O ano letivo 2013/2014 terminou e um novo período de trabalho aproxima-se. Os professores contratados com menos de cinco anos de serviço tiveram uma prova de avaliação pouco consensual no seio da comunidade educativa. Os alunos voltaram a ter exames nacionais, houve médias que subiram e médias que desceram, e o ministro da Educação anunciou que o Inglês passará a ser obrigatório desde o 3.º ano do 1.º Ciclo, a partir de 2015/2016. Os estudantes do 9.º ano estrearam-se num exame de Inglês, sem contar para nota, que deu acesso a um certificado de Cambridge e ajudou a perceber que os conhecimentos dessa língua estrangeira devem melhorar. No terceiro período, o Ministério anunciou o encerramento de mais escolas primárias com menos de 21 alunos e ouviram-se protestos em vários municípios. Contestou-se a diminuição dos recursos humanos nas escolas, colocou-se em causa o aumento de alunos por turma, questionou-se a sobrecarga nos horários dos professores, apontou-se o dedo às mudanças curriculares com o ano a meio.
Um ano que termina, outro está já à vista. O que mudou e o que se pode esperar? O EDUCARE.PT pediu a quem está habituado a abordar publicamente estes temas que olhasse para o ano que passou e pensasse no futuro. E eles disseram de sua justiça. Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), concorda plenamente com a obrigatoriedade da disciplina de Inglês desde o 3.º ano de escolaridade. A redução da taxa de abandono escolar e a melhoria das médias a Português e a Matemática por parte dos alunos do 4.º ano são aspetos que valoriza no ano letivo que terminou. Do lado oposto estão fatores como, por exemplo, a perceção social da escola pública. “Enraizamento de facilitismo e ausência de rigor, indefinição de papéis da escola – como transmissora de saberes, conhecimentos, competências e elemento socializador”, especifica.
O desinvestimento nas novas tecnologias, as alterações curriculares a meio do ano letivo, o aumento da carga letiva, a burocracia instalada, a falta de recursos humanos são aspetos que Paula Carqueja coloca do lado negativo da balança. Com um novo ano à porta, a responsável lamenta a ausência de um “pacto educativo a longo prazo, nomeadamente para 15 a 20 anos – 12 mais três da educação pré-escolar” e pede atenção para os apoios educativos e respostas aos alunos sobredotados e ainda para a publicação de legislação coordenada com o ano letivo.
Filinto Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, acompanha atentamente os passos dados pela tutela, as decisões tomadas e, como passa os dias numa escola, percebe de perto as repercussões que as medidas provocam nos professores, alunos, auxiliares, pais, encarregados de educação. “Neste momento, há mais funcionários com contratos de emprego e inserção – provenientes do Instituto de Emprego e Formação Profissional – que assistentes operacionais efetivos” comenta com o pretexto de avisar que os critérios e a fórmula de cálculo da dotação máxima de referência dos auxiliares de ação educativa e dos assistentes de administração escolar estão desatualizados, não têm em conta as características das escolas - sobretudo das destacadas como de referência para alunos com necessidades educativas especiais.
A redução “substancial” do financiamento da oferta vocacional e profissional e o aumento “exponencial” de alunos que solicitam apoio da Ação Social Escolar também surgem na lista de Filinto Lima, que dá nota de “casos de crianças que chegam com fome e pouco cuidadas à escola – o projeto PERA (Programa Escolar de Reforço Alimentar), que funcionava desde setembro de 2012, tentou acudir a estes casos, assim como o orçamento privativo das escolas”. Mas o orçamento de compensação em receita foi reduzido e as escolas enfrentaram “dificuldades tremendas em fazer face a despesas”, ainda por cima com as faturas de água, eletricidade e gás a aumentarem. Por outro lado, vários edifícios ressentiram-se da interrupção do programa de modernização escolar. “Houve forte intervenção nas estruturas físicas das escolas secundárias e construíram-se centros escolares de excelência. Porém, as antigas EB2,3 foram esquecidas, encontrando-se em piores condições do que algumas que foram intervencionadas”, observa.
A lista de Filinto Lima tem mais pontos. Mais trabalho para os professores e menos horas para os realizar. Horas não letivas para diretores de turma. Agregações de escolas que, na sua opinião, vieram criar “uma nova estrutura muito complexa, recheada de ineficiências difíceis de corrigir”. Eliminação das direções regionais de educação que “perturba a vida nas escolas”. Mais alunos por turma, menos horas de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) e das áreas não disciplinares. Como será o futuro? “Estou convencido de que, em alguns exemplos que apresento, o MEC foi forçado a ceder nas negociações que manteve com a Troika e, por isso, a Educação já pagou o preço de uma governação desmedida dos sucessivos governos. Depois do abalo sentido, urge reerguer o edifício educacional, acarinhando algumas das alterações forçadas e sarando feridas resultantes dos cortes cegos impostos, corrigindo o que não esteve bem por iniciativa governamental”. Filinto Lima acredita, apesar de tudo, que é possível “aprender com os erros, mesmo quando não somos diretamente responsáveis”.
César Israel Paulo, presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), teve um ano intenso com a prova de avaliação dos docentes contratados a inquietar a comunidade educativa. Falou do assunto muitas vezes. Dessa prova que insiste ser “inútil e absurda”, mas à qual a equipa do MEC se “agarrou com unhas e dentes”. A ANVPC baseou-se no argumento do MEC para aplicação da prova, ou seja, no aumento da qualidade do ensino, e pediu à tutela que torne “público e transparente” o número de docentes que obtiveram aprovação na dita prova e que estarão, no próximo ano letivo, ao serviço do MEC, isto é, a lecionar nas escolas públicas, e com que dimensão de horário. “Com tal procedimento, o MEC permitirá que todos os portugueses tenham consciência da consequência dos resultados da aplicação direta da PACC, podendo aferir a real evidência deste processo na melhoria da educação pública nacional”, atira o responsável.
Nos últimos três anos, César Israel Paulo garante que não viu ser instituída uma única medida que, objetivamente, tenha aumentado a qualidade do sistema de ensino público. “O ano letivo terminado fica marcado por um profundo empobrecimento da escola pública sem precedentes, quer pela redução dos seus recursos humanos, financeiros e, acima de tudo, pelo aprofundamento das desigualdades de acesso a uma educação de qualidade para crianças, jovens e adultos – combate esse que, a bem da justiça, devemos salientar, tinha vindo a ser desenvolvido pelo governo anterior”. O responsável fala num ataque à escola pública. “O ministro Nuno Crato, e sua equipa, operacionalizou em 2013/2014 um estrangulamento brutal da oferta educativa dos estabelecimentos públicos de ensino, entregando-a, na sua maioria, ao setor privado da educação – vejamos o caso concreto dos cursos profissionais -, e realizou um ataque impiedoso à imagem pública da classe docente portuguesa e à qualidade do ensino público, que lança a todos os dirigentes associativos um grande desafio democrático – demonstrar a qualidade, a equidade, deste modelo público de educação, nomeadamente no que concerne ao direito a uma educação de qualidade para todas as crianças, jovens e adultos, e em especial para todos aqueles que se apresentam como socialmente mais frágeis”.
Presente no acessório, ausente no essencial
Um novo ano à vista e a ANVPC não abre mão dos desígnios estabelecidos para os professores contratados. Espera que o MEC não os esqueça e passe à prática. A vinculação de todos os docentes contratados com quatro ou mais contratos anuais sucessivos, contabilizados desde 2001, em todos os grupos de recrutamento, é um dos principais objetivos deste grupo de docentes que reivindica mais procedimentos. Como colocar os contratados a lecionar desde o dia 1 de setembro de forma que possam participar nas reuniões e arranque do ano letivo, e colocar, em concurso nacional, todos os horários referentes às escolas com regime de autonomia e TEIP. Retirar a PACC do Estatuto da Carreira Docente e dignificar a classe docente, proporcionando-lhe um clima de confiança e estabilidade, também são desígnios estabelecidos. César Israel Paulo lembra que os contratados deveriam poder aferir à menção de excelente na avaliação de desempenho, como os colegas. “Impossibilidade criada, curiosamente, pela equipa ministerial atual que supostamente defende o rigor e a excelência”. E defende que as escolas públicas devem ter liberdade para definir a sua oferta educativa para que não se bloqueie a “abertura de cursos considerados fulcrais pelas estruturas educativas para o desenvolvimento local e regional”.
Paulo Guinote, professor e autor do blogue A Educação do Meu Umbigo, olha com desencanto para o ano letivo que terminou. Encontra-lhe incoerências e incongruências e também uma teimosia em não querer assumir erros do passado. “Ausência de rumo na área da Educação”, resume, admitindo que custa perceber que a imposição de cortes orçamentais seja a desculpa recorrente para justificar várias decisões nesta área. E quando se refere à sobreposição de medidas incoerentes, Guinote apresenta exemplos, realçando que, por um lado, se fala na autonomia das escolas e agrupamentos e, por outro, reforçam-se medidas de carácter centralista. “Continuam a definir-se centralmente normativos de aplicação nacional ou cronogramas da expansão de medidas como a expansão do ensino vocacional e metas de aprendizagem nacionais”, diz, recordando que há ainda propostas de municipalização que têm sido abordadas nos últimos tempos.
“Outro aspeto é o da retórica em torno da liberdade de escolha que se propaga ao mesmo tempo que se limitam as suas possibilidades, seja através do encerramento de escolas de proximidade, seja através da aglomeração de projetos outrora distintos na amálgama dos mega-agrupamentos, em que a despersonalização e uniformização se sobrepõem a qualquer hipótese de diversificação das propostas educativas e pedagógicas”, refere.
O professor considera que não há um rumo em matérias importantes, mas sim uma “teimosia imensa em não assumir erros ou falhas na implementação de projetos que poderiam ser muito interessantes”, apresentando como exemplo a certificação externa das aprendizagens na disciplina de Inglês que, em seu entender, no modelo apresentado e aplicado, “se transformou numa espécie de negociata entre o IAVE e entidades externas, feita à custa do trabalho dos professores do sistema público de ensino e exigindo pagamento aos alunos”. “As falhas na aplicação e classificação dos testes são indesculpáveis, assim como as sucessivas declarações públicas do responsável principal pelo IAVE, sempre pronto para culpar os professores pelas suas erradas previsões, culminando tudo numa enorme confusão – que parece ter passado despercebida – acerca do número de alunos que terão pedido e pago o certificado do teste em causa”, acusa.
Paulo Guinote salienta ainda a “deserção” do ministro da Educação, exceto para falar da prova dos contratados, com a qual não concorda, sustentando que se desconhecem os critérios de elaboração dessa prova “feita por gente sem rosto e classificada por outra gente que parece envergonhada de o fazer”. Na sua opinião, o MEC existe para o acessório e desaparece nas questões estruturantes e que podem ter repercussões a médio prazo. “A implosão parece ter acontecido mesmo no centro nevrálgico do MEC e não nas suas alegadas obesidades estruturais”, conclui.
Sara R. Oliveira
In: Educare por indicação de Livresco
Sem comentários:
Enviar um comentário