sexta-feira, 22 de maio de 2015

Os génios e os pais deles. Ainda nenhuma mente brilhante conseguiu explicar de onde vem a inteligência

Os pais são decisivos? A Associação de Crianças Sobredotadas acredita que sim. Mas pode ser dos genes ou dos estímulos em casa.

Em quase 30 anos de trabalho com crianças sobredotadas, Helena Serra garante nunca ter encontrado uma família mediana. “Seja em Nelas, em Gaia ou no Porto, pelo menos um dos pais, mas normalmente os dois, evidenciam mais perspicácia e uma elevada capacidade intelectual”, diz a fundadora da Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas.

Haverá certamente ligação entre os pequenos génios que tem conhecido e os pais deles e, para a especialista em educação especial, restam poucas dúvidas de que a base da inteligência será genética. 

Nas últimas décadas, a convicção geral tem sido esta. Em 2013, um estudo com 18 mil crianças feito na Austrália concluiu mesmo que os genes terão um peso de 40% a 50% nas diferenças de desempenho nos testes de QI. Mas a ciência está longe de ter respostas definitivas. Afinal, pais perspicazes poderão apenas providenciar uma melhor educação aos seus filhos.

À procura de respostas 

Neste momento, explicou (...) Miguel Remondes, investigador do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, não há a menor certeza científica sobre o que condiciona a inteligência e em que medida. O neurocientista admite que visões como a de Helena Serra resultam do que se pensou até aqui, mas diz-se, pessoalmente, um cético.

“O fenómeno da inteligência é bastante subjetivo. Basta dizer que mesmo os resultados dos testes de QI podem ter a ver com o treino. Da mesma forma que alguém que faça sudoku todos os dias ao longo de uma semana, no final, estará muito mais inteligente a fazer este jogo, sem ter tido uma alteração genética”, diz o investigador. Indo à constatação de que crianças sobredotadas têm quase sempre pais brilhantes, Remondes diz que também isso pode resultar apenas de treino. “É uma criança que cresce numa casa com hábitos de leitura, reflexão, que adquire esse hábito por aprendizagem e não por via genética.”

Mas isto é senso comum contra senso comum. “Neste momento não sabemos qual é o peso da genética nem o peso da experiência”, resume o neurocientista. Havendo outra ressalva importante a fazer: mesmo que exista um condicionamento genético da inteligência que domine tudo o resto, os pais podem não ter nada a ver com o assunto. As mutações, como acontece em algumas doenças raras, podem surgir apenas na nova geração.

Para Remondes, uma resposta mais clara estará ainda longe e esse é o sentimento que tem invadido a comunidade científica. Começa a perceber-se que para ter resultados estatisticamente significativos na discriminação das variantes genéticas são precisas amostras com pelo menos um milhão de pessoas, explica, citando um artigo publicado em 2014 na “Nature”. Já se apurou que existirão pelo menos 34 milhões de variantes para os 23 mil genes do homem. Um estudo com 100 mil pessoas identificou três variantes com potencial, mas às quais foi associado um peso insignificativo – cerca de 1/20 do contributo que já se conseguiu encontrar entre algumas variantes genéticas e a altura. 

Por outro lado, diz o investigador, tentar apanhar a raiz de um fenómeno como a inteligência será sempre mais difícil do que com a altura ou a cor dos olhos, em que até pode estar envolvida uma combinação de genes, mas são características mais mensuráveis do que as capacidades intelectuais.

Tema polémico 

O assunto está longe de ser pacífico. Basta dizer que o pai da estrutura do ADN e Nobel James Watson é odiado por defensores dos direitos humanos e também no mundo académico pela sua afirmação de que existem diferenças genéticas por detrás da inteligência que a educação não consegue ultrapassar e que têm sido ignoradas pelo “politicamente correto”. Isto porque acredita que os povos de ascendência africana são, à custa da evolução, menos inteligentes que os caucasianos.

James Watson previu em 2007 que os genes da inteligência seriam descobertos em dez anos, prazo que está quase a terminar sem um veredicto. Se no futuro as respostas vão passar por grandes amostras, por agora, os melhores resultados que apontam para uma base genética dominante foram obtidos em investigações com gémeos. Gémeos monozigóticos criados em diferentes contextos têm mais vezes resultados de QI semelhantes do que gémeos falsos criados juntos (74% contra 60%). Mas a coerência nestes resultados é mais robusta quando estão em causa famílias pobres, o que sugere que o peso da educação mas, a um nível mais básico, da higiene e também da nutrição é fundamental para o desenvolvimento cognitivo.

Helena Serra tem essa visão; aliás, é dos princípios que move a Associação de Crianças Sobredotadas. Se a vantagem genética existe, a especialista acredita que um meio adverso pode levar as crianças ao mau desempenho e à depressão. Daí ser comum, não existindo o apoio adequado, dificuldades nos primeiros anos de escola por falta de interesse. “Tem havido algum investimento no ensino especial, mas os meninos mais inteligentes estão muito mal servidos na escola portuguesa”, avisa Helena Serra. 

Sina dos génios, como mostram os percursos de algumas das figuras que a história proclamou mais brilhantes, como Stephen Hawking e Einstein, embora alguns biógrafos o contestem. Pelo menos o cérebro de Einstein foi guardado para os cientistas procurarem pistas sobre a inteligência. Descobriram que tinha uma elevada conexão entre hemisférios, o que pode ser genético, mas, hoje, as neurociências sabem que tal resulta muito da experiência e actividade que se tem ao longo da vida. Portanto, até ver, não ajudou muito. Quanto a pais, há de tudo. Mais virtuosos como o de Mozart – também ele músico, mas nada de muito especial – ou como os pais do campeão de xadrez Garry Kasparov. A mãe de Pessoa serviu-lhe, pelo menos, de inspiração. Foi a ela que o poeta dedicou o primeiro poema.

Fonte: Jornal I por indicação de Livresco

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