Começaram os exames. De hoje até quinta-feira, 217 mil alunos farão provas nacionais de Português e Matemática (4.º e 6º. anos). E embora estas provas só pesem 30% na classificação final, há quem se queixe (professores e pais, sobretudo) do clima gerado pela pressão das provas.
É como se os alunos se focassem nos exames, preterindo a normal rota de aprendizagem que se lhes exigiria ao longo de todo o ano. Se passarem, respiram de alívio; se chumbarem, podem desistir ou entrar em depressão.
Ademais, o facto de as escolas estarem, por incentivo ministerial, a diminuir a diferença entre as classificações internas (as da própria escola) e externas (as dos exames), além de criar diferenças artificiais, pode gerar efeitos perversos. Agrupamento ou escolas que nos exames tenham 0,50 pontos acima da média nacional (numa escala de 1 a 5) terão bónus de 30 horas. Ora como as médias de cada escola tendem a ser mais altas do que as dos exames, daí até as escolas baixarem as notas internas para poderem ficar abaixo das notas dos exames vai apenas um pulo (o presidente do Conselho Científico do Iave disse até, anteontem, que “haver uma diferença de dois ou três valores a mais na classificação interna em relação à avaliação externa é normalíssimo”). Ora quando o MEC fala em “aferição entre as notas internas e externas, de forma a aproximar todas as escolas de um padrão nacional no que se refere à avaliação do conhecimento dos alunos”, estará a falar numa padronização destinada a sossegar as estatísticas? Se é isso, quem não ficará sossegada é a sociedade portuguesa, que aqui verá apenas mais um “malabarismo” em torno dos números e menos uma aposta clara na tão invocada “excelência” escolar.
Nos exames de hoje há, também, outro dado novo: a obrigatoriedade, por força de uma lei que o Governo garante estar em vigor, de obediência ao Acordo Ortográfico de 1990. O Iave já veio sossegar o país com uma explicação técnica: “(...), tomando como valor de referência 200 mil entradas do Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), a percentagem de palavras alteradas pelo AO em Portugal é de 1,56%. Importa referir que, se entre essas palavras existem algumas com elevado índice de frequência de uso (e.g. “ato”, “atual”, “direto”, “exato”, “objeto”), a maioria são palavras de uso restrito a registos especializados (técnicos e científicos), de baixo índice de frequência.” Conclui daqui o Iave que, “considerando os dados apresentados, ainda que os alunos optem por não respeitar o AO (...) em termos médio a probabilidade de desvalorização por erros ortográficos devido ao uso da antiga grafia é de 0,6 pontos, ou seja, 1 ponto em 200, ou seja, ainda, 0,5% da cotação total da prova”. Seja. No entanto, convém frisar que o AO que os estudantes são obrigados a respeitar tem, segundo afirmações públicas de vários dos seus mentores ou apoiantes, “incongruências”, “imperfeições”, “coisas mal feitas”, soluções com as quais não estão de acordo. Apesar disso ele aí está, feito lei, imposto aos alunos nas escolas. Haverá maior incongruência neste reino de obediências?
Direção Editorial
Fonte: Público
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