O elevado número de divórcios em casais com filhos deve obrigar a uma atenção constante aos efeitos que as ruturas conjugais provocam nas crianças.
A generalização do divórcio permitiu a muitos adultos passar a viver com mais liberdade, sem constrangimentos causados por quotidianos de violência e abuso. Com as separações, foi possível muitas pessoas passarem a ter um papel mais interventivo na sociedade, sem se verem limitadas nos seus direitos fundamentais. Crianças e adolescentes deixaram vidas de humilhações e maus tratos.
Não podemos, no entanto, esquecer que o divórcio tem profundas repercussões no futuro das crianças. No momento da separação, é frequente os mais novos vivenciarem sentimentos de perda e culpa. A adaptação a outros quotidianos e novas famílias é feita, por vezes, com problemas que se prolongam durante anos. E se é verdade que a maioria dos filhos de pais divorciados se recompõe ao fim de um ano, não podemos esquecer o impacto do divórcio no seu futuro de adultos. Estudos demonstram como essas pessoas podem ser afetadas em dimensões como a intimidade afetiva, a sexualidade e o investimento em novos relacionamentos, pela recordação de situações traumáticas vividas com os seus pais.
Não há divórcios felizes, embora em muitos casos sejam a solução menos má. Infelizmente, é frequente que as disputas legais venham a agravar a conflitualidade não resolvida no casal, com repercussão negativa sobre os filhos.
Se existem magistrados sensíveis às questões das crianças, outros funcionam dominados por um quotidiano que os constrange com pressões burocráticas e falta de apoio técnico. Muitos juízes e procuradores não mostram um mínimo de conhecimentos sobre as necessidades psicológicas das crianças, que são diferentes nas várias etapas do seu desenvolvimento. Os advogados são exímios em lutar pelos pontos de vista dos seus clientes, mas têm dificuldade em compreender a voz das crianças. Alguns juristas parecem esquecer que o fim de um casamento tem de implicar a imediata proteção das crianças, de modo a tentar recuperar o equilíbrio perdido. O direito à proteção dos mais novos é da responsabilidade de todos nós, e os tribunais têm de ser locais onde essa garantia de liberdade e segurança é assegurada.
As Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) — que alguns criticam sem conhecimento de causa — são essenciais na defesa dos interesses dos mais novos. Através das CPCJ, a comunidade organiza-se na defesa dos direitos das crianças, responsabilizando os pais ou sinalizando as situações de risco. As CPCJ alargadas são essenciais na prevenção e o seu trabalho deve ser apoiado em todos os contextos. Com mais apoio técnico e melhores condições de trabalho, poderão evitar muitas situações de perigo.
Algumas crianças são chamadas a depor em tribunal ou são inquiridas por técnicos do sistema judicial. Essa situação-limite só deve ocorrer em circunstâncias excecionais e o tribunal deveria assegurar o apoio de um técnico de saúde mental infantil para apoiar a criança durante esse período, de modo a monitorizar e intervir nas manifestações de sofrimento físico e psicológico.
Os especialistas no desenvolvimento infantil deveriam fazer parte da construção da decisão judicial, através de uma assessoria técnica permanente, única forma de minorar alguns erros com repercussão no futuro das crianças.
Daniel Sampaio
In: Público
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