segunda-feira, 16 de março de 2015

Os pais hiperativos cansam os filhos

Um surto de hiperatividade atacou milhares de crianças. Os pais, preocupados, falaram com as educadoras nas creches, depois levaram os filhos aos médicos e, por fim, medicaram-nas. “É que o miúdo não pára quieto! E nas aulas, não presta atenção!” E o diagnóstico parental sai com a mesma facilidade com que se perde a paciência: a criança é hiperativa.

O que se lê nos jornais, se ouve na sala de espera dos consultórios pediátricos e sai da boca dos pais, leva-nos a pensar que a hiperatividade é um vírus mau que anda por aí a saltar de criança em criança. Como os piolhos. Se houvesse vacina para o combater, desconfio que a inseriam no plano de vacinação nacional. Só para garantir uma infância mais tranquila.

Serem espevitadas, impulsivas, destemidas, distraídas, impacientes ou deixarem uma tarefa a meio já não são atributos de crianças normais. Ou terem dificuldade em prestar atenção a assuntos que não lhes interessam? Culpadas de TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade até prova em contrário, senhor doutor. Faça-me lá um exame ao miúdo, se faz favor. Já agora, enquanto não temos os resultados, pode prescrever Ritalina para ele e Xanax para mim?

Concerteza, mas talvez se devesse investigar melhor a proliferação deste vírus também nos pais. É que veem-se muitos pais com energia descontrolada; já para não falar de medicados, isso, então, é uma praga. Mas eles existem apesar de não virem mencionados nos livros nem nas notícias: são os pais hiperativos. Cujos filhos já não sabem o que fazer com eles: têm pouca paciência, não ligam meia aos seus pedidos, tomam decisões precipitadas, perdem o interesse rapidamente quando estão a brincar com eles. Além de que têm pêlo na venta. E tanto decidem que vão arrumar a arrecadação como no minuto a seguir não resistem ao impulso de fazer um bolo de iogurte para comerem enquanto cantam karaoke.

Mas o pior é que não deixam os filhos sossegarem.

Chiu, pais! Conseguem ficar um fim de semana quietos em casa? Não está provado que tenham de arranjar acividades para entreter os miúdos para todas as horas de sábado e domingo. Não está provado que tenham de os colocar em programas extra-escolares só para ocupar os vossos fins-de-dia. E a hiperatividade não é um legume nem uma vitamina.

Estes pais irrequietos criam filhos cansados. Imagino as crianças a desabafar entre elas:

– O que fizeste no fim de semana?

– Fui ao parque infantil de manhã, a seguir ao almoço e ao fim da tarde. À noite tive um pesadelo em que caía do baloiço e a mãe ria-se e voltava a pôr-me lá em cima para empurrar. No próximo fim-de-semana vou dizer que me dói a barriga.

Crianças com muita energia não são, necessariamente, hiperativas. Se calhar, são só crianças, enfim, com bicho carpinteiro. E que precisam que os pais se preocupem mais em sossegar com elas e não tanto em estafá-las. Elas que nem chegam aos calcanhares dos seus pais hiperativos. É que a energia a mais dos filhos é uma brincadeira de crianças quando comparada com a dos pais. E a falta de concentração dos filhos é difícil quando os próprios pais não param quietos nem calados.

O que fazer, então? Nada. Mesmo nada. Porque ter um fim de semana sem nenhuma atividade ou obrigação familiar na agenda pode ser o melhor dos estimulantes. Sofá e silêncio são duas atividades maravilhosas que ajudam a assentar os neurónios. E como os miúdos aprendem com o exemplo, nada como ver o papá e a mamã com o rabo sentado no sofá a olharem meia hora para a mesma página de um livro. E para apanharem ar fresco basta abrir a janela.

É que uma desintoxicação de atividades, de vez em quando, dá saúde e faz crescer a família.
 
Sofia Anjos
 
Fonte: Público

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