunos de 15 anos de idade, no quadro do famoso PISA. E daqui a pouco mais de um mês teremos os alunos dos 4.º e 6.º anos também em exames, com as metas de Português e Matemática a voltarem à berlinda. De professores de uma e outra disciplina, com quem fui trocando impressões, não encontrei um único que não referisse a impossibilidade de tratar, com adequação pedagógica mínima, a extensão das matérias impostas, tanto mais quanto foi pouco eficaz, como era facilmente previsível, o plano de recuperação das aulas perdidas com o calamitoso arranque do ano letivo. Todos referiram o conflito gritante entre a necessidade de tempo para consolidar o que se aprende e a extensão daquilo que a alteração de programas significou, circunstância agravada pela frequente incoerência entre metas e programas, entre conteúdos e estádios de desenvolvimento psicológico e cognitivo dos alunos e pela forte instabilidade que os desastrados processos usados transferiram para escolas, alunos e professores.
Seguir-se-ão os exames do 9.º e 12.º anos, sob comando do patusco Iave e a previsível trapalhada trazida pela obrigatoriedade da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, que poderá custar, teoricamente, até quatro valores aos que não respeitem a palhaçada em que foram apanhados.
Quando a destruição estiver concertada e o afastamento temporal permitir a análise desapaixonada, de Crato serão claras as marcas que sobram para a história: brutal redução do financiamento da Educação, subjugação do público ao privado e do personalismo ao utilitarismo e deriva desvairada para tudo subordinar a metas grotescas e exames inadequados.
Santana Castilho
Professor do ensino superior; s.castilho@netcabo.pt
Fonte: Público
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