Não podemos ignorar o mundo emocional. É preciso aprender a lidar com as emoções que comandam a vida, é preciso saber gerir estados de alma. Manuela Queirós, professora de Educação Física há 41 anos, criou o Clube de Inteligência Emocional na Escola (CIEE) que funciona com um professor e um psicólogo na sala de aula. Neste clube, aprende-se a ser feliz. Cada sessão tem três partes, exercícios de concentração, estratégias para identificar emoções, momentos para entender o vocabulário emocional.
A educação emocional não tem espaço no atual sistema de ensino. Manuela Queirós, doutorada em Investigação em Didáticas Especiais, com mestrado e doutoramento na área da inteligência emocional, afirma que é importante perceber as emoções e suas causas dentro das escolas. É preciso acalmar o corpo, para tranquilizar a mente. É preciso que os alunos parem e percebam que a felicidade não é assim tão difícil de alcançar.
O CIEE existe precisamente para mostrar caminhos para a felicidade e qualquer escola pode ter esse clube. Para isso, basta contactar o Agrupamento de Escolas Dr. Ferreira da Silva, em Cucujães, Oliveira de Azeméis. Em www.inteligenciaemocionalnaescola.org existe um formulário de candidatura. O processo inicia-se, dá-se formação aos professores, e os psicólogos vão às escolas para formar o par pedagógico com o professor - ou então podem trabalhar sozinhos. Neste momento, cerca de 300 alunos de todo o país, desde os três anos de idade, frequentam um CIEE. O clube onde se fala de gratidão, do sentido de humor, do riso, das boas e más emoções, das famílias emocionais. Este ano, Manuela Queirós lançou o livroInteligência Emocional – Aprenda a Ser Feliz, editado pela Porto Editora.
Educare (E): O Clube de Inteligência Emocional na Escola (CIEE) ajuda os alunos a serem felizes?
Manuela Queirós (MQ): Os alunos dizem que sim. Quando me batiam à porta para entrar, e o clube já estava cheio e já não tinha vagas, referiam que tinham ouvido dizer que ali se aprendia a ser feliz. Era a conversa entre eles. Aproveitei a ideia.
E: Quais as componentes que o CIEE trabalha? O que se pretende?
MQ: O objetivo é que o clube seja para todos os que estiverem interessados em desenvolver as suas competências emocionais intrapessoais e interpessoais. Trabalhar estas duas componentes. Muitas vezes, nas escolas, vemos que alguns professores e pais tendem a virar um bocadinho o clube para os alunos com dificuldades de aprendizagem e de comportamento. O clube é para todos. No clube, aprendem que somos todos iguais, funcionamos todos da mesma maneira, e que as nossas reações emocionais são absolutamente normais perante determinados estímulos. Como fomos educados para não falarmos das nossas emoções, achamos que só nós é que sentimos assim.
E: Há uma formatação?
MQ: Fechamo-nos e acabamos por pensar que os outros é que sabem reagir muito bem, que os outros é que sabem relacionar-se com as outras pessoas, e nós não sabemos. E como não sabemos, achamos que somos menos. Ou porque sofremos mais com determinadas situações, ou porque ficamos mais magoados com coisas que nos digam, e não conversamos com ninguém sobre isso.
E: A inteligência emocional é, portanto, raciocinar com as emoções?
MQ: Pensar sobre as emoções e raciocinar com elas. Há muitas pessoas que pensam muito sobre as emoções, mas não raciocinam por que razão estão assim, o que aconteceu, qual a razão de ter acontecido, como aquela emoção vai evoluir. Muitas vezes, não conseguem identificar o que sentem com precisão, dizer em palavras o que sentem.
E: É importante conhecer as causas das emoções?
MQ: É importante termos plena consciência do que provocou o sentimento que estamos a vivenciar em cada momento.
E: Os professores têm tempo para perceber as emoções dos alunos?
MQ: Muitas vezes, não têm tempo para perceber as suas próprias emoções. Há professores empenhados, preocupados com os alunos, que se oferecem para dar mais aulas de apoio quando já têm horários cheios. E há professores que ficam um bocadinho tristes perante o comportamento das turmas porque os alunos não deixam trabalhar, estão sempre a conversar. E sentem-se um bocadinho diminuídos por ficarem enervados perante uma determinada situação, quando isso é normal.
Uma das causas da raiva surge quando somos impedidos de conseguir alcançar um objetivo, quando aparece um obstáculo. Um professor leva um plano de aula para ser trabalhado naquele período de tempo, se os alunos começam a brincar à entrada da sala de aula, se demoram muito tempo a ir para os seus lugares, começam a retirar tempo. O professor começa a ficar impaciente, o primeiro degrau da família da raiva. Se começam a perder tempo, o professor começa a ficar irritado. E os alunos estão sempre a interromper, é difícil dizer uma frase completa. O professor vai subindo a escada da emoção da raiva, mas o seu corpo está a reagir naturalmente. Não tem nada de se sentir diminuído porque o seu organismo está a funcionar normalmente.
E: O corpo também fala das emoções.
MQ: As emoções são reações do nosso corpo, reações involuntárias e automáticas. Não sou eu que digo ao meu coração para bater mais depressa ou mais devagar.
E: Mas as emoções não fazem parte do plano curricular dos professores.
MQ: Não, mas têm de lidar com elas. As emoções tanto ajudam como atrapalham. Os alunos podem aprender melhor se estiverem num determinado estado de humor. Um estado de humor caracterizado pela calma, pela tranquilidade, pela serenidade, pela paz.
E: Professores mais felizes, alunos mais felizes?
MQ: Claro. Diria o contrário: alunos mais felizes, professores mais felizes. Se os alunos estiverem num estado de humor mais propício à aprendizagem, há mais serenidade na sala de aula, há mais concentração.
E: É possível treinar a felicidade?
MQ: Claro que é. É o que nós pretendemos no CIEE, ensinamos estratégias para os alunos acalmarem. Temos uma estrutura de sessões, as aulas são desenvolvidas em três partes. O CIEE funciona com um professor e um psicólogo em par pedagógico. Se a escola não tiver um professor que possa disponibilizar, o clube avança na mesma com um psicólogo.
Em cada sessão, há uma parte inicial, uma parte fundamental e uma parte final. Começamos por trabalhar a meditação da atenção plena. Trabalhamos a atenção ao momento presente, ao que se está passar. Fazer com que os alunos aprendam a acalmar o corpo, a estar quietos e a concentrar a sua atenção num foco. Foco esse que pode ser a sua respiração ou um dos seus cinco sentidos. Temos um grande conjunto de exercícios que vamos rodando.
Na parte fundamental, trabalhamos as componentes emocionais do modelo de inteligência emocional que usamos. Começamos a trabalhar a perceção emocional, identificar emoções em nós e nos outros, trabalhar a leitura das emoções. Os alunos aprendem a identificar as emoções através das expressões faciais, expressões corporais, pela voz. Aprendem a identificar as suas próprias emoções o que, para eles, é um bocadinho mais difícil. Prestar atenção a si próprio é um bocadinho difícil. Numa aula, é difícil estarem quietos e concentrados porque estão sempre a ver o que os outros estão a fazer. A perceção está sempre dispersa pelos outros. Passamos à componente emocional, em que aprendem a conhecer quais são os estímulos que provocam emoções e que emoções provocam. Porque é que surge a tristeza, porque é que surge a raiva, porque é que surge o medo. Trabalhamos com as emoções primárias. Trabalhamos também com histórias, aprendem a identificar as diversas emoções das histórias. Aprendem a utilizar as emoções, quais as emoções mais úteis para a realização de qualquer tarefa. Apresentam-se situações e é pedido ao aluno que identifique qual a emoção mais útil para desempenhar aquela tarefa. Aprendem o vocabulário emocional agrupado por nove famílias de emoções. Muitas vezes, conseguem perceber o que sentem, mas não encontram o termo preciso.
E: E há ainda a parte final…
MQ: Temos a terceira parte em que trabalhamos a gestão emocional, estratégias para regular as emoções. Aprendem a criar emoções positivas através do sentido de humor e do riso. Aprendem técnicas de relaxamento com visualização criativa. A última atividade é a gratidão e o pensamento positivo. Todas as sessões terminam com um exercício de gratidão.
E: Trabalhar essas componentes ajuda a perceber o fenómeno do bullying?
MQ: Claro. A partir do momento em que percebem que somos todos iguais, os mesmos estímulos vão provocar as mesmas reações. Isto não é assim tão linear, também aprendem que os estímulos provocam reações diferentes em cada um de nós. Nos estímulos, há um tema central. Por exemplo, a perda é uma causa universal da tristeza. Mas depois há os nossos gatilhos individuais. Temos o tema central, as causas mais comuns, e os gatilhos individuais. A falta de respeito, por exemplo, pode ser um gatilho para entrar na emoção da raiva. Começam a ver que reagem assim, mas o outro também reage assim e começam a compreender melhor o outro. Começam a pensar na razão das causas. Aquele menino bateu-me, mas começam a pensar porque é que bateu. Estou triste, como está o outro.
Conseguir que o aluno aprenda, por ele próprio, a conseguir um humor relaxado, contemplativo e satisfeito, em que se sente bem, é trabalhar para diminuir o bullying. Quando nos sentimos bem, não temos vontade de fazer mal ao outro. Não somos agressivos, só somos agressivos quando estamos cheios de energia e com sensações desagradáveis, ou seja, num estado de humor tenso e irritável. Como nos sentimos muito mal temos vontade de fazer com que o outro também se sinta mal e descarregamos essa energia no outro. E como um grande número de alunos anda neste estado de humor, normalmente acabam por ser agressivos, violentos, com os outros. Quando se sentem bem, querem que o outro se sinta bem, disponibilizam-se mais a ajudar, a compreender melhor o outro, e não têm vontade de ser agressivos.
E: Esta aprendizagem de ser feliz tem de encontrar espaço no atual modelo de ensino?
MQ: Tem de encontrar espaço. Não basta dizer aos alunos que têm de estar mais atentos, é preciso ensinar estratégias para eles desenvolverem a sua atenção, o seu poder de concentração num foco. A nossa mente está cada vez mais irrequieta e mais ativa. Os estímulos são tantos e daí termos muitos alunos com hiperatividade, aquelas mentes não param. Eles têm de aprender a acalmar e a mente não acalma se o corpo não acalmar. Um corpo muito agitado tem uma mente muito agitada. Para acalmar a mente é preciso acalmar o corpo. E temos de ir por partes. Se ensinamos uma coreografia de dança, ensina-se primeiro um passinho, quando se souber bem esse passinho junta-se outro, depois as frases e monta-se uma coreografia.
Há tanta coisa para ensinar nas escolas e o tempo não chega. Sou professora há 41 anos e antigamente não havia Educação Sexual nas escolas. Ninguém falava nisso e demorou muito tempo até que esse tema fosse introduzido nas escolas. A educação emocional ainda não entrou, está a precisar de entrar.
E: Acredita que vai entrar?
MQ: Vai. Não vejo outro caminho. Há mesmo uma grande necessidade. Temos um grupo enorme de belíssimos professores com imensa experiência e que se foram embora porque realmente não conseguiram aguentar a forma como os nossos alunos estão. É muito desgastante. Muito desgastante. E vê-se o sofrimento dos pais, o sofrimento dos próprios alunos. Há dias uma aluna dizia-me que não aguentava a sua cabeça que parecia que ia rebentar. Tanto barulho, tantas horas. Temos todos de acalmar.
Não podemos dizer aos alunos para estarem mais atentos se o corpo deles está sempre a mexer-se. Têm de aprender técnicas para terem o controlo do seu corpo. É muito difícil, não estão habituados. Não há momentos de pausa, temos uma vida muito agitada desde que nos levantamos até que nos deitamos. Achamos que temos de aproveitar o tempo para fazer tudo. O corpo fica esgotado e a nossa mente também. Temos de fazer pequenas paragens durante o dia. Quando estamos em atenção plena, estamos a fazer as nossas paragens. Pensamos que é tempo perdido, mas não é. Recuperamos esse tempo.
E: O que é preciso para os alunos serem felizes?
MQ: Sentirem-se bem. E também perceberem que quando entram em relaxamento conseguem sentir o bem-estar que se instala dentro deles. É uma sensação tão boa que querem repetir e começam a perceber que, afinal, a felicidade não é mais nada do que se sentirem bem, sentirem-se em paz. E começam a ver que não precisam de grande coisa para serem felizes e que são autossuficientes para se sentirem bem, desde que descubram quais as atividades que os fazem sentir bem. Depois é só pô-las em prática. Com os meus meninos, chamo-lhe acender luzinhas. Por iniciativa deles, põem em prática atividades que os fazem sentir bem.
Fonte: Educare por indicação de Livresco
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