Ser coerente será apenas ser congruente, estabelecer concordância entre ideias e fatos? No contexto escolar, talvez a coerência assuma a forma de fidelidade a princípios… Porém, em nome da verdade (palavra rara nos Projetos Político-Pedagógico - PPP - das escolas), diz-se que valores abundantes no discurso pedagógico raramente se traduzem em atitudes, talvez por não serem passíveis de concretização no contexto de uma sala de aula. Por exemplo: se o professor tem dever de obediência hierárquica, se não é autónomo, como poderá educar em autonomia? Ninguém dá aquilo que não possui. Se a autonomia é algo que se exerce em relação a outrem e o professor está sozinho na sala de aula, como poderá ensinar autonomia? O professor não ensina aquilo que diz; o professor transmite aquilo que é.
A mudança das instituições processa-se a partir da transformação das pessoas que as compõem e mantêm. Se o professor pretende despertar sentimentos de respeito ou de responsabilidade nos seus alunos, precisa de colocar esses sentimentos nas suas atitudes. Porque ficar entre o discurso da mediocridade e a linguagem do génio, porque ficar no meio-termo? Albert Schweitzer foi coerente: abandonou o conforto da cidade, foi selva adentro e consumou ideais.
Julio Cortázar escreveu que uma ponte só é verdadeiramente uma ponte quando alguém a atravessa. Tão importante como escutar uma palestra ou ler um livro é escutar-se, escutar a si próprio, verificar a coerência entre o ato e a teoria. E saber fundamentar aquilo que se faz, assumindo compromissos. A teoria converte-se em ação quando assumida em situações reais. Precisamos de menos visionários e de mais coerência praxiológica. Dizia Kurt Lewin: “teoria sem prática é viajar no vazio, prática sem teoria é viajar no escuro”. Sabemos que a pedagogia age numa fronteira ténue entre intenção e gesto, motivo pelo qual não deveremos preocupar-nos apenas com grades curriculares – estejamos atentos aos modos de trabalho, que deverão considerar o ambiente social em que o aluno vive.
“A escola é apenas um momento da Educação; a casa e a praça são os verdadeiros estabelecimentos pedagógicos”, dizia-nos Johann Heinrich Pestalozzi. Não nos esqueçamos da necessidade de harmonizar valores do projeto escolar com os valores do projeto familiar (mesmo que ninguém o tenha escrito…).
Se nos lares e nas ruas escasseiam a tranquilidade e a reflexão, como pretender que os nossos alunos se mantenham quietos e calados? Se há professores que se atropelam ao falar e sussurram ao pé do ouvido do colega do lado, como poderão exigir dos seus alunos o levantar a mão para solicitar a sua vez de falar? Essa postura de cidadania básica não é comum no decurso de reuniões de professores... E a incoerência pode gerar situações de embaraço: Ô professora, faça o favor de jogar o chiclete fora. Nós somos proibidos de mascar!
A velha história é contada assim: Aquele barco a remos fazia a travessia de um rio. Num dos remos tinha escrita a palavra “acreditar”; no outro, a palavra “agir”. O barqueiro explicou o porquê. Usou o remo no qual estava escrito “acreditar” e o barco começou a dar voltas, sem sair do mesmo lugar. Depois, usou o remo em que estava escrito “agir” e o barco girou em sentido oposto, sem ir adiante. Quando usou os dois remos, num mesmo movimento, o barco navegou até a outra margem. Não “remou contra a maré” ou “ao sabor da corrente”. Uniu duas margens pelo impulso da escolha que lhe imprimiu um rumo coerente.
José Pacheco
Fonte: Educare
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