terça-feira, 7 de abril de 2015

Cursos vocacionais. Combater insucesso ou "limpar" estatísticas?

Apesar de continuarem a ser apresentados pelo Ministério da Educação (MEC) como uma "experiência-piloto", os cursos vocacionais são já frequentados por perto de 25 mil alunos, a esmagadora maioria no ensino básico. E a ideia é chegar a mais no próximo ano letivo. As candidaturas para a abertura de novos cursos iniciaram-se na segunda quinzena de março e o objetivo é assumido: ter ainda uma "maior procura" por estas formações mais práticas, para onde podem ser encaminhados jovens a partir dos 13 anos que já contam com vários chumbos no currículo.

O gabinete de Nuno Crato assume que, apesar do alargamento exponencial - de uma experiência numa dúzia de escolas e menos de 300 alunos passou-se, em dois anos, para 24.500 estudantes em vocacionais - a avaliação continua por fazer. "O MEC já solicitou uma avaliação que se encontra em fase de conclusão." Conhecidos os resultados, prevê-se que "a oferta passe, em definitivo, a ser uma das vias profissionalizantes", explica (...).

Para já, as críticas de diretores são várias. Faltam condições e recursos para garantir a relevância e eficácia de cursos que acabam por servir como 'depósito' de alunos em dificuldades, contribuindo assim para "limpar" as estatísticas do insucesso, exemplificam diretores (...).

A procura de alternativas mais eficazes para ensinar quem há muito se desmotivou da escola, mas tem de lá estar fruto de uma escolaridade obrigatória alargada até aos 18 anos, há muito que é preocupação dos responsáveis da 5 de Outubro. Ninguém questiona a necessidade de encontrar cursos e vias diferentes para quem tem percursos e planos também muito distintos. Para Nuno Crato, a resposta está nos cursos vocacionais. Que têm como grande novidade o facto de poderem receber alunos a partir dos 13 anos, logo no 2º ciclo do ensino básico, desde que já tenham chumbado duas vezes nesse ciclo. Os antigos cursos de educação e formação recebiam alunos com percursos problemáticos apenas a partir dos 15 anos.

Para a ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, o problema dos vocacionais é mesmo a antecipação da idade. A inovação de Nuno Crato, acusa, foi feita "à revelia da Lei de Bases do Sistema Educativo". "O limite dos 15 anos servia como garantia mínima de que antes dessa idade não era possível desviar os alunos para percursos alternativos. É isso que diz a lei de bases ao estabelecer o ensino básico unificado e não dualizado", argumenta.

Na Secundária Afonso Lopes Vieira, em Leiria, a intenção é alargar a oferta, mas as críticas do diretor são muitas. A começar pela falta de apoios às escolas para assegurar estes cursos, em que predomina um "ambiente de indisciplina e de reiterado incumprimento das regras de conduta, contaminado por um sentimento de impunidade, pois os jovens têm a noção de que não podem ser retidos", descreve Pedro Biscaia. A diversidade das turmas não ajuda: "Alguns dos alunos não possuem pré-requisitos mínimos, já que têm apenas a frequência do 6º ano. A única condição comum é terem um historial de repetências. Seria importante haver equipas de apoio especializado como assistentes sociais, animadores socioculturais. Os professores nem têm formação adequada, nem são exclusivos destas turmas e começa a gerar-se o sentimento de 'atirar' estas turmas para horários sobrantes."

Tudo somado, remata Biscaia, "está a generalizar-se a ideia de que estes cursos servem para 'limpar' o insucesso do ensino regular e que estes alunos estão aqui só para dar a impressão de que estão a cumprir a escolaridade de 12 anos".

Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares e diretor do Agrupamento de Cinfães, reconhece a "pressão para reduzir a repetência", mas também a necessidade de criar alternativas a alunos que não sentem "qualquer motivação para continuar a estudar". "Dantes, havia os cursos de educação e formação. Só que esses eram financiados pelo Fundo Social Europeu e as escolas conseguiam contratar técnicos para dar as áreas profissionais. Agora, estamos dependentes dos recursos que já existam nas escolas e as ofertas das áreas vocacionais são limitadas por isto."

O "desenrascanço" 

O caso do Agrupamento de Cinfães é bem o exemplo das dificuldades de uma escola do interior, sem tradição em cursos técnicos (como as antigas escolas industriais) e poucas empresas para assegurar a formação em contexto de trabalho prevista. Ali, a área de Carpintaria é assegurada por um professor com jeito para trabalhos em madeira; a de Estética por uma professora de Artes Visuais com sensibilidade e disponibilidade para tal e a de Agricultura por outro colega que tem uns terrenos, descreve Manuel Pereira. "Passa muito por criatividade e desenrascanço", assume.

No Agrupamento de Escolas Marinha Grande Poente, a experiência tem sido diferente e positiva, garante o diretor, Cesário Silva. "É preciso ter a consciência de que oferecer uma única via aos alunos é a pior discriminação que se pode fazer em relação a quem tem menos e precisa de mais", começa por defender. E se essas alternativas surgirem mais cedo do que os 15 anos e não se tiver de esperar pelo insucesso repetido para oferecer outra via tanto melhor, argumenta. "Não tem é de ser de menor qualidade nem com menos empenho nas escolas", sublinha.

No caso do seu agrupamento, a partir dos 14 anos, os alunos dos vocacionais começam a ir às empresas, que, ao contrário de Cinfães, não escasseiam naquela região. "Esta experimentação que é feita em três áreas pode ser uma boa forma de orientação e descoberta. E não significa que vão trocar os estudos pelo trabalho, porque há uma idade mínima (16 anos) e têm de continuar na educação até aos 18."

O MEC argumenta da mesma forma, lembra que a oferta inclui a aquisição de conhecimentos em disciplinas estruturantes, como Português e Matemática e que ajuda a não acumular retenções, "por permitir intervir atempadamente e motivar para a escola alunos que estão em risco de abandono".

Fonte: Expresso

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