quinta-feira, 9 de abril de 2015

MANUEL, O CAVALEIRO

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É poeta nas horas vagas, mas a sua paixão são os cavalos. Cuida deles num centro hípico em Óbidos, assiste os professores nas aulas e ajuda crianças com deficiência profunda. Manuel Gonçalves tem 21 anos e, por acaso, é portador de trissomia 21.

Tem um curso de tratador e desbastador de cavalos, certificado pela Escola Agrícola da Paiã. Tem um curso de assistente de educação terapêutica. Tem a carta de condução, o que é uma condição rara. Tem uma grande paixão por poesia, sobretudo por Ary dos Santos. Tem obra publicada, ainda há semanas assinou o prefácio de um livro editado pela Texto Editora – Bebés com Trissomia 21. Ele também é portador. É difícil encontrar um rosto mais justo para esta rubrica. Manuel Gonçalves, 21 anos, português extraordinário.

Trabalha no Centro Hípico de Óbidos. As suas funções passam pela limpeza e aparelhagem dos cavalos. Também lhes faz as camas e dá a ração. Semanalmente, acompanha crianças com deficiências profundas nas sessões de hipoterapia. «São meninos do Centro Rainha Leonor, nas Caldas da Rainha», explica Manuel. «Muitos têm problemas de mobilidade, ou deficiências profundas, e os cavalos podem ajudá-los a desenvolver novas competências.»

Sempre que eles vêm ao centro hípico, Manuel prepara um pónei e um cavalo manso para as atividades. Há bolas de plástico para jogar, que a terapia é uma festa. «A sensação de equilíbrio treina-se pedindo aos miúdos que ponham os braços no ar em cima de um cavalo, por exemplo. Ou que chutem uma bola. Desenvolvemos atividades motoras e psicológicas à volta dos animais e temos muito bons resultados.» Constança, a mãe de Manuel, diz que o facto de o filho ter trissomia 21 ajuda a descomplexar o processo.

Manuel nunca foi um miúdo normal, diz a progenitora. Sempre houve qualquer coisa de extraordinário nele. Por insistência dos pais frequentou o ensino regular e completou o nono ano. Ainda na escola primária conheceu uma professora que lhe incutiu o gosto pela poesia. Ele começou a escrever as suas obras. A mãe resgata os primeiros versos do rapaz a uma gaveta esquecida: «Abri as minhas asas e fiz/ Com o meu lápis uma obra de arte/Voei para muito alto e olhei para baixo/Vi meninas e meninos/Pareciam pequenos bonecos que estavam no espaço.»

Ainda hoje escreve, há um par de semanas a Texto Editora lançou um manual para pais de crianças com trissomia 21 e coube-lhe a honra de assinar o prefácio. «Tentámos sempre incutir-lhe a ideia de autonomia e responsabilidade», diz Constança Gonçalves. «Nunca lhe admitimos que se minorizasse por ser portador de uma deficiência. Se alguém na escola gozava com ele, nós tentávamos ensiná-lo a saber-se defender e a nunca ter pena de si próprio.» Aos 15 anos tirou a carta de moto, aos 18 a de carro, e não há registo de outra pessoa em Portugal que o tenha feito. É ele que conduz o carro para o trabalho, ida e volta. Ao início a mãe preocupava-se, mas teve ela própria de se educar para arriscar, deixá-lo fazer a sua vida. Não é isso que acontece a todas as mães?

Manuel escreve e monta a cavalo, cozinha, conduz, sabe tratar da roupa, tem um emprego e ocupa uma parte do seu tempo a apoiar miúdos com deficiência. É um rapaz autónomo, apesar da trissomia 21. É um miúdo generoso. É, bem vistas as coisas, um homem grande.

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