Em 2012, 184 milhões de crianças frequentavam o pré-escolar, um aumento de dois terços desde 1999. Num total de 164 países, 52% conseguiram aumentar a escolaridade no ensino primário (que a UNESCO define como “primary schools” e que no ensino em Portugal corresponde à escolaridade do 1.º ao 6.º anos) entre as raparigas, minorias étnicas e crianças marginalizadas. Nas economias mais pobres, um terço dos adolescentes vai deixar a escola sem completar o 3.º ciclo, em 2015.
Apesar da percentagem de adultos iletrados ter baixado de 18%, em 2000, para 14%, em 2015, só 25% dos países atingiram o objetivo de reduzir os níveis de iliteracia em 50%, entre a população, onde as mulheres representam mais de dois terços. O casamento e a gravidez precoce continuam a afastar as raparigas da escola, no entanto, 48% dos países conseguiram bons progressos em matéria de igualdade entre os géneros no que toca à frequência do ensino secundário (que a UNESCO divide entre secundário inferior e superior e que no sistema educativo português corresponde ao 3.º ciclo e 10.º, 11.º e 12.º anos, respetivamente).
Os números foram divulgados, a 9 de abril, pela Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO), no seu mais recente relatório sobre o cumprimento do compromisso “Educação para Todos” [Education for All], assumido em 2000, em Dacar por 164 países.
Um terço atinge as seis metas
Apenas um terço dos 164 países conseguiu até agora alcançar os objetivos definidos em 2000, durante o Fórum Mundial da Educação, realizado em Dacar. As metas eram seis: expandir a rede do pré-escolar, sobretudo às crianças mais desfavorecidas; pôr todas as crianças a frequentar o ensino primário, tendo em especial atenção as minorias étnicas e as raparigas; assegurar a igualdade de acesso à aprendizagem a jovens e adultos; reduzir em 50% os níveis de iliteracia, entre a população; garantir a igualdade e paridade entre os géneros e melhorar a qualidade da educação.
Cuba, Mongólia, Quirguistão e alguns países europeus figuram entre o terço bem-sucedido, enquanto vários países da África subsariana, Paquistão ou o Iémen ficam longe das metas definidas. A principal meta - fornecer educação primária universal (que no sistema português corresponde aos primeiros seis anos de escola) - foi atingida por 52% dos países; estando 10% perto de o conseguir, 29% longe e 9% muito longe.
No final de 2015, quase cem milhões de crianças (uma em cada seis), a viverem em países desfavorecidos, sobretudo na África subsariana e na Ásia, vão deixar a escola sem acabar o 6.º ano.
Um terço das crianças que não vão à escola vive em zonas de guerra. Na Síria o conflito está a contribuir para uma “geração perdida”, alerta a UNESCO. No final de 2013, 2,2 milhões de crianças sírias em idade escolar (num total de 4,8 milhões) não frequentavam a escola. Outro exemplo grave surge da Nigéria, onde mais de 200 raparigas foram raptadas da escola pelo grupo Boko Haram e são frequentes os ataques contra os estabelecimentos de ensino.
No entanto, contra o que seria de esperar, há países em guerra onde se registam progressos. É o caso da Serra Leoa que, apesar de viver há 11 anos um conflito armado, conseguiu duplicar o número de crianças que frequentam o ensino e diminuir o trabalho infantil.
Mais ensino gratuito
Entre 1999 e 2012, a frequência do pré-escolar aumentou em cerca de 64%. Fatores como a legislação – em 2014, 40 países tornaram obrigatório este nível de ensino – e a gratuitidade do acesso estão na base desta expansão, diz a UNESCO.
Mas há outros fatores determinantes. Na China rural, as famílias mais carenciadas recebem apoios financeiros para incentivar a inscrição no pré-escolar. Na Tailândia, campanhas de sensibilização dirigidas aos pais possibilitaram o aumento para 93% do número de crianças entre os quatro e os cinco anos inscritas. Alguns países conseguiram uma expansão massiva dos seus sistemas públicos, casos do Cazaquistão e do Vietname. No entanto, as disparidades persistem entre meios rurais e urbanos e em algumas comunidades dentro do mesmo país.
A universalização da educação primária era a meta mais ambiciosa. Dos 116 países com informação disponível, 17 conseguiram aumentar em 20% os níveis de participação entre 1999 e 2012. O Butão, a República Democrática Lao e o Nepal, “fornecem exemplos brilhantes” de melhorias no cumprimento desta meta na Ásia, lê-se no relatório. Na América Latina, os exemplos vêm de El Salvador, Guatemala e Nicarágua, com aumentos na ordem dos 10%. Na África subsariana (onde 15 países instituíram o ensino primário gratuito em 2000) e no Burundi a taxa melhorou de 41% em 2000 para 94% em 2010.
Nas últimas duas décadas registou-se um forte crescimento do ensino privado e financiado por organizações não governamentais, revela a UNESCO. No Sul da Ásia, abarca um terço das crianças entre os 6 e os 18 anos. A frequência nos privados duplicou ainda em vários países dos Estados Árabes, da Europa Central e de Leste e na África subsariana.
Em áreas de pouca cobertura do ensino público como no Gana, na República da Tanzânia e na Zâmbia, as escolas comunitárias têm sido uma solução eficaz e de baixo-custo, diz a UNESCO. Outro destaque vai para o papel desempenhado pelas escolas religiosas ao nível da instrução primária. No Afeganistão, Bangladesh, Indonésia e Paquistão, pelas escolas islâmicas, designadas por madrassas; na América Latina, pela Ordem Jesuíta que permitiu a mais de um milhão de crianças, espalhadas por 17 países, ter acesso à educação.
Entraves ao ensino
O trabalho infantil continua a afastar muitas crianças da escola ou a impedir o seu sucesso, confirma a UNESCO. Ainda assim, o número de trabalhadores entre os cinco e os 13 anos de idade desceu de 139 milhões, em 2000, para 73 milhões em 2012. Em cenários de guerra, as crianças correm mais risco de serem retiradas das salas de aula e recrutadas como soldados, bombistas suicidas ou escravos sexuais.
Num outro plano, a incapacidade física, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, é outro fator de bloqueio. Estima-se que entre 93 e 150 milhões de crianças sejam portadoras de algum tipo de deficiência, o que aumenta o seu risco de exclusão do ensino.
Secundário sinal de progresso
O acesso ao ensino secundário (ao 3.º ciclo e 10.º, 11.º e 12.º anos, no sistema educativo português) é visto pela UNESCO como “o indicador mais importante de progresso no que toca às oportunidades e à aquisição de competências básicas”. Desde 1999, o ensino secundário teve uma forte expansão, registando 551 milhões de alunos em 2012, diz a organização. Regista-se ainda um crescimento na taxa de frequência neste nível, seja qual for a idade: de 29% para 44%, nos países com poucos rendimentos; e de 56% para 74%, nos países com rendimentos médios.
Dos 107 países cujas economias se enquadram nestas duas categorias, 94 tornaram gratuito o acesso ao 3.º ciclo (designado pela UNESCO como ensino secundário inferior). Nos países em vias de desenvolvimento, a procura de escolas privadas do 7.º ao 12.º anos cresceu de 15%, em 1999, para 17%, em 2012.
Além da expansão do acesso à educação formal, os Governos comprometeram-se a ir ao encontro das necessidades de formação de jovens e adultos que abandonaram a escola. Nomeadamente através de currículos alternativos, como as escolas de segunda oportunidade.
No Bangladesh, os programas BRAC - que têm como objetivo trazer os alunos de volta ao ensino primário (1.º e 2.º ciclos) - conseguiram que 97% dos envolvidos seguissem para o secundário. Outro exemplo vem da Índia, onde o Instituto Nacional de Escola Aberta está a trabalhar com currículos básicos e vocacionais para jovens de 14 anos. Em 2011, 2,2 milhões de estudantes beneficiavam destes programas. Na Tailândia, uma ação nacional de educação e formação de adultos está a criar alternativas para a população mais carenciada, incluindo presidiários e crianças de rua.
No que respeita à formação contínua, a UNESCO cita bons e maus exemplos de quatro países que, nos últimos anos, realizaram campanhas nacionais para promover a igualdade de oportunidades. Em 2012, no Brasil, cerca de três milhões de jovens acima dos 15 anos, que tinham abandonado a escola, estavam inscritos num programa de educação deste tipo, mas a qualidade do ensino ministrada mostrou-se insuficiente e a taxa de desistência elevada.
Mais sucesso teve a Noruega em 2006, com uma iniciativa que canalizou fundos para os empregadores motivarem os funcionários a frequentar cursos em competências básicas de literacia, matemática, tecnologias e línguas.
Em 2007, uma revisão do quadro da educação de adultos na República da Coreia fez aumentar a taxa de participação de 26% em 2008 para 36% em 2012. No Vietname, a educação não formal e o ensino de adultos ganharam forte destaque no sistema educativo, a partir de 2005. Os resultados: quase 10 milhões de adultos envolvidos em formação em 2008, comparados com 500 mil em 1999.
Tecnologia contra a iliteracia
A meta era diminuir em 50% o número de adultos que não possuem as competências básicas de literacia até 2015. Apesar dos esforços, reconhece a UNESCO, apenas 25% dos países o conseguiram, 19% ficaram próximos, 32% muito longe e 26% longe de alcançar este objetivo.
Em termos globais, o documento refere que a taxa de iliteracia caiu de 18%, em 2000, para 14%, em 2015. Um progresso atribuído, sobretudo, ao facto de cada vez mais jovens com formação atingirem a idade adulta. As mulheres representam dois terços dos 781 milhões de adultos analfabetos. Metade das mulheres na África subsariana não possuem as competências básicas de literacia.
Para contrariar estes números, a UNESCO sugere aos Governos que reconheçam a importância da aprendizagem da língua materna, como meio de instrução nos programas de literacia. As novas tecnologias, apoiadas no crescimento do uso de telemóveis, podem constituir uma oportunidade para fortalecer as práticas de leitura.
Proximidade reduz desigualdade
A desigualdade entre rapazes e raparigas no que respeita à frequência do ensino primário tem vindo a ser reduzida desde 1999, mas ainda não foi eliminada, constata a UNESCO, estimando que, no final de 2015, 69% dos países vão conseguir atingir ter igual número de rapazes e raparigas neste nível.
Já no ensino secundário, há mais desigualdade: apenas 48% dos países obterão bons resultados ao findar 2015. Na África subsariana e no Sul e Leste da Ásia, as raparigas continuam em desvantagem; pelo contrário, na América Latina e nas Caraíbas, os rapazes são os mais afetados: 93 rapazes a cada 100 raparigas frequentam o ensino secundário, o mesmo ratio obtido em 1999.
O casamento e a gravidez precoce continuam a travar os progressos das raparigas no sistema educativo. Dados de 2000 a 2011 indicam que em 44 países 30% das mulheres, com idades entre os 20 e os 24 anos, contraíram o matrimónio aos 18 anos. “A legislação sozinha pode não ser efetiva para travar estas práticas”, alerta a UNESCO, “no entanto, a incidência de casamentos infantis foi reduzida substancialmente em alguns países”. Na Etiópia, a prevalência de uniões precoces caiu em 20% entre 2005 e 2011, devido a uma mudança na lei e a campanhas de sensibilização na comunidade.
A dificultar o acesso à escola das jovens, segundo a UNESCO, está também “a necessidade quer de professores com formação ao nível dos estudos do género quer de reformas no currículo”. Ter escolas na proximidade das comunidades pode ajudar a diminuir as barreiras à educação entre as raparigas. Em Ghor, uma província do Afeganistão, a construção de escolas primárias em algumas vilas aumentou em 42% a frequência das raparigas e em 17% a frequência dos rapazes, eliminando o fosso entre os géneros.
No capítulo final, o relatório constata que mais acesso, nem sempre significa melhor educação. Há caminhos a percorrer no que respeita não só à formação, mas também à motivação dos professores. Por outro lado, é preciso “criar ambientes escolares amigos das crianças” e “fazer com que todos os minutos passados na sala de aula sejam compensadores”. Por isso, depois de 2015 o foco estará na melhoria da qualidade dos sistemas educativos, conclui a UNESCO.
Andreia Lobo
Fonte: Educare
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