Há 35 anos, quando foi aprovado o diploma que regula os contratos de associação do Ministério da Educação com escolas privadas, Portugal vivia um ciclo de acentuado crescimento demográfico e as escolas sobrelotadas não tinham capacidade de resposta. A oferta de turmas de ensino cooperativo ou privado, financiadas por verbas públicas, dava resposta à falta de alternativas e cumpria uma função social. Alargava o acesso, assegurava a universalidade, tinha um papel a cumprir nos espaços deixados em branco pela rede pública.
No próximo ano letivo, irão abrir 656 turmas com contrato de associação nos 5.º, 7.º e 10.º anos, um número idêntico ao de anos anteriores. Apesar de sucessivos estudos que apontam a necessidade de racionalizar esta rede. Apesar de só um quinto destas escolas ficar a mais de 15 quilómetros das alternativas públicas. Apesar de, em muitos concelhos rurais, as escolas públicas estarem hoje a esvaziar-se e com dificuldade em assegurar a diversidade de cursos, enquanto ao lado abrem turmas de ensino cooperativo com meia dúzia de almas.
Este é um tema carregado de contradições. Diferentes avaliações do Tribunal de Contas, do Governo e de investigadores universitários não permitem sequer uma conclusão consensual sobre os custos de formação das turmas com contrato de associação, comparativamente com as públicas. E nas alterações que fez ao regime de financiamento destas escolas, o Governo eliminou o critério original de apoiar estabelecimentos onde o público não conseguia dar resposta, passando a privilegiar a liberdade de escolha.
O último estudo de reorganização da rede encomendado pelo Governo propôs encerramentos tímidos, mas que seriam suficientes para originar uma poupança de 13 milhões de euros. Pouco? Foi precisamente quanto perdeu, entre 2011 e 2014, a Ação Social Escolar. Mas se fosse mais longe, como recomendam outras análises independentes, o Ministério da Educação pouparia o suficiente para cobrir os cortes feitos na educação especial, nos cursos profissionais e nas atividades extracurriculares (AEC).
Essas escolas cumpriram, durante décadas, um serviço público relevante? Com certeza. Por isso mesmo, cabe ao Estado apoiar a sua reconversão, ajudando-as a ter um papel que as torne verdadeiramente alternativas - nomeadamente, reorientando-as para o ensino profissional. O que não faz sentido é que haja desperdícios num tempo de recursos escassos. A liberdade de escolha é uma falácia quando se abdica de investir, em primeiro lugar, na rede que é de todos. E que, tendo qualidade, só deixará de fora quem realmente não quiser o ensino público.
Inês Cardoso
Fonte: JN por indicação de Livresco
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