Pedro tem 41 anos e veio à consulta por sintomas de depressão, na sequência de um divórcio litigioso. Nas primeiras consultas foi fácil compreender como a causa do seu mal-estar estava diretamente relacionada com a decisão judicial de atribuir, à sua ex-mulher, o maior tempo da guarda do seu filho Vicente, de 12 anos.
Numa decisão controversa, o juiz valorizou os relatórios periciais de psiquiatras (e pedopsiquiatra) e considerou Pedro como tendo pouca capacidade para tomar conta do filho. Na base da decisão judicial, estava a tomada de posição do juiz sobre os sintomas depressivos, ao considerar que alguém com depressão prolongada “não reúne condições para dar resposta aos complexos problemas da educação de um adolescente”, como tive ocasião de ler na sentença. Assim, Pedro começou por ver o filho quinzenalmente (com um jantar semanal às quartas-feiras), mas depressa a situação se complicou. Em quase todos os fins-de-semana em que esperava Vicente, Pedro começou a receber telefonemas a “explicar” por que razão o filho não iria: “Está com dores de garganta; tem muito que estudar e a tua casa não tem condições para o Vicente se concentrar; tem uma festa de amigos e não quer andar de um lado para outro; quando vem de tua casa, chega sempre exausto e tem depois uma semana péssima”, são exemplos de “explicações” que a mãe do seu filho passou a dar com agressividade crescente.
Pedro notou como estava a ser cada vez mais difícil relacionar-se com o filho. Um dia, Vicente disse-lhe: “Pai, não sei quando voltarei a ver-te. Sempre que estou contigo, há um inferno lá em casa. A mãe acha que exerces má influência sobre a minha vida! Mas, repara, em breve serei capaz de me deslocar sozinho e poderei ver-te, como espero.” E abraçou o pai, com lágrimas nos olhos.
Pedro está a ser vítima de alienação parental. Embora essa situação possa ocorrer em famílias intactas, é muito mais frequente no contexto do conflito no divórcio litigioso. A alienação resulta da junção de uma série de atitudes e comportamentos de crítica de um progenitor (mais vezes a mãe) em relação ao outro, com a participação do filho, que se vê cada vez mais forçado a desqualificar o progenitor “alienado”.
O progenitor “alienante” entende o divórcio como uma guerra permanente, que tem de ser ganha em todas as circunstâncias, mesmo que o custo desse combate venha a ser a saúde emocional do filho. A arma preferida é sempre a criança. A falta de tempo e a menor presença junto do filho impedem o progenitor alienado de se defender com êxito de acusações falsas. Os exemplos, como no caso de Pedro, incluem a interferência constante em conversas telefónicas, a obstrução à presença em reuniões familiares, a crítica à tentativa de mostrar fotografias do pai e, sobretudo, a proibição de visitas e de uma presença continuada do outro progenitor.
Não interessa saber se existe ou não uma “síndrome” de alienação parental, porque as práticas alienantes familiares estão demonstradas. Importa saber avaliar e intervir nestas situações. Em primeiro lugar, é preciso fazer notar que Vicente não pode deixar de querer estar com o pai de um momento para o outro, como afirma a mãe, só uma manipulação da criança pode levar a essa brusca mudança de comportamento.
A intervenção tem de ser feita em toda a rede relacional da criança, de modo a possibilitar a manutenção do vínculo com o progenitor separado (que só poderá ser afastado em condições de provado risco), o que é essencial para o seu futuro.
Daniel Sampaio
Fonte: Público por indicação de Livresco
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