terça-feira, 26 de maio de 2015

Ter um irmão diferente

A relação entre irmãos, como resultado da genética e das experiências partilhadas, é potencialmente a ligação mais longa entre todas as relações dos seres humanos. É a base da socialização e educação dos mais novos, mas também influencia de forma determinante as competências sociais dos mais velhos. É uma relação de troca, aprendizagem, imitação, mas também de competição pela atenção dos pais.

Os irmãos riem, lutam, discutem, abraçam-se e, por vezes, tudo isto ocorre no espaço de uma hora, pois tipicamente existe uma grande ambivalência de sentimentos entre si. Pela proximidade física e emocional, os irmãos conhecem-se como mais ninguém e quando na fratria existe um irmão diferente, esta ambivalência de sentimentos mantém-se, embora pareça haver um acentuar destas questões. Em todas as relações de fratria há que considerar a idade, género, recursos, personalidade. Nos casos de irmãos com necessidade especiais, importa acrescentar as especificidades do problema, bem como a forma como ele é visto e como se lida com ele.

A investigação sobre as relações entre irmãos com desenvolvimento normativo forneceu as bases para se construir um melhor e mais aprofundado entendimento das fratrias que têm dinâmicas mais complexas. Algo que parece ser comum nas relações de irmãos em que um deles tem uma dificuldade ou problema, é que surgem não só sentimentos negativos, mas também vários sentimentos positivos face à situação.

“Os sentimentos são difíceis de descrever… são como pensamentos, dentro de nós, que afetam a forma como nos comportamos. Às vezes sabemos o que estamos a sentir… outras vezes, sentimos uma coisa que não sabemos o nome”.

Um dos sentimentos que pode surgir é o medo. O irmão sem dificuldades fantasia sobre se terá ou não o mesmo problema. Esta situação é grandemente influenciada quer pela gravidade do problema, quer pela posição etária na fratria. Irmãos mais novos tendem a ter mais frequentemente este tipo de receio, que também se pode manifestar pelo medo associado ao crescimento, com questões associadas ao facto de crescer e poder adquirir características ou comportamentos semelhantes aos do irmão.

Outro sentimento muito comum é a vergonha. Por vezes o irmão com problemas pode ter uma aparência diferente ou manifestar comportamentos bizarros, que levam a que o outro elemento da fratria possa ficar envergonhado perante os amigos. Esta situação é típica sobretudo na adolescência, pelo que se torna importante comunicar com a criança ou jovem, permitindo que tenha espaço para o sentir, e ao mesmo tempo tentar modelar um comportamento de aceitação mais apropriado utilizando, por exemplo, o humor.

Quando confrontamos um irmão por causa dos sentimentos que manifesta, podemos levar a que exiba sentimentos de culpa, embora este sentimento possa também surgir sem qualquer confrontação. Algumas das preocupações que surgem relacionadas com esta culpa são a possível responsabilidade pelo problema, a culpa por não ser ele a ter um problema, culpa por sentir que tem mais competências, culpa por ocasionalmente ter sentimentos negativos face ao irmão ou por existirem conflitos entre os dois.

Muitos irmãos experienciam ainda sentimentos de isolamento, solidão ou perda. Estes sentimentos surgem face à perda da atenção dos pais, quer porque, de facto, estes estão menos presentes por estarem focados no irmão que tem dificuldades, quer porque sentem que não merecem tanta atenção quanto o irmão. Sentem-se também isolados e sós, por um lado por se sentirem únicos nestas situações, e, por outro, porque muitas vezes são deixados de fora do processo e não sabem o que se está a passar ou o que irá acontecer, levando a que muitas vezes surjam conceções erradas.

O ressentimento pela perda da atenção dos pais, pela diferente forma como os pais tratam os filhos sendo normalmente mais benevolentes para com a filho com necessidades especiais, pelo aumento da responsabilidade nas tarefas de casa e na proteção do irmão, pela possibilidade de, consoante a dificuldade, virem a ser os futuros tutores do irmão ou pela maior pressão exigida, por vezes não só pelos pais mas por si próprios face às suas competências, surge como mais um sentimento vivido de forma negativa.

Para ultrapassar estas questões torna-se fundamental que os pais possam comunicar de forma eficaz com os filhos. Tendo sempre em conta a idade e desenvolvimento da criança ou jovem, torna-se fundamental incluir o filho que não tem dificuldades no processo relacionado com o irmão. É preciso responder às suas questões, tentar antecipá-las fornecendo informação sobre o problema e desmistificando todas as questões acima mencionadas. É preciso normalizar e aceitar os sentimentos expressos, reconhecendo que é um processo natural e que podem surgir sem que isso cause dano ao outro.

Nestas relações de fratria surgem também oportunidades únicas e especiais. Estes irmãos são muitas vezes vistos como mais maturos, desvalorizando algumas preocupações triviais típicas da sua idade, aceitando um aumento da responsabilidade e adquirindo uma perspetiva diferente face ao mundo. Estes irmãos são ainda encarados como tendo uma visão de si mais positiva e como sendo socialmente mais competentes. Podem mostrar uma maior perceção e valorização das capacidades dos irmãos, uma maior apreciação da família e pela saúde em geral. São pessoas mais tolerantes, pelo que se tornam mais ativos na formação e sensibilização dos outros para os problemas sentidos e para a diferença. Pelo seu papel ativo, sentem-se como um membro importante do núcleo familiar. Estes irmãos revelam ainda uma grande capacidade de encontrar estratégias de autocontrolo em situações desafiantes. Finalmente, tal como em qualquer outra relação de irmãos, existe um sentimento de lealdade enorme entre si.

Quando falamos em ter um irmão diferente, normalmente focamo-nos nos aspetos negativos e nas dificuldades que podem surgir. No entanto, é importante lembrarmo-nos que existem muitos ganhos. A capacidade de resiliência, aceitação e tolerância ao problema demonstrada por estes irmãos é fundamental para um maior bem-estar dentro da família e tem repercussões na sociedade em geral.

Carolina Viana
 
Psicóloga Clínica, CADIn
 
Fonte: Público

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