A Casa Grande, no bairro de Benfica, abriu nesta quinta-feira as portas à comunidade, desafiando os lisboetas a ir ali lavar a roupa, comprar produtos hortícolas, flores e outros artigos feitos por jovens com Síndrome de Asperger.
Situada na Quinta da Granja, a Casa Grande é um espaço de formação, de treino de competências sociais e funcionais para jovens Asperger maiores de 16 anos. O objetivo é que “adquiram as ferramentas necessárias” de forma a serem encaminhados para o “mundo do trabalho” e construírem um “projeto de vida”, disse (...) a presidente da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA), mãe de um jovem Asperger com 21 anos.
A casa tem ateliês de música, artes plásticas, informática, costura, horticultura e jardinagem, onde os jovens desafiam a sua criatividades e aprendem várias artes e ofícios. São os serviços, os artigos e os produtos desses atelieres que estão disponíveis à comunidade a partir desta quinta-feira.
“Podem vir à nossa lavandaria, podem fazer arranjos no nosso ateliê de costura, ter aulas de música, de informática, de artes plásticas ou fazer pequenas festas” nos pátios da casa, um velho edifício do século XVII recuperado pela associação, apelou a presidente da APSA.
Os primeiros passos já estão a ser dados, disse Piedade Monteiro, contando que as alfaces cultivadas nas hortas da casa já estão a ser vendidas numa loja do bairro.
“Depois do sonho de construir a casa, o sonho agora é se torne auto-sustentável para não cair naquilo que as instituições particulares de solidariedade social caem quase sempre, que é o mecenato e os subsídios do Estado, mas também para não sobrecarregar o Estado”, sublinhou.
Projeto pioneiro
Para mostrar o trabalho dos jovens e os serviços da casa, a APSA convidou a comunidade a conhecer o edifício. Nos pátios da casa estavam expostos para venda os produtos hortícolas e as flores plantadas pelos jovens, mas também quadros e vários artigos artesanais. “Os nossos jovens têm uma vida muito ativa e são os protagonistas do dia a dia da Casa Grande”, disse, orgulhosa, Piedade Monteiro.
Bruno, 26 anos, é um desses jovens. Está na casa desde janeiro e uma parte do tempo é passado no ateliê de jardinagem. “Não gosto muito do trabalho físico e, por isso, sou assistente da monitora e coordeno os jovens”, disse o jovem (...), comentando: “Uso mais a cabeça do que o corpo.”
A tarefa que mais gosta é “controlar os minutos e os segundos” no cronómetro. “Desde miúdo que sou assim, coordeno o tempo”, disse, com um sorriso. Contou que está feliz na casa, porque tem “mais liberdade” e já arranjou amigos. “No centro onde estava, não éramos todos iguais. Aqui somos livres e temos todos Asperger”, sublinhou o jovem.
Para Piedade Monteiro, “não é saudável” juntar pessoas com vários tipos de deficiência no mesmo espaço, porque estes jovens “copiam muito”. “Se há um ponto de referência para eles que é uma deficiência mais profunda, eles acabam por a imitar”, prejudicando o seu desenvolvimento.
Piedade Monteiro contou que alguns dos 11 jovens que estão na casa viviam em instituições, mas outros, com mais de 20 anos, estavam em casa sem atividade nenhuma. “Isto não pode acontecer. O que nós queremos é que os nossos filhos sejam de tal maneira iguais que consigam não ser um peso para o Estado”, frisou. “Temos de ir pelas capacidades deles e nunca pelas dificuldades. Se há dificuldades vamos colmatá-las ou tentar colmatá-las”, acrescentou.
“Em Portugal, dá-nos a ideia que só há duas condições, a normal e a anormal, não há o meio”, lamentou. Para a responsável, é preciso “dar a possibilidade a cada uma das pessoas, dentro da sua condição, a ter o seu espaço o mais adaptado possível para que tenha uma vida digna”, por isso é que a Casa Grande é “um projeto pioneiro”.
In: Público por indicação de Livresco
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