Sempre me intrigou o exacerbado interesse que existe sobre a sexualidade das pessoas com deficiência (PCD). Digo exacerbado e explico porquê. Recentemente numa inquirição sobre quais os temas de formação permanente que eram preferidos por educadoras de infância (surgiu o “inevitável “ tema da “sexualidade e deficiência”). Este interesse é obviamente legítimo e racional e vou tentar explicar porque é que o é, na minha perspetiva, é claro.
O ponto de partida é que se deve passar algo de estranho com a sexualidade das Pessoas com Deficiência (PCD). A sua sexualidade é vista como um problema e até algo de patológico. Se o ponto de partida é este, os resultados só podem ser ainda piores. Se é um problema o melhor é não falar nisso. Existem investigações que recolheram opiniões de pais de PCD que dizem que não falam de sexualidade aos seus filhos para evitar que esse assunto ainda se agrave. A ideia é que tratar o assunto como se as PCD fossem assexuadas: o problema não existe. Mas, como sabemos ele existe e não adianta varrê-lo para debaixo do tapete.
São conhecidas as dificuldades que as PCD têm de desenvolver uma sexualidade saudável e feliz. Descreveria três delas:
a) Antes de mais a diminuição de contatos sociais. As PCD têm por norma uma rede de contatos sociais muito mais restrita do que as pessoas sem deficiência. Este aspeto tem várias consequências: antes de mais reduz as oportunidades de informação. Na verdade, muita da informação que qualquer pessoa dispõe sobre sexualidade é transmitida entre pares, quer dizer que muita desta informação é transmitida e discutida em situações de interação e contactos interpessoais. Ora as PCD tendo redes sociais e de interação menos alargadas acabam por ter menos informação.
b) Para além da informação que é veiculada pelos contatos interpessoais, sabe-se que as PCD têm menos informação proveniente de outras fontes (família, professores, etc.) do que as pessoas sem deficiência. E doaremos um exemplo: em Portugal a educação sexual está regulamentada pelo dec-lei 60/2009 que indica que a educação sexual no meio escolar deve ser abrangente de todos os alunos. Mas os alunos que frequentam uma unidade (de multideficiência ou de ensino estruturado) têm um acesso mais restrito às salas de aula “regulares” onde é dada esta informação. Este é só um exemplo em que se verifica que há menos informação disponível.
c) A sexualidade das PCD é frequentemente entendida de uma forma “infantil”, isto é como sendo algo que apesar de real não poderá ser assumido plena e responsavelmente. A infantilização é uma forma de recusar que as PCD têm uma sexualidade e que não existe nada de especial nisso. Se se fizer regredir a sexualidade ao bebé, não se passa nada de especial…
O tema é extraordinariamente complexo e lato mas deixaria algumas sugestões de linhas de pensamento e de atuação:
1. A PCD tem uma sexualidade que tem de ser encarada e claramente assumida. Ignorar, desvalorizar, “desviar o assunto”, não é só uma inconsciência mas constitui também um atentado ao direito da pessoas levar uma vida com felicidade e qualidade.
2. A Inclusão continua a ser a grande alavanca. É através da inclusão que se podem potenciar as redes sociais que por sua vez favorecem o debate, a informação e a formulação das questões como sendo reais e suscetíveis de uma solução.
3. Precisamos de mais informação/formação para as famílias, para os professores, para os agentes comunitários e para as próprias pessoas com deficiência. Este trabalho com as pessoas que educam, ensinam e cuidam das crianças e jovens é essencial porque frequentemente a forma como estas pessoas vivem a sua própria sexualidade (os seus medos, tabus e fantasias) tornam-se “leis” que são transmitidas de forma inquestionável. Esta informação e formação é decisiva para que não se pense que o que temos que ensinar está dependente da racionalização das nossas próprias vivências saber a nossa sexualidade.
Antes, como agora, é necessária mais ação para assegurar os direitos à sexualidade das PCD. E isso começa na escola.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial e professor universitário
In: Revista Plural & Singular, p. 54.
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