Nos últimos seis anos, Margarida Brandão conheceu dezenas de alunos no agrupamento de escolas Barbosa du Bocage, de Setúbal. Conheceu-os e acompanhou-os como mediadora no âmbito do projeto lançado pela Associação EPIS – Empresários pela Inclusão Social, criado em 2006 para prevenir o abandono e insucesso escolar.
A ex-professora de Educação Musical, que antes trabalhava noutra escola, foi uma das pessoas a partilhar o seu testemunho na conferência promovida pela EPIS na Sala do Senado da Assembleia da República, onde foram apresentados os resultados dos Mediadores para o Sucesso Escolar.
“A Epis criou 1700 novos bons alunos” em 60 municípios portugueses desde que foi lançado em 2007, sintetizou (...) o diretor-geral da associação, Diogo Simões Pereira. Ou seja, do universo de 13 mil alunos apoiados desde o início, mais 1700 alunos, relativamente àquilo que eram os números antes da intervenção dos mediadores, tiveram aproveitamento escolar e passaram de ano. Em média, todos os anos, a proporção de alunos que passaram de ano aumentou em 12 pontos percentuais.
Face ao que considera serem os bons resultados do projeto, a associação defende ser altura de o estender a todo o país, com mais mediadores em mais escolas. E essa defesa teve eco entre outros intervenientes.
“É preciso dar força ao projeto” na Assembleia da República e “vincular os governos a uma agenda de qualificação” dos recursos humanos, disse Celso Manuel Gomes Pereira, presidente da Câmara de Paredes. O concelho já esteve entre os 10 piores em insucesso escolar de todo o país.
“Esta metodologia devia ser urgentemente alargada a todas as escolas do país, porque resulta”, enfatizou, apelando ao Ministério da Educação para entender a importância desta prática para a redução do insucesso escolar: “Estamos a falar da competitividade do nosso país. E esta mede-se pela formação dos seus recursos humanos.”
O projeto dispõe hoje de 84 mediadores. Esse número vai duplicar no próximo ano, para cobrir 10% do território nacional, actualmente apenas coberto em 6%. Dos 84 mediadores em funções até agora, 18 foram alocados pelo Ministério da Educação que se comprometeu a disponibilizar mais 50 mediadores no próximo ano.
Além de autarcas e deputados, na conferência desta terça-feira participaram também representantes de escolas, alunos e pais, e estiveram presentes, os ex-ministros da Educação como Marçal Grilo e Roberto Carneiro, o juiz e presidente da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, entre representantes de outras entidades, para ouvir os testemunhos de quem tem a experiência de pessoas directamente envolvidas no projecto.
Margarida Brandão chegou a ter mais de cem alunos num só ano. A média, no entanto, para um mediador é acompanhar entre 70 a 80 alunos por ano – alunos a quem se dedica 30 minutos de duas em duas semanas, para incutir hábitos de estudo, valores, regras, motivação e dar sentido e um objetivo ao que se faz na escola. “Ao início, resistem um pouco”, conta. “É importante começar por perceber, com eles, por que têm maus resultados.”
Acreditar nas capacidades
A maioria dos alunos que conheceu apresentava aquele que é o quadro mais frequente em jovens com risco de insucesso ou abandono escolar – “não sabiam estudar ou não acreditavam nas suas capacidades".
Mas entre os muitos alunos que acompanhou desde o primeiro ano letivo como mediadora – 2008/2009 – também conheceu jovens que assistiam diariamente a cenas de violência doméstica e outros que deixavam de ter água ou luz em casa porque os pais tinham ficado, ambos, desempregados. “Isso notou-se muito em Setúbal”, diz sobre os anos em que se agravou a crise do país e a situação económica das famílias.
Para uns como para outros, era preciso um acompanhamento. E para todos eles, os mediadores tentam "diminuir os fatores de risco" e "potenciar os fatores de proteção". Como aconteceu com Miguel Pereira, de 14 anos, para quem neste ano, passou de uma perspetiva de um chumbo quase certo, com as 5 negativas no 1.º trimestre, para a forte probabilidade de conseguir, afinal, passar para o 9.º ano.
Ou como João Ramalho, de 18 anos, que na Escola Sebastião da Gama, em Setúbal, com um histórico de quatro anos reprovados, conseguiu provar a professores que é possível inverter percursos. “A minha cabeça mudou”, diz do momento em que passou a ser acompanhado por um mediador, Nuno Palma, que também nesta conferência, considera que casos como o de João Ramalho “podem inspirar os outros mais novos” a melhorar as perspectivas de vida. E conta o caso de uma turma de 22 alunos, com um histórico de 80 retenções (chumbos) entre todos, que alterou completamente a trajetória depois de entrar no projeto. Do conjunto, 21 alunos vão agora transitar para o ensino secundário.
Contributos e ganhos
Também partilhada foi a mensagem de que o ganho das empresas pode ser proporcional ao seu contributo. E muitas delas, localmente, apoiam este projeto, como parceiros ou associados, estando entre os principais algumas empresas nacionais como a Unicer, Fundação EDP, Iberdrola, entre outras.
“Estamos a falar de inovação centrada nas pessoas”, disse Sérgio Figueiredo, presidente da Fundação EDP. “Estamos a trabalhar com pessoas concretas. Pais, alunos, autarcas. É um processo inovador” e de sustentabilidade. “Está-se a trabalhar em resultados de longo prazo. E sendo de sustentabilidade, é uma questão de competitividade para as empresas.”
Também o vereador da Educação da Câmara de Matosinhos, António Correia Pinto, explicou frente aos deputados da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, por que este projeto de “intervenção precoce merece toda a atenção da administração educativa”. Sabendo-se que uma turma custa 100 mil euros ao Estado por ano (custando um aluno cerca de quatro mil euros) e quando em Matosinhos se recuperam 300 alunos, em risco de chumbar, todos os anos, poupam-se 1,2 milhões de euros por ano com os 150 mil euros que a câmara disponibiliza do orçamento para este projeto.
In: Público por indicação de Livresco
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