Um novo estudo veio lançar uma nova luz sobre o funcionamento do cérebro no autismo, ao sugerir que há um excesso de sinapses em pelo menos algumas partes dos cérebros de crianças autistas, e que a capacidade do cérebro de reduzir o número dessas sinapses é comprometida.
A descoberta fornece pistas sobre como o autismo se desenvolve na infância e poderá ajudar a explicar alguns dos sintomas, como a sensibilidade excessiva a ruído ou experiências sociais, bem como os ataques epiléticos. Também poderá ajudar os cientistas na busca de tratamento, se puderem desenvolver terapias seguras para consertar o sistema usado pelo cérebro para eliminar as sinapses excedentes.
O estudo, publicado quinta-feira na revista Neuron, envolveu tecido dos cérebros de crianças e adolescentes que morreram com idades entre os 2 e os 20 anos. Cerca da metade das crianças tinha autismo, as outras não.
Os investigadores, do Centro Médico da Universidade de Columbia, observaram atentamente para uma área do lobo temporal do cérebro envolvido no comportamento social e na comunicação. Ao analisar o tecido de 20 dos cérebros, contaram as dendrites nos neurónios e encontraram-nos em maior quantidade nas crianças com autismo. As dendrites ramificam-se de um neurónio e recebem sinais de outros neurónios através de conexões chamadas sinapses, de modo que mais dendrites indicam mais sinapses.
No desenvolvimento saudável do cérebro, há uma explosão de sinapses muito cedo e depois tem início um processo de «poda» (diminuição das sinapses). Esse processo é necessário para assegurar que diferentes áreas do cérebro possam desenvolver funções específicas e não fiquem sobrecarregadas de estímulos.
A equipa de Columbia descobriu que nas idades mais jovens, o número de dendrites não difere muito entre os dois grupos de crianças, mas os adolescentes com autismo possuem significativamente mais que aqueles sem autismo. Jovens saudáveis de 19 anos tinham 41% menos sinapses do que crianças pequenas saudáveis, mas os autistas no final da adolescência apresentavam apenas 16% menos do que as crianças pequenas com autismo.
Uma criança com autismo que tinha 3 anos quando morreu tinha muito mais sinapses do que qualquer criança saudável de qualquer idade, explicou David Sulzer, neurobiólogo e principal investigador do estudo.
Os especialistas disseram que o facto de as crianças pequenas de ambos os grupos apresentarem aproximadamente o mesmo número de sinapses sugere um problema de «poda» no autismo, não um problema de produção excessiva.
«Mais não significa melhor quando se trata de sinapses, e a ´poda` é absolutamente essencial», disse Lisa Boulanger, uma bióloga molecular de Princeton, que não esteve envolvida na pesquisa. «Se fosse um crescimento excessivo, a expectativa é de que elas seriam diferentes desde o início, mas como a diferença de sinapses ocorre posteriormente, trata-se provavelmente da ´poda`».
A equipa de Sulzer também encontrou biomarcadores e proteínas nos cérebros com autismo, refletindo mau funcionamento nos sistemas de remoção de células velhas e degradadas, um processo chamado autofagia.
«Eles mostram que esses marcadores de autofagia diminuem» nos cérebros afectados pelo autismo, disse Eric Klann, um professor de ciência neural da Universidade de Nova Iorque. «Sem a autofagia, essa ´poda` não pode ocorrer», disse.
As descobertas são as mais recentes numa área da pesquisa do autismo que está a atrair um interesse crescente. Há anos que os cientistas debatem se o autismo é um problema de cérebros com conectividade insuficiente ou excessiva, ou alguma combinação.
Ralph-Axel Müller, um neurocientista da Universidade Estadual de San Diego, disse que há crescente evidência de conectividade excessiva, inclusivamente a partir dos estudos de imagens do cérebro que conduziu.
«As deficiências que vemos no autismo parecem ocorrer em diferentes partes do cérebro, conversando demais umas com as outras», disse. «É preciso perder parte dessas conexões para um desenvolvimento ajustado do sistema das redes cerebrais, porque se todas as partes do cérebro conversarem com todas as partes do cérebro, só se obtém ruído, não comunicação», explicou.
Mais sinapses também criam oportunidade para ataques epilépticos, porque há sinais eléctricos em excesso a ser transmitidos no cérebro, prosseguiu Klann. Mais de um terço das pessoas com autismo tem epilepsia, acrescentou.
In: Diário Digital por indicação de Livresco
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