O alfabeto baseado numa malha de seis pontos, o Braille, inventado pelo francês Louis Braille em 1824, é a porta de entrada dos cegos para a literacia e o mundo do trabalho. A malha tem dois pontos horizontais por três verticais. Todas as letras do alfabeto têm uma tradução em pontos na malha do Braille. Por exemplo, o “a” é representado por um único ponto em cima do lado esquerdo. No papel, graças ao relevo, as palavras são lidas pelos dedos e escritas com máquinas próprias. Mas nos smartphones e tablets, com visores táteis, ainda se está a aperfeiçoar uma forma de os cegos os usarem. Uma equipa internacional com portugueses está a desenvolver um corretor ortográfico e um aparelho para ajudar à escrita do Braille nestes aparelhos.
“O Braille continua a ser vital para os cegos, tem um grande impacto nas suas vidas”, diz (...) Hugo Nicolau, um dos autores do projeto, a trabalhar como pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Rochester, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Cientistas do Departamento de Informática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e do Instituto Superior Técnico também participaram neste trabalho, coordenado por Vicki Hanson, da Universidade de Dundee, na Escócia.
“Queremos trazer o Braille para as novas tecnologias”, diz. Segundo o investigador de 28 anos, apenas 10% das crianças cegas aprendem Braille nos EUA. Um estudo de 1998 mostrava que 77% dos cegos que não aprendem este alfabeto estão desempregados, enquanto na população que aprendeu esta percentagem é de 44%. Em Portugal, existem cerca de 130 mil cegos.
Nos smartphones há programas de voz que leem o que está nos ecrãs. Mas escrever Braille nestes aparelhos é mais complexo. Tal como as máquinas de escrever Braille, nos programas para a sua escrita usa-se o dedo indicador, o médio e anelar de cada mão. Cada um dos seis dedos funciona como um dos pontos da matriz do Braille. O toque só do dedo indicador da mão esquerda é o equivalente, na malha, ao ponto de cima do lado esquerdo, ou seja, a um “a”.
O corretor ortográfico B# desenvolvido por Hugo Nicolau e a equipa é um passo em frente em relação a um corretor normal que analisa palavras e, se a palavra não está no dicionário, corrige-a. Mas o B# tem em conta os símbolos do Braille. “A nossa solução oferece o dobro de correções acertadas”, diz Hugo Nicolau. “Um código Braille que não faça sentido, e que seria por isso descartado, pode ainda ser utilizado para encontrar acordes (combinação de dedos) que sejam parecidos [com o que foi escrito], e assim encontrar a palavra que o utilizador desejava inserir.”
O sistema consegue sugerir em 72% dos casos a palavra correta. Segundo o investigador, é difícil prever a palavra certa para 100% dos casos. Mesmo nos casos em que há apenas um erro numa das letras da palavra, as alternativas podem ser muitas. A palavra mal escrita “brla” pode ser “bela”, “bola”, “bala”, “borla” ou “burla”. “Estamos a criar modelos de linguagem representativos da língua e que possam dar com maior certeza a palavra pretendida.”
Já o objetivo do HoliBraille é completamente diferente. Este objeto funciona como uma caixa ou capa que se anexa à parte de trás do smartphone. De cada extremidade desta caixa saem três “atuadores” onde se apoiam os dedos usados na escrita de Braille e que vibram quando se escreve. A ligação entre a caixa e o telemóvel faz-se por Bluetooth. De uma forma imediata, o HoliBraille sabe quais os dedos que o telemóvel reconheceu enquanto se escreve Braille e dá essa informação ao utilizador através da vibração (ou ausência dela) de cada um dos “atuadores”.
“O problema dos ecrãs táteis é que não tem retorno tátil acerca dos elementos que estão a ser ativados. O HoliBraille permite que os utilizadores cegos sintam nos dedos qual a letra que está a ser inserida e, assim, evitar erros de escrita.”
Esta tecnologia poderá ajudar as pessoas que estão a aprender Braille. Investigadores na Universidade de Lisboa estão a criar jogos para a aprendizagem deste alfabeto. “O sistema mostra ao utilizador como escrever a letra, vibrando os dedos correspondentes. Após a letra ter sido ensinada, pede ao utilizador que a insira”, exemplifica o cientista.
Para testar estes desenvolvimentos, a equipa trabalha com a Fundação Raquel e Martin Sain (FRMS), instituição portuguesa, que faz formação de cegos. “As opiniões que nos foram dadas [pela FRMS] são essenciais para criar tecnologias úteis e usáveis”, diz Hugo Nicolau.
O HoliBraille ainda está em fase de protótipo e construí-lo custa entre 80 e 100 euros. Tanto este objeto como o B# não têm patentes. A filosofia do grupo é que as suas criações sejam abertas a todos, frisa Hugo Nicolau: “Pretendemos criar soluções que sejam aplicadas rapidamente. Estamos abertos a novas colaborações.”
In: Público
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