Não espanta que muitos alunos inteligentes definhem com as velhas promessas da oferta educativa e, mais, com as práticas demasiado formais (formatadas) que a escola atual, já sem muita convicção, perpetua, dando conformidade a um estafado caderno de encargos educacional do qual foram afastados criatividade, emoção e assombro.
A palavra “competição” permanece sacrílega e o conceito de exigência restringe-se a modalidades académicas. Evita dar-se o salto, dado ser inegavelmente mais fácil acumular estratégias quotidianas. Os professores não arriscam, e quando o fazem são olhados com alguma desconfiança, a troco do argumento de que a discriminação positiva lesa o interesse coletivo (leia-se comunidade educativa): é nesse fundamento que radica o pressuposto da escola inclusiva, incapaz de olhar para os projetos de qualidade sem agitar os fantasmas do elitismo.
O Agrupamento de Escolas José Régio de Portalegre, felizmente, e usando de uma estratégia de equilíbrio nestas duas perspetivas, tem desafiado a cultura da mediocridade com verdades indiscutíveis: José Luís Jacob exerce habilmente um projeto no domínio do “desporto escolar”, com a consciência de que não há progresso sem engenharia financeira, sem um trabalho contínuo e obsessivo por resultados no atletismo, e sem a aliança entre a exigência e os objetivos extra-escolares: o treinador tem obtido resultados espantosos a nível nacional, colocando atletas de escola, de vários escalões, a par de outros filiados em clubes. Não é um fenómeno: é trabalho e brio, a que muitos chamariam arrogância.
Seguindo uma lógica semelhante, o grupo de teatro do mesmo agrupamento escolar apresentou recentemente a peça A Casa de Bernarda Alba de Lorca, num plano que alguns apelidariam de semiprofissional, não sem que haja quem considere desastroso que adolescentes protagonizem aquilo que compete a mulheres. As escolas continuam renitentes a uma cultura que, dentro dela, vá para fora dela, uma cultura de exigência que lhe escape e se inscreva naquilo que é considerado alucinante, superior ou insuportavelmente libertário. O facto é que as doze alunas do elenco espantaram pela maturidade cénica, resultante de um meticuloso e impressionante trabalho de encenação (com os seus truques), capaz de intimidar muitas companhias de teatro, sobretudo as que dirigem o seu repertório precisamente às escolas. Pode ser fácil apontar algumas debilidades, em especial a da colocação de voz, mas a resposta das doze jovens foi categórica: o teatro só é uma brincadeira porque é levado muito a sério. Inês Carvalho (Bernarda), Bárbara Galego (Poncia), Ana Teles (Angustias), Patrícia Meira (Martirio), Leonor Caiola (Madalena), Margarida Lopes (Amélia), Beatriz Miranda (Adela), Laura Pascoal (criada), Inês Bandeiras (Maria Josefa) Carolina Augusto (Prudencia), Mafalda Flores (pedinte e rapariga) e Ana Valério (mulher enlutada) propiciaram uma leitura desafiadora, eficaz (com a precisão de um relógio) e magnífica da peça de García Lorca. Alunas que não se limitaram a responder às exigências de uma pauta teatral, mas que mergulharam no território vertiginoso de quem esquece a própria pele para vestir a outra, investindo-a ainda do seu instinto irrefreável – num complexo exercício de desassossego, vulnerabilidade e fragmentação.
A mãe tirânica e os dogmas do preconceito são o tema da peça. São também as malhas em que se enredam as escolas, quando não aspiram a mais do que são. A algo decisivo, esmerado e irrestrito. Às vezes é preciso pensar fora da escola para ser escola, ou seja, dar o salto (sem ânsia megalómana). Ainda bem que os alunos percebem isto.
António Jacinto Pascoal
Professor
Fonte: Público
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