Há uns dias foi notícia que o Conselho da Europa está pressionar a França para adotar legislação que expressamente proíba o recurso a castigos corporais a crianças.
A secretária de Estado da Família do Governo Francês afirmou em entrevista à AFP e ao Le Monde que não pretende proceder a alterações pois uma parte da população é favorável aos castigos corporais e, cito do PÚBLICO, não quer "dividir o país em dois campos: os que são pela palmada e os que são contra.”
A senhora secretária de Estado entende ainda que "persiste uma tolerância baseada no costume, a do direito de correção, que é aceite desde que seja ligeira e tenha um fim educativo"
Parece-me interessante esta questão e considerando que em muitas conversas com pais a utilização dos castigos corporais é uma questão frequente, algumas notas.
Na verdade, creio que apesar da legislação o proibir os castigos corporais ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em instituições que acolhem crianças.
O argumento da governante francesa é notável. Em primeiro lugar, bater nos miúdos é um costume, uma tradição, pelo que se deve tolerar e não alterar. Pela mesma ordem de razões, o costume, teremos de aceitar a violência doméstica ou tolerar a excisão genital feminina pois fazem parte de uma ancestral tradição.
Por outro lado, afirma que não quer "dividir os campos", os que defendem a pancada nos miúdos e os que são contra. Lamento, mas esta não é uma questão "fraturante" como agora se diz. Não pode existir uma legislação num país europeu do século XXI que não condene expressamente um comportamento de agressão dirigido a uma criança.
Como é também frequente em muitos discursos, a senhora secretária de Estado refere o valor "educativo" da palmada e acha que a intensidade deve ser ligeira embora reconheça a dificuldade de "objetivar" a "ligeireza".
Não faz sentido. Bater nas crianças não é uma atividade educativa, o comportamento gera comportamento, e a intensidade não é definível, ou seja, a senhora secretária de Estado admite a existência de um grau de dor infligida que é aceitável mas ninguém conseguirá, evidentemente, fazê-la explicar qual é esse limite como, aliás, a própria reconhece.
A este propósito recordo que o Papa Francisco declarou, há pouco tempo, numa intervenção pública, que entende que quando um pai bate num filho e não lhe bate na cara está a bater com dignidade, respeita a criança. Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um comportamento de violência dirigido a uma criança possa ser algo de digno.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e para utilizar uma expressão atual.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora", quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrependerem-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada" ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos tantos exemplos entre nós, parece-me inaceitável que o direito das crianças a não serem fisicamente agredidas não esteja clara e expressamente protegido por lei.
A secretária de Estado da Família do Governo Francês afirmou em entrevista à AFP e ao Le Monde que não pretende proceder a alterações pois uma parte da população é favorável aos castigos corporais e, cito do PÚBLICO, não quer "dividir o país em dois campos: os que são pela palmada e os que são contra.”
A senhora secretária de Estado entende ainda que "persiste uma tolerância baseada no costume, a do direito de correção, que é aceite desde que seja ligeira e tenha um fim educativo"
Parece-me interessante esta questão e considerando que em muitas conversas com pais a utilização dos castigos corporais é uma questão frequente, algumas notas.
Na verdade, creio que apesar da legislação o proibir os castigos corporais ainda são uma "ferramenta" educativa em muitas famílias e, é conhecido, também em instituições que acolhem crianças.
O argumento da governante francesa é notável. Em primeiro lugar, bater nos miúdos é um costume, uma tradição, pelo que se deve tolerar e não alterar. Pela mesma ordem de razões, o costume, teremos de aceitar a violência doméstica ou tolerar a excisão genital feminina pois fazem parte de uma ancestral tradição.
Por outro lado, afirma que não quer "dividir os campos", os que defendem a pancada nos miúdos e os que são contra. Lamento, mas esta não é uma questão "fraturante" como agora se diz. Não pode existir uma legislação num país europeu do século XXI que não condene expressamente um comportamento de agressão dirigido a uma criança.
Como é também frequente em muitos discursos, a senhora secretária de Estado refere o valor "educativo" da palmada e acha que a intensidade deve ser ligeira embora reconheça a dificuldade de "objetivar" a "ligeireza".
Não faz sentido. Bater nas crianças não é uma atividade educativa, o comportamento gera comportamento, e a intensidade não é definível, ou seja, a senhora secretária de Estado admite a existência de um grau de dor infligida que é aceitável mas ninguém conseguirá, evidentemente, fazê-la explicar qual é esse limite como, aliás, a própria reconhece.
A este propósito recordo que o Papa Francisco declarou, há pouco tempo, numa intervenção pública, que entende que quando um pai bate num filho e não lhe bate na cara está a bater com dignidade, respeita a criança. Confesso que sinto alguma dificuldade em compreender como um comportamento de violência dirigido a uma criança possa ser algo de digno.
No entanto e dito tudo isto, também entendo que comportamentos inadequados ou incompetentes não significam necessariamente que estejamos perante pessoas, pais, más ou incompetentes.
Todos nós, alguma vez, agimos de uma forma menos ajustada ou adequada com os nossos filhos e isso não nos transforma em pessoas más, significa que somos apenas pessoas, que somos imperfeitos, por assim dizer e para utilizar uma expressão atual.
Assim sendo, creio que devemos ser cautelosos, quer na defesa da "estalada educadora", quer na diabolização definitiva de pais que numa situação eventualmente esporádica e de tensão assumem um comportamento de que podem ser os primeiros a arrependerem-se.
Esta nota, não branqueadora ou desculpabilizante de nada, pode não ser particularmente simpática mas estou cansado, tanto de discursos de legitimação do efeito "educativo" da violência dirigida a crianças, como de discursos demagógicos e, por vezes hipócritas, que clamam pelo "crucificação" cega de uma pessoa, o outro que bate, mas são produzidos por gente desatenta ou mesmo autora ou apoiante doutros comportamentos dirigidos a miúdos tão indignos quanto a "estalada" ainda que menos visíveis.
Finalizando, embora saiba que a legislação mesmo quando é imperativa é entendida como indicativa e, portanto, desrespeitada como temos tantos exemplos entre nós, parece-me inaceitável que o direito das crianças a não serem fisicamente agredidas não esteja clara e expressamente protegido por lei.
José Morgado
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário