O Programa e as Metas Curriculares de Português do Ensino Básico estipulam o que os alunos têm de saber do 1.º ao 9.º ano de escolaridade, objetivos a atingir, capacidades a adquirir e a desenvolver. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) garante que os conteúdos do programa estão articulados com as metas curriculares de forma a reforçar “a substância e coerência da aprendizagem”. A ideia é agregar o programa de Português de 2009 com as metas curriculares de 2012 e avançar com o novo modelo já no próximo ano letivo. “A consecução dos conteúdos nos três ciclos de Ensino Básico permite expandir um núcleo curricular, configurar um percurso coerente, delinear o perfil de um falante e de um escrevente autónomo na utilização multifuncional e cultural da língua, capaz de progredir para outros graus de ensino”, lê-se no documento, que sustenta que o programa “contribuirá para uma maior eficácia do ensino do Português em Portugal”.
O novo programa tem vários objetivos em mente: usar fluentemente a língua, desenvolver e consolidar a capacidade de leitura de textos escritos de diferentes géneros e temas, dominar os procedimentos que asseguram um adequado desenvolvimento temático e discursivo, interpretar textos orais e escritos de expressão literária e não literária, mobilizar os conhecimentos gramaticais para aperfeiçoar as capacidades de interpretar e produzir enunciados orais e escritos. Estes são alguns dos exemplos enumerados pelo MEC. O documento esteve em discussão pública até 17 de abril.
A Associação de Professores de Português (APP) tem vindo a contestar o novo documento do MEC porque, em seu entender, não é coerente, revela contradições, tem “erros educativos e científicos” e irá aumentar as retenções dos alunos. São apresentadas 998 metas obrigatórias distribuídas pelos nove anos de escolaridade do Ensino Básico e a APP questiona como se poderão evitar situações de nivelamento simplificado ao definir-se uma organização por anos de escolaridade. Além disso, não entende por que razão se excluem, no 3.º ciclo, autores como Lídia Jorge, Luís Fernando Veríssimo ou José Rodrigues Miguéis e desaparecem escritores estrangeiros como Cervantes, Molière, Calvino ou George Orwell. E, por isso, pergunta que textos literários devem obrigatoriamente ler todos os alunos do Ensino Básico, quem deve decidir sobre o assunto, e porque não pode o professor escolher os textos dentro de um corpo literário de referência.
A APP emitiu um parecer no último dia de discussão pública em que propõe que o novo programa e as respetivas metas curriculares não sejam homologados e que seja realizado um trabalho de “efetiva adequação entre as metas curriculares de Português e o programa de Português de 2009” – o que, lembra, nunca foi feito. Para a APP, há “erros educativos e científicos” no novo programa. “A falta de rigor educativo e científico num documento normativo não é inconsequente. Na verdade, um bom professor pode ensinar bem com um mau programa, mas a falta de rigor acarreta necessariamente uma desqualificação do ensino e da aprendizagem”, sustenta no seu parecer.
Nas contradições, a APP garante que não encontra qualquer orientação sobre a especificidade da metodologia e da avaliação nas aprendizagens formais da língua materna. A ausência explicar-se-á pela confiança que o MEC tem na autonomia das escolas e dos professores, mas a APP não percebe então porque se exige que todos cumpram ao mesmo tempo, no mesmo ano, os mesmos objetivos e conteúdos. “O que só é possível se os alunos permanecerem passivos e acríticos a ouvir o professor debitar a matéria para os exames”, avisa. “Como pode um professor gerir o programa com autonomia e conceber o essencial, quando tem de lidar com conteúdos articulados com cerca de mil metas curriculares, cuja obrigatoriedade se encontra explicitada em todos os anos de escolaridade”, pergunta.
No campo das discrepâncias, a APP adianta que elas também se notam nos descritores de desempenho do domínio da oralidade nos três ciclos e que, na sua opinião, “põem em causa a coesão, a coerência e, por vezes, a progressão do projeto de ensino e aprendizagem”. A associação explica a sua perspetiva ao realçar que não se distingue compreensão do oral e expressão oral nos primeiros quatro anos de escolaridade e que a interação oral só deve ser desenvolvida no 3.º ciclo. “No entanto, logo no 4.º ano, os alunos devem debater ideias, depreende-se que sem regulação da interação oral”, repara. No domínio da leitura e da escrita, destacam-se exemplos de “desarticulação” entre os objetivos e descritores de desempenho apresentados e o conhecimento prévio exigido para que os alunos os possam alcançar.
No domínio da gramática, desaparece a referência a relações temporais como a anterioridade, posterioridade e simultaneidade de situações que, para a APP, são importantes, por exemplo, para a descrição de acontecimentos prevista desde o 2.º ano. “Não é esta omissão um erro científico?”, questiona. Nesta área, realçam-se diferenças entre o atual programa e aquele que está em análise. Segundo a APP, no que se encontra em vigor opta-se por um trabalho de explicitação progressiva de propriedades da língua, levando em conta o conhecimento implícito e a consciência linguística por parte dos alunos. No novo programa, não é bem assim. “Opta-se por uma gramática focalizada em aspetos taxionómicos da morfologia, das classes de palavras, da sintaxe, em tarefas classificatórias, tantas vezes áridas e improdutivas”, comenta.
Escrever o alfabeto, reconhecer sinónimos
O MEC definiu 998 metas para o Português do 1.º ao 9.º anos de escolaridade. No 1.º ciclo do Ensino Básico, primeiros anos na escola, a ligação entre a oralidade e o ensino dos conteúdos do domínio da leitura e da escrita é muito importante. Nos primeiros dois anos, a leitura e a escrita são as grandes novidades e no domínio da gramática quer-se que o aluno tenha noção das regularidades da língua e que, progressivamente, domine regras e processos gramaticais, usando-os adequadamente nas diversas situações da oralidade, da leitura e da escrita. Logo no 1.º ano, pretende-se que os alunos escutem os outros e esperem pela sua vez para falar, que cumpram instruções, assinalem palavras desconhecidas, articulem corretamente as palavras.
No primeiro ano do ensino obrigatório, pede-se que as crianças respondam adequadamente a perguntas, recitem e escrevam o alfabeto, leiam corretamente 40 palavras no mínimo por minuto, exprimam sentimentos e emoções provocados pela leitura de textos. Devem adquirir consciência silábica e fonémica, produzir pequenos textos, reconhecer sinónimos e antónimos. No 2.º ano, há mais competências para adquirir. Os alunos devem apropriar-se de novas palavras depois de ouvir uma exposição sobre um tema novo, construir frases com grau de complexidade crescente, ler pequenos textos narrativos, informativos e descritivos, poemas e banda desenhada. Devem também utilizar, com coerência, os tempos verbais, utilizar sinónimos e pronomes para evitar a repetição de nomes.
No 3.º ano, os alunos devem descobrir pelo contexto o significado de palavras desconhecidas, ler corretamente um mínimo de 80 palavras por minuto e ainda referir, em poucas palavras, o essencial do texto. Há outros assuntos que entram neste ano: discurso persuasivo, notícia, carta, convite, opinião crítica, interpretação de sentidos da linguagem figurada, declamação de poema, dramatização de texto, palavras agudas, graves e esdrúxulas, pronomes pessoais, determinantes possessivos, tipos de frase, discurso direto, expansão e redução de frases. “Escrever um texto, em situação de ditado, quase sem cometer erros” é outras das metas definidas.
No 4.º ano, o último do 1.º ciclo, ano de exames nacionais, os alunos devem distinguir informação essencial de acessória, diferenciar facto de opinião, mobilizar vocabulário cada vez mais variado e preciso, formular recados, avisos, perguntas, convites, fazer uma apresentação oral sobre um tema, debater ideias, interpretar pontos de vista diferentes, justificar opiniões e opções, escrever um texto em situação de ditado sem cometer erros, ler poemas em coro, dramatizar textos.
No 2.º ciclo do Ensino Básico, o Português reforça a sua autonomia como disciplina de estudo. “Nos domínios constitutivos da disciplina de Português, verifica-se o equilíbrio entre a estabilização e consolidação do aprendido e o aprofundamento e alargamento inerentes à nova etapa de ensino”. A compreensão e a expressão oral ganham maior dimensão e formalidade. Inicia-se a automatização do discurso argumentativo e no final deste ciclo pretende-se que os alunos dominem o essencial dos termos gramaticais adequados a este nível de ensino, tenham já um conhecimento reflexivo e explícito das regras gerais da língua e das suas ocorrências mais frequentes, e apliquem esse conhecimento fazendo um bom uso do Português nas diversas situações de oralidade, de leitura e de escrita.
Fazer deduções, planificar um discurso oral, construir uma argumentação simples, escrever sem erros de ortografia, escrever pequenas narrativas, escrever o guião de uma entrevista, compor textos, são algumas da competências delineadas para o 5.º ano. No 6.º ano, os alunos devem saber planear um discurso oral e fazer uma apresentação, justificar pontos de vista, detetar informação relevante, fazer apreciações críticas sobre os textos lidos, registar ideias, organizá-las e desenvolvê-las.
No 3.º ciclo, há três anos pela frente. No 7.º ano, os alunos têm de distinguir diferentes intencionalidades comunicativas, identificar ideias-chave, narrar, apresentar e defender ideias, elaborar resumos e sínteses de textos informativos, estabelecer objetivos para o que pretende escrever e registar ideias, redigir textos com coerência e correção linguística. No 8.º ano, é preciso distinguir diferentes intencionalidades comunicativas em diversas sequências textuais, reconhecer a variação da língua, distinguir contextos geográficos em que ocorrem diferentes variedades do Português. E no 9.º ano, os alunos devem saber utilizar informação pertinente, planificar um texto oral para apresentar, diversificar o vocabulário, utilizar ferramentas tecnológicas, identificar pontos de vista, analisar relações intratextuais, escrever textos argumentativos com tomada de uma posição, entre outras competências.
Fonte: Educare
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