terça-feira, 17 de junho de 2014

Educação: Um ano de inconseguimentos

Ver o lado mau ou menos bom das políticas pode ser uma virtude ou um defeito, tudo dependendo de como utilizamos esse nosso olhar menos otimista.

Se servir para identificar onde se poderia ter feito melhor e isso servir para evitar erros e aperfeiçoar a prática, não me parece grave defeito. Em contrapartida, ver apenas o lado propagandístico das coisas, em especial quando se acredita que tudo correu bem ou que não poderia ter sido melhor, apesar de otimista e festivo, pode conduzir-nos a uma grave cegueira sobre a realidade.

Em matéria de Educação, tivemos mais um ano de problemas e conflitos, cheio de medidas que se sabia serem inadequadas, algumas que poderiam ser positivas com outro tipo de implementação e outras que foram naturalmente “inconseguidas” (há que abraçar os neologismos com legitimação institucional) por continuarem a laborar em erros de conceção. Destacarei apenas algumas para não demorar muito tempo e não entediar em excesso a paciência de quem lê.

Autonomia
Em Outubro de 2013 assinaram-se imensos contratos, ditos de “autonomia”, com outros tantos agrupamentos e escolas não agrupadas. Quem os assinou foi adjetivado de forma generosa mas pouco imaginativa como “pioneiro”, sendo-lhe prometidas delícias várias em matéria de legislação futura, tudo para servir ao sucesso dos alunos. O ano letivo finou-se e o escolar vai-se finando e o que apareceu foi muito pouco e tudo regulamentado por fórmulas tão rigorosas e pretensamente objetivas que são a negação de uma verdadeira autonomia. Nem sequer se trata de assegurar o princípio da responsabilização, sendo antes mais uma manifestação de desconfiança em relação às escolas, aos professores e aos próprios diretores. A autonomia nas escolas públicas mantém-se uma quimera, mais monstro regulador do que instrumento de emancipação.

Ensino do Inglês
Esta foi a área do currículo em que mais confusão se estabeleceu, em particular no 1.º ciclo do ensino básico em que de área facultativa, mas generalizada, se tornou área opcional e depois obrigatória desde que as escolas assim o entendam, pois nós não entendemos o ministério. Pelo meio, a introdução dos testes Key for Schools com a chancela de Cambridge, o que fica sempre bem, anunciada ao arrancar o ano letivo para espantar o povoléu com tamanha maravilha. Sem uma preparação adequada, com demasiada pressa e um voluntarismo do Instituto de Avaliação Educacional (IAVE) que hesito em qualificar como ingénuo ou fruto de evidente incompetência, a sua aplicação foi feita com muitos sobressaltos e a sua classificação um fiasco. Por qualquer maravilhosa razão, o IAVE achou que prometendo formação gratuita (algo que é obrigação do Ministério da Educação e Ciência) a pessoas com formação universitária na área, conseguiria resmas de voluntários para classificar os testes. Correndo mal, o seu principal responsável acusou os professores de só terem um lado lunar e não verem a luminosidade do projeto.

Exames do Ensino Básico
A introdução e generalização dos exames no 4.º e 6.º anos é uma matéria controversa. Em meu entender, desnecessariamente com controversa, se a sua aplicação for feita com critérios claros e transparentes, não apenas quanto à finalidade mas em especial quanto à sua coerência interna. Os exames em fases tão precoces do trajecto escolar não me chocam como a outras pessoas, mas já me choca se a sua aplicação for feita de acordo com os humores anuais do IAVE e das suas equipas técnicas, como se estivessem a começar agora a produzir provas deste tipo. Ainda estou para perceber por que não se manteve a lógica das provas de aferição e, em particular no caso de Português, em 2013 se produziram exames completamente desadequados aos alunos a examinar; este ano corrigiu-se o tiro, mas isto apenas serve para desacreditar o que poderia ser uma ferramenta útil de regulação das aprendizagens e não algo que se faz, ano a ano, para cumprir um calendário político. Os exames devem ter uma finalidade pedagógica, destinada a ajudar a melhoria do desempenho dos alunos e o trabalho dos professores. Não devem ser um recurso político da governação.

Avaliação dos professores
Uma das mais demagógicas heranças dos governos anteriores que o atual ministro considerou por bem continuar numa versão cada vez mais desajustada das necessidades. Uma boa ideia – a introdução de avaliadores externos – acabou por transformar-se numa ridícula visita entre colegas de escolas vizinhas, em que avaliador e avaliado apenas o são por questões circunstanciais e quase nada legitima o poder de um sobre outro, para além de um escalão a mais na carreira. A juntar a isto surgiu uma ridícula prova escrita de acesso à docência, alegadamente para regular distorções nas classificações à saída dos cursos de formação de professores, mas que não contém nenhum elemento que sirva para aferir a qualidade do trabalho dos professores com os alunos, na sala de aula. Tornou-se mais um desnecessário foco de conflitos que em nada dignificou a Educação, pois apenas revelou mais e mais desconfiança e motivou cenas de má memória para alimento das audiências televisivas.

Por fim, o ministério continuou a “inconseguir” mobilizar os professores para uma única das suas medidas mais emblemáticas e foi incapaz de inverter a situação de total desconfiança que se estabeleceu, há cerca de uma década, entre os decisores políticos que só sabem reclamar para si os sucessos e os profissionais no terreno, para quem se reservam sempre as críticas quando algo não corre bem. Se a Educação se deve centrar na defesa dos mais altos interesses dos alunos, isso não se consegue continuando a amesquinhar e apoucar o desempenho daqueles que, apesar de tudo isso, têm como missão quotidiana trabalhar com esses alunos e que deles obtêm o justo, mas quase único, reconhecimento pelo seu empenho e brio profissional.

Paulo Guinote
Professor, autor do blogue A Educação do meu Umbigo

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