Volto àquela crítica que tão frequentemente se faz à Educação: empreender demasiadas reformas. Diz-se até que algumas destas reformas acabam por ser “reformadas” antes que tenham tempo de reformar o que quer que seja.
Existiram reformas que, a meio da sua implementação, foram julgadas inadequadas. É certo que sim. Mas estes casos pontuais – a maioria das vezes relacionados com programas curriculares – não podem justificar uma empedernida resistência a que algo se mude na Educação em nome da “estabilidade”. Às vozes que clamam “Deem tempo à Educação para sedimentar os seus procedimentos” devemos perguntar: “Sedimentar o quê? Práticas e modelos que já provaram que estão desajustados aos alunos de hoje?”
Recentemente vieram a público dois movimentos reformistas de sistemas de educação e de ensino de grande impacto. O primeiro foi desenvolvido pelas escolas jesuíticas da Catalunha. Em três colégios foi posta em prática uma ambiciosa reforma chamada “Educació 2020” que implicou uma alteração radical na forma como as escolas se organizam. Foram abolidas as disciplinas, os exames e os horários e a aprendizagem dos alunos desenrola-se inteiramente em grupos com a supervisão de professores. Segundo um dos responsáveis desta reforma: “A escola é o local onde mais se fala de trabalho de grupo e aquele onde menos se pratica.” Trata-se, segundo o mesmo responsável, “de procurar desenvolver todo o potencial dos alunos tornando-os protagonistas e levando-os a descobrir o seu projeto de vida e ensiná-los a refletir, porque eles vão viver numa época que os vai surpreender”. Os resultados na motivação dos alunos são evidentes e eles participam empenhadamente nos projetos que delinearam e pelos quais se tornaram responsáveis. Esta reforma não pode deixar de atribuir notas, mas, para lá chegar, analisa primeiro quais as competências que o aluno adquiriu e logo, mediante um algoritmo, transforma as competências adquiridas nas notas que são legalmente requeridas.
Uma outra reforma é aquela que o Ministério da Educação francês acaba de propor para entrar em vigor no ensino secundário já em 2016. O ponto de partida enunciado pela ministra de Educação francesa, Najat Vallaud-Belkacem, é o de que o ensino secundário é antes de mais profundamente inigualitário, que não é significativo para um grande número de alunos que se aborrecem, se desmotivam e precocemente têm insucesso e abandonam a escola. Esta reforma assenta em três pilares: flexibilidade, autonomia e interdisciplinaridade. A reforma do Governo francês sustenta que as escolas devem alterar a sua forma de ensinar, dando mais importância aos trabalhos de projeto, aos trabalhos de grupo e proporcionando aos alunos oportunidades de procurar relacionar a sua aprendizagem com aspetos práticos do quotidiano, tornando as suas aprendizagens úteis, coerentes e significativas. Este programa implica a criação de módulos transversais e interdisciplinares como, por exemplo, “Desenvolvimento sustentável” ou “O mundo económico e profissional”. Um quinto do horário global da escola é deixado à responsabilidade dos professores para desenvolver “novas formas de ensino”, trabalho em pequenos grupos, acompanhamento personalizado e o aprofundamento disciplinar.
Estes dois exemplos mostram que ser avesso a reformas estruturais da Educação é, no tempo presente, uma posição não só conservadora mas irresponsável face à responsabilidade de prepararmos os nossos jovens para participar e serem úteis nas sociedades do futuro. A perspetiva do back to basics, isto é, regressar aos currículos, às metodologias, aos valores e à organização da escola na qual os mais velhos foram educados, é um sonho de alguns que, se for cumprido, se tornará para os nossos alunos um verdadeiro pesadelo.
O Ministério da Educação francês não hesita em intitular a sua reforma como uma “refundação da escola”. Refundar a escola significa que é necessário e urgente que a escola volte a ser pensada, porque a forma como ela foi pensada no século XIX – e que não sofreu mudanças essenciais desde então – não é adequada aos tempos que vivemos. Não se adequa, porque a escola “antiga” foi pensada para ensinar só alguns e não todos, foi pensada para ser frequentada por alunos evidentemente motivados e identificados com a linguagem e ambientes que nela se produziam, foi pensada para que não se pensasse, só se transmitisse e reproduzisse mais tarde o que foi transmitido.
Refundar a escola é pois uma necessidade para que os alunos encontrem na vida escolar a alegria do conhecimento, a fraternidade da relação e o sonho da descoberta.
David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão/Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
Fonte: Público
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