sábado, 20 de setembro de 2014

CNE defende que “futuro” da escola pública depende de “novo modelo” de selecção de docentes

O Conselho Nacional de Educação (CNE) considera que “o futuro da escola pública” depende do modelo de recrutamento e seleção de professores que se escolher. Isto é, as consequências serão diferentes caso se mantenham os “atuais critérios de seriação” ou se opte por um outro modelo que “permita ao Estado selecionar os melhores candidatos a professores”.

O ex-ministro da Educação e presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), David Justino, já tinha defendido esta ideia publicamente: "Há uma completa desregulação do fenómeno de recrutamento e, havendo essa desregulação, safa-se quem fizer batota, nomeadamente com as classificações", realçou num debate em Braga na quarta-feira. A posição surge reforçada no último relatório Estado da Educação 2013. Na introdução assinada por David Justino, defende-se que, nos próximos 15 anos, poderá ser possível rejuvenescer os quadros, que têm vindo a envelhecer, mas “a questão que se coloca está em saber se essa renovação vai ser feita com base nos atuais critérios de seriação ou num outro modelo de profissionalização docente que permita ao Estado selecionar os melhores candidatos a professores”: “O futuro da escola pública, enquanto escola de referência, está dependente da opção de política educativa que vier a vingar sobre este particular domínio.”

O relatório alerta para o progressivo envelhecimento do corpo docente no ensino público — um terço dos professores tem idade igual ou superior a 50 anos. A explicação poderá relacionar-se, entende o CNE, “com a entrada massificada” de docentes “até aos primeiros anos deste século, período em que a oferta de ensino conheceu uma expansão significativa, seguida de políticas de contenção e precarização de novas admissões”. O relatório considera que este “dualismo” criou, ao longo dos últimos 20 anos, “uma grave injustiça para com as novas gerações de professores”, não conferindo “estabilidade aos projetos educativos das escolas, nem qualidade às aprendizagens dos alunos”.

Na introdução, também se pode ler que o ensino privado apresenta “um maior equilíbrio” nos estratos etários, fator a que acresce “a capacidade de seleção dos melhores profissionais e de avaliação do seu desempenho”.

Para o CNE, uma das consequências do atual modelo de recrutamento e seleção é a “inflação sistemática das classificações finais em alguns cursos de formação de professores, com manifesta injustiça e prejuízo do interesse público”.

No documento, frisa-se que, “para a estruturação desse novo modelo, o quadro legislativo em vigor já permite soluções que apenas carecem de melhor regulamentação, como é o caso do chamado período probatório”. E alerta-se para o facto de que “eventualmente faltará o consenso necessário entre os diferentes atores educativos para encontrar uma base de concertação mínima sobre esta matéria”.

O período probatório está previsto na legislação e destina-se a “verificar a capacidade de adequação do docente ao perfil de desempenho profissional exigível, tem a duração mínima de um ano escolar e é cumprido no estabelecimento de educação ou de ensino onde aquele exerce” a atividade. O professor “é acompanhado e apoiado, no plano didático, pedagógico e científico, por um docente posicionado no quarto escalão ou superior”. Embora possa haver casos em que seja aplicado, este período não é uma prática generalizada – o que existe é a avaliação de desempenho docente.

Apesar de ter sofrido alterações ao longo dos tempos, atualmente o modelo de recrutamento e seleção dos professores assenta na média de curso e tempo de serviço. Hoje o percurso de um professor começa, se for contratado e tiver menos de cinco anos de serviço, com a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. Se passar, pode candidatar-se a um lugar numa escola. Nesta fase, conta a média de curso e o tempo de serviço. A exceção é a contratação de professores sem vínculo nas escolas com autonomia ou de Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, onde também existem critérios definidos pelo estabelecimento.

Se fosse uma prática generalizada, o período probatório teria lugar no ano em que o professor entrasse nos quadros. Formalmente este período existe, mas as práticas de acompanhamento e orientação nesta fase, com vista a uma avaliação, são uma exceção.

Peso das instituições privadas

Uma das críticas feitas no documento dirige-se às instituições de ensino superior responsáveis pela formação inicial de professores: “A autonomia científica e pedagógica dessas instituições não as autoriza a criarem falsas expetativas nem a baixarem o nível de exigência científica e pedagógica dos futuros professores.”

Sublinha-se que no ensino público, na educação pré-escolar, 1.º ciclo e no grupo de recrutamento [de educação] especial, “o maior contributo para o contingente de docentes é dado por instituições privadas de ensino superior”, sobretudo entre “a nova geração”. Já nos 2.º e 3.º ciclos e secundário, a maioria vem do ensino universitário público.

“Estes resultados colocam o problema de se saber que tipo de formação inicial se está a fazer e de como poderemos estar a caminhar para um duplo dualismo entre novas e velhas gerações de professores e entre modelos de formação inicial distintos que se protejam em culturas pedagógicas pouco conciliáveis”, lê-se no relatório que considera que este “problema” merece “especial atenção” pelo “potencial de desregulação” que sugere. Por isso, defende-se que “seria avisado desenvolver mecanismos de avaliação que não poderão restringir-se à mera acreditação dos cursos”.

O maior grupo de docentes do 1.º ciclo do ensino público é formado no Magistério Público, logo a seguir vêm as instituições privadas Instituto Jean Piaget e Instituto Superior de Ciências Educativas.

Ameaça

Outro dos aspetos abordados prende-se com o facto de o número de docentes em exercício no ensino público ter sofrido “uma redução, durante os dois últimos anos letivos, de cerca de 22 mil efetivos”. A estes terá de se juntar 2,8 mil do privado, o que dá cerca de 25 mil a menos no sistema.

Mas “a principal ameaça à evolução do sistema de ensino” é, para o CNE, a tendência de diminuição da população escolar. E, considerando a evolução das taxas de natalidade, “não é previsível” que essa tendência “venha a inverter-se de forma sustentada”, defende o relatório, frisando que o sistema perdeu, nos últimos dois anos, cerca de 165 mil alunos, uma diminuição que se deve à “redução drástica do número de inscritos nos programas de educação para adultos, nomeadamente as Novas Oportunidades”.

O documento também alerta para o facto de, no caso da pré-escolarização, existirem zonas com grandes carências, como a área metropolitana de Lisboa e o Algarve. “É desejável que a cobertura nestas duas regiões possa melhorar nos próximos anos.” O CNE defende que é “cada vez mais urgente estruturar uma política integrada para a infância”: “Não é compreensível que uma família da classe média pague mais por uma criança na creche ou jardim-de-infância dos sistemas não públicos do que por um jovem a frequentar o ensino superior.”

O CNE é um órgão consultivo que emite pareceres e recomendações sobre educação, por iniciativa própria ou em resposta à Assembleia da República e ao Governo.

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