Eu gosto de metáforas. Alguém que já tenha estado verdadeiramente empenhado em ensinar algo a outra pessoa sabe do valor que o uso de uma metáfora tem para dar ao aprendiz uma imagem, outra visão do conteúdo que se pretende ensinar. Gostei portanto que o primeiro-ministro Passos Coelho tenha referido no seu discurso as “salsichas educativas” (entendi como conglomerados de medidas educativas) que foram postas em vigor por governos anteriores mas que não tiveram a eficácia desejada. Tendo gostado do arrobo pedagógico do nosso governante, não gostei tanto do caminho para que esta metáfora nos conduz. Vejamos:
O sistema educativo é uma estrutura social de enorme complexidade. Para ter sucesso na alteração de algum dos seus componentes de forma consistente é essencial que haja, antes de mais, tempo. As medidas educacionais que se tomam agora vão influenciar os alunos, as escolas, os concursos, (eventualmente) a sociedade daqui a muitos anos. Daqui que eu sempre achei caricato que os partidos se confrontem discutindo a eficácia de medidas educativas que foram aplicadas há pouco tempo. Tivemos até recentemente um episódio risível em que um governante procurou atribuir às políticas do seu governo (com dois anos) a melhoria dos resultados dos alunos portugueses em provas de avaliação internacionais. Mas se há domínio em que o tempo é determinante para se avaliar a magnitude e a direção dos resultados, esse é o da Educação. Desta forma, temos sempre que pensar na educação com aquela ideia de “desígnio nacional” que deve assumir continuidades mesmo que, no calor das refregas eleitorais, elas pareçam sacrílegas. Quantos governos foram precisos para trazer a educação para o estado em que está? Quantos governos faltam para consolidar a escola a tempo inteiro? Quantos governos serão necessários para encontrar vias profissionalizantes dignas e úteis? Pensar em reformas ou melhorias radicais na Educação como programa de um único governo é um engodo tão grosseiro que nem o calor das campanhas eleitorais desculpa.
É por isso que a metáfora da “salsicha educativa” é tão enganosa: por um lado, não se teve tempo de avaliar os resultados a que a eventual salsicha conduziu, por outro lado a avaliação das medidas educativas tem de ser feita num contexto mais alargado não só de tempo mas também de abrangência. Criar uma cápsula de medidas que parecem impermeáveis, fechadas e autónomas dentro de um sistema educativo comunicante e interdependente, é muito redutor. A avaliação educacional é, por isso, tão complexa e laboriosa: ela deve identificar qual o impacto de medidas que parecem “cirúrgicas” no panorama geral.
Todos sabemos que o combate político tem de encontrar diferenças sensíveis onde elas são ténues, mas também é verdade que existem perspetivas bem distintas sobre Educação. A Educação é uma política e como tal existem diferenças sobre prioridades e forma de as acionar. Mas parece incontornável que se deveria deixar de fazer da Educação um campo aberto de confronto em que se procura convencer os cidadãos que algo que foi realizado recentemente, e de que não se dispõe de avaliações fiáveis e sérias, são meras cápsulas isoladas e como tal substituíveis e descartáveis.
E responderia com outra metáfora: a educação não é uma salsicha; talvez esteja mais próxima de um cachorro quente que tem pão, manteiga, batata palha, ketchup, maionese, salsicha, mostrada, cebola frita, e muitos mais ingredientes que se lhe queiram juntar. Leva tempo a preparar, tem que existir conhecimento para ser preparado porque os sabores têm que se harmonizar. A Educação pela sua complexidade temporal e processual não pode ser um peão jogado no tabuleiro político e que é avaliado por superficiais critérios de “eficácia” (individual) e “eficiência” (processual) como se fosse um videogame.
O sistema educativo é uma estrutura social de enorme complexidade. Para ter sucesso na alteração de algum dos seus componentes de forma consistente é essencial que haja, antes de mais, tempo. As medidas educacionais que se tomam agora vão influenciar os alunos, as escolas, os concursos, (eventualmente) a sociedade daqui a muitos anos. Daqui que eu sempre achei caricato que os partidos se confrontem discutindo a eficácia de medidas educativas que foram aplicadas há pouco tempo. Tivemos até recentemente um episódio risível em que um governante procurou atribuir às políticas do seu governo (com dois anos) a melhoria dos resultados dos alunos portugueses em provas de avaliação internacionais. Mas se há domínio em que o tempo é determinante para se avaliar a magnitude e a direção dos resultados, esse é o da Educação. Desta forma, temos sempre que pensar na educação com aquela ideia de “desígnio nacional” que deve assumir continuidades mesmo que, no calor das refregas eleitorais, elas pareçam sacrílegas. Quantos governos foram precisos para trazer a educação para o estado em que está? Quantos governos faltam para consolidar a escola a tempo inteiro? Quantos governos serão necessários para encontrar vias profissionalizantes dignas e úteis? Pensar em reformas ou melhorias radicais na Educação como programa de um único governo é um engodo tão grosseiro que nem o calor das campanhas eleitorais desculpa.
É por isso que a metáfora da “salsicha educativa” é tão enganosa: por um lado, não se teve tempo de avaliar os resultados a que a eventual salsicha conduziu, por outro lado a avaliação das medidas educativas tem de ser feita num contexto mais alargado não só de tempo mas também de abrangência. Criar uma cápsula de medidas que parecem impermeáveis, fechadas e autónomas dentro de um sistema educativo comunicante e interdependente, é muito redutor. A avaliação educacional é, por isso, tão complexa e laboriosa: ela deve identificar qual o impacto de medidas que parecem “cirúrgicas” no panorama geral.
Todos sabemos que o combate político tem de encontrar diferenças sensíveis onde elas são ténues, mas também é verdade que existem perspetivas bem distintas sobre Educação. A Educação é uma política e como tal existem diferenças sobre prioridades e forma de as acionar. Mas parece incontornável que se deveria deixar de fazer da Educação um campo aberto de confronto em que se procura convencer os cidadãos que algo que foi realizado recentemente, e de que não se dispõe de avaliações fiáveis e sérias, são meras cápsulas isoladas e como tal substituíveis e descartáveis.
E responderia com outra metáfora: a educação não é uma salsicha; talvez esteja mais próxima de um cachorro quente que tem pão, manteiga, batata palha, ketchup, maionese, salsicha, mostrada, cebola frita, e muitos mais ingredientes que se lhe queiram juntar. Leva tempo a preparar, tem que existir conhecimento para ser preparado porque os sabores têm que se harmonizar. A Educação pela sua complexidade temporal e processual não pode ser um peão jogado no tabuleiro político e que é avaliado por superficiais critérios de “eficácia” (individual) e “eficiência” (processual) como se fosse um videogame.
David Rodrigues
Professor universitário, Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
In: Público
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