Sendo a problemática da deficiência auditiva uma matéria tão heterogénea quanto os diferentes tipos, graus de perda de audição e as realidades individuais, torna-se muito difícil abordar a deficiência auditiva em si.
A especificidade do grau e tipo de perda, bem como o período da vida em que a mesma surgiu, condiciona todo o processo de diagnóstico, intervenção e reabilitação.
As consequências da perda de audição em função da idade são particularmente dramáticas quando esta ocorre antes da aquisição da linguagem e da fala, mas não deixam de ser igualmente gravosas num adulto em idade ativa ou mesmo num idoso, ainda que tenham manifestações muito distintas.
A evolução no rastreio neonatal da surdez e a intervenção precoce, nas suas diferentes vertentes, veio alterar o paradigma da Reabilitação da Surdez, facilitando aquisições e a integração plena na sociedade. Como é sabido, a surdez neurossensorial profunda não tem cura, qualquer que seja a forma de intervenção precoce. À luz dos conhecimentos atuais, a criança que nasceu ou adquiriu a surdez jamais deixará de ser surda, no que toca à deficiência do órgão que é responsável pela transmissão dos sinais sonoros ao cérebro. Acontece que nós não ouvimos com os ouvidos, não vemos com os olhos, mas sim com o cérebro. Há por isso uma imensidão de ações que devem ser concretizadas para compensar esta perda do órgão periférico.
Todo o esforço que tem sido desenvolvido, em qualquer das vertentes, tem por objetivo estimular o cérebro o mais precocemente possível, habilitando-o a desenvolver capacidades muito específicas que lhe permitam captar, sob diversas formas, todos os sinais e informação.
Em geral, estes sinais são veiculados acusticamente, mas também poderão ser veiculados através de estímulos visuais ou outros, tendo sempre por objetivo servir de meio de comunicação. É precisamente a comunicação, através de códigos precisos que nos podem levar à abstração e ao desenvolvimento cognitivo. Para que tal possa ser uma realidade, determinadas zonas cerebrais necessitam de ser estimuladas nesse sentido e num determinado período do seu desenvolvimento.
Ainda que utilizando zonas bem diferentes do cérebro, é precisamente neste sentido que a intervenção precoce actua, quer utilize a estimulação acústica como veículo da fala ou a estimulação visual como veículo da língua gestual. É aliás esta a razão de ser para introduzirmos a estimulação acústica pelos aparelhos auditivos, a estimulação eléctrica através dos implantes cocleares ou a língua gestual, para o caso das primeiras não serem possíveis ou indesejadas.
A representação cerebral que ficará gravada, principalmente durante os dois primeiros anos de vida, será crucial para a forma como a criança surda irá comunicar no futuro. O cérebro tem neste período uma moldabilidade inigualável, permitindo aquisições verdadeiramente extraordinárias, como por exemplo a possibilidade de uma criança conseguir um desempenho idêntico em duas ou três línguas.
O nível de desempenho com que a criança descodifica a mensagem recebida e a qualidade da mensagem produzida, que fará com que a mensagem seja inteligível pelo seu interlocutor, irão determinar a maior ou menor integração da criança/adolescente surda na sociedade ouvinte e na comunidade surda.
É um facto indiscutível que temos, por vários motivos, diferentes realidades na reabilitação da deficiência auditiva e que levam a que existam diferentes níveis de integração na sociedade ouvinte e na comunidade surda.
Também é uma constatação que a sociedade ouvinte e a comunidade surda têm um défice de informação relativamente a esta heterogeneidade de realidades. Por isso, a iniciativa do Deaf Talks tem o mérito de ser uma iniciativa única capaz de juntar diferentes perspetivas e realidades da deficiência auditiva de uma forma aberta e respeitando as diferenças.
Tendo o DeafTalks 2013 sido um sucesso, não hesitámos em apoiar este ano a segunda edição, procurando enriquecer ainda mais as experiências que podem ser escutadas através dum painel diversificado de participações individuais, procurando sobretudo dar voz aos próprios. Pensamos que a partilha de experiências, na primeira pessoa, é uma forma de sensibilizar a sociedade para o facto de existirem várias realidades da deficiência auditiva das quais resultam vivências muito próprias.
O facto de os próprios poderem expressar em público a sua história de vida assume um carácter emocional fortíssimo, permitindo uma maior eficácia no processo de sensibilização das entidades e da sociedade em geral.
Por todos estes motivos, junte-se a nós! Venha conhecer de perto a realidade apaixonante de como é possível ultrapassar a barreira da surdez na comunicação.
Rui Ribeiro Nunes
Mestre em Audiologia e membro do GRISI – Grupo de Rastreio e Intervenção da Surdez Infantil
In: Público
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