Nenhuma classe profissional foi tão maltratada como a dos professores. Nos últimos vinte anos, progressivamente, perderam direitos e autoridade. E, muito mais grave, perderam o reconhecimento do Estado e da comunidade. Encurralados numa sociedade que privilegia a volatilidade e vive para o dia seguinte; humilhados pelas circunstâncias; menosprezados por agendas mediáticas que transformam as notícias numa permanente novela; os professores estão desesperados. Legitimamente desesperados.
Não é uma questão ideológica. Um assunto que divida a esquerda e a direita, liberais e social-democratas, socialistas ou libertários. O menosprezo dos professores é uma vergonha, uma insensatez, um crime contra o futuro. Porque sem eles, sem um reconhecimento explícito do seu papel, sem a capacidade de encontrar maneiras de reencontrarem o sentido da sua profissão, não existirá futuro, progresso, evolução ou elites.
Por isso, neste dia de arranque do ano letivo, mais do que falar do regresso dos alunos, o [jornal] "i" homenageia os professores e o ser professor, um dos mais extraordinários destinos a que se pode ambicionar. Uma profissão que oferece aos outros o melhor que se tem, como a Marta Reis tão bem escreve nas páginas seguintes. Numa época de tantas desconfianças quase duvidamos de que estas pessoas existem mesmo. O professor que criou um viveiro onde os miúdos produzem ervas aromáticas. A professora inconformada com o curso das coisas que "fugiu" para Moçambique para que o seu sonho não morresse. O professor que, separado por centenas de quilómetros da mulher que ama, continua fascinado com a ideia de se sentir útil aos outros. A professora em Lamego que convence todos os alunos, a maioria filhos de agricultores, a candidatarem-se a prémios e a sonharem que é possível alargar horizontes. O professor no Alentejo que leva os seus alunos aos lares para reforçar a identidade local. A professora de Viseu que envolve pais e filhos numa grande comunidade. A professora no Cerco do Porto que convenceu os miúdos, de um dos principais bairros problemáticos do Porto, que não há limites para o saber.
Ser professor é isto. É ter vontade para virar tudo do avesso, provar pelo exemplo e exigir dignificação e respeito. Neste dia de arranque, a primeira palavra (...) é para eles. Estaremos aqui para essa batalha de futuro - não falo dos combates laborais, das reivindicações (isso é matéria estritamente informativa e será tratada com rigor e isenção), mas a batalha da identidade, do futuro, essa batalha é também a nossa.
Estimular o talento sem antes dar corda à vontade, é uma batalha perdida. Por isso, de nada vale reconhecer no outro grande capacidade para ser bailarino, escritor, artesão, empresário ou professor quando a sua vontade para o ser não é suficientemente forte. É sempre uma batalha. Entre as ideias que se tem e a força para as executar. Juntar uma coisa e a outra.
Sem ses e interjeições do género. Se tivesse muito dinheiro como aquele. Se conseguisse o sucesso do outro. Se fosse bonito como o que é bonito. E desejável como o que é desejável. Se soubesse falar línguas como os que falam línguas. Se tivesse dotes de oratória, se soubesse cozinhar como os que cozinham. Uma vida num lamento. Porque se gastarmos tempo com ses, seremos apenas uma novela barata de ficção e não um livro por escrever. E os professores são o livro por escrever que os nossos filhos e netos precisam para construir o que não fomos capazes.
Paula Santos, 43 anos
“Cativar os alunos é como uma dança”
Paula Santos estava a dormir quando saiu a lista de colocações que a levaria para a escola de um dos bairros mais problemáticos do Porto. “Estávamos de férias. Avisado pela minha sobrinha, o meu marido acordou-me para dizer que tinha ficado no Cerco. Virei-me para o lado e ele ainda insistiu, mas só de manhã pensei ‘Eh lá’, o Cerco?”. Passaram nove anos mas a professora de História ainda lembra o primeiro dia de aulas, quando chegou a temer a indisciplina e sem perceber muito bem como se iria aguentar. “A primeira aula foi logo às 8h30, uma turma grande de 8.º ano em que uns três ou quatro alunos tentaram boicotar a aula e estavam sempre a fazer piadas”, conta. Mas houve um momento em que todos se calaram e Paula, que diz não ter jeito para ser má e nunca foi adepta da máxima de que “um professor só pode mostrar os dentes [num sorriso] pelo Natal”, percebeu o seu caminho. “Disse-lhes que não me viessem com a história de que são burros, porque todos têm capacidades se quiserem usá-las.”
Juan Nolasco, 38 anos
O engenheiro que se tornou professor do ano
Juan Nolasco admite que foi uma escolha difícil, mas não está arrependido. Engenheiro eletrotécnico, começou por trabalhar numa fábrica de produtos químicos. Um dia experimentou dar aulas no ensino noturno e a paixão pela educação nunca mais passou. Fez um curso de informática e em 2006 tornou-se professor a tempo inteiro, uma aventura maior do que estava à espera, mas feliz.
Passou por oito escolas, nos primeiros tempos mais do que uma por ano a substituir professores de baixa ou licença. Esteve em Gondomar, Oliveira de Azeméis, Aveiro, Águeda, Pedrógão Grande, Penafiel, Cinfães. Mas a escola que mais o marcou foi onde esteve nos últimos cinco anos, em Santa Maria, nos Açores. Isto mesmo com o oceano a separá-lo da mulher, que continuou em Penafiel, a segunda terra natal de Juan depois de ter voltado com os pais da Venezuela, onde nasceu e fez a escola primária.
Foram os alunos da Escola Básica e Secundária da ilha açoriana – que duas vezes ajudou a serem selecionados pela Agência Especial Europeia para representarem Portugal na final da competição de mini-satélites CANSAT e também entusiasmou com robôs e dicas para desenvolverem aplicações para telemóvel, – que o nomearam para Professor do Ano, galardão atribuído pelo “DN” que Juan Nolasco ganhou no ano passado.
À espera do primeiro filho, este ano o professor pediu para ser colocado no continente. Na passada terça-feira, soube que começa hoje a dar aulas em Elvas, terra onde nunca tinha estado e onde sabe que ficará pelo menos um ano. Mesmo longe de casa, não mostra ressentimento, apenas o entusiasmo de quem vai para um novo desafio. “Estou satisfeito, fiquei mais perto, a quatro horas. Não dá para ir e vir todos os dias mas ao fim de semana é melhor”, diz. A disponibilidade para ajudar os alunos, mesmo quando o abordavam com dúvidas no supermercado, e a flexibilidade para ir além dos objetivos do programa, são as suas explicações para ter cativado os alunos. “Hoje já têm bons conhecimentos de informática, mas é um desafio ajudá-los a estruturar a forma como pensam a tecnologia, a irem além dos videojogos que usamos para os motivar e começarem eles próprios a programar, o que começa a ser visto como uma nova língua.”
Juan Nolasco insiste em fazer um agradecimento público aos alunos de Santa Maria e à ilha de 5000 habitantes, que o recebeu como se fosse um deles. Agora, é Elvas que o espera. Envolver mais uma escola nos satélites é uma forte probabilidade, já que todo o conhecimento de uma pessoa só é útil se ressoar na geração seguinte, diz. “Ensinar é ajudar as gerações depois das nossas a progredirem, com o que herdámos e aprendemos, sejam conhecimentos ou valores.”
Eduardo Miguel, 49 anos
“A minha sala de aula é um viveiro”
Eduardo começou por dar aulas de Religião Moral há 29 anos, mas depressa percebeu que a escola lhe pedia um envolvimento maior. Colocado na Sertã, sem horário completo, foi integrado no apoio a alunos com necessidades especiais. O cuidado em estabelecer uma relação de proximidade para lá da hora semanal fê-lo começar a arranjar estratégias para reforçar o acompanhamento, até perceber que não chegaria a veia autodidata. Acabou a fazer formação em Educação Especial e de regresso à sua escola de origem, em Proença-a-Nova, calhou estar na coordenação quando duas professoras tiveram a ideia de criar uma oferta pré-profissional para estes alunos, que juntasse conhecimento da realidade local, história e ação.
Surgia assim, há oito anos, a Escola BioAromas, em que os alunos aprendem técnicas de cultivo, plantam e secam ervas para fazer infusões e chás, além de irem também para o campo apanhar ervas espontâneas. Entre os banais coentros ou hortelãs, já recuperaram a Perpétua Roxa ou as Maravilhas, com propriedades anti-inflamatórias. Para Eduardo, o viveiro tornou-se a verdadeira sala de aula. “Aprendem sobre natureza e realidade local e valorizam ao mesmo tempo competências que poderão ser úteis na vida ativa e com um lado prático.”
Os primeiros alunos no projeto a completar os 12 anos de escolaridade obrigatória deixaram a escola no ano passado e dois encontraram emprego em áreas onde vão aproveitar o treino. “São alunos que no 6.º ano quase não sabiam ler e hoje fazem-no, não são enganados nas contas, ganharam autonomia.”
O entusiasmo dos jovens e conquistas como participarem numa mostra ibérica e ficarem a dormir num hotel com o dinheiro feito nas vendas, são a grande a motivação. Até porque agora o projeto tem de ser autossustentável. Quando as restrições começaram a levar a cortes, o projeto que fazia parte de uma unidade reconhecida pelo ministério deixou de ser oficial: os relatórios não diziam “preto no branco” que as crianças que os professores estavam a seguir eram autistas, não obstante referirem perturbações do espetro autista, problemas cognitivos, de fala e um caso de síndrome de Down.
Valeu-lhes os responsáveis não se terem resignado ao não administrativo e a Escola BioAromas passou a ser considerada um apoio. Mas perderam 900 euros de financiamento, a terapia da falta, o psicoterapeuta, a assistente operacional e horas de psicologia. Resta o reconhecimento, que dá ânimo. “Claro que a escola fica satisfeita com os rankings e grandes médias de entrada para a faculdade e isso é importante, mas as nossas pequenas vitórias, que não vêm em lado nenhum, também são reconhecidas na comunidade e isso motiva-nos a continuar.”
Saber esperar por essas pequenas vitórias e desvalorizar as desilusões é uma das aprendizagens deste professor, que sublinha que sem trabalho de equipa e um espírito de missão, já que muitas horas são voluntárias, nada seria possível. “Era importante haver apoio, mas se não quisesse fazê-lo, não havia dinheiro no mundo que me obrigasse abraçar este projeto com o carinho com que o faço.”
Isilda Lourenço Afonso, 58 anos
A professora hiperativa que leva os alunos a ver mais além
Isilda Lourenço Afonso não perde uma oportunidade de levar os seus alunos a participar em prémios, concursos e projetos, sejam regionais ou internacionais. É professora de Português e Francês há 35 anos e na última década descobriu que este era o incentivo que faltava para ajudar as crianças e jovens, muitos naturais de pequenas aldeias, a ver mais além e a quererem dar todos os anos um pouco mais.
Tudo começou com uma maquete que os alunos fizeram para consumo interno a propósito de um projeto sobre energias renováveis. Ao perceberem que podiam ter participado num concurso da fundação Ilídio Pinho, mostraram-no na mesma e o reconhecimento levou-a a levar a obra a uma mostra regional.
A turma veio para casa distinguida com um portátil de última geração. “Eram miúdos da aldeia, não imagina a alegria. Até os pais vieram à escola ver o que eles tinham ganho”, lembra. “Depois de descobrir a força disto, nunca mais parei. Às vezes pensamos que não está assim tão bom mas concorremos sempre, nunca se sabe e só terem um certificado de participação faz toda a diferença”.
A iniciativa Conetando Mundos, em que os alunos participam em reflexões com estudantes de outros países, ou o projeto Marlisco, sobre poluição do oceano, são algumas iniciativas em que Isilda envolve os seus alunos do 2.º e 3.º ciclo, que geralmente inscreve em três ou quatro projetos por ano. Além disso, desafia-os a participarem no concurso “Uma Aventura Literária…”, da Caminho, e no Prémio Nacional da Melhor Carta dos CTT/ANACOM, que uma das suas alunas venceu no ano passado. “Quando calham comigo, já sabem que não vão faltar desafios exta-aulas”, brinca. E porque o incentivo funciona também porque é divulgado nos corredores da escola e fora de portas, partilham todas as participações no blogue sabereconnosco.blogspot.pt.
Ver que os alunos se sentem valorizados mesmo quando as suas vidas têm piorado nos últimos anos é o que move esta professora. A maioria recebe apoios sociais e os professores já têm detetado casos em que a única refeição é o almoço na escola. “Fazê-los sentir que estão à altura de qualquer outro ponto do país e do mundo é um reforço muito importante nesta fase das suas vidas, para que sejam jovens e adultos mais confiantes”, diz Isilda, que resume a sua tarefa a dois princípios: reflexão permanente sobre o que faz falta a cada criança e diálogo, para que as necessidades sejam resolvidas.
Maria Martins, 54 anos
Directora de turma por vocação
Na primeira reunião de pais, Maria Martins escreve logo o número de telefone pessoal no quadro para que não haja desculpas. “Digo-lhes que, comigo, ninguém pode dizer que não tem como saber o que se passa na escola, nunca achei chato que um pai me ligasse sistematicamente. Até digo a brincar que se alguém não tiver telemóvel, nós arranjamos”, diz a professora do agrupamento de escolas de Viseu Sul.
Começou como professora de Educação Musical, mas logo descobriu a função que lhe encheria as medidas: ser diretora de turma. Passados mais de 20 anos, quase sempre com esta tarefa, está cada vez mais empenhada em cumprir a sua missão na escola: construir pontes, define. Assumiu como lema que “todos aprendem com todos”, um exemplo de educação herdado dos pais, que a ensinaram a tratar todos por igual independentemente da instrução.
Do estudo (tem um mestrado e doutoramento focado na relação escola/família) e da experiência, foram nascendo pequenas mudanças, como sentar os pais em “o” nas reuniões em vez de lhes falar como se estivesse a dar uma aula. “Somos pares, não tenho de estar em destaque.” A escola flexibilizou os horários para receber os encarregados de educação e Maria passou a enviar as convocatórias para reuniões com a hora de início e fim, mesmo que o encontro se prolongue com conversa. “Os temas ficam sempre tratados até à hora do fim, o que faz os pais virem sem receio de nunca mais acabar.”
Mas os truques não se ficam por aqui: a criança é o centro e, para “quebrar o gelo”, trata os encarregados pelo nome dos alunos, como pai Maria João ou avó Luís. Com os jovens, engendrou um esquema para os tornar parceiros na tarefa de manter ordem na sala de aula: por regra não manda recados com ralhetes, mas a parabenizar os que se portam bem. Tem um esquema de pontos por cada falta de comportamento, que eles próprios monitorizam. Ao final de algum tempo, quem tem “cadastro” limpo leva o bom recado para casa. Estar perto deles implica conhecer o seu mundo e até já foram visitar o rio da aldeia de um grupo de alunos.
Se tudo isto são ferramentas úteis, o menino dos seus olhos e que acredita estar a deixar uma marca na escola é um projeto iniciado em 2010 e este ano rebaptizado de “Escola e Família em Formação/Ação” (www.ppfa.pt). Tem o apoio de todo o agrupamento e envolve mais de 30 profissionais de diferentes áreas, além das associações de pais. Todos os meses, numa sexta à noite, organizam formações temáticas abertas a pais e profissionais, desde introdução a técnicas de estudo a sexualidade e drogas. Num agrupamento que habitualmente tinha nota fraca na participação dos pais, a adesão aos debates chega a arrastar os encontros até à uma da manhã. “Temos tido uma média de mais de 100 participantes, o que, pelo que temos conversado com outros colegas, não acontece em mais nenhum lado no país.”
Preparam ainda formações próprias a pedido dos diretores de turma quando há problemas na sala de aula e vão iniciar uma formação de pais, alunos e professores para uma turma com pior comportamento, para ver se o treino intensivo de inteligência emocional funciona. Isto numa escola onde os alunos do 8.º ano já apadrinham os do 5.º, para ajudar na integração e nos estudos. Para organizar tudo, não faltam noites de trabalho e reuniões. “Acho que na vida todos temos de ter uma bandeira e esta acabou por se tornar a minha. Os meus filhos já estão crescidos e já se habituaram, foi assim que escolhi gastar o meu tempo.”
Amândio Valente, 51 anos
O D. Quixote das pequenas escolas do Interior
Professor de 1.º ciclo, Amândio Valente tem 28 anos de uma luta obstinada pelo Interior, quase à D. Quixote, acaba por admitir – apaixonada mas com algumas derrotas. Neste período, terão fechado dois terços das escolas do Norte alentejano, onde fez a maior parte da carreira. Não cresceu numa pequena aldeia, mas lembra que já nos seus tempos de estudante, no liceu de Portalegre, percebia-se que iniciava uma luta pela sobrevivência. “Na minha turma havia o grupo dos que eram de Portalegre, depois havia o grupo de Marvão, de Vide, como se andarem juntos preservasse a sua identidade local”, conta.
Quando acabou o curso, foi colocado na escola de Arronches, onde na altura estavam a dar os primeiros passos iniciativas de ligação da escola à comunidade. O tema tornou-se a sua causa, até porque em projetos regionais e nacionais foi percebendo que, contra a realidade da diminuição da natalidade e envelhecimento, as escolas só seriam espaços vivos se inovassem e se tornassem eixos centrais da vida em comunidade.
Há três anos a dar aulas em Castelo de Vide, conta que o segredo está em mobilizar toda a comunidade para o mesmo fim, envolvendo no projeto professores, pais mas também representantes das instituições locais como a Santa Casa ou centros de saúde. Depois, é preciso ideias que cumpram o programa mas também o desafio de tornar a escola um pólo dinamizador, como levar os alunos a lares para ouvirem as histórias dos mais velhos, e assim a pena dos pequenos ajudar a preservar a memória local. “Por vezes, quando ouvimos dizer que vai fechar uma escola, só vemos os protestos. A estratégia tem de começar antes, tornando a escola central na vida da comunidade. Uma escola que de facto só tenha cinco alunos é impensável, mas se for lugar de encontros entre gerações, oferta extracurricular e vida, não tem por que fechar”, explica. “Agora isto tem de ser medido, não se pode avaliar e fechar só com base no número de alunos.”
Se no terreno há passos positivos, diz faltar reflexão política. Até porque quando se olha de perto, nem o argumento da poupança faz sentido. Um dos encerramentos que mais o marcou foi o da escola básica de São Julião, em Portalegre, que levou as crianças a passarem a fazer quase três horas de viagem diária no trajeto de ida/volta para Reguengos, do outro lado da serra de S. Mamede. Já este ano, indignou-o o fecho do 1.º ciclo da escola de Póvoa e Meadas, que deixou sozinhas na aldeia as crianças do pré-escolar sem contacto com os mais velhos e mandou 11 crianças para o seu agrupamento em Castelo de Vide, a 18km. “Toda a gente se manifestou contra mas, na hora, nada foi tido em conta. Claro que podemos pensar no que se ganha com a concentração, mas quem avalia o estigma social que se cria e a diminuição dos pais e das suas vidas só por serem na periferia? Houve uma ministra que perguntou como se podia defender estas escolas quando as comunidades já não têm alma, e os pais destas crianças o que são?”
Nas suas aulas, faz questão em ensinar a matéria num ambiente de democracia e participação, em que cada aluno tem um diário de bordo e contribuem para o jornal escolar. Para que sejam interventivos se chegar a hora de fechar Vide?, perguntamos. Amândio sorri: sublinha que o espaço de intervenção tem de ser sempre de liberdade, não procura vender ideias mas ferramentas. Enquanto professor, o seu papel é apenas lutar contra a passividade e o empobrecimento cultural, mesmo quando tudo à volta fecha.
Maria Umbelina Dantas, 56 anos
“Disseram-me que era maluca, para pensar no que ia perder”
Umbelina percebeu que queria ser professora quando ainda andava na escola primária. O sonho realizou-se durante 34 anos na escola pública, nos últimos tempos a dar aulas de animação sociocultural a alunos de percursos profissionais na escola de Ponte da Barca. A cada ano, sentia-se mais feliz e motivada, até que começaram os cortes, as burocracias e os rostos carregados.
Via a alegria desaparecer-lhe da voz e para ganhar ânimo respondeu, numas férias de Verão, a um pedido de voluntários para Moçambique. A experiência abalou-a: “na rua via miúdos com uma cadeira, que me diziam que era para terem onde se sentar na escola. Em Portugal, via-os deitados nas cadeiras, aos pontapés.” Começou a ser-lhe doloroso pensar no que a escola centrada em números e não em pessoas estava a fazer aos alunos e professores e como noutros lugares haver um professor era o que bastava para matar a sede de conhecimento. “Dei comigo a pensar: já vivi metade da minha vida, quero ser feliz e útil no tempo que me falta.” Ainda sem planos, há dois anos decidiu pedir a reforma antecipada para se dedicar ao voluntariado. “Ao início, só os meus filhos me apoiaram. Os meus colegas diziam que eu era maluca, se tinha pensado no que ia perder. Eu só pensava no que ia ganhar.” Demorou, mas o pedido foi autorizado.
Com 34 anos de serviço e a penalização, ficou com uma reforma de 720 euros, com a qual admite que seria difícil viver em Portugal. Mas o convite para ir viver de novo o sonho de ensinar não tardou e este ano rumou à Cidade da Beira, onde dá formação como voluntária a educadoras do pré-escolar e no próximo ano vai ajudar a formar a equipa de professores de uma nova escola. “São coisas simples em que sinto que podemos fazer a diferença. Mostrar a importância de ensinar de olhos nos olhos, esperando que a sala esteja em silêncio para que ninguém fique para trás e envolvendo em vez de obrigar a repetir”, explica Umbelina, ainda a habituar-se ao ritmo de Moçambique, sem pressas mas madrugador. Acorda às 5h da manhã para estar na escola às 7h, para ensinar mostrando nas aulas como se faz e não expondo apenas teoria no quadro, o que nunca funcionou com os seus alunos.
Sente-se numa espécie de paraíso para os professores, onde cada pequeno gesto é pago em sorrisos. “Há dez anos, depois de uma separação difícil onde percebi que o dinheiro é motivo de muita discórdia, assumi como lema viver para dar, porque é dando que se recebe.” Dar afetos, que o resto é efémero. “Quando vim pela primeira vez, perguntavam-me se levava rebuçados para as crianças. Ficavam surpreendidos quando dizia que não, mas o que faria quando acabassem?”. Em meses, a paixão pela educação voltou a crescer, um banho de entusiasmo pela escola que acredita que mudaria a vida de qualquer professor e aluno em Portugal. Não sente que desistiu, foi a forma que encontrou de continuar a ser a professora que sempre quis. Tenciona ficar fora por seis anos, depois logo se vê.
In: Jornal I por indicação de Livresco
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