Na infância é a fantasia que dita as regras. Acordar um dia com vontade de ser médico, mudar para professor horas depois e chegar ao final da semana com a certeza de que se vai ser bombeiro. A imaginação de uma criança não tem limites, diz o senso-comum. Mas quantos cresceram a ouvir não ser possível andar com a cabeça nas nuvens o resto da vida? Os que acreditaram nessa lengalenga dos adultos podem chegar à conclusão que, se calhar, tudo não passou de uma história da carochinha. A ciência tem vindo a demonstrar que essa mentalidade pode no futuro ser mais prejudicial do que benéfica.
Usar os aspetos positivos da imaginação poderá superar o lado negativo. Há vários estudos a apontar nesse sentido e, por isso, da próxima vez que alguém o recriminar por viver na lua, rebata as críticas com provas científicas. Investigações na área da psicologia cognitiva já mostraram que sonhar durante o dia é um forte indicador de um cérebro ativo e bem apetrechado para lidar com os desafios do quotidiano.
Mentes que vagueiam sem rumo e a qualquer hora são as que melhor lidam com uma rotina acelerada e cheia de imprevistos. É aquilo que os cientistas chamam de memória de trabalho e que se caracteriza pela capacidade de manter e recordar a informação perante condições adversas. É isso pelo menos que conclui o estudo da Universidade de Wisconsin publicado na revista Psychological Science.
Nada como um caso prático para se perceber o que estes cientistas estão a tentar provar. Imagine que deixou a casa de um amigo a altas horas da noite e prometeu ligar-lhe assim que chegasse ao seu apartamento. Pelo caminho pára num posto de gasolina, enche o depósito e continua o seu percurso até se deparar com um acidente na estrada. Sai para ver se precisam da sua ajuda, chama o 112 e espera pela ambulância. Chega a casa quase ao amanhecer e, ainda assim, lembra-se de ligar ao seu amigo para dizer que chegou são e salvo. Essa é uma capacidade que os psicólogos atribuem à memória de trabalho e que permite manter ou recuperar a informação enquanto ela nos for útil.
Neste estudo, os investigadores americanos procuram perceber a relação entre a capacidade de memória de trabalho e a tendência para sonhar acordado. E concluíram que quem sonha acordado tem maior habilidade para se concentrar em ambientes que exigem estar atento a múltiplos impulsos. São aqueles por exemplo que estão no duche, no autocarro, a tomar a bica e já estão a resolver uma série de problemas associados à rotina do trabalho. Já antes se tinha constatado que a memória de trabalho está ligada aos mais altos QI, mas este estudo demonstra que esta habilidade está interligada à capacidade de pensar ou reagir além das nossas imediações.
Durante décadas, a imaginação foi encarada como o escape das crianças que se esfuma assim que crescem e são obrigadas de lidar com o mundo real. Mas cada vez mais os investigadores reconhecem a importância do papel da fantasia na inteligência emocional e até no raciocínio lógico. O Children's Research Laboratory, da Universidade do Texas em Austin fez uma série de estudos que envolveram o Pai Natal, a fada dos dentes e 91 crianças encafuadas num laboratório. O objetivo passou por analisar a partir de que idade as crianças são capazes de distinguir entre figuras reais e fictícias.
O desafio passou por perceber porque é que as crianças de três anos, que até sabem distinguir o real da fantasia, continuam aos 8 anos ainda a acreditar no Pai Natal. Os investigadores descobriram que enquanto os miúdos de 3 anos percebem o conceito do que é real e não é, quando chegam aos 7 são facilmente persuadidos pelos argumentos dos adultos. Do ponto de vista da lógica, fará todo o sentido acreditar no Pai Natal. Nunca o viram em carne e osso, mas o certo é que as prendas aparecem debaixo da árvore de Natal. Uma criança de 5 anos tem a capacidade cognitiva de juntar estes factos e só retiram conclusões erradas porque foram deliberadamente enganadas pelos pais. Essa capacidade de relacionar diferentes aspectos que dão consistência à fantasia é o que vai permitir perceber melhor o mundo real dos adultos.
Embora seja importante não é obrigatório que os pais encorajem a fantasia nos seus filhos, avisam os investigadores. Se a criança já tem um amigo imaginário ou se já está predisposta a acreditar no pai natal, deve ser estimulada, aconselha a coordenadora do estudo, Jacqueline Woolley. Quando as crianças começam a questionar a veracidade destas personagens, o principal é perceber até onde vai seu cepticismo. Se as dúvidas forem sólidas, o melhor é abrir o jogo e aceitar que chegou o momento da verdade.
A relação entre a memória, a imaginação e a empatia (capacidade de se colocar no lugar do outro) é uma outra tese científica actualmente defendida pelos psicólogos e neurocientistas. Ao longo de décadas, os estudos sobre estes três campos evoluíram de forma isolada. Daí que a tendência que uma pessoa tem para se preocupar com os outros raramente está relacionada com a memória ou a capacidade de imaginar episódios ou acontecimentos nunca vividos. Os investigadores do departamento de psicologia da Universidade de Harvard sugerem que essas habilidades cognitivas podem estar ligadas.
A habilidade que se tem em imaginar experiências nunca vividas torna mais fácil a tarefa de entender o outro. Ou seja, desenvolve a empatia, facilita a capacidade para partilhar experiências e melhora as relações sociais. Conclusões que os investigadores querem continuar a estudar, mas que para já até nem são assim tão surpreendentes. Quem é capaz de imaginar algo pelo qual nunca passou também será capaz de perceber melhor o que os outros estão a passar.
Ver mais em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
In: I online
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