segunda-feira, 13 de abril de 2015

Crise e sofrimento nas escolas

Os números sobre a violência em ambiente escolar são tão inquietantes, quanto pungentes são os contextos que quase sempre os explicam. Ora a escola como reflexo privilegiado do todo social é o espelho onde tudo se projeta, sem hipótese de fuga à realidade por mais cruel e inconveniente que seja essa exposição. Os textos da Ana Dias Cordeiro não podiam ser mais reveladores do que se está a passar.

Por um lado, o empobrecimento das famílias, sobretudo através da retirada de apoios sociais, fragiliza ainda mais agregados já em dificuldades devido aos baixos rendimentos; por outro lado, os cortes brutais ao ensino público diminuem de forma dramática a capacidade de intervenção da escola, na ótica de uma atuação preventiva. E quando se olha para os números, percebe-se bem como eles podiam ser evitáveis se as escolas não tivessem sido espoliadas de meios. Segundo o relatório Anual de Segurança Interna de 2014, desde 2008 que há uma tendência do crescimento de participações por ofensas corporais – de 1292 para 1665 casos no ano passado. Apesar disso, e sem que se perceba porquê, o Observatório de Segurança Escolar deixou de estar na órbita do Ministério da Educação desde 2011, ano em que produziu o seu último relatório. Verdade inconveniente, alertava então para o “aumento claro” de uso de armas dentro da escola, cujas participações mais que duplicaram entre 2008 e 2011. Outro dado perturbador é a subida das queixas por violência no namoro em meio escolar. Num só ano, cresceram 50%.

Mas é quando se desce ao terreno que tudo se torna mais claro e a reportagem em escolas do Agrupamento de Carnaxide-Portela (arredores de Lisboa) não podia ser mais elucidativa. Fica a saber-se que à violência física entre alunos com utilização de armas brancas ou pedras para ameaçar ou agredir colegas, se junta a violência familiar, um misto de abandono e maus tratos, com os meninos a encontrarem na escola o seu último refúgio. Assim isso possa acontecer, mas é cada vez mais difícil porque o desinvestimento público elimina drasticamente o número de funcionários fixos, cuja proximidade e experiência é uma mais-valia na hora de atuar ou de prevenir situações delicadas. Apesar das dificuldades e das carências, a escola continua a ser encarada como um sólido reduto de confiança no seio da complexa situação social que hoje vivemos. E por isso, não é de estranhar que as próprias famílias continuem a exigir-lhe a ciclópica tarefa de resolver problemas que elas próprias se declaram incapazes de solucionar. O tipo de situações abala consciências. Alunos deixados na escola entre as sete da manhã e as oito da noite, outros que chegam sem pequeno-almoço, ou cujos pais se dizem indisponíveis para os levar ao médico, ou que têm pânico de sair da escola pois é o único lugar onde podem comer... Os poderes públicos não podem alhear-se destas crianças sob pena de serem (também) responsáveis pelo seu infortúnio.
 
Editorial do Jornal Público
 
Fonte: Público

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