A hora aproxima-se e não há qualquer agitação à porta da escola. Ouvem-se pássaros, mas não pessoas. São nove da manhã de segunda-feira, altura de iniciar mais um dia de aulas. Não há toque de entrada. O número de alunos não o justifica. São apenas cinco. E cinco minutos depois já estão todos lá: Erica, Beatriz, Francisco, Vasco e Lara.
São os únicos estudantes da Escola de 1º ciclo de Palma, que não fica no interior do país, nem numa povoação encravada na serra, mas a uns escassos 70km a sul de Lisboa, em Alcácer do Sal. O que não livra a aldeia de ser afetada pelo mesmo fenómeno de despovoamento que tem atingido tantas outras regiões e que já levou ao fecho de mais de cinco mil escolas em apenas dez anos.
No dia seguinte à reportagem d(...), a aldeia e a escola iam sofrer mais baixas, com a partida de Beatriz (do 3º ano). E a já diminuta turma ficou ainda mais reduzida: uma criança do 1º ano, uma do 2º e duas do 4º completam a população escolar. Será o estabelecimento de ensino mais pequeno do país. Um dos cerca de 240 com menos de 21 alunos que têm resistido ao processo de encerramento, acelerado a partir de 2005. A certeza só não existe porque a realidade pode mudar de dia para dia, ao sabor da emigração.
Artur Varandas, professor do 1º ciclo, já não estranha a pacatez daquela sala de aula, em que meia dúzia de carteiras chegam e sobram. Ainda que também ele seja testemunha da redução de alunos. Mudou-se para a escola de Palma quando esta tinha nove alunos. Depois passou para sete, cinco, quatro (desde esta semana). E a contagem decrescente continuará se resistir para o próximo ano letivo, já que sairão os dois alunos do 4º e só deve entrar um da sala do pré-escolar, que funciona na outra ponta do edifício do Plano dos Centenários, imagem de marca das escolas construídas no Estado Novo.
Contra os números, fica a vontade da autarquia em manter as duas únicas escolas rurais que restam no concelho: a de Palma e a de Casebres, onde a mulher de Artur Varandas dá aulas a sete crianças. Nélson Latas, coordenador das escolas do 1º ciclo do Agrupamento de Alcácer do Sal, enumera as que já fecharam: "Montevil, Casa Branca, Carrasqueira, Albergaria, Arez, Monte Novo, Pinheiro." E Vítor Proença, presidente da Câmara, explica por que razão entende que se devem manter as que sobram. "Alcácer é o segundo maior concelho do país em área. Palma e Casebres distam mais de 20 km da cidade. E muitas vezes as crianças já têm de percorrer uma série de quilómetros para chegar a estas aldeias. Obrigá-las a mais, é um sacrifício que não devemos impor", argumenta.
Além disso, acrescenta, é uma forma de não perderem a ligação ao seu meio, sem que percam a ligação a mundo: "A escola pode ser rural mas estar conectada. Através de projetos com outras aldeias, com acesso à internet", exemplifica.
Uma sala, três níveis de ensino
A questão dos tempos de percurso tem sido, precisamente, a boia de salvação das escolas que, com autorização do Ministério da Educação, continuam a funcionar com menos de 21 alunos, o limite definido pelo Governo como razoável. São vários os argumentos invocados por este e pelo anterior executivo para acabar com a realidade das escolas pequenas: desde a oferta de melhores condições de ensino nos locais para onde as crianças são deslocadas, mais recursos, como bibliotecas e pavilhões desportivos e mais colegas da mesma idade e mais apoio para os docentes.
Na EB1 de Palma, não se ouvem muitas queixas. A começar pelo professor, habituado a ensinar em escolas pequenas, onde não há "stresse, indisciplina ou a necessidade de castigos" e o apoio a cada aluno é literalmente individualizado. Em cima da sua mesa, empilham-se os manuais de três anos de escolaridade, mas a ginástica de gerir a matéria de três níveis diferentes já não o confunde. "Enquanto ensino uma matéria nova a um, tenho de manter os outros ocupados", explica.
Entre os estudantes, as opiniões já se dividem, com Vasco, do 4º, a acusar o isolamento e a admitir o entusiasmo por ir no próximo ano para a Pedro Nunes, em Alcácer do Sal. "Sempre é melhor que lá há mais alunos", explica. Erica, a representante do 1º ano, não se importa tanto, porque tem as suas "amigas Lara e Beatriz". Mas sempre vai lamentando ser a única que está a "aprender as letras" naquela sala, enquanto Vasco e Beatriz já vão ao quadro ler as suas composições sobre o quão "fixe" foi o fim de semana.
Paulo Nossa, investigador da Faculdade de Letras de Coimbra e que tem acompanhado escolas do 1º ciclo no projeto de combate ao insucesso da EPIS (Empresários pela Inclusão Social), admite que o isolamento destas escolas e a baixa socialização das crianças pode influenciar "o seu desenvolvimento e o estímulo dos professores". Mas rejeita que haja uma relação direta entre a reduzida dimensão da escola e o insucesso, também invocada pelo ME. Para o investigador, há outros fatores a explicar uma problema que, no caso do 2º ano de escolaridade, chega aos "dois dígitos" - foram 10,5% de chumbos em 2013. Os motivos são socioeconómicos, mas não só. "É muito mais importante a frequência anterior do pré-escolar e ainda mais a qualificação do professor. É um pivô fundamental porque é o único na sala e o seu trabalho vai determinar o sucesso."
A questão, alerta Renato do Carmo, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia da Universidade de Lisboa, é que o fecho de escolas tem sido acompanhado do encerramento de centros de saúde, correios, tribunais, juntas de freguesia. "Até pode fazer sentido racionalizar alguns serviços. O problema é que cada ministério olha para a sua rede e vai fechando, sem que haja qualquer estratégia integrada. Se alguns territórios já estavam em morte lenta, este tipo de medidas avulsas aceleram o processo", avisa.
Fonte: Expresso
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